melania lima santos
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS
MELNIA LIMA SANTOS
OS ONOMSTICOS EM DOCUMENTOS DA FREGUESIA DE SO
CRISTVO QUANDO PERTENCENTE PROVNCIA
ECLESISTICA DA BAHIA
So Cristvo SE
2015
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MELNIA LIMA SANTOS
OS ONOMSTICOS EM DOCUMENTOS DA FREGUESIA DE SO
CRISTVO QUANDO PERTENCENTE PROVNCIA
ECLESISTICA DA BAHIA
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa
de Ps-Graduao em Letras da Universidade
Federal de Sergipe para obteno do ttulo de
mestre.
Orientador: Prof. Dr. Jos Raimundo Galvo.
Coorientadora: Prof Dr Maria Lenia Garcia Costa
Carvalho.
So Cristvo SE
2015
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
S237o
Santos, Melnia Lima
Os onomsticos em documentos da Freguesia de So Cristvo
quando pertencente provncia eclesistica da Bahia / Melnia Lima
Santos ; orientador Jos Raimundo Galvo. So Cristvo, 2015.
122 f. : il.
Dissertao (mestrado Profissional em Letras) Universidade
Federal de Sergipe, 2015.
1. Onomstica. 2. Crtica textual. 3. Parquias So Cristvo (SE). 4. Registros de batismo. 5. Ideologia. I. Galvo, Jos Raimundo. II. Ttulo.
CDU 81373.231
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MELNIA LIMA SANTOS
Os onomsticos em documentos da freguesia de So Cristvo quando
pertencente provncia eclesistica da Bahia.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Letras, Centro de Educao de
Cincias Humanas da Universidade Federal de Sergipe, como requisito parcial para obteno
do ttulo de Mestre em Letras pela Comisso Julgadora composta pelos membros:
COMISSO JULGADORA
Prof. Dr. Jos Raimundo Galvo (UFS)
Presidente
Prof Dr Maria Lenia Garcia Costa Carvalho (UFS)
Membro Interno
Prof Dr Geralda de Oliveira Santos Lima (UFS)
Membro Interno
Prof. Dr. Luis Henrique Alves Gomes (IF Baiano)
Membro Externo
Prof. Dr. Ricardo Nascimento Abreu (UFS)
Membro Externo
Aprovada em: 16 de julho de 2015.
Local de defesa: campus de So Cristvo Universidade Federal de Sergipe.
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Dedico este trabalho minha querida av, Nolia,
que Deus levou muito cedo do nosso convvio.
Mas tenho certeza que se estivesse aqui, alegrar-se-
ia comigo. Amo-te incondicionalmente!!!
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AGRADEO
A meu Deus, por existir e estar sempre ao meu lado, dando-me foras para superar as
dificuldades e no me deixando desistir no meio do caminho;
A minha famlia (pai, me, irm e namorado), por acreditar no meu pequeno potencial,
ajudando-me nos momentos difceis, liberando-me de algumas atividades domsticas e de
algumas responsabilidades do dia a dia;
A meus amigos de Letras, por simplesmente fazerem parte da minha vida. Obrigada
pelo companheirismo, dedicao, amor, brigas e por sempre acreditarem e apoiarem os meus
sonhos;
Aos novos amigos que conquistei nesta jornada; minha turminha de mestrado, pela
unio, dando foras uns aos outros, no intuito de dividir o sofrimento.
A meu orientador, prof. Jos Raimundo Galvo, pelo incentivo e pela oportunidade de
aprender o verdadeiro significado das palavras.
A minha querida coorientadora, prof. Maria Lenia Garcia Costa Carvalho, pela sua
pacincia e simplicidade em ensinar, de maneira calma, os mistrios que permeiam a
linguagem.
Aos professores de mestrado e graduao, pelos ensinamentos das teorias lingusticas.
Aos funcionrios do PPGL, DLEV e CESAD, por facilitarem a minha vida acadmica,
ajudando-me sempre, na medida do possvel, e por ter passado momentos to legais ao lado
deles.
Aos funcionrios da Parquia Nossa Senhora da Vitria, ao Frei Rosenildo Alexandre
de Souza, por terem possibilitado meu acesso aos documentos e, especialmente a Avani; pela
sua disposio em atender aos meus chamados e pela troca de informaes valiosas que
contriburam para a finalizao deste trabalho.
Aos professores da banca de qualificao e defesa, pelas contribuies necessrias,
para que este trabalho fosse melhorado e estivesse de acordo com as normas acadmicas.
Aos amigos do DAA, pela fora e confiana em acreditar que esse caminho pudesse
dar certo.
Enfim, a todos aqueles que compartilharam comigo as dificuldades, pelo carinho
dedicado a mim, pelos momentos de incentivo, agradeo do fundo do corao.
