surpresas para regina

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Regina e seu fiel cachorro Thor, em um cruzeiro com a família, caem ao mar e vão parar em uma ilha inexplorada, coberta de mata nativa. Assim se inicia a saga de Surpresas Para Regina. Na selva, Regina e Thor vivem aventuras extraordinárias, o que fortalece sua lealdade mútua. Os perigos, no entanto, são inúmeros, e por sorte são encontrados por um jovem indiozinho, Cauê, e sua cachorra Zaiá, que os ajudam na difícil sobrevivência na floresta. Nasce uma grande amizade, e os quatro dividem o tempo entre brincadeiras e descobertas incríveis na mata virgem em que se encontram. A adrenalina aumenta ainda mais quando as crianças descobrem traficantes de animais silvestres na floresta e, na ingenuidade própria da idade, colocam suas vidas em risco, com o único objetivo de libertar aqueles seres indefesos das mãos dos marginais. Através das ações heroicas de Regina, Cauê, Thor e Zaiá, esta história visa despertar no público infantojuvenil a ética e a consciência ecológica.

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INVESTIMENT OINVESTIMENTO

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S ã o P a u l o 2012

COLEÇÃO NOVOS TaLENTOS Da LITERaTURa BRaSILEIRa

SURPRESAS PARA REGINA

Elza Fernandes Torres

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Capítulo I

De longe podia-se avistar a casa. Era uma das mais bonitas da rua, para não dizer do bairro, justiça seja feita, e uma casa das mais bonitas de toda a cidade.

Construída na parte mais elevada do imenso terreno, ela se impunha não só por sua beleza, mas também pelo seu tamanho. Possuía dois pavimentos e era enorme, majestosa. Parecia mais um palacete, rodeada por jardins belíssimos, repletos de cravi-nas e margaridas, que, com suas cores e perfume, abrilhantavam os jardins com as volumosas folhagens cheias de flores. Havia também roseiras de todas as cores, begônias, girassóis e outros tipos mais. Podia-se dizer que existiam, naquela maravilha, deze-nas de espécies de flores e folhagens, todas muito bem cuida-das. Não faltavam estufas enormes, onde crisântemos de cores diversas podiam florescer com exuberância, durante o ano todo. Não podemos nos esquecer das raríssimas espécies de orquídeas. Amantes da natureza, os donos orientavam os jardineiros a usa-rem adubos orgânicos, preparados em grandes latões, ali mesmo, nos galpões, com restos de alimentos, cascas de legumes, ovos, frutas, pó de café, chá, vegetais, folhas verdes ou secas etc.

Completando esse quadro, havia uma fonte de águas lím-pidas e transparentes, que deixava tudo muito agradável e con-fortante, um local onde os pássaros iam saciar a sede depois de entoar seus cantos magníficos, tornando o ambiente quase mágico.

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Muitos diziam que se o paraíso existisse, deveria ser muito parecido com aquele espetáculo que os olhos não se cansavam de olhar. Era um verdadeiro cartão-postal, uma paisagem digna dos pincéis de pintores famosos como Renoir, Leonardo da Vinci, Van Gogh, Salvador Dali.

Pela aparência externa da casa dava para imaginar duas coi-sas: o seu interior, que era abarrotado de móveis caros, luxuosos e antiquíssimos, e o poder econômico de seus donos, os quais eram muito ricos, milionários. A bem da verdade e sem medo de exageros, eles eram bilionários.

Porém, apesar do dinheiro, os habitantes daquela man-são não eram esnobes nem arrogantes, ideia que a maioria dos indivíduos tem sobre os mais abastados. A riqueza maior deve estar no interior das pessoas, porque só assim elas sabem tirar bom proveito da riqueza material, estendendo a mão aos menos favorecidos. Era assim que pensavam os donos daquela man-são, que usavam grande parte de sua fortuna em instalações de fábricas, lojas e indústrias – com o intuito de criar empregos para a classe mais carente.

Pois bem, ali morava a família Cerqueira, composta pelo casal Rafael e Simone, a filha Regina, a sobrinha Magali e uma meia dúzia de empregados. Não que fossem apenas seis o número de criados. É que moravam ali somente os mais antigos, os solteiros e os que precisavam ficar mais tempo no emprego, como o motorista, a governanta, a cozinheira, a copeira etc.

