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    POLTICOS, PARTIDOSE SISTEMAS ELEITORAIS

    O BRASIL NUMA PERSPECTIVA COMPARATIVA

    Scott Mainwaring

    Traduo: Otaclio F. Nunes Jr.

    Nos ltimos anos surgiu uma literatura considervel sobre sistemas eleito-rais nas democracias ocidentais avanadas (Bogdanor e Butler, 1983; Grofman eLijphart, 1986; Katz, 1980; Lijphart, 1988; Nohlen, 1981). Embora os analistas desistemas eleitorais discordem acerca de muitas questes, h tambm alguns pon-tos consensuais importantes. E o mais importante, eles concordam em que os sis- temas eleitorais tm peso, que no so simplesmente reflexo de clivagens socio-lgicas e polticas mais amplas na sociedade. Os sistemas eleitorais afetam as estra- tgias dos eleitores e dos polticos (Riker, 1986). Por exemplo, em um sistema dis-trital de maioria simples com um s eleito por distrito, os eleitores tm um forteincentivo para escolher um dos dois candidatos mais fortes, e os polticos soincentivados a no formarem terceiros partidos. Como argumentaram muitos au-tores, os sistemas eleitorais influenciam fortemente o nmero de partidos (Duver-ger, 1954; Lijphart, 1988; Rae, 1967; Riker, 1986; Sartori, 1986), e portanto a na-tureza da competio no sistema partidrio1. Embora a questo tenha sido muitomenos explorada, os sistemas eleitorais tambm afetam as maneiras como os par-tidos se organizam e funcionam internamente (Katz, 1986).

    A despeito da evidncia de que os sistemas eleitorais so importantes, essetema foi negligenciado no estudo da poltica latino-americana2. Na ltima dca-da, surgiu um "novo institucionalismo" no estudo da poltica latino-americana,acompanhando o novo institucionalismo no estudo da poltica norte-americana(ver March e Olsen, 1984). O nmero de estudos sobre eleies, partidos e outrasinstituies e a opinio pblica aumentou, embora ainda reste muito a ser feito.Curiosamente, contudo, esse novo institucionalismo em geral no estimulou umaateno sria aos sistemas eleitorais. Com algumas notveis excees, o estudodos sistemas eleitorais permanece subdesenvolvido3. Um reflexo dessa questo que no h livros e h poucos artigos em ingls sobre os sistemas eleitorais naAmrica Latina4. Este texto procura preencher essa lacuna no estudo da polticalatino-americana.

    Outros pesquisadores (Lamounier e Meneguello, 1986) e eu (Mainwaring,1988) argumentamos que os partidos polticos brasileiros so singularmente sub-desenvolvidos para um pas que alcanou seu nvel de modernizao e que tevennn

    (1) Sartori (1986, p. 64) re-sume sucintamente umamplo corpo de pesquisasobre o assunto: "As fr-mulas de maioria simplesfacilitam um formato bi-partidrio, e inversamen-

    te obstruem o multiparti-darismo. As frmulas derepresentao proporcio-nal facilitam o multiparti-darismo e, inversamente,dificilmente levam ao bi-partidarismo". Contudo, importante notar que ex-ceto Nohlen (1981), osestudos comparativos ge-rais das consequnciasdas leis eleitorais exclu-ram a Amrica Latina. Es-sa negligencia pode ser

    justificada no caso dospases que nunca tiveramdemocracias consolida-das, pois nesses casos osefeitos de longo prazo dasleis eleitorais no tmtempo de se efetivarem. Anegligncia menos jus-tificada com respeito ao

    Chile, Colmbia, CostaRica, Uruguai e Venezue-la, que tiveram, todoseles, democracias conso-lidadas. Em alguns casos,a negligncia da AmricaLatina sugeriu resultadosque parecem question-veis (ou pelo menos pre-cisam ser melhor qualifi-cados) quando a AmricaLatina includa. Emboraeu no explore esse pon-to neste texto, o argu-mento geralmente aceitoda correlao entre repre-sentao proporcional emultipartidarismo temexcees significativas naAmrica Latina. Quatrodos cinco pases que tive-ram democracias consoli-nn

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    uma experincia prolongada (1946-64) de democracia liberal. Meu argumento b-sico neste texto que o sistema eleitoral brasileiro contribuiu para minar os esfor-os de construo de partidos polticos mais efetivos. Vrios aspectos da legisla-o eleitoral brasileira no tm paralelo (ou tm pouco) no mundo, e nenhumaoutra democracia d aos polticos tanta autonomia vis--vis seus partidos. Essa le-gislao eleitoral refora o comportamento individualista dos polticos e impedea construo partidria. Os graus extremamente baixos de fidelidade e disciplinapartidria encontrados nos principais partidos ( exceo dos vrios partidos deesquerda) so tolerados e estimulados por essa legislao.

    Alm de analisar as consequncias das lei eleitorais, o texto tambm exami-na a rationalepoltica que est por trs dessas leis. Os sistemas eleitorais so quasesempre institudos e alterados tanto para proteger e favorecer alguns interessesquanto para realizar um conjunto "ideal" de leis eleitorais. No obstante suas fre-quentes lamentaes sobre a fraqueza dos partidos polticos, os polticos brasilei-ros optaram sempre por um sistema eleitoral que tende a enfraquecer os partidos.Eu argumento que eles agiram assim para proteger seus prprios interesses, eque ao faz-lo, ajudaram a manter o carter elitista do sistema poltico como umtodo.

    Caractersticas bsicas do sistema eleitoral brasileiro

    dadas na Amrica Latina Colmbia, Costa Rica,Uruguai e Venezuela tm representao pro-porcional mas tm siste-mas bipartidrios. Na Co-lmbia, de 1958 at 1974,a manuteno de um sis-tema bipartidrio se de-veu em parte ao acordoentre os liberais e os con-servadores que essencial-mente deixou outros par-

    tidos fora da representa-o no congresso nacio-nal. Portanto, nesseperodo ela poderia serexcluda do rol de pasesque tm representaoproporcional e um sis-tema bipartidrio. O Uru-guai no tem mais um sis-tema bipartidrio, mas te-ve durante dcadas. A ex-perincia latino-ame-ricana sugere que osregimes presidencialistasfavorecem os sistemas bi-partidrios; esse fator po-de prevalecer sobre a ten-dncia de a representaoproporcional facilitar omultipartidarismo. Noestou dizendo, obvia-mente, que o presidencia-lismo sempre leva a um

    sistema bipartidrio; hincontveis exemplosmostrando o contrrio.

    Os sistemas eleitorais envolvem muitos detalhes que regulam uma amplagama de questes, desde como os candidatos so escolhidos at como as cadeirasso distribudas. Devido a seu carter multifacetado, os sistemas eleitorais afetammuitos aspectos da vida poltica, inclusive quantos partidos lutam de fatopelo poder e a natureza desses partidos. Neste texto, no tento descrever todasas caractersticas do sistema eleitoral brasileiro, nem todos os seus efeitos. Focali-zo principalmente algumas medidas que afetam o relacionamento entre partidose candidatos ou parlamentares, mas comeo por algumas caractersticas gerais b-

    sicas do sistema eleitoral.Como vrios outros pases latino-americanos, o Brasil tem uma mescla defrmulas de representao incomum nas democracias industriais avanadas. Al-guns cargos (presidente, governadores e prefeitos de cidades com mais de 200.000eleitores) so preenchidos em eleies majoritrias com um segundo turno entreos dois candidatos mais votados, caso nenhum dos candidatos obtenha mais de50% dos votos no primeiro turno5. Algumas cadeiras (senadores, prefeitos de ci-dades com at 200.000 eleitores) so preenchidas em eleies majoritrias sim-ples (quem obtiver a maioria relativa no primeiro turno se elege); e outras, ainda,(deputados federais, deputados estaduais, vereadores) so preenchidas em elei-es proporcionais. Consequentemente todos os trs formatos bsicos de repre-sentao cumprem um papel importante no sistema.

    O poder no sistema poltico est concentrado no ramo executivo; as elei-es para cargos executivos (exceto para prefeitos de cidades pequenas e mdias)tm um formato majoritrio com dois turnos. Nas eleies proporcionais para de-

    (2) O Uruguai foi a desta-cada e talvez nica exce-o a essa generalizao.A Lei de Lemas, que per-mite um complexo siste-ma de mltiplas chapasno mesmo partido, atraiumuita ateno dos estu-diosos e suscitou um beminformado debate acad-mico. Entre outras contri-buies, ver Gonzlez,1988; Nohlen e Rial,1986; Rial, 1986.

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    putados estaduais e federais, os estados (em nmero de 23) so o colgio eleitoral.Ainda que o senado tenha quase tanto poder quanto a cmara de deputados e se baseie num nmero equivalente de senadores por estado, o nmero de depu-tados no proporcional populao, pois h um mnimo de oito e um mximode setenta deputados por estado. Isso significa que as eleies supostamente pro-porcionais so marcadas por grandes desproporcionalidades (Soares, 1973). O n-mero de eleitores por deputado no Estado de So Paulo mais de vinte vezes maior

    do que no estado menos populoso (Acre). Ao contrrio, na Finlndia a relao entre o eleitorado mais super-representado e o mais sub-representado de apenas1,5 para 1 (Trnudd, 1968). O sistema de representao proporcional no Brasil provavelmente o mais desproporcional do mundo. Ele foi criado para super-representar os estados menos populosos, que so geralmente os mais pobres, esub-representar os mais populosos, especialmente So Paulo (Souza, 1976).

    Como ocorre sempre com a representao proporcional, as cadeiras sodistribudas em primeiro lugar de acordo com o nmero total de votos que umpartido recebe. O mtodo para determinar a proporcionalidade o das maioressobras, o qual, como Lijphart (1986) mostrou, permite maior proporcionalidadeque outros mtodos. No h patamar mnimo exceto o quociente eleitoral (nme-ro de votos dividido pelo nmero de cadeiras); os partidos que no atingem esse

    quociente no so elegveis para a distribuio das sobras. Em So Paulo, um par-tido s precisaria conseguir 1/70 dos votos (1,43%) nas futuras eleies para terdireito a representao. Em nvel nacional, s a Holanda e Israel tm patamaresto baixos quanto o Estado de So Paulo. Considerando que os colgios eleitoraisvariam de um tamanho moderado a um muito grande, de 8 a 70 deputados, a au-sncia de um patamar fixo significa que o sistema permitiria um alto grau de pro-porcionalidade se fosse usada uma frmula mais equitativa de distribuio das ca-deiras entre os estados.