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[...] o nome de pessoa [...] um manancial rico para
conhecimento no apenas da lngua, mas tambm
permite apreender um pouco da cultura, religio e
at ideologia do povo que o criou em determinada
poca, uma vez que a lngua mantm intactos nos
nomes de pessoas as partculas mnimas de
significao (semas), preservando os [...] aspectos
ideolgicos, de f ou simplesmente contando a
historia da denominao humana. (CARVALHINHOS).
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SANTOS, Melnia Lima. Os onomsticos em documentos da freguesia de So
Cristvo quando pertencente provncia eclesistica da Bahia. 122 f. 2015.
Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, 2015.
RESUMO
Desde cedo, o homem sentiu necessidade de atribuir nomes s coisas, s pessoas e aos
lugares, para organizar, controlar e recriar o mundo ao seu redor. Para que isso acontea, ele
recorre ao lxico, atravs do qual, desenvolve o seu sistema lingustico, culminando na
produo de um emaranhado de vocbulos que so comuns a cada lngua. Dessa maneira, este
estudo visa reconhecer a influncia de uma ideologia religiosa dominante na escolha dos
antropnimos na freguesia de So Cristvo, a mais antiga do Estado de Sergipe, no perodo
compreendido de 1883 a 1910. Para tanto, foram utilizados os livros de batizados que esto
no arquivo da Igreja Matriz Nossa Senhora da Vitria. A metodologia se configura na
descrio e anlise de uma quantidade considervel de manuscritos, demonstrando nos
antropnimos em apreo que a escolha do nome do indivduo est associada a algum evento
de cunho religioso, seja pelo santo do dia do seu nascimento, seja por um pedido de proteo.
Os fundamentos terico-metodolgicos que embasam esta pesquisa prendem-se, por um lado,
anlise documental, pelo vis filolgico da crtica textual, em conceitos abordados por
Berwanger e Leal (2008), Cambraia (2005), Samara (2005), Acioli (1994), Blanco (1987),
Spina (1970), buscando auxlio em outras cincias, como a paleografia, para a realizao da
Edio Semidiplomtica, no intuito de reconstituir os manuscritos, mediante levantamento e
categorizao dos nomes, facilitando a leitura e a compreenso do contedo. Por outro lado, a
investigao permeia o campo da Onomasiologia esclarecendo a associao que o homem faz
entre as palavras e as coisas, recorrendo, para tanto, aos ensinamentos de Bakhtin (2006),
Carvalhinhos (2007; 2008), Fiorin (2007), Martins (1991), Dick (1997; 1998), Bourdieu
(1989, 2004), Gurios (1981), que ajudam a compreender a forma como se processou a
nomeao na freguesia de So Cristvo entre os perodos colonial e imperial, levando-se em
considerao os fatos histricos revelados no corpus analisado, demonstrando a ideologia da
Igreja Catlica, como uma estrutura de poder que exerceu forte influncia, ditando regras e
controlando pensamentos e aes das pessoas na Capitania de Sergipe Del Rey.
Palavras-chave: Crtica textual. Ideologia e poder simblico. Onomsticos. Registros
paroquiais.
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SANTOS, Melnia Lima. The onomastic in documents of the parish of Saint
Christopher when belonging to the ecclesiastical province of Bahia. 122 f. 2015.
Thesis (Master) Federal University of Sergipe, Aracaju, 2015.
ABSTRACT
Since early times, human being felt the need of naming things, people and places, in order to
organize, control and recreate the world around him. For that to happen, he resorts to the
lexicon, through which develops a linguistic system, culminating in the production of a tangle
of words that are common to each language. Thus, this study has as its aim determine the
influence of a dominant religious ideology in choosing anthroponyms in the parish of St.
Christopher, the oldest in the state of Sergipe, in the period 1883-1910. In order to do that, we
used the books of registries of baptism are in the Church of Our Lady of Victory. Our
methodology is the description and analysis of a considerable amount of manuscripts,
showing, in the anthroponyms in question, that the choice of the individual's name is
associated with some religious nature of the event, as the day of a saint's birth or by in search
of divine protection. The theoretical and methodological foundations that support this
research relate, first, the documentary analysis, the philological bias of textual criticism, in
concepts covered by Berwanger and Leal (2008) Cambraia (2005), Samara (2005), Acioli
(1994), Blanco (1987), Spina (1970), seeking assistance in other sciences, such as
paleography, to carry out the semidiplomatic edition, in order to reconstruct the manuscripts
by survey and categorization of names, easy to read and the understanding of the content. On
the other hand, research permeates the field of Onomasiology, clarifying the association that
man makes between words and things, using for this purpose, the teachings of Bakhtin
(2006), Carvalhinhos (2007; 2008), Fiorin (2007), Martins (1991), Dick (1997; 1998),
Bourdieu (1989; 2004), Gurios (1981), which to help you understand how they processed the
appointment in the parish of Saint Kitts between the colonial and imperial periods, taking into
account the historical facts revealed in the analyzed corpus, demonstrating the ideology of the
Catholic Church as a power structure that strongly influenced, dictating and controlling
thoughts and actions of people in the captaincy of Sergipe Del Rey.