O dia estava amanhecendo e Regina ainda dormia pro-fundamente. Era uma menina de uns doze anos, de cabelos levemente ondulados, com reflexos dourados, que pareciam uma cascata onde refletiam os raios do sol quando se põem; os olhos esverdeados transmitiam doçura e uma bondade que a

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tornavam, além de bonita, muito simpática. Tinha um sorriso muito lindo – os lábios rosados eram cercados por duas covi-nhas muito bem alojadas em seu rosto oval. Além da beleza física, também possuía ótimas e marcantes qualidades morais que a tornavam bela em seu interior. Podia-se dizer que era a filha que muitos gostariam de ter.

Pelo semblante tranquilo via-se que seus sonhos eram bons e que o sono iria durar ainda um bom tempo... Ao menos era o que parecia, mas com o barulho que, de repente, veio de fora...

Regina acordou com o latido de Thor no jardim. Levantou-se e olhou pela janela. Sua prima Magali puxava o cão pelas orelhas e ria com a brincadeira maldosa.

Magali era também muito bonita. Os cabelos cor de fogo emolduravam o rosto redondo, onde os olhos pretos se destacavam, chamando a atenção para seu brilho intenso. Eram realmente belos, mas existia neles algo que não era possível determinar; tristeza... melancolia... No entanto, olhando com atenção percebia-se que era algo mais forte, mais marcante.

Regina desceu as escadas correndo em defesa do pobre animal.

“Como pode uma menina ser tão má?”, perguntou-se.Assim que ficou órfã, aos três anos de idade, Magali foi

morar com eles. Era tão diferente das pessoas da casa que nem parecia pertencer àquela família. Era invejosa, má e traiçoeira, mas, na frente dos tios, fingia ser a mais doce das criaturas. Quando ficavam apenas as duas, a prima mostrava tudo de ruim que nela existia.

Regina preferia não contar nada aos pais, queria que eles descobrissem por si mesmos o verdadeiro caráter da prima. Não

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queria ser dedo-duro. Além do mais, seus pais eram tão bons que talvez não levassem a sério suas queixas; poderiam pensar que, por ciúmes, ela estivesse “imaginando” coisas.

Regina lembrou que seus pais haviam planejado uma via-gem para aquelas férias de final de ano. Iam viajar no iate da família, de Florianópolis, cidade onde moravam, até a casa de sua avó, que morava em Portugal. Haviam decidido passar por todas as ilhas e algumas cidades do litoral, para melhor conhe-cerem o que de bonito havia no trajeto.

Naquele momento, pensando no passeio, Regina sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo; ficou preocupada, parecia um pressentimento. Resolveu deixar de lado os maus pensa-mentos e foi tomar seu café, sempre seguida por Thor, que, muito desconfiado, não se aproximava de Magali.

Seus pais já estavam sentados à mesa, à espera das duas. Ela olhou para eles com carinho. Eram tão bons... eram pais perfeitos. Percebia-se, ao olhar para a mãe da menina, que esta havia recebido da mãe toda formosura e beleza, com exceção dos olhos, cuja cor verde pertencia ao pai, um homem trabalha-dor, honrado e muito simpático.

Apesar da fortuna incalculável que havia herdado, Seu Rafael fazia questão de cumprir o horário diário de trabalho; dizia que não era com intuito de aumentar o patrimônio, mas de conservá-lo. “O trabalho dignifica o homem; já a ociosidade o destrói”, ele costumava dizer.

O resto da semana transcorreu na mais perfeita harmo-nia. Regina e Magali terminaram suas provas finais. Levaram os boletins para casa. Estavam supercontentes, haviam sido apro-vadas. Iriam estudar juntas novamente, pois tinham a mesma idade.

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Os preparativos para a viagem aconteceram em meio a muitas risadas. Tudo era motivo de alegria. Só uma coisa deixava Regina preocupada: Qual seria o comportamento de Magali? Seus pais iriam conhecer a verdadeira face da sobrinha? Como ela faria para dissimular sua maldade, agora que teria que passar um tempo maior com os tios? E se ela melhorasse? E se, milagrosamente, se tornasse uma boa pessoa? Em seu íntimo, Regina torcia para que a prima mudasse, assim elas seriam real-mente boas amigas, talvez até irmãs, já que eram filhas únicas e moravam na mesma casa.