    A lista aberta

    O sistema eleitoral brasileiro d aos eleitores um peso relativo ex-cepcional na escolha intrapartidria no perodo eleitoral. O grau de controle par-tidrio em oposio escolha do eleitor em selees intrapartidrias varia consi-deravelmente na poltica democrtica. H quatro possibilidades gerais nos siste-mas de representao proporcional.

    1) Uma lista partidria fechada e estrita. O partido determina uma ordeminaltervel de candidatos previamente s eleies. Se ele conquistar cinco cadei-ras, os cinco primeiros nomes da lista so os eleitos. O eleitor escolhe um partidomas no vota em um candidato especfico desse partido. Esse sistema encontra-do em muitos pases latino-americanos, inclusive na Argentina, em Israel e na Es-panha. usado tambm para metade das cadeiras na Alemanha Ocidental6.

    2) Um sistema de lista com uma ordem inaltervel, mas no qual o partidoapresenta mais de uma lista. O eleitorado pode escolher entre vrias listas mas nopode alterar nenhuma delas. Esse o conhecido sistema encontrado no Uruguainnn

    (3) A literatura brasileirasobre sistemas eleitorais razoavelmente extensa,mas em termos gerais foiinsuficientemente com-parativa e relativamenteinconsciente dos desen-volvimentos tericos so-bre o assunto. A maiorparte do debate focalizoua questo da representa-o majoritria vs. pro-

    porcional. Ver, entre d-zias de exemplos, Lima(1954, pp. 73-86), Dutra(1983), Azevedo (1975),Carrion (1983), Silva(1985), Fieischer (1984),Figueiredo (1983), Bara-cho (1983), Lima Jnior eAbranches (1983), Mar-tins (1983). Para uma ex-celente viso geral dessedebate, ver Lamounier(1982). Para uma histriados sistemas eleitoraisbrasileiros, ver Kinzo(1980). Muitos autoresnesse debate centraramna crtica ou defesa darepresentao proporcio-nal. Minha opinio queo problema no a repre-sentao proporcional per se, mas sim uma lista

    aberta e outras medidasque levaram os polticos"racionais" (no sentidode escolha racional) a umcomportamento indivi-dualista e antipartidrio.Essa questo recebeupouca ateno, emboratenha sido tratada de pas-sagem por Brito (1965),Franco (1955), Lamounier(1986), Lima Sobrinho(1956) e Trigueiro (1954).(4) O artigo de McDonald(1967) um dos poucossobre sistemas eleitoraisna America Latina publi-cados em um peridicobem conhecido dos EUA.

    (5) A eleio presidencialde 1989 foi a primeira a

    usar essa frmula, intro-duzida pela novaConstituio.

    (6) Na Alemanha Ociden-tal, o nmero de cadeirasdistribudas a um partido determinado de acordocom a representao pro-porcional, com o pas in-teiro servindo de colgioeleitoral. Cada partidodistribui suas cadeiras pri-meiro aos candidatos queobtiveram maioria emeleies distritais parauma nica vaga, e depoispara quantas cadeiras eletiver, com base numa lis-ta partidria fechada e es-trita. Em geral, metadedas cadeiras preenchida

    por meio de eleies ma- joritrias e a outra metadecom base nas listas.

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    (Rial, 1986; Gonzlez, 1988; Nohlen e Rial, 1986). Todas as listas tm um conjun-to completo de candidatos, de presidente a deputados, mas cada partido apresen-ta dzias de listas, com diferentes nomes e ordens de candidatos. No h votaopreferencial individual, mas as preferncias dos eleitores entre as faces dos par-tidos so decisivas.

    3) Um sistema de lista no qual o partido tem meios formais de interferirna ordem dos candidatos, mas que inclui uma opo de voto preferencial. Um

    voto preferencial d ao eleitorado a possibilidade de votar em um certo candidatodo partido. O partido normalmente apresenta uma ordem de candidatos, mas oseleitores tm meios de alterar a ordem da lista. Por exemplo, na Blgica (comono Chile antes de 1973), um eleitor pode escolher ou a lista partidria ou um can-didato especfico. Os votos dados ao partido so conferidos em primeiro lugarao primeiro candidato do partido em nmero suficiente para que ele/a seja elei-to(a), depois ao segundo, e assim por diante. Como a votao do partido disper-sa, isso d uma vantagem virtualmente insupervel aos candidatos privilegia-dos pelos partidos. No final da lista, contudo, a votao preferencial pode aju-dar um candidato a derrotar outro que recebeu uma colocao mais alta na listado partido. Na ustria e na Holanda, a votao preferencial praticada mas tempouco impacto sobre a ordem dos candidatos eleitos. Na Sua e em Luxembur-

    go, tem um impacto mais forte, mas ainda menor do que na ltima categoria.4) Um sistema no qual os votos preferenciais determinam completamente

    a ordem dos candidatos. Se um partido conquista cinco cadeiras, a distribuiodessas cadeiras determinada de acordo com os que no partido conseguiremmais votos individuais. Em alguns casos, como na Itlia, o partido apresentauma ordem inicial, mas essa ordem no tem autoridade formal para determinara distribuio de cadeiras aos candidatos. Em outros casos, o partido nem mesmoapresenta uma ordem inicial de candidatos; os nomes dos candidatos so ordena-dos alfabetica ou aleatoriamente. Em tese, os sistemas nos quais a votao prefe-rencial determina a ordem dos candidatos do o maior peso votao populare o menor s organizaes partidrias na determinao de quem se elege; na prti-ca, alguns mecanismos podem contrabalanar essas tendncias.

    Os sistemas eleitorais que maximizam a influncia dos eleitores na seleode quais candidatos so eleitos tiveram ardentes defensores ao longo dos anos.O clssico livro de Ostrogorski (1964) sublinhando os males de organizaes par-tidrias autoritrias advogava medidas para diluir o controle partidrio e permitira livre escolha por parte dos eleitores. A implementao de eleies primrias nosEUA teve basicamente o mesmo objetivo (Ceaser, 1979). Mais recentemente, La-keman (1974) e Newman (1982) argumentaram apaixonadamente em favor do vo-to nico transfervel, em grande medida porque ele d aos eleitores maior possi-bilidade de escolha intrapartidria.

    Os pases que do esse peso ao voto preferencial so em nmero relativa-mente pequeno. Nas eleies italianas para a cmara baixa, os eleitores votam emum partido, mas podem votar tambm em at trs ou quatro candidatos desse

    partido. Os votos do partido determinam a distribuio de cadeiras entre os parti-dos, mas os votos preferenciais individuais determinam quais candidatos se ele-gem. Cerca de 35% dos eleitores conferem um ou mais votos preferenciais. O par-n

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    tido pode tentar influenciar a eleio dos candidatos, mas em ltima instncia elacabe aos eleitores (Katz e Bardi, 1980). O sistema grego muito semelhante, masos partidos tm meios mais eficazes de favorecer os lderes partidrios.

    Embora tecnicamente no seja um sistema de representao proporcional,o voto nico transfervel, usado na Irlanda, em Malta, na Tasmnia e nas eleiespara o senado australiano, favorece o voto preferencial. Ele projetado para daraos cidados ampla chance de escolher candidatos e partidos. Os colgios eleito-

    rais so multimembrados. Os eleitores s tm direito a um voto, mas podem esti-pular sua ordem de preferncia para a lista completa de candidatos. Se sua primei-ra opo for "desperdiada" ou porque o candidato no tem votos suficientespara estar na disputa ou porque a eleio do candidato j est assegurada , ovoto vai ento para a segunda opo (e assim por diante). (Para mais detalhes, verLakeman, 1974, pp. 111-150; Lijphart e Grofman, 1984, pp. 113-151.)

    Uma terceira variao a lista aberta, s encontrada no Brasil e na Finln-dia. Trata-se de um sistema simples. O eleitor vota em apenas um deputado, e seuvoto no pode ser transferido a outras pessoas. As cadeiras so distribudas pri-meiramente aos partidos de acordo com o nmero de votos obtidos pelo conjun-to de seus candidatos, e depois, em cada partido, de acordo com o nmero devotos de cada candidato. Suponhamos que quatro partidos concorrem a um dado

    nmero de cadeiras na Assemblia Legislativa estadual. Cada partido pode lanarat 1,5 candidatos por cadeira, por exemplo, doze candidatos para oito cadeiras.Assumamos os seguintes totais de votos:

    Tabela 1

    A B C D

    Candidato 1 65000 52000 35000 36000Candidato 2 60000 40000 25000 15000Candidato 3 55000 20000 16000 10000Candidato 4 40000 14000 8000 9000Candidato 5 35000 13000 6000 8000Candidato 6 30000 12000 5000 5000

    Candidato 7 25000 11000 4000 4000Candidato 8 20000 10000 3000 1000Candidato 9 15000 9000 2000 Candidato 10 10000 7000 2000 Candidato 11 5000 5000 Candidato 12 3000 Total do partido 410000 196000 106000 88000

    O nmero total de votos conferidos, 800.000, dividido pelo nmero to-tal de cadeiras (oito) para a obteno do quociente eleitoral (100.000). Cada parti-do elege ento um representante para cada mltiplo inteiro de 100.000, o que re-sulta em quatro representantes para A, um para B e um para C. Na maioria dos

    casos, essa frmula no dar conta do nmero total de representantes. Os outrosrepresentantes so determinados tomando por base as maiores sobras. Cada parti-do que atinge o quociente eleitoral (100.000) subtrai de sua votao total seu n-mero de representantes vezes o quociente eleitoral. O partido com a maior sobrann

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    tem direito ao prximo representante. Neste caso, os partidos teriam sobras de10.000, 96.0000, 6.000 e 88.000, respectivamente. Como D no atingiu o quo-ciente eleitoral, o mtodo das maiores sobras produziria cadeiras adicionais paraC e A, e os partidos terminariam com 5, 2, 1 e 0 cadeiras, respectivamente.