Keywords: Textual criticism. Ideology and symbolic power. Onomastic. Parish registers.
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 01 Fachada frontal da Igreja Matriz de So Cristvo.............................................................47
Figura 02 Parte interna da Igreja Matriz de So Cristvo..................................................................48
Figura 03 Secretaria da Matriz.............................................................................................................49
Figura 04 Acervo da Cria paroquial Igreja Matriz.........................................................................50
Figura 05 Estrutura de livro.................................................................................................................77
Figuras 06, 07, 08 Imagens das lombadas...........................................................................................78
Figuras 09, 10, 11 Capas dos livros....................................................................................................79
Figura 12 Parte interna do livro 03.....................................................................................................80
Figuras 13, 14 Contra-capa do livro 06..............................................................................................80
Figura 15 Imagem do flio 16r do livro 06.......................................................................................82
Figura 16 Imagem dos flios 37v e 38r do livro 06.........................................................................82
Figuras 17, 18 Capas do livro 03........................................................................................................83
Figuras 19,20 Imagens de parte dos flios 22r e 25v do livro 03....................................................84
Figura 21 Imagem de parte do flio 190v livro 03...........................................................................84
Figura 22 Flio 191r do livro 03.......................................................................................................85
Figura 23 Parte do flio 43r do livro 03...........................................................................................86
Figura 24 Flio 43r, linha 01 ano do registro................................................................................86
Figura 25 Flio 43r, linhas 01 e 02 nmero do flio e rubrica do Padre......................................86
Figura 26 Flio 43r, linha 03 letra maiscula...............................................................................87
Figura 27 Flio 43r, linha 11 assinatura do padre responsvel pelo batismo................................87
Figura 28 Imagem do termo de encerramento do livro 07................................................................88
Figura 29 Imagem do termo de abertura do livro 06.........................................................................89
Figura 30 Trecho do assento batismal de Thomaz (branco)..............................................................92
Figura 31 Trecho do assento batismal de Antonio (pardo)................................................................93
Figura 32 Fragmento do assento batismal de Eduardo (escravo/crioulo)..........................................93
Figura 33 Flio 43r, livro 03 (escravo, livre e branco)....................................................................95
Figuras 34,35 Trechos dos flios 58r e 43v, livro 03.....................................................................99
Figura 36 Fragmento do assento de Antonio...................................................................................100
Figura 37 Assento de Nestor (em perigo de morte).........................................................................101
Figura 38 Assento de Francisco (em caso de necessidade).............................................................101
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1- Relao de Bens Tombados ............................................................................... 44
QUADRO 4 - Modelo de Ficha Catalogrfica ......................................................................... 90
QUADRO 5 - Modelo de Ficha Tipolgica ............................................................................. 90
QUADRO 6 - Nomes mais Comuns em So Cristvo Sc. XIX. ....................................... 95
QUADRO 7 - Nomes mais Comuns no incio do Sculo XX em So Cristvo. ................. 102
QUADRO 8 - Nomes correspondentes ao dia dos Santos Catlicos ..................................... 104
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LISTA DE GRFICO
Grfico 1- Percentual de nomes por condio social (Sc. XIX)................................................97
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura.
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................................................... 15
CAPTULO 1 - A CRTICA TEXTUAL COMO METDO DE SALVAGUARDAR O PASSADO:
CONCEPES E CARACTERSTICAS ........................................................................................................ 23
1.1 AS CINCIAS DOCUMENTAIS ........................................................................................................................ 26
1.2 BREVE HISTRIA DA CRTICA TEXTUAL ...................................................................................................... 30
1.3 EDIES E TIPOLOGIAS ................................................................................................................................ 33
CAPTULO 2 CONSIDERAES SOBRE A PRIMEIRA POVOAO SERGIPANA SO
CRISTVO. ...................................................................................................................................................... 37
2.1 SO CRISTVO E O SEU PATRIMNIO HISTRICO-CULTURAL .................................................................... 39
2.2 O ARQUIVO PAROQUIAL DE NOSSA SENHORA DA VITRIA ......................................................................... 45
2.3 REGISTROS PAROQUIAIS: OS ASSENTAMENTOS DE BATIZADOS EM SO CRISTVO ................................... 50