Ela não entendia o porquê da agressividade que a prima tinha em relação a ela, já que recebiam o mesmo tratamento por parte de seus pais. O casal tratava as duas com o mesmo carinho, e tudo o que compravam para a filha, também com-pravam para a sobrinha. Às vezes diferenciavam nas cores e nos modelos, porém o preço e a qualidade dos brinquedos, roupas e sapatos eram equivalentes.

Se existia distinção quanto aos sentimentos eles não demonstravam, embora Regina pensasse que, bem lá no fundo, eles deveriam sentir um amor diferente por ela, pois, além de estar há mais tempo com eles, era ela a verdadeira filha. Fora planejada, esperada, amada desde que era uma “sementinha”, no útero de sua mãe, e nada mais natural que ela fosse não a mais amada, mas amada de uma maneira especial.

Talvez ela estivesse enganada. Talvez os pais, na grandeza de seu amor, soubessem amar as duas com a mesma intensi-dade. Será que, no fundo, ela não sentia mesmo um pouquinho de ciúmes, por achar que o amor deles por ela deveria ser espe-cial? Fosse como fosse, a prima parecia não aceitar tudo com naturalidade.

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Regina lembrou-se do episódio das bicicletas que elas haviam ganhado no natal passado. A dela era vermelha; a da prima, cor-de-rosa.

No momento em que recebeu o presente, Magali disse que havia gostado mais da vermelha. Os pais perguntaram a Regina se ela trocaria com a prima, e ela o fez de bom grado.

Assim que a troca foi feita, Magali insistiu em destrocar, pois achava que a cor-de-rosa era, realmente, a mais bonita. Nova troca foi efetuada. D. Simone havia dito que ela estava insegura quanto ao que queria.

Tão logo ficou sozinha, Magali foi experimentar a bici-cleta, e começou pela vermelha, que era de Regina. Levou um tombo, “deixou” a bicicleta bater em umas pedras, o que resul-tou em alguns esfolados na pintura e um amassado no para--lama dianteiro. Devolveu o presente a Regina, dizendo:

– Desculpe, acho que amassou um pouco. – E, em voz baixa, concluiu: – Agora sim, a cor-de-rosa é a mais bonita, além de parecer mais nova também.

Regina percebeu que ela havia feito de propósito, e sentiu uma vontade enorme de pedir aos pais que fizessem nova troca. Porém, decidiu deixar como estava.

“Só iria criar atrito e, do jeito que conheço Magali, logo, logo, a bicicleta dela vai parecer mais velha do que a minha”, pensou. E o episódio acabou ali mesmo, sem que seus pais tives-sem conhecimento. Ela pensou que talvez devesse ter contado. Se não tivesse escondido as artimanhas da prima... Mas agora não adiantava lamentar.

– O que passou, passou – disse para si mesma.Regina olhou para o motorista, que se aproximou de seu

pai e ouviu o que ele disse:

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– A bagagem já está no carro, Seu Rafael. Podemos ir quando o senhor quiser.

E assim eles saíram em direção ao cais, que ficava um pouco distante de onde moravam. De longe, eles avistaram o iate “O trovão dos mares”. Regina gostava muito do nome dado à embarcação, foi sua mãe que escolheu.

Era um iate enorme. Algumas pessoas, quando se refe-riam a ele, diziam: “O navio da família Cerqueira”. Era muito bonito, robusto e seguro. De acordo com os mais entendidos, era tão seguro viajar nele que se podia dar a volta ao mundo, cruzando os mares, debaixo das piores tempestades, sem o risco de qualquer estrago.

“Eu é que não quero enfrentar nenhuma tempestade”, pensou Regina, com medo. “Tenho pavor de tempestade den-tro da minha casa, imagina no mar; por mais resistente que seja o iate, prefiro não me arriscar.”

Tirou um pouco a cabeça para fora do carro e, olhando para cima, sentiu-se mais tranquila ao perceber que não havia o menor indício de chuva; o céu estava limpo, e mais azul do que aquilo seria impossível.

Desceram do automóvel e caminharam em direção à embarcação. A tripulação foi ao encontro deles, perguntando sobre a bagagem. O capitão disse que havia providenciado ali-mentos saudáveis e fresquinhos para uma boa temporada e que, assim que ancorassem em algum porto, ele providenciaria novas compras. Sempre abastecia a despensa com provisões em quan-tidade suficiente para passarem o dobro do tempo planejado.