    Ainda que o nmero de representantes seja determinado pelos votos parti-drios, a eleio ou no de um candidato depende de sua capacidade de obtervotos individuais, de modo que os cinco primeiros candidatos mais votados do

    partido A, os dois primeiros do partido B e o primeiro de C seriam eleitos. Essesistema incentiva fortemente o individualismo nas campanhas, espe-cialmente porque o prestgio e o poder de um candidato so grandemente fortale-cidos por um total de votos massivo. Deve-se notar que os candidatos podem noconseguir se eleger ainda que somem mais votos do que um candidato bem-sucedido de outro partido.

    Outros incentivos ao individualismo no sistema eleitoral

    Embora essa combinao de representao proporcional e sistema de listaaberta possa ser a medida mais importante para garantir aos polticos tanta auto-

    nomia vis--vis seus partidos, outros aspectos do sistema eleitoral contribuem pa-ra esse efeito. Alguns deles so mencionados a seguir.

    (1) Uma caracterstica altamente incomum do sistema eleitoral brasileiro queacentuou a autonomia poltica dos polticos vis--vis seus partidos o candidatonato. Essa uma regra pela qual os deputados estaduais e federais e os vereadores(e at 1986 tambm os senadores) tm automaticamente o direito de figurar nacdula para o mesmo cargo nas eleies seguintes. Isso significa que um polticopode violar todas as questes programticas do partido, votar sistematicamentecontra a liderana, e ainda ter um lugar garantido na cdula.

    Esse no , contudo, o aspecto mais pernicioso do candidato nato. Em al-guns casos um deputado pode mudar de partido a despeito da oposio da lide-rana partidria. Ele(a) tem ento garantido o direito de concorrer a um cargo na

    chapa desse partido. Um caso como esse ocorreu no PMDB do Estado do Paranem 1986. Renato Johnson, deputado federal do PDS, partido criado pelo governomilitar, pediu ingresso no PMDB de Curitiba, capital do estado. O diretrio doPMDB de Curitiba recusou sua filiao. Mas ento Johnson convenceu um diret-rio do partido no interior do estado a aceitar sua filiao ao PMDB. A partir da,ele teve um lugar assegurado na cdula por meio da instituio do candidato nato.

    (2) A legislao eleitoral brasileira autoriza cada partido a apresentar um n-mero incomumente alto de candidatos a cargos proporcionais. Para deputa-do estadual e federal, um partido pode apresentar 1 1/2 vezes o nmero de cadei-ras a serem preenchidas. No Estado de So Paulo, isso significa que um partidopode apresentar (e estimulado a faz-lo) at 105 candidatos a deputado federale 126 candidatos a deputado estadual. Para vereador, cada partido pode apresen-

    tar trs vezes o nmero de cadeiras a serem preenchidas. Se um partido faz umacoligao eleitoral com outro, a coligao pode apresentar o dobro do nmerode candidatos, se forma uma coligao com dois partidos, a coligao pode apre-

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    sentar o triplo do nmero de candidatos. Consequentemente, uma coligao elei-toral entre trs partidos no Estado de So Paulo poderia apresentar 378 candida-tos a deputado estadual.

    possvel argumentar que o aspecto mais pernicioso dessa medida seuefeito de despolitizao entre o eleitorado. A existncia de um grande nmero decandidatos aumenta as dificuldades do eleitorado de se lembrar quem o represen-ta no Congresso. No presente contexto, mais importante o fato de que esse n-

    mero incomumente alto de candidatos reduz o controle partidrio sobre os eleitose aumenta a importncia dos esforos individuais na campanha. Na maioria dospases, os partidos apresentam um candidato por cadeira, o que lhes d um con-trole um pouco maior sobre os eleitos.

    (3) To notvel quanto o que a legislao eleitoral diz o que ela deixa dedizer. O atual sistema eleitoral no contm nenhuma medida que proba os repre-sentantes eleitos de mudar de partido. Em muitos sistemas de representao pro-porcional,os representantes devem seu mandato ao partido e espera-se ou obriga-sea que eles renunciem se quiserem mudar de partido.

    Em outro lugar (Mainwaring, 1988) argumentei que nenhuma caractersticaisolada distingue to agudamente os partidos sempre-cabe-mais-um [catch all par-ties] brasileiros dos partidos de outras naes mais desenvolvidas da Amrica Lati-

    na quanto o relacionamento extremamente frouxo entre polticos e partidos. Ospolticos percebem os partidos como veculos para se elegerem, mas geralmenteno tm com eles vnculos profundos. Na Argentina, no Chile, no Mxico, no Uru-guai e na Venezuela, ainda que os partidos possam no ser altamente disciplina-dos ou organizados, eles exigem uma profunda fidelidade dos polticos profissio-nais, duma maneira muito semelhante ao que ocorre nos EUA. A medida isoladamais importante do relacionamento extremamente frouxo no Brasil a frequn-cia atordoante com que os polticos mudam de partido. Um clculo baseado emdados incompletos mostra que os polticos do atual Congresso pertenceram a umamdia de 2,6 partidos; com os dados completos, o nmero seria ainda maior. Apropenso a mudar de partido ainda mais notvel por causa da alta taxa de rota-tividade no Congresso. Na mdia, entre uma eleio e a seguinte (a cada quatro

    anos), h uma substituio de cerca de 60% na Cmara dos Deputados.O caos no sistema partidrio durante a transio do regime autoritrio pro-

    vocou um aumento na frequncia de mudana de partido. Entretanto, essa prticano nova, nem pode ser explicada simplesmente pelo fluxo do sistema partid-rio. revelador o fato de existir um termo especfico partido de aluguel paradescrever partidos usados s para disputar eleies, depois do que os polticospretendem passar para outros partidos. O uso desse termo remonta ao interregnodemocrtico de 1946-64.

    Essa mudana frequente de partidos solapa a noo de representao que a base da democracia liberal. Um eleitor pode votar em um representante emparte por causa de sua filiao partidria, s para v-lo passar para outro partidodepois da eleio. O governo militar reconheceu essa questo e (em parte por ra-

    zes maniquestas) instituiu uma lei estipulando que um representante perderiao mandato por mudar de partido, a menos que fosse para formar um partido no-vo, o que era permitido s uma vez em cada perodo de quatro anos.

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    Com o advento de um governo civil em 1985, essa medida foi uma das pri-meiras a serem repelidas: a Emenda Constitucional 25, de maio de 1985, revo-gou essa estipulao, autorizando os polticos a mudarem de partido vontade.Hoje a legislao eleitoral e partidria no contm nenhuma medida que impeaum poltico de mudar de partido. Um nico artigo no cdigo eleitoral de 1985-88estipulava que os partidos que deixassem de alcanar 3% da votao total paraa Cmara dos Deputados, com pelo menos 2% em cinco estados, no teriam re-

    presentantes no Congresso. Mas os representantes eleitos desses partidos manti-nham seus mandatos at que mudassem para outro partido, dentro de 60 dias. Con-sequentemente, a legislao eleitoral e partidria no apenas permitia a mudanade partido, na verdade exigia que ela se desse. Numa trilha similar, a Lei Eleitoralde 1950 continha provises (artigos 147-150) para o cancelamento do registrode partidos, mas, a menos que os partidos fossem dissolvidos por serem "antide-mocrticos" (isto , de esquerda), os representantes individuais mantinham seusmandatos (Costa, 1964).

    O hbito de mudar frequentemente de partido poderia ser restringido pelalegislao eleitoral. Os polticos so escolhidos para representar as pessoas por meioda instituio mediadora dos partidos polticos. Num contexto em que a desmo-ralizao dos partidos e dos polticos um problema srio, no h razo para au-torizar os representantes a mudar de partido; as prticas correntes contriburampara denegrir a imagem dos partidos e dos polticos.

    (4) Menos excepcional pelos padres internacionais, mas no obstante in-dicativa do frouxo relacionamento entre polticos e partidos no Brasil, a com-pleta ausncia de mecanismos que vinculem os polticos a alguns compromissosprogramticos e organizacionais mnimos. Certamente, os programas partidriosem muitos pases ficam mofando depois de serem escritos; no preciso romanti-zar o envolvimento partidrio na atividade poltica (Epstein, 1967). Mas no soraros os mecanismos que obrigam os representantes a seguirem a liderana parti-dria. Na Inglaterra e na Irlanda, por exemplo, os polticos que votam contra aliderana partidria em questes importantes devem renunciar a seu mandato.

    Os mecanismos que obrigam os representantes a seguirem a liderana par-tidria em votaes-chave tm um forte impacto sobre a coeso organizacional.Os pequenos partidos de esquerda no Brasil, nesse e em muitos outros sentidosuma exceo, dispem desses mecanismos.

    Tambm a esse respeito, o novo governo representou uma regresso emrelao aos governos militares do perodo 1964-85. O Artigo 152 da Constituiode 1969 instituiu uma Lei de Disciplina Partidria que obrigava os representantesa seguir a liderana partidria em votaes-chave. Raramente a lei foi usada, paradisciplinar membros recalcitrantes dos partidos, mas o governo militar brandiu-afrequentemente como uma ameaa sobre as cabeas dos polticos do partido ofi- cial. Britto(1983) afirmou que essa disciplina partidria havia sido imposta s qua-tro vezes. No obstante, a existncia de uma tal lei dava aos lderes partidrios

    meios de impor a disciplina partidria em momentos cruciais. Britto condenoua Lei da Fidelidade, argumentando que ela criava "oligarquias estreitas" (p. 153),e estava parcialmente certo; a disciplina partidria pode reforar a dominao denn

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    uma oligarquia. Mas pode-se contrapor a isso que muitos partidos oligrquicos daEuropa foram agentes efetivos de representao em parte devido a seu alto nvelde disciplina, e que os partidos brasileiros deixaram de representar efetivamenteas massas em parte por causa de sua excepcional falta de coeso e disciplina.