2.4 SITUAO DOS ESCRAVOS E SEUS REGISTROS ............................................................................................. 54
CAPTULO 3 - LINGUAGEM: IDEOLOGIA, DISCURSO E PODER SIMBLICO. .............................. 57
3.1 IDEOLOGIA E DISCURSO RELIGIOSO: CONCEPES ...................................................................................... 59
3.2 ONOMSTICA: CONCEITO, SURGIMENTO E FUNO ..................................................................................... 63
3.3 A IDEOLOGIA E O SEU PAPEL NO PROCESSO DE NOMEAO DAS PESSOAS ................................................... 65
3.4 PODER SIMBLICO E DOMNIO RELIGIOSO NO BRASIL ................................................................................. 70
CAPTULO 4 DESCRIO E ESTRUTURA DO CORPUS ...................................................................... 74
4.1 O CORPUS ................................................................................................................................................... 76
4.2 ANLISE DO CORPUS .................................................................................................................................. 90
4.2.1 REGISTROS PAROQUIAIS SCULOS XIX-XX. ............................................................................................... 91
4.3 CRITRIOS PARA A EDIO ...................................................................................................................... 105
4.4 EDIO SEMIDIPLOMTICA ...................................................................................................................... 106
5 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................................................ 114
REFERNCIAS ................................................................................................................................................ 116
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15
INTRODUO
Desde os tempos mais remotos, as pessoas procuram relacionar-se com os outros e
com o mundo ao seu redor. Essa relao se d por meio da interao, que acontece quando os
sujeitos se utilizam da lngua, cuja funo corresponde transmisso e compreenso da
mensagem. Esse processo conhecido como comunicao. Trata-se de um mecanismo
definido por Bakhtin (2006, p.69) como esfera nica da relao social organizada, em que
o locutor e o ouvinte pertenam mesma comunidade lingustica, a uma sociedade
claramente organizada. Assim, a transmisso de informaes elemento imprescindvel para
a construo do saber, podendo o sujeito expressar, por meio das palavras, suas ideias ao
mesmo tempo em que caracteriza os objetos, nomeia pessoas e coisas, dentro de um contexto.
Os dados so compartilhados por meio da linguagem, em que a mensagem
transferida do comunicador ao interlocutor. A linguagem se caracteriza como a expresso
prpria de cada indivduo quando este manifesta sua cultura, suas opinies, sua histria. O
entendimento acerca da histria e da lngua de uma regio e de uma sociedade s possvel
mediante o estudo das palavras e dos smbolos pertencentes a determinada poca. A
abordagem lexical em documentos antigos sempre remete elucidao do contexto histrico
do material em apreo, ou seja, seu universo lingustico, suas ideologias, seus smbolos, suas
preferncias, ao mesmo tempo em que so fontes de informao.
no universo da linguagem que se define o modo de agir e pensar das pessoas e, por
esse motivo, o seu estudo tem grande importncia, permitindo explorar as configuraes
lexicais, fazendo ver a essncia contida no universo vocabular, explicando o mundo atravs
das palavras.
Essa anlise que se faz das palavras s permitida graas ao texto, sobretudo escrito,
atravs do qual o homem representa seus pensamentos, expressa seus sentimentos, o que
possibilita a tradio de registrar todas as suas aes, elaborando sua histria, em forma de
documento. O texto faz verificar como as sociedades foram se estruturando, ao tempo em que
possibilita compreender as relaes e os smbolos que as caracterizam em determinadas
pocas. Os documentos manuscritos so conhecidos tambm por testemunhos, pois revelam
detalhes de uma poca, alm de preservar o patrimnio sociocultural do homem, garantindo,
dessa forma, que os conhecimentos sejam passados continuamente atravs dos tempos. Esses
textos manuscritos esto hoje sob a guarda de instituies pblicas e privadas, em todo o
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territrio nacional. Essa medida tem o objetivo de garantir que o documento e principalmente
o seu contedo estejam protegidos, assim, a vida do homem poder ser consultada, em
qualquer tempo, por pesquisadores, estudantes, para todos os interessados em conhecer a
histria brasileira e sergipana (CORUJEIRA, 1971).
Nesse sentido, compreender o funcionamento da lngua portuguesa em Sergipe em um
certo perodo da histria, a maneira como os sujeitos a utilizavam em suas interaes e de que
forma se constitua o processo de designao dos nomes prprios de pessoas, se nos apresenta
como problema dessa pesquisa e, assim, conduz ao seguinte questionamento: De que modo a
anlise de dados discursivos e lexicais, seguindo os ditames de um saber humano especfico,
pode contribuir para a compreenso de uma poca, bem como elucidar aspectos da
atualidade?
Nessa perspectiva, esta dissertao, intitulada Os onomsticos em documentos da
freguesia de So Cristvo quando pertencente Provncia Eclesistica da Bahia, tem no
manuscrito eclesistico produzido na parquia de Nossa Senhora da Vitria (1604) seu objeto
de estudo. Pretende-se investigar os antropnimos encontrados nos cdices diplomticos
(livros de batizados) da referida parquia, da freguesia de So Cristvo, Estado de Sergipe,
num perodo que vai de (1883), quando Sergipe ainda pertencia Provncia Eclesistica da
Bahia, at o momento da criao da Diocese de Aracaju e o seu consequente
desmembramento da Arquidiocese de Salvador (1910).
A escolha da parquia de Nossa Senhora da Vitria se deve ao fato de ser a mais
antiga e por ter sido a primeira matriz do estado de Sergipe. Disso advm a sua importncia
histrico-cultural e administrativa, pois So Cristvo a primeira capital do Estado e a
quarta cidade mais antiga fundada no Brasil, participando intensamente do processo de
colonizao do territrio nordestino e sergipano.