– Pura precaução – dizia.– É sempre melhor sobrar do que faltar. É mais tranquilo

saber que temos comida com fartura, afinal nunca sabemos o

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que vamos enfrentar. Além do mais, assim que passarmos pelos portos, no momento do reabastecimento, oferecemos o que tiver sobrado às pessoas carentes que estiverem por ali. Estragar é que não vou deixar – comentou Seu Rafael, enquanto verifi-cava as provisões.

Eram quase dez horas quando partiram. Ficou decidido que as duas primas dormiriam no mesmo camarote. Regina colocou a cama do seu cão bem próximo à sua. Era uma cama parecida com a dela, e que o pai tinha encomendado havia mais ou menos um ano. Não era pequena, mas quando Thor se aco-modou ela pareceu bem menor. Só agora percebia o quanto ele havia crescido; estava enorme. Ao seu lado qualquer pessoa se sentia protegida, ele havia sido treinado para ser um verda-deiro cão de guarda, um amigão que toda criança queria para brincar. Era um pastor belga, valente e de compleição robusta; tinha dentes fortes e orelhas eretas. Não se atemorizava diante de nada. A coragem era sua qualidade natural. Foi escolhido por Seu Rafael, que o dera de presente a Regina havia dois anos. Thor era tão inteligente que as pessoas diziam que ele só faltava falar: parecia entender tudo.

E os dias foram passando. Estava tudo tão calmo, que Regina acreditava que Magali havia realmente se transformado, tamanhas eram suas gentilezas para com ela.

Passaram por várias ilhas, mas não pararam, elas pareciam desabitadas. Eles tinham programado muitas atividades para fugir da monotonia. Durante o dia, logo pela manhã, após o café, tomavam sol e dedicavam-se à leitura. À tarde, após o almoço, tiravam um cochilo, assistiam à TV e, bem à tardinha, nadavam e praticavam esportes. Havia uma sala com vários aparelhos de ginástica, uma espécie de miniacademia. Às vezes,

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ancoravam por mais tempo na costa, iam de barco até bem pró-ximo das praias e aproveitavam as águas límpidas e calmas para nadarem um pouco. E, como era de se esperar, Thor nadava com eles. O danado do cachorro nadava muito bem!

Regina sentia tanto orgulho quando o via nadar que dizia que, se existissem olimpíadas para animais, na prova de natação ele seria capaz de ganhar uma medalha de ouro.

Seu Rafael dizia que eles uniam o útil ao agradável, pois precisavam se exercitar e, com todas essas atividades durante o dia, além de manterem o corpo em boa forma, as horas pas-sariam mais depressa, o que tinha um fundo de verdade. Na maioria das vezes assustavam-se com o cair da tarde.

– Nossa! Já vai escurecer? – era o que sempre se ouvia um ou outro dizer, tamanha a rapidez com que o tempo passava.

Tão logo chegava a noite, tomavam banho, jantavam e algumas vezes assistiam à TV, outras promoviam brincadeiras em grupo, algum tipo de jogo. Costumavam se recolher sempre no mesmo horário. Seu Rafael e D. Simone diziam ser mais saudável seguir uma rotina, tanto na hora de fazer as refeições, quanto na hora de ir para a cama.

Naquela noite, Regina acordou e não viu Thor. A cama da prima estava vazia. Talvez os dois estivessem no convés. Subiu, e no primeiro instante não avistou ninguém. Olhou à procura do marinheiro responsável por aquele turno e não o viu – tal-vez tivesse descido para verificar alguma coisa ou para buscar mais café. Eles bebiam muito café, diziam que ajudava a ficar acordado.

Regina foi até a popa, a parte posterior do iate, e viu a prima. Aproximou-se. Só então percebeu o que estava aconte-cendo: Magali havia colocado a focinheira em Thor e... oh, não!

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Ela o estava empurrando para o mar. Regina apressou o passo e, quando chegou bem próximo, arrancou das mãos daquela malvada a corda que prendia o animal.

Retirou a focinheira e se levantou, foi quando uma onda mais forte balançou o iate fazendo Regina perder o equilíbrio. Ao cair, bateu com a cabeça e escorregou para o mar.

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