    (5) As normas de funcionamento do Congresso estimulam a formao denovos partidos. Um partido com apenas um representante consegue virtualmentetodos os privilgios congressuais concedidos aos partidos maiores: espao para

    a liderana partidria, assistncia de secretaria, telefones, um automvel etc. O re-sultado que h um incentivo para que as pessoas se elejam por uma legenda edepois formem outro partido. Essa oportunidade aumenta a gama de possibilida-des para os polticos e torna mais difcil para os partidos obter compromissos m-nimos. Numa trilha similar, a legislao eleitoral que disciplina o uso do horriogratuito na televiso para as campanhas estimula a proliferao de partidos, na me-dida em que os pequenos partidos conseguem mais tempo, proporcionalmente,do que os grandes.

    (6) A maioria dos sistemas de representao proporcional estabelece umaporcentagem mnima da votao nacional para a cmara baixa, que os partidosdevem obter para ter direito a qualquer representao no Congresso ou no Parla-mento. A Alemanha Ocidental, por exemplo, tem um mnimo relativamente exi-

    gente, de 5%; qualquer partido que deixe de alcanar 5% dos votos no ter di-reito a nenhum representante7. Tais mnimos foram criados para servir a um du-plo propsito: tornar difcil a ascenso de partidos anti-sistema e limitar o nmerode partidos no Congresso ou no Parlamento como um meio de facilitar a intera-o entre os partidos remanescentes.

    No Brasil, no existe tal mnimo, fato que quase certamente permitir a re-presentao de um nmero exageradamente alto de partidos no Congresso, espe-cialmente para um sistema presidencialista. A ausncia de uma tal barreira entra-da facilita o processo de mudana frequente de partido porque minimiza os riscosde formao de partidos personalistas atravs da reunio de pequenos gruposdissidentes.

    As consequncias polticas da legislao eleitoral brasileira

    Por que essas regras formais so importantes? As regras estruturam as aese a lgica dos polticos, tanto nas interaes interpartidrias quanto nas intraparti-drias. Algumas regras do fortes incentivos para que os polticos cooperem comoutros representantes parlamentares e candidatos. Outras fazem exatamente o opos-to, de modo que seria de se esperar prticas individualistas8. Por outro lado, a na-tureza dos partidos e suas ligaes com a sociedade civil e o Estado so afetadaspelo fato de os partidos serem ou no (e de que maneira) unificados e disciplina-dos; divididos em faces, como na Itlia e no Uruguai; frouxos, mas com fortes

    ligaes organizacionais, como nos EUA; ou individualistas.Nenhuma democracia do mundo ocidental d aos polticos tanta autono-

    mia em relao a seus partidos quanto o Brasil. A questo no diz respeito a ne-nn

    (7) H uma pequena exce-o no caso alemo-ocidental devido a seusingular sistema eleitoral.Se um partido ganha aeleio majoritria em umdado colgio eleitoral, te-r o direito a representa-o proporcional mesmose no obtiver 5% dosvotos. Na prtica essa ex-ceo foi virtualmente in-sigificante; h poucos ca-sos de partidos que ga-nharam alguma eleiomajoritria sem tambmobterem 5% do totalnacional.

    (8) Embora nem sempreeu subscreva a anlise dosmodelos de escolha racio-nal, penso que o com-portamento da maioriapreponderante dos polti-cos fortemente afetadapor suas concepes so-bre o que eles precisamfazer para alcanar o su-cesso, especialmente paraganhar eleies e cons-truir suas carreiras polti-cas. Isso enfatiza os argu-mentos desse ltimo pa-rgrafo. Para uma anliseampliada dessa questo,ver Katz, 1980.

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    nhuma medida isolada, mas sim a um conjunto de medidas que fazem a legislaobrasileira sobressair. As consequncias dessa legislao eleitoral foram deletrias.Ao lado de outros fatores a importncia massiva da burocracia estatal, desigual-dades sociais extremas, o desenvolvimento precoce (se comparado aos nveis derenda per capita) de uma sofisticada mdia moderna, um sistema presidencialista,e intervenes frequentes do poder executivo contra os partidos , a legislaoeleitoral impediu a construo partidria. Essa legislao institucionaliza um siste-

    ma que estimula a ausncia de compromisso, solidariedade, disciplina e coesopartidria.

    Essa autonomia comea pelas campanhas eleitorais, que so conduzidas demaneira altamente individualista. H frequentemente solidariedade intrapartid-ria entre pessoas que concorrem para cargos diferentes, mas prevalece uma acir-rada competio entre as pessoas que concorrem a cargos proporcionais (por exem-plo, entre candidatos a deputado federal). Entre os partidos sempre-cabe-mais-um,a competio intrapartidria frequentemente e talvez at usualmente maisacirrada do que a competio interpartidria. As campanhas so financiadas emgrande medida por candidatos individuais, exceo feita ao fato de o horrio gra-tuito na TV ser distribudo aos vrios partidos. Contudo, esse horrio extrema-mente limitado no caso dos candidatos proporcionais, e de qualquer maneira ele

    promove muito mais os candidatos individuais do que os partidos (as exceesso os trs pequenos partidos de esquerda). Ocasionalmente encontra-se materialde campanha promovendo candidatos de diferentes partidos, mesmo quando es-ses partidos no esto coligados eleitoralmente.

    Os candidatos podem normalmente fazer incurses eleitorais contra seusprprios colegas de partido com maior facilidade do que contra candidatos de ou-tros partidos. Tomar votos de um candidato de outro partido mais difcil por-que, na medida em que o eleitorado associa vagas aspiraes e imagens a diferen-tes partidos, menos provvel que um eleitor mude para um candidato de outropartido. Ao contrrio, em um sistema majoritrio (seja maioria absoluta ou sim-ples) a rivalidade intrapartidria se limita ao perodo de escolha dos candidatos,e na maioria dos outros sistemas de representao proporcional os partidos con-

    tam com mecanismos fortes para controlar e influenciar quem se elege. A repre-sentao proporcional com lista aberta funciona ao mesmo tempo como uma elei-o primria e geral. uma eleio geral na qual os votos partidrios determinamo nmero de cadeiras, mas como uma eleio primria na qual o eleitorado es-colhe quais candidatos iro represent-lo.

    Os polticos brasileiros comentaram oportunamente a exacerbada competi-o intrapartidria estimulada por esse sistema eleitoral. Em 1954, Osvaldo Tri-gueiro, destacado poltico e acadmico, escreveu que "cada candidato deve cui-dar acima de tudo de si [...] Os partidos, mais do que se confrontarem, sofremas lutas intestinas de seus candidatos, que travam uma guerra uns contra os ou-tros" (p. 130). Um ano depois, Afonso Arinos de Melo Franco (1955, p. 16), outrorenomado poltico e acadmico, escreveu que "em todos os estados, ns vemos

    uma disputa interna na qual os candidatos da mesma legenda se atacam ferozmen-te, muito mais do que fazem com seus adversrios". Quase trs dcadas mais tar-de, o senador Milton Campos declarou que "Com o atual regime eleitoral, a rivali-n

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    dade entre candidatos do mesmo partido est se tornando insuportvel. As elei-es so espetculos de desarmonia entre colegas, comprometendo a coeso par-tidria" (in Figueiredo, 1983, p. 317). Em uma entrevista ao autor em 1988, Fer-nando Henrique Cardoso resumiu: "Estes [nossos partidos] so de um individua-lismo completo". (Ver tambm Costa, 1964, pp. 327-328; Bloem).

    Devido existncia de tal recompensa para as campanhas individuais edevido aos significativos benefcios provenientes da vitria, o sistema de repre-

    sentao proporcional com lista aberta estimula uma enorme despesa individuale a corrupo financeira nas campanhas. A corrupo financeira nas campanhaseleitorais no nada nova no Brasil, nem caracterstica s desse pas. Mas as evi-dncias sugerem que o problema particularmente agudo no Brasil, e que estse tornando pior com o passar do tempo. Entre os polticos brasileiros, h umamplo consenso acerca do dramtico aumento nas despesas e na corrupo nosltimos anos, especialmente em 1986. As comparaes com outros pases so dif-ceis porque no h registros (exceto individuais) de despesas de campanha, e ospolticos relutam em divulgar essa informao, em parte porque a maioria deles viola as estritas leis formais sobre os gastos de campanha. Contudo, fiz algumasestimativas interessantes sobre esse assunto em entrevistas. O ex-tesoureiro e ex-presidente do PMDB do Estado de So Paulo, Waldemar Chubaci, durante muito

    tempo deputado estadual, estimou que, em mdia, os que foram eleitos deputa-dos federais em 1986 no Estado de So Paulo gastaram mais de US$ 1.000.000,e os que se elegeram deputados estaduais gastaram em mdia 1/3 desse montante 9.Isso colocaria as eleies em So Paulo entre as mais caras no mundo fato queindica o quanto o poder poltico valorizado no Brasil10.

    Um sistema majoritrio distrital ou um de representao proporcio-nal com maior controle sobre a lista provavelmente reduziria o abuso do podereconmico e a corrupo nas eleies. Num sistema por distrito, os recur-sos financeiros so importantes, mas a rea onde possvel comprar votos geo-graficamente limitada, e os candidatos tendem a ser mais bem conhecidos, j queso em menor nmero. mais fcil comprar um nmero moderado de votos emalgumas partes diferentes de um estado do que comprar um nmero expressivo

    de votos em um distrito eleitoral. De acordo com polticos brasileiros, a maioriados candidatos acusados de abuso flagrante de poder econmico em 1986 tinhaum padro de votao relativamente disperso, isto , eles receberam votos de muitaspartes diferentes de seus estados. Um sistema de representao proporcional commaior controle partidrio sobre a lista reduz igualmente o incentivo compra devotos. Os financiadores potenciais das campanhas no se inclinam a gastar recur-sos que tm muito pouco efeito sobre as chances de seus candidatos, e os polti-cos tm um incentivo limitado a levantar dinheiro para suas prprias campanhas.