So Cristvo, sendo tambm a primeira matriz do estado, desempenhou importante
papel no crescimento e na organizao da comunidade sergipana e, assim, possui um acervo
de livros e de documentos avulsos, cujo contedo informacional que serve para estudos acerca
da histria de Sergipe, sobretudo nos perodos colonial e imperial. Na verdade, os livros
ilustram o objeto, formando o corpus de estudo, possuindo importncia histrica, j que,
naquela poca, as parquias regiam a vida administrativa e religiosa das povoaes e vilas em
Sergipe, funcionando tambm como cartrios que emitiam os registros de valor jurdico e
pblico, acerca da populao de Sergipe.
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Os documentos norteadores da pesquisa so os cdices diplomticos, mediante os
quais foi possvel detectar os nomes identificadores das pessoas no perodo em questo,
buscando, igualmente, compreender a razo das escolhas de tais nomes.
Os nomes prprios de pessoas passaram a ser objeto de estudo, por entender-se que
revelam a verdadeira inteno nas escolhas dos progenitores, as influncias religiosas e
culturais e podem sugerir um trao desejado na formao do carter do nomeado, como se
este devesse corresponder ao ideal contido no significado. Isso j era prtica antiga, quando
certos povos faziam as nominaes com base na significao implcita. Esta prtica muito
comum no universo bblico, podendo ser observada nos relatos de imposio de nomes, a
exemplo de: [...] e chamou o seu nome Moiss, e disse: Porque das guas o tenho tirado1.
(xodo 2.10). O mesmo acontece com outras culturas como a grega e a latina, em que o nome
Aquiles significa escurido, sofrimento do povo 2 e nome Lucrcio, o que atrai, que
lucra3, demonstram a funo que o nome pode atribuir pessoa que o carrega (PEREIRA,
2004).
Essa cultura (nomear pelo significado) revelada atravs das impresses deixadas
pelos antigos povos, podendo-se notar que o antropnimo carrega o seu significado,
representando-o, fazendo relao com a vida daqueles que o portam. Isso se observa, por
exemplo, na cultura dos povos indgenas brasileiros, demonstrando, embora
inconscientemente, vasta habilidade no trato com a etimologia e na associao das palavras
com o mundo circunstante (GURIUS, 1981).
Existem outros nomes que so motivados por fatos histricos, heroicos, culturais,
como o caso do mesmo heri grego Aquiles, que tambm remete figura de uma guia, cuja
simbologia mitolgica traduzida na figura de Zeus, o rei e mais poderoso entre todos os
deuses4. Questes culturais, como personagens de filmes, teatro, novelas, constituem-se, em
outras pocas, elementos impulsionadores dos antropnimos.
Na atualidade, outras questes so visveis, podendo servir de exemplo Rassa,
personagem vivida por Mariana Ximenes na novela Amrica, da Rede Globo. Rassa uma
jovem de famlia de condio social rica, estudiosa, meiga, sempre simptica, demonstrando
1 BBLIA SAGRADA. Trad. Joo Ferreira de Almeida. Ed. So Paulo: Geogrfica, 2000, p. 57.
2 Gurius (1981, p. 59).
3 Idem., p. 165.
4 Segundo Heinz-Mohr (1994, p.11), a guia traduz a fora e a velocidade, foi considerada pelos antigos povos
como o pssaro poderoso e veloz, ao mesmo tempo em que simboliza a vitria.
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ser uma pessoa de bom carter. Com isso, o fato de possuir todas essas caractersticas parece
implicar que as pessoas portadoras desse e de outros nomes teriam os mesmos caracteres e
aes semelhantes personagem da novela, o que acabou se transformando em um
modismo (SEIDE, 2013).
Numa perspectiva religiosa, constata-se, por exemplo, que os pais esperam certo tipo
de proteo aos seus filhos quando escolhem um nome relacionado a algum santo, como o
caso de Rita de Cssia, Antnio, Maria de Lourdes, Maria da Conceio. Esse tipo de impulso
se d em todo o mundo, com todas as pessoas, podendo ser notado desde os povos mais
antigos, como se afirmou anteriormente.
Evidencia-se, portanto, nesta pesquisa, a compreenso de um momento histrico
sugerido pelo estudo das palavras que simboliza as influncias, sobretudo do poder da Igreja
Catlica, que, poca, unida ao Estado, regia praticamente todos os atos da vida pblica e aos
cidados sugeria e at impunha escolhas, bem como lhes ditava modos de comportamento,
includo a prtica de nomear pessoas.