    Os efeitos do sistema eleitoral comeam pela campanha mas vo muito almdela. A legislao eleitoral estimula a autonomia dos representantes eleitos em re-lao a seus partidos. Os representantes podem agir independentemente de pro-gramas com quase nenhuma chance de sofrer sanes. Eles no devem seus man-

    datos ao partido, mas sim sua prpria iniciativa. Os partidos aceitam violaesflagrantes dos programas partidrios e dos compromissos organizacionais quandoum poltico consegue uma grande soma de votos.

    (9) Entrevista, 29 de mar-o de 1988.(10) As eleies de 1986foram excepcionalmentecaras porque os eleitos se-riam membros do Con-gresso Constituinte de1987-88. Os indivduos eos grupos de interessegastaram mais recursosnessas eleies do que fa-zem normalmente. Niloobstante, de acordo compadres comparativos,mesmo as eleies brasi-leiras "normais" so ex-traordinariamente caras.

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    Os partidos sempre-cabe-mais-um no tm quase nenhum controle sobrecomo os polticos votam. Os trs maiores partidos ficaram muito divididos emquase todas as questes controvertidas no Congresso Constituinte. O fato de queos polticos podem mudar de partido sem enfrentar nenhuma sano exceto,possivelmente, a do eleitorado, nas eleies seguintes fortalece seu poder denegociao vis--vis seus partidos. Se os pedidos de um poltico no so atendi-dos, ele pode simplesmente se transferir para outra agremiao. Os rgos par-

    tidrios tais como o Comit Executivo tm poderes muito fortes no papel, masna prtica se renem muito pouco e decidem menos ainda. A situao em algunspases europeus nos quais os representantes tm autonomia limitada vis--visseus partidos (von Beyme, 1983, pp. 361-366) e podem at perder seus mandatospor deixarem de seguir a linha partidria um antema entre os grandes parti-dos brasileiros. Isso solapa o significado das plataformas, j que os representantesno tm obrigao de segui-las. Poder-se-ia contrapor que isso tambm verdadeno caso dos EUA, e que os partidos norte-americanos tm, no fim das contas, ser-vido muito bem democracia americana. Mas a falta de coeso notavelmentemais pronunciada no Brasil do que nos EUA, e poder-se-ia logicamente supor queum sistema multipartidrio favoreceria mais a coeso partidria. O relaciona-mento entre polticos e partidos minou seriamente a possibilidade de construir

    partidos mais programticos, e contribuiu tambm para o profundo desprestgiopblico e a limitada identificao dos eleitores com os partidos.A extraordinria autonomia dos polticos brasileiros poderia ser reduzida

    pela implementao de algumas mudanas na legislao eleitoral. O fato de queessas mudanas no tenham sido adotadas indica uma profunda ambivalncia porparte dos polticos sobre o desejo de fortalecer os partidos polticos. Essa ambiva-lncia provm em ltima instncia do fato de que os polticos brasileiros querempreservar sua autonomia vis--vis os partidos, mesmo ao custo de prolongar a tra-dio de subdesenvolvimento partidrio da qual muitos deles se queixam.

    As consequncias polticas da votao preferencial

    At que ponto o comportamento antipartidrio dos polticos um produtocomum a sistemas eleitorais que enfatizam o voto preferencial? Existe pouca pes-quisa sobre o voto preferencial em geral (mas, ver Katz, 1986; Katz e Bardi, 1980),e no h pesquisa comparativa publicada sobre sistemas de lista aberta. Se expan-dirmos o universo para incluir sistemas de votos nicos transferveis e outros sis-temas proporcionais nos quais o voto preferencial determina completamente a or-dem da lista, a gama de informaes disponveis se amplia um pouco, mas mesmoassim, deu-se relativamente pouca ateno a como os sistemas afetam a organiza-o, a coeso e a disciplina partidria".

    No obstante, parece seguro fazer duas asseres. Em primeiro lugar, onde

    a votao preferencial determina completamente quais candidatos de uma lista seelegem, a coeso e a disciplina partidria so prejudicadas. Comentando o sistemairlands, Rose (1983, p. 39) escreveu que "O efeito poltico prtico da representa-n

    (11) Em geral, foi feitopouco trabalho sobre oimpacto dos sistemas elei-torais nas prticas partid-rias e no relacionamentoentre representantes elei-tos e partidos; Sartori(1976, pp. 71-115) e Katz(1980) so excees. Ogrosso da pesquisa sobresistemas eleitorais focali-zou seu impacto sobre ossistemas partidrios.

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    o proporcional baseada no voto nico transfervel enfraquecer a disciplina par-tidria, porque os candidatos vencedores no devem ao partido uma alta posiona lista partidria". Katz e Bardi (1980) e Seton-Watson (1983) fazem uma obser-vao semelhante com respeito Itlia. As campanhas tendem a ser mais indivi-dualistas onde o eleitorado, no o partido, decide a ordem da lista. Trnudd (1986,p. 57) escreveu, sobre o caso finlands, "A campanha eleitoral realizada de umamaneira muito individualista. As organizaes partidrias certamente fazem sua parte

    no processo eleitoral [...] mas essa atividade suplementada e com frequncia afo-gada pela agitao em favor dos candidatos individuais, e algumas vezes uma com-petio mais ou menos aberta dentro da mesma coligao eleitoral". De acordocom Trnudd, entre os sistemas de representao proporcional da Europa, o fin-lands o que foi mais longe na nfase s campanhas individuais.

    Em segundo lugar, ainda que a coeso e a disciplina partidria em geral se-jam prejudicadas e as campanhas sejam geralmente mais individualistas quandoa votao preferencial determina completamente a ordem dos candidatos em umpartido, o caso brasileiro sobressai como um caso extremo. Os outros sistemasnos quais isso acontece no se caracterizam por um individualismo dos po-lticos e por uma falta de disciplina e coeso partidria to pronuncia-dos.

    O caso finlands torna evidente que no podemos formular uma hiptesegeral de que os sistemas de lista aberta sempre tm efeitos deletrios sobre a cons-truo partidria (mesmo quando prevalea a hiptese mais fraca sugerida acima,de que eles estimulam o individualismo nas campanhas e afetam negativamentea solidariedade e a coeso partidria). Os partidos finlandeses foram atores impor-tantes na vida poltica. O sistema partidrio marcado por profundas divises ideo-lgicas; os partidos so programticos; as organizaes partidrias so fortes. Ospolticos tm compromissos fortes com seus partidos, que so muito mais disci-plinados que os brasileiros. No obstante a considervel competio intrapartid-ria durante os perodos de campanha, os partidos finlandeses so muito coesosno Parlamento (Trnudd, pp. 129-134).

    Passando a outros casos nos quais a votao preferencial determina com-

    pletamente a ordem da lista, encontramos de novo diferenas importantes como caso brasileiro. Na Irlanda, os deputados devem votar a linha partidria no Par-lamento. "As decises tomadas pela conveno partidria so obrigatrias, e des-vios da posio partidria resultam frequentemente em expulso do partido." (Katz,1980, p. 106; ver tambm McKee, 1983). O resultado que h individualismo du-rante as campanhas, mas uma forte coeso e lealdade liderana partidria noParlamento.

    H tambm claras diferenas entre o Brasil e os casos europeus quanto capacidade das organizaes partidrias de fazer os eleitores votarem nos can-didatos por elas preferidos. Nas eleies para o senado australiano, o voto nicotransfervel teoricamente deixa a escolha dos candidatos a cargo do eleitorado efora das mos dos partidos. Na prtica, contudo, os partidos lanam folhetos so-

    bre "como votar" para indicar sua ordem preferida de candidatos. De acordo comBogdanor (1983b), nunca houve um caso nas eleies para o senado em que oseleitores ignorassem essas instrues partidrias. De modo semelhante, na Irlan-n

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    da, a despeito do voto nico transfervel, um alto grau de disciplina partidria sig-nifica que na prtica os partidos tm um controle maior sobre quem se elege. Bog-danor (1983b) apresenta a Tasmnia como um caso no qual os eleitores usam fre-quentemente o voto nico transfervel para ignorar as indicaes dos lderespartidrios.

    Na Itlia, os partidos apresentam uma ordenao inicial de suas listas etentam assegurar que os primeiros candidatos sejam eleitos. A Tabela 2 mostra qual o

    peso dessa ordenao nas perspectivas eleitorais. No caso dos democratas-cristos,100% dos que encabearam a lista e 80% dos outros candidatos includos nalista se elegeram, comparados a apenas 17% dos candidatos no includos na lista(cujos nomes aparecem em ordem alfabtica e depois dos candidatos listados). Paraos socialistas, 96% dos cabeas-de-lista e 63% dos outros candidatos listados seelegeram, comparados a meros 4% dos no includos. Assegurar uma posio nalista , portanto, essencial. Para isso, necessrio o apoio dos lderes de um parti-do ou de uma faco de partido, fato que compensa o individualismo estimuladopela votao preferencial. Katz e Bardi (1980, p. 112) observam que "ao instruiros eleitores de diferentes reas para apoiarem diferentes combinaes de candida-tos, o partido pode manter um controle razoavelmente eficaz sobre seu quadrode parlamentares".

    Tabela 2Resultado Eleitoral Italiano de acordo com a Posio na Lista, 1972

    DC % PSI %

    Eleitos Derrotados eleitos Eleitos Derrotados eleitosCapolista (cabea de lista) 28 0 100 23 1 96Outros candidatos listados 176 44 80 12 7 63Candidatos fora da lista 61 299 17 23 534 4

    Fonte: Katz, 1980, p. 76.

    No Brasil, os partidos sempre-cabe-mais-um no fazem muito esforo paraajudar alguns candidatos mais do que outros, nem tm muitas condies de faz-lo. Eles so cautelosos sobre como favorecem alguns candidatos em relao a ou-tros. A facilidade de mudar de partido significa que os lderes enfrentam um equi-lbrio delicado. Por um lado, eles querem que sua prpria faco partidria sejadominante. Por outro, eles precisam oferecer espaos substanciais a outras fac-es para evitar defeces massivas para outros partidos (incluindo os novos). Oschefes partidrios podem no querer fazer muitas concesses sobre quem contro-la as posies no nvel superior, mas podem oferecer concesses significativas aoautorizarem um jogo livre nas eleies proporcionais. O aparato estatal favorecealguns candidatos, mas mais o Estado que a organizao partidria que faz isso.

    Em resumo, em nenhum dos outros pases nos quais a votao preferencialdetermina completamente a ordem da lista para a cmara baixa ns encontramospartidos organizados to frouxamente, que tm to pouca influncia na determi-n

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    nao de quem se elege, e que permitem tanta autonomia aos polticos. Essa ob-servao coloca uma questo. De uma perspectiva de escolha racional, pareceriaque o caso brasileiro se conforma mais estreitamente que outros estrutura deincentivo individualista criada pelos sistemas nos quais a votao preferencial de-termina completamente a ordem da lista. O que neutraliza essa propenso em ou-tros casos? Por que os partidos brasileiros so muito mais individualistas que ospartidos da Finlndia, da Irlanda e da Itlia?

    Para comear com uma observao talvez bvia, mas ainda assim impor-tante, os sistemas eleitorais podem ter consequncias importantes, mas no soabsolutamente importantes. Seu efeito sobre a construo partidria e sobre o re-lacionamento entre polticos e partidos equvoco, em grande medida porqueesses fatores so afetados por outras "variveis" alm da legislao eleitoral. en-ganoso argumentar que certas caractersticas de um sistema eleitoral causam tiposespecficos de organizao e disciplina partidria, ou de relacionamento entre par-tidos e polticos12.

    No simplesmente a lista aberta que distingue o caso brasileiro, mas sim um conjunto de caractersticas incomuns criadas para dar aos polticos mais auto-nomia vis--vis seus partidos do que em qualquer democracia ocidental. Como

    foi observado acima, o sistema eleitoral do Brasil contm muitas medidas no usuais

    que enfraquecem o controle partidrio sobre os polticos. Reciprocamente, emoutros pases, as caractersticas do sistema eleitoral neutralizam o individualismoestimulado pela votao preferencial. Na Finlndia, por exemplo, a legislao elei-toral contm trs medidas que fortalecem o controle partidrio sobre os polti-cos, e que no existem no Brasil. Em primeiro lugar, os partidos podem apresen- tar o mesmo candidato em vrios colgios eleitorais, e vezes fazem isso por umade duas razes: ou porque o candidato popular e fortalecer o voto no partidoem vrios colgios eleitorais, ou para dar ao candidato mais de uma chance dese eleger. Isso significa que os partidos tm meios formais fortes de favorecer al-guns candidatos. Em segundo lugar, a razo candidatos/eleitos mais baixa do queno Brasil, tanto porque um candidato pode concorrer em mais de um colgio quan-to porque cada partido s pode apresentar um candidato por cadeira. O resultado

    que as escolhas do partido sobre quem aparecer na lista so algo mais decisivasna competio intrapartidria. Finalmente, alguns aspectos da legislao eleitoralpodem ser interpretados como dando aos partidos um mandato imperativo de ju-re que d a eles grandes poderes sobre os legisladores individuais (Trnudd, 1968,pp. 131-133).

    As diferenas nos contextos nos quais os vrios sistemas eleitorais funcio-nam tambm ajudam a explicar por que os partidos so muito mais disciplinadose coesos em outros pases onde a votao preferencial decisiva. O tempo de in-troduo de um sistema de lista aberta foi muito diferente no Brasil e na Finlndia.O Brasil teve um sistema de lista aberta desde que uma forma modificada de re-presentao proporcional foi introduzida em 1934. Isso significa que a lista abertaprecede de uma dcada o surgimento do primeiro partido de massas na histria

    brasileira; um sistema eleitoral que estimula o individualismo funcionou desde antesdos primeiros dias dos partidos polticos modernos. A Finlndia adotou uma listaaberta em 1954. At ento, os eleitores escolhiam entre listas concorrentes, cadannn

    (12) Ver Bloem (1955) pa-ra um exemplo de autorque superestima o impac-to causal dos sistemaseleitorais sobre as prticaspartidrias.

    (13) A literatura sobre operodo 1889-1930 dei-xou isso muito claro, masa maioria dos pesquisado-res que vieram depoisno. A maior parte delesenfatizou a importnciado aparelho estatal e acentralizao do poder,mas passou por alto o fa-to de que a centralizaocoexistiu com o federalis-mo em termos de organi-zao partidria. Lima(1983) est entre os pou-cos pesquisadores queenfrentou essa questoexaustivamente. Soares(1984) argumentou que

    muitas das afirmaes deLima so enganosas, masa importncia central dasorganizaes de nvel es-tadual permanece.

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    uma com dois (1935-54) ou mais (1906-35) candidatos por lista. Havia competiointrapartidria, mas o partido tinha maior controle sobre a lista. Os partidos ha-viam estado na cena poltica durante dcadas e estavam bem institucionalizadosantes da introduo da lista aberta.

    Uma coisa um sistema de lista aberta num contexto de partidos fortes quetm razes profundas na sociedade civil; outra, muito diferente, o mesmo siste-ma no contexto de uma sociedade que nunca teve partidos fortes.

    Uma diferena decisiva entre o Brasil, de um lado, e a Frana, a Irlanda ea Itlia, de outro, o sistema de governo: presidencialista ou parlamentarista. Ossistemas parlamentaristas tm um mecanismo forte para estimular a coeso parti-dria. A posio de um parlamentar pode depender muito de votar com o go-verno; de outro modo, ele corre o risco de ver o governo dissolvido e ter depassar pelo teste de novas eleies. O mesmo no verdade em um sistema presi-dencialista; independentemente de como um deputado vota, seu partido conti-nuar (ou no) a ocupar o cargo executivo e a tomar a maioria das decises polti-cas (Epstein, 1964). Consequentemente, a estrutura de incentivo dos regimes par-lamentaristas favorece a unidade partidria, enquanto a dos sistemas presidencia-listas neutra; a primeira pode ajudar a neutralizar caractersticas individualistasdo sistema eleitoral mais facilmente que a ltima.

    Igualmente importante a natureza federalista do sistema poltico brasilei-ro, questo que normalmente no suficientemente enfatizada nas anlises da po-ltica brasileira contempornea. O federalismo geralmente faz uma grande dife-rena na maneira como os partidos funcionam, especialmente na limitao da dis-ciplina partidria e do peso de uma organizao partidria central, e no estmulo heterogeneidade. As organizaes partidrias em nvel estadual tomam as deci-ses mais importantes; a organizao central no tem muito poder sobre as orga-nizaes de nvel estadual. Isso significa que h 23 grupos de chefes partidrios,um por estado, e no um grupo centralizado. Obviamente, a coordenao de idiase planos entre 23 grupos geralmente muito diferentes muito mais difcil do quefazer o mesmo em uma liderana partidria centralizada. Assim como ocorreu nosEUA, o federalismo no Brasil trabalha contra a unidade partidria, obriga os prin-

    cipais partidos a tolerar maior diversidade e autonomia, e favorece um arranjo frou-xo entre os polticos e os partidos. Ao contrrio, os pases europeus nosquais a votao preferencial determina completamente a ordem da lista tmsistemas polticos unitrios.

    Finalmente, os nveis comparativamente baixos de identificao partidriae de informao dos eleitores sobre a poltica tambm ajudam a explicar o indivi-dualismo incomum entre os polticos brasileiros. Na Finlndia, na Irlanda e na It-lia, os eleitores escolhem um partido muito mais do que o fazem no Brasil. NaFinlndia, por exemplo, de acordo com Pesonen (1967, citado em Trnudd, 1968),em 1958, 80% dos entrevistados disseram que escolhiam primeiro um partido edepois um candidato; s 15% escolhiam um candidato em primeiro lugar. Em 1966,os dados correspondentes eram 67% e 31 %, refletindo o desalinhamento que ocor-

    reu em muitas democracias industriais avanadas nas ltimas duas dcadas (Dal-ton et al., 1984). Mas mesmo esses ltimos nmeros foram dramaticamente maisaltos do que os correspondentes para o Brasil. Isso significa que nesses pases eu-n

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    POLTICOS, PARTIDOS E SISTEMAS ELEITORAIS

    ropeus, salvo em circunstncias incomuns, os polticos no podem mudar de par-tido se quiserem ser reeleitos. Essa situao cria laos mais fortes entre polticose partidos, pois o destino dos polticos depende em grande medida do sucessode seus partidos. O baixo envolvimento e informao dos eleitores no Brasil sig-nifica que essas questes so menos decisivas na estruturao do voto do que emoutros pases (Reis, 1988). Esse fato habilita os polticos a barganharem, sofrendopoucas restries por parte do eleitorado.

    A Tabela 3 resume as principais diferenas no sistema poltico entre o Bra-sil e os pases europeus nos quais a votao preferencial determina completamen-te a ordem da lista. Baseados nas teorias da escolha, esperaramos que sistemasparlamentaristas, sistemas unitrios e altos nveis de identificao partidria pro-movessem maior controle sobre os representantes parlamentares.

    Tabela 3Caractersticas do Sistema Poltico que Afetam o Controle Partidrio

    sobre os Representantes Parlamentares e os Candidatos

    Ano de Introduoda Lista Aberta

    RegimePoltico

    Sistemapoltico

    Identificaopartidria

    Brasil 1932 residencialista federalista baixaFin lndia 1954 parlamentarista unitrio altaIrlanda parlamentarista unitrio altaItlia parlamentarista unitrio alta

    A maioria das anlises dos sistemas eleitorais focalizou as consequncias po-lticas das leis eleitorais (ver Rae, 1967; Duverger, 1954; Lijphart, 1988; Grofmane Lijphart, 1986). Certamente esse problema importante, mas uma preocupaoexclusiva com esse lado da questo pode ser enganosa. To importantes quantoas consequncias polticas so as razes polticas das leis eleitorais o motivo pe-lo qual os polticos escolhem adotar certas leis eleitorais (Nohlen, 1981). O caso

    brasileiro to interessante nesse sentido quanto no exame das consequncias po-lticas das leis eleitorais.Alm de representar interesses, os polticos tm seus prprios interesses.