O estudo consistiu da coleta, descrio e anlise do corpus, escolhendo nomes
prprios de pessoas, tal como aparecem nos documentos bsicos da pesquisa. Assim, de
forma geral, este trabalho objetiva a anlise documental de um quantitativo de manuscritos do
acervo da Cria paroquial da Igreja Matriz de So Cristvo, em que se procurou reconhecer
os onomsticos contidos nos documentos, a partir da edio semidiplomtica realizada nos
textos e sua relao com a cultura e crenas da religiosidade catlica, como, por exemplo, o
dia do santo catlico que veio a impulsionar a escolha do nome.
Tal procedimento permite compreender os aspectos culturais e religiosos revelados na
onomasiologia a refletir o domnio de uma instituio permeando entre os perodos colonial,
imperial e republicano.
Partindo do pressuposto de que o lxico reflete a leitura de mundo da comunidade,
tem-se como hiptese que este trabalho revele dados importantes de como a linguagem serve
camuflagem das estruturas de poder a servio de uma instituio, em determinada poca,
valendo-se da aceitao tcita dos indivduos devidamente doutrinados.
A pesquisa se justifica por ser uma temtica inovadora no mbito das letras em
Sergipe, em que os aspectos onomsticos refletem o modo de ser de uma sociedade
influenciada por elementos de cunho religioso. Motivaes de outra ordem, em diferentes
circunstncias culturais, apresentaro outra configurao da onomstica em alinhamento com
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as caractersticas e os valores de cada sociedade que se queira investigar. Um estudo de tal
natureza mostra-se necessrio no mbito das pesquisas em Linguagem, pois, tendo o texto
como a fonte de conhecimento, possibilita o acesso a determinadas informaes, trazendo
luz aspectos da estruturao da lngua portuguesa, em Sergipe, apresentando outros dados
socioculturais dos so-cristovenses, como funo desta rea do saber.
O contedo desta dissertao contribuir para o conhecimento de parte da histria
religiosa da Provncia de Sergipe Del Rey e da Bahia, num momento em que tais estados
brasileiros formavam uma nica circunscrio eclesistica, na vasta extenso territorial onde
se inserem. Ser tambm de incentivo para a conservao dos acervos de documentao
manuscrita, pois estes expressam as caractersticas e os valores de uma sociedade em
determinada poca, e tambm para o resgate de seu valor cultural nos moldes da tcnica em
anlise textual, suscitando a explorao dos conhecimentos em Crtica Textual como cincia
especfica para o trabalho de Edio e recuperao de textos, com contedos e mtodos
apropriados.
A documentao utilizada implicou um tratamento cientfico, obedecendo s sugestes
de Cambraia (2005), que seguem as normas tcnicas para transcrio e edio de documentos
manuscritos, demonstrando que a Crtica Textual, como cincia no trato com documentos
antigos, possui metodologia prpria, exigindo competncia profissional de quem se envolve
neste domnio do saber.
Para alcanar os objetivos, foi realizado um levantamento bibliogrfico, explorando os
dados coletados, permitindo descrev-los. Assim, a pesquisa tem carter qualitativo, quando
se busca aprofundar o estudo da anlise documental, necessrio para a compreenso da
organizao estrutural da comunidade de So Cristvo e as suas diversas tendncias na
designao nominal. A pesquisa tambm possui carter exploratrio, pois os manuscritos so
utilizados como fonte de informao para que se possa compreender o contedo e a
importncia dos materiais em pauta para a sociedade sergipana. Dessa forma, a metodologia
comportou os seguintes passos.
Primeiro procedeu-se separao dos cdices, verificando a possibilidade de
manuseio, para ento dar incio a Edio Semidiplomtica momento em que se busca
reconstituir o texto em linguagem atualizada, facilitando, assim, a plena compreenso de seu
contedo. Spina (1977, p.79) lembra que a transcrio diplomtico-interpretativa ou
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semidiplomtica [...] representa uma tentativa de melhoramento do texto, com a diviso das
palavras, o desdobramento das abreviaturas [...] e s vezes at com pontuao.
Em segundo lugar, procedeu-se ao levantamento das lexias suscitando maiores
esclarecimentos, haja vista a especificidade que caracteriza o seu uso, constituindo a
originalidade do texto no gnero discursivo em que se apresenta. Essa fase se concentrou na
seleo de cento e vinte e trs nomes, bem como na identificao de fenmenos lingusticos e
categorias lexicais. Para que isso fosse realizado, foram elaboradas dois tipos de fichas:
catalogrfica e tipolgica, o que facilitou o armazenamento de dados.
O passo seguinte consistiu na consulta a dicionrios, a fim de entender os significados
dos termos nas abonaes lexicografadas. Para isso, foram consultados dicionrios que
fornecem dados necessrios para melhor compreenso e definio das lexias, o que
possibilitou a compilao dos dados, facilitando uma sntese de parte das abonaes
constatadas.
Em seguida, procedeu-se organizao dos vocbulos, apresentando, em ordem
alfabtica, no quadro formulado no terceiro captulo, uma demonstrao dos termos
discutidos.