    Para ampliar seus prprios interesses e os de seus eleitorados, eles tendem a favo-recer alguns tipos de arranjos eleitorais em relao a outros. A razo que os ar-ranjos eleitorais no so "neutros". Ao contrrio, eles discriminam alguns grupose polticos, enquanto favorecem outros. Os sistemas e as reformas eleitorais po-dem no produzir os resultados a que se propem quando so elaborados. Quasesempre, contudo, eles pretendem ajudar, ou pelo menos no atrapalhar, os inte-resses daqueles que os promovem. Pode haver altrusmo entre os polticos queesto debatendo os sistemas e as reformas eleitorais, mas certamente ele no disseminado.

    Devido a sua no-neutralidade, a legislao eleitoral revela informaes in-teressantes sobre as preferncias dos polticos. Isso se d especialmente onde a le-gislao eleitoral frequentemente revisada. Onde ela tem longa durao, pode-se argumentar que a legislao eleitoral reflete as concepes dos polticos sobre

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    NOVOS ESTUDOS N 29 - MARO DE 1991

    os partidos, a poltica e a sociedade, poca em foi aprovada, mas que no fazmais isso necessariamente. Nesses casos, poder-se-ia argumentar, os polticos seacomodam aos sistemas eleitorais mais do que os moldam. Mas nos pases ondea legislao eleitoral passou por vrias mudanas importantes, ou pelo menos on-de a reforma eleitoral foi debatida de maneira sria, os sistemas eleitorais regis-tram as preferncias correntes dos polticos. Tais casos ocorrem particularmenteonde, como no caso do Brasil, o fim de um governo autoritrio leva necessidadede revisar ou reescrever a Constituio; ou, alternativamente, onde ocorre umacrise poltica profunda, instando os atores principais a considerarem uma reformamais profunda do sistema poltico.

    Deletria de alguns pontos de vista, a legislao eleitoral brasileira faz senti-do de outros. Esses mecanismos legislativos no surgem acidentalmente; ao con-trrio, eles so uma criao deliberada da classe poltica, projetados para assegu-rar que os partidos no tenham um controle forte sobre os polticos. Quando di-go que os polticos brasileiros escolheram conscientemente uma legislao eleito-ral que lhes garante um alto nvel de autonomia, no pretendo sugerir que elestm uma firme compreenso de como os sistemas eleitorais funcionam. A maioriados polticos tem pouca conscincia de quo incomum a legislao brasileira,e mais geralmente sobre a legislao eleitoral e partidria.

    Os polticos brasileiros, no obstante, escolheram sempre sistemas eleito-rais que maximizam sua autonomia vis--vis seus partidos. Isso foi verdadeiro pe-lo menos desde 1932, quando um Cdigo Eleitoral introduziu amplas e em geralsaudveis reformas no pas. Contudo, um dos aspectos dignos de nota do cdi-go eleitoral de 1932 que ele autorizava os candidatos a concorrerem Conven-

    o Constitucional de 1934 sem pertencerem a um partido. Foi tambm nessa pocaque a combinao de representao proporcional com lista aberta foi introduzida.

    Os debates no Congresso sobre a legislao eleitoral ajudam a revelar porque os polticos favoreceram certos sistemas eleitorais. Desde 1965, houve vriosdebates importantes sobre a legislao partidria e eleitoral; quatro so especial-mente relevantes aqui. Em 1965 e 1971, o governo militar enviou ao Congresso

    duas "Leis Orgnicas dos Partidos Polticos", e em maio de 1985, dois meses de-pois do fim do regime militar, uma emenda constitucional revisou muitos aspec-tos delas e a legislao eleitoral. Finalmente, em 1987-88, o Congresso Constituin-te debateu e revisou o sistema eleitoral. Os debates sobre essas medidas so escla-recedores de como a maioria dos polticos brasileiros percebe os partidos.

    Em 1965, o governo enviou sua verso preliminar da Lei Orgnica dos Par-tidos Polticos ao Congresso, mas no exerceu muita presso para que ela fosseaprovada. Originalmente elaborada em abril de 1965, a lei expressava o profundodescontentamento dos militares com a natureza dos partidos e o sistema partid-rio do perodo 1946-64. Ela implementava um patamar alto para limitar o n-mero de partidos no Congresso, e continha medidas projetadas para fortalecer ocontrole partidrio sobre os representantes no Congresso inclusive a perda de

    mandato para o representante que mudasse de partido e meios de expulsar al-gum do partido. Os simpatizantes do governo militar no Congresso elogiarama lei por sua tentativa de fortalecer os partidos polticos atravs do fortaleci-nnnnnn

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    POLTICOS, PARTIDOS E SISTEMAS ELEITORAIS

    mento da disciplina partidria. De fato, algumas de suas medidas poderiam ter for-talecido os partidos, no fosse pelas medidas draconianas que os miltares usarampara esmagar os partidos de oposio e limitar seriamente o grau em que os parti-dos controlavam o acesso ao poder. Curiosamente, o Congresso rejeitou o artigoque pedia a perda de mandato do representante que mudasse de partido. Falandoem favor do direito de um deputado votar como achasse que devia e do direitode mudar de partido no futuro e ilustrando claramente aspectos importantes

    das percepes predominantes dos polticos brasileiros at esse dia , dizia o de-putado Arruda Cmara:

    [A lei] antidemocrtica. Ela imita os pases totalitrios, toma os direitos dos

    deputados eleitos pelo povo, quando os deputados mudam de partido. [...]

    No posso concordar com essa perda de direitos de deputados e senadores

    porque eles mudam de partido [...]O mandato garantido pelo povo, e s

    pode ser tomado pelo povo. (Senado Federal, 1965, pp. 234, 235, 236).

    visvel a percepo de que os polticos individualmente, e no os parti-

    dos, so os agentes da representao.Em 1971, o Congresso aprovou uma nova Lei Orgnica dos Partidos Polti-

    cos que fortaleceu consideravelmente o poder dos partidos em relao a senado-res e deputados. A nova lei tornou mais fcil expulsar um membro do partido.Os representantes agora perderiam seu mandato por votar contra a liderana par-tidria, sempre que esta ltima os convocasse para votar de acordo com a linhado partido. Eles tambm perderiam seu mandato por deixarem o partido. Final-mente, criticar o programa do partido poderia levar perda do mandato (SenadoFederal, 1971, IX-XXXIX). Essas medidas foram promulgadas em nome do forta-lecimento dos partidos polticos e do aperfeioamento da "democracia", quandode fato o governo militar usou a maior disciplina partidria como um meio de con- trolar os polticos ocasionalmente recalcitrantes do partido oficial do governo (Are-

    na). O Congresso aprovou essa lei sob presso, durante o perodo mais repressivodo regime militar, em uma poca em que a bancada oposicionista no Congressoera mnima e em que os representantes no Congresso receavam enfrentar o go-verno, para no perderem seu mandatos e direitos polticos. Os deputados do MDBdenunciaram tanto a nova lei quanto as presses para aprov-la (Senado Federal,1971, p. 1593).

    Embora importantes aspectos da legislao eleitoral tenham sido revisadosem 1979 e novamente em 1981, a primeira reviso que afetou o controle da lide-rana partidria sobre os representantes ocorreu em maio de 1985, dois meses de-pois da inaugurao de um governo civil. O Congresso revogou virtualmente to-das as medidas de disciplina e fidelidade, autorizou (e, sob certas condies atexigiu) os deputados e senadores a mudarem de partido sem sofrerem sanes,

    manteve a representao proporcional com lista aberta, e voltou a autorizar coli-gaes nas eleies proporcionais. Outras medidas da Emenda Constitucional 25,particularmente as normas para as eleies majoritrias de 1985, foram extrema-nn

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    mente controvertidas, mas virtualmente ningum se ops ao restabelecimento dauma legislao eleitoral frouxa (Dirio do Congresso Nacional, 1985).

    Com o advento da Nova Repblica, o sentimento dominante no Congressofoi o de proteger interesses corporativos estritos. Um lado dessa reao corporati-va foi um enfraquecimento dos mecanismos que restringiam a autonomia dos po-lticos vis--vis os partidos. Os instrumentos de disciplina partidria foram denun-ciados como autoritrios. Certamente isso em parte verdadeiro, mas desconsi-

    dera o fato de que os partidos tambm so agentes de representao, e que osmandatos exercidos pelos polticos pertencem ao povo (em ltima instncia) e aospartidos (enquanto mecanismos que medeiam entre o povo e os representantes).O resultado lquido foi uma enervao dos j frgeis mecanismos de controle so-bre os representantes. Outro exemplo dessa reao contra o "autoritarismo" ocor-reu com o "voto vinculado", a votao em um s partido. Em novembro de 1981, em uma medida manipulatria destinada a fortalecer suas chances de vitria naseleies de novembro de 1982, o governo militar decretou o que ficou conheci-do como o "Pacote de novembro", uma reforma eleitoral que, entre outras coi-sas, impunha o voto vinculado14. A imposio do voto vinculado pode ser criti-cada de muitos ngulos, e alguns dos mecanismos a ele associados em 1982 eramparticularmente deplorveis15. No obstante, inegvel que o voto em um parti-

    do fortaleceria a identificao partidria em uma sociedade onde ela desgraada-mente fraca.Em maio de 1985, a Emenda Constitucional 25 restabeleceu o direito

    dos eleitores de votarem em candidatos de vrios partidos. Essa medida se somouao contorno geral de uma legislao eleitoral que v os polticos individualmente,e no os partidos, como os agentes da representao. Em 1986, uma comisso re-cebeu a tarefa de escrever um projeto de uma nova Constituio. Essa comisso observou as srias consequncias deletrias da legislao eleitoral existente e de-fendeu a implementao de um sistema"misto"de tipo alemo. O Congresso Cons-tituinte, contudo, evitou qualquer mudana que fortalecesse o controle partid-rio sobre os polticos, e adotou um sistema eleitoral completamente promscuo.

    Essa breve sntese sugere o ponto essencial: s quando obrigados a faz-lo

    pelo governo militar os polticos brasileiros aprovaram medidas que fortaleceriamo lado dos partidos vis--vis os deputados e senadores. Inversamente, em condi-es democrticas, em 1946, 1985 e 1987-88, eles evitaram tais medidas.

    Entrevistas com polticos brasileiros ajudam a compreender melhor a pre-ferncia sistemtica por partidos fracos e por uma legislao eleitoral promscua.Muitos polticos dizem que lamentam a fraqueza dos partidos polticos, mas quan-do perguntados sobre sistemas eleitorais alternativos que estimulariam o fortale-cimento dos partidos, a vasta maioria responde que essas medidas so autorit-rias. Um levantamento que coordenei deixou aparente o massivo (quase unni-me) apoio lista aberta e a simpatia geral pela permisso para os polticos muda-rem de partido no futuro. Reveladoramente, ele tambm mostrou considervelapoio implementao de eleies primrias para determinar os candidatos a car-

    gos executivos, medida que enfraqueceria os j fracos partidos!Essas preferncias sistemticas levantam uma questo intrigante: por queos polticos brasileiros escolheram essas medidas? Por que eles desejam essa auto-n

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    nomia e, inversamente, por que eles querem partidos que so aglomeraes ex-tremamente frouxas, que se aproximam da descrio de Schumpeter (1950) ve-culos criados por empresrios polticos para servir a seus prprios fins?

    Uma parte decisiva da resposta est no sistema poltico federativo e na im-portncia corrente das clivagens regionais na poltica brasileira. Obrigados pelalegislao eleitoral a pertencer a partidos de mbito nacional, os polticos brasilei-ros regionalizam os partidos na prtica ao retirar-lhes o poder sobre os represen-

    tantes no Congresso. Nessas circunstncias, eles podem pertencer a partidos na-cionais de direito, mas representar sua clientela regional sem nenhuma interfern-cia desses chamados partidos nacionais.

    A importncia do federalismo e das clivagens regionais no desejo dos pol-ticos de manter considervel autonomia vis--vis seus partidos se expressou emargumentos contra a disciplina partidria, nos debates de 1965 e 1971 sobre a LeiOrgnica dos Partidos Polticos e no Congresso Constituinte de 1987-88. Por exem-plo, em 1971 o senador Nelson Carneiro, do partido de oposio (MDB da Guana- bara) disse que era fascista a exigncia de que os membros de um partido votas-sem de certa maneira. Ele argumentava que essas medidas de disciplina partidriaminavam a capacidade dos deputados e senadores de representar efetivamente seuseleitorados. Os interesses dos eleitorados variam, portanto os representantes pre-

    cisam de autonomia vis--vis os partidos para melhor articul-los (Senado Federal,1971, pp. 649-652).Nesses debates, numerosos polticos articularam o ponto de vista de que

    os partidos disciplinados impediriam a representao efetiva. Esse argumento sfaz sentido em um sistema no qual a identificao entre partidos e poltica de gru-po frouxa e no qual o federalismo uma questo central. O poltico, e no opartido, o veculo de representao. S onde os polticos so relativamente au-tnomos em questes ideolgicas eles podem representar suas clientelas locais eestaduais como desejam.

    Apesar de a intencionalidade ser difcil de provar, a concesso aos polticosde tanta autonomia para atender a clientelas regionais refora os elementos elitis-tas do sistema poltico, ao enfraquecer as questes de base classista mais

    ampla. Onde a representao to individualista, os programas e as ques-tes de classe so minados, em detrimento dos setores populares. Os mecanismosde responsabilizao [accountability] so seriamente enervados; impossvel parao eleitorado estar a par dos desempenhos de todos os deputados e senadores, edifcil inferir muito sobre seus desempenhos e posies com base na filiao par-tidria. Acima de tudo, ento, a preferncia por um sistema eleitoral que fortalecea autonomia individual dos polticos e mina os partidos reflete um desejo de man-ter os padres de representao que se somam a um sistema poltico inexoravel-mente elitista.

    No obstante, as faces progressistas dos partidos sempre-cabe-mais-umforam cmplices das orientaes antipartidrias generalizadas dos polticos. pri-meira vista isso parece incompreensvel, porque a natureza individualista da re-

    presentao facilitou um clientelismo acentuado que um dos pilares fundamen-tais de um sistema poltico completamente elitista. O problema que as facesprogressistas temem que o fortalecimento da liderana partidria enfraquea suann

    Silva, Jos Afonso da.(1980) "Partidos Polticose Sistemas Eleitorais". Re-vista da Procuradoria Ge-ral do Estado de So Pau-lo 17 (dezembro), pp.287-316.Soares, Glauco Ary Dil-lon. (1973a) "Desigualda-des Eleitorais no Brasil". Revista de Cincia Polti-ca 7, pp. 22-48. (1973b) Sociedadee Poltica no Brasil. SoPaulo, Difel. (1984) "Uma Rese-nha e uma Resposta". Da-d o s 2 7 , N 1 , p p .93104.Souza, Maria Campellode. (1976) Estado e Parti-dos Polticos no Brasil(1930 a 1964). So Paulo,Alfa-Omega.Trnudd, Klaus. (1968)The Electoral System ofFinland. Londres, HughEvelyn.Trigueiro, Osvaldo.(1954) "A RepresentaoProporcional no Sistema

    Eleitoral Brasileiro". Re-vista Forense 153 (maio-junho), pp. 7-17.von Beyme, Klaus. 1983."Governments, Parlia-ments, and the Stuctureof Power in Political Par-ties." In Hans Daalder ePeter Mair, orgs., WesternEuropean Systems: Conti-nuity and Change. Be-verly Hills, Sage Publica-tions, pp. 341-368.

    (14) Estudos posterioresmostraram que os efeitosno eram os pretendidos:o voto vinculado ajudou

    o governo nas regies dointerior do pas, mas pre- judicou no sul desenvol-vido, onde ele j estavaem m situao.

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    NOVOS ESTUDOS N 29 - MARO DE 1991

    prpria posio nos partidos. Alm do mais, comum que os progressistas negli-genciem a estrutura organizacional que os polticos clientelistas dominaram. Es-se um caso no qual a racionalidade individual proteger os espaos das mino-rias no partido pela aceitao da legislao eleitoral extremamente frouxae antipartidria bloqueou o surgimento de alternativas coletivas mais desejveis.

    Finalmente, ainda que os polticos contem com uma autonomia relati-va em relao a seus partidos, a maioria depende do aparelho estatal para sobrevi-

    ver e ser bem-sucedida. A importncia da concesso de bens materiais para garan-tir a reeleio torna difcil para muitos polticos agir com autonomia em relaoqueles que controlam o aparelho estatal. Sua insistncia em no se prenderema um partido poltico uma reao contra essa dependncia do aparelho estatal.Essa reao tem uma lgica inelutvel: os detentores de cargo executivo normal-mente dominam os partidos polticos. Em um sistema no qual a competio pol-tica envolve o acesso aos favores do Estado mais do que as disputas entre os parti-dos com diferentes propostas ideolgicas16, a disciplina partidria poderia facil-mente implicar lealdade mais a um cacique do que a idias.

    No Brasil contemporneo, a questo de a quem e como algum representavaria enormemente de poltico para poltico. No obstante, no fim das contas, digna de nota a medida em que a classe poltica representa os interesses das re-

    gies do interior brasileiro, os setores privilegiados da sociedade, e uma fuso per-versa entre o Estado e a prpria classe poltica. A liberdade dos polticos de nego-ciar como quiserem e com quem quiserem foi um dos pilares fundamentais deum sistema poltico elitista e patrimonialista, no qual muitos polticos talveza maioria usou essa autonomia para se apropriar privadamente da res publica.Na ausncia de partidos minimamente disciplinados, os polticos podem defenderos bares do acar do Nordeste, os reis do caf do Sul, os fabricantes de cala-dos de So Paulo, as grandes empresas estatais de Minas Gerais mesmo s cus-tas da res publica, e mesmo quando fazer isso vai de encontro aos programas eplataformas partidrios. Os polticos, suas famlias e seus amigos se beneficiaramenormemente desse sistema. Da mesma forma, a elite econmica do pas, queteve estreitas ligaes pessoais, familiares e financeiras com uma grande parte da

    classe poltica.Uma das expresses mais notveis do comportamento da maioria dos polti-

    cos brasileiros a enorme quantidade de tempo que eles gastam em suas prpriasregies, reunindo-se com uma vasta gama de pessoas. Seu trabalho no Congresso secundrio, isso quando eles se preocupam em comparecer s sesses do Con-gresso. Seus espaos "chaves" de ao so suas regies de origem e os minist-rios, onde eles obtm recursos e empregos para sua clientela.

    A contrapartida dessa nfase na atividade do poltico individual a profun-da atomizao de interesses na sociedade civil brasileira. Os interesses no so agre-gados nos partidos polticos; os partidos no expressam clivagens sociais na mes-ma medida que o fizeram nos casos europeus clssicos (Lipset e Rokkan, 1967;Rokkan, 1970). por isso que h uma contradio entre representar uma dada

    clientela e representar a linha partidria.Para a maioria dos polticos brasileiros, a representao significa mais clien-

    telismo do que representar claramente grupos sociais definidos. O clientelismonnn

    (15) Embora impusessea votao vinculada emum nico partido,a legislao eleitoral exi-gia que os eleitores esco-lhessem um candidatosem que este fosse iden-tificado pelo partido. Es-sa foi uma tentativa fla-grante de manipular asleis eleitorais em benef-cio do governo militar.Frequentemente, espe-

    cialmente no interior dopas, os representantes doPDS eram bem conheci-dos; consequentementeeles ganharam. Inversa-mente, o voto de oposi-o era normalmenteidentificado com partidos(especialmente o PMDB),de modo que a proibioda legenda partidria nacdula afetou a oposio.Para uma descrio dasmanipulaes da legisla-o eleitoral feitas pelogoverno militar, ver Fleis-cher (1984).

    (16) Isso no quer dizerque no h competioideolgica ou base para osistema poltico; sobre es-

    sa questo, ver Soares(1973).

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    POLTICOS, PARTIDOS E SISTEMAS ELEITORAIS

    existe em todos os sistemas polticos, mas o carter arraigado do clientelismono Brasil chocante. Ele facilitado por um sistema poltico no qual a organiza-o formal dos interesses relativamente fraca, e foi tornada inten