J na ltima etapa, os manuscritos foram submetidos a uma anlise minuciosa,
realizando a descrio dos suportes, apresentando por meio de ilustraes, de como o clero
produzia seus registros paroquiais.
A dissertao, portanto, se apresenta em quatro captulos e duas sees. A primeira
seo refere-se Introduo, que comporta o tema, o objeto de estudo, o problema, os
objetivos, a justificativa, a hiptese e a estrutura que compem o trabalho. O primeiro captulo
tem o objetivo de mostrar a aplicao metodolgica da Crtica Textual apresentada por Spina
(1970), Spaggiari e Perugi (2004), Cambraia (2005), Azevedo Filho (2006), sua relevncia
para estudos que utilizam o documento antigo (manuscrito ou impresso) como objeto de
investigao. Foram traados seu percurso histrico, sua definio e os tipos de edio crtica,
alm de demonstrar suas caractersticas, diferenciando-a de outras cincias documentais,
como o caso da Filologia, que, s vezes, se confundem como se tratassem da mesma coisa.
Expe-se tambm a aplicao metodolgica da edio semidiplomtica, trazendo tona a
concepo pela perspectiva etimolgica, acompanhada de um breve histrico do seu
surgimento, traando os caminhos percorridos at os dias de hoje, apresentados nos trabalhos
de Acioli (1994), Cambraia (2005) e Berwanger e Leal (2008).
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No segundo captulo, foi apresentada uma discusso acerca dos aspectos histricos da
cidade de So Cristvo, explicitando sua importncia e de Igreja Matriz no contexto
religioso, cultural e poltico de Sergipe. Tambm foi abordada a questo do patrimnio
histrico-cultural de So Cristvo, trazendo tona termos com pouca familiaridade no que se
refere s polticas de gesto de bens materiais e imateriais do Brasil, como o caso do
Instituto de Patrimnio Histrico e Nacional IPHAN, explicando a sua forma de atuao no
Brasil e, especialmente, em So Cristvo/SE. Nesta seo foi elaborado um quadro contendo
a relao de alguns bens tombados em So Cristvo, alm de mostrar fatos curiosos sobre
esses bens. Tambm so citadas manifestaes culturais que envolvem eventos religiosos,
como as festas em homenagem aos santos que esto ligadas a outras tradies como a
culinria e as danas, inspiradas na mistura de culturas entre aqueles que habitaram o
territrio sergipano nos primrdios de sua formao. Apresentaram-se, na viso de Paes
(2004), o conceito e a funo dos arquivos, em especial, os paroquiais e como eles podem
proteger e transmitir as aes praticadas pelas sociedades, ao longo dos tempos. Atravs das
colocaes de Bellotto (2002, 2004), pode-se compreender o verdadeiro sentido de suporte
documental, auxiliando na caracterizao do tipo documental especfico, assentamentos de
batismo, diferenciando-os dos demais tipos, alm de desenvolver critrios que conduzem
afirmao das anlises tipolgicas. O aporte terico que fundamentou este captulo volta-se
para os conceitos tratados nas obras de Nascimento (1944), Tnia Silva (1985), Wynne
(1970), Eliane Carvalho (1989), Vilela e Silva, (1989), Wehling (1994), Sebro et al. (2003) e
Mitarraquis (2010) sobre os aspectos do Brasil e Sergipe Colonial; Thomaz (2010), Santos
(2012), Menezes (2014), IPHAN (2015) abordam a respeito do patrimnio histrico-cultural
imaterial; Marcilio (2004), Silva Junior (2009), Braga e Pires (2012), Joceneide Cunha (2013)
retratam sobre os registros paroquiais, sua estrutura e o que trata o contedo.
O terceiro captulo evidenciou, nos antropnimos coletados, que existem fortes
relaes e influncias da instituio religiosa, a Igreja Catlica, na comunidade de So
Cristvo, no perodo (1883 1910). Esse item analisa de que maneira a ideologia e o
discurso religioso interferiram na vida das pessoas, na sua maneira de agir e pensar sobre as
coisas, utilizando-se da linguagem como mecanismo mediador entre essas instituies
religiosas e o povo, percebendo-se, atravs dela, a manipulao que resultou no domnio,
controlando os indivduos desde o vesturio at o pensamento e a expresso de suas ideias.
Sero abordados os conceitos de ideologia e seu papel no processo de nomeao dos
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neonatos, alm de fazer um apanhado histrico do contexto religioso em Sergipe, no
municpio em questo. Abordam, ainda, os apontamentos da Onomasiologia, cincia que
investiga os significados das coisas e dos nomes, refletindo no mtodo filolgico de
associao de Palavras e Coisas, em que o lxico remete realidade do ser humano. Para
fundamentar as reflexes sobre ideologia, linguagem, discurso e domnio no contexto do
poder simblico, importa recorrer a tericos aqui citados: Althusser (2007), Bakhtin (2007),
Carvalhinhos (2007), Fiorin (2007), Dick (1997; 1998) Francisco Martins (1991), Bourdieu
(1989; 2004), Betto (1981), Gurius (1981).
No captulo quatro, deu-se importncia aos suportes manuscritos, por serem
instrumentos de estabelecimento da memria escrita, demonstrando a importncia de
preserv-los e de mant-los guardados com todo cuidado, pois essa uma forma de
compreender a histria do homem. Outro ponto relevante a descrio do material e dos
instrumentos utilizados na escrita dos manuscritos paroquiais, demonstrando, segundo as
leituras das obras dos autores Cojureira (1971), Wilson Martins (1996), Lyons (2011),
Guarido (2012), um pouco sobre as origens do papel, da tinta, por exemplo. Para aprofundar a
reflexo acerca da importncia da preservao e conservao dos suportes documentais,
foram utilizados ainda Milevski, (2004), Dias e Naves (2009), Antunes (2010), Spinelli et al.
(2011). Ainda neste item, foram apresentadas as anlises constantes no corpus, bem como a
edio de partes dos documentos recolhidos, explorando os dados e apresentando-os ao
mesmo tempo em que se aplicaram as teorias.
As tcnicas de edio realizadas nos documentos deste item teve base nos princpios
das Normas Tcnicas para transcrio e edio de documentos manuscritos, de 1993,
confrontando-as com as edies realizadas por Cambraia (2005). Ao total, colocaram-se
disposio doze flios, mesclando-se entre os trs livros de batizado usados nesta pesquisa,
mostrando o mtodo da edio semidiplomtica, sendo compilados em ordem crescente de
ano.
E, por fim, na ltima seo, Consideraes Finais, elencaram-se os principais
resultados desta pesquisa.
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CAPTULO 1 - A CRTICA TEXTUAL COMO METDO DE SALVAGUARDAR O
PASSADO: CONCEPES E CARACTERSTICAS
A escrita no somente um meio de fixar a palavra, ou uma espcie de linguagem visual permanente; ela a explicao do
progresso do esprito humano, pois contribuiu para acumular
e transmitir experincias. (Acioli, 1994, p.18).
Se o homem, enquanto ser social, sofre influncia de toda ordem, importa
compreender como tais agentes se refletem no discurso por ele produzido. Os registros
documentais, uma forma de discurso, podem dar testemunho da ideologia que por eles
perpassa. Funcionam como bens preciosos, pois, alm de preservar um legado proveniente de
outras geraes, possibilitam analisar as concepes de uma instituio, de um contexto, que
explicam os fenmenos sociais na atualidade.
Dias e Naves (2009) pontuam para a importncia dos documentos no entendimento da
histria, pois, atravs do seu contedo, se pode enxergar a maneira como as sociedades
viveram, identificando como se relacionavam e de que forma agiam e exerciam suas
atividades. Os contedos tambm so essenciais para a anlise lingustica, que se ocupa da
linguagem, j que ela transmite as informaes. Ainda, para os autores,
[...] o homem vem exercitando suas faculdades de agir sobre o meio ambiente e de
transform-lo. A partir de determinado momento de sua histria, desenvolveu
tambm a capacidade de elaborar registros documentais dessas e de outras aes, o
que certamente foi motivado pelo reconhecimento da importncia que esses registros
poderiam ter, principalmente como meio de transmisso das informaes neles
contidas para outras pessoas, outros lugares e outras pocas (DIAS; NAVES, 2009,
p.13).
Dessa forma, percebe-se que a necessidade humana de anotar suas aes e a
importncia de preservar os fatos so prticas essenciais para manter intactas as informaes e
compreender a cultura de um grupo social.
Nesta perspectiva, este captulo volta a sua ateno para a anlise textual dos registros
paroquiais, objeto de estudo em que se procurou verificar a influncia da igreja catlica no ato
de nomear as pessoas. Contudo, um problema de ordem redacional dificultou a anotao de
maior nmero de abonaes, haja vista que, poca do assentamento dos dados, no era
costume especificar dia, ms e ano, garantindo a exatido das informaes.
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Diante disso, observou-se, por exemplo, a anotao baptizei solemnemente a
Geminiano, ingenuo, crioulo, com um mez de idade5. Este no um dado preciso, muito
embora se possa, ao fazer a contagem regressiva dos meses, chegar aproximadamente ao que
busca esta pesquisa. Nota-se que o significado das palavras preciso, traduzindo a realidade
de uma poca, neste caso, a condio social e a raa de Geminiano, filho de escravo, que foi
batizado com apenas um ms, por isso, o uso dos termos ingenuo e crioulo 6.
Lidar com documentos antigos requer o conhecimento terico de certas disciplinas,
como a Crtica Textual e entender o mecanismo metodolgico de suas edies, no intuito de
facilitar o trabalho de anlise textual do material em apreo. Nesse sentido, acena Vera Acioli
(1994, p.1): para que o documento seja bem interpretado, necessrio que antes tenha sido
bem analisado e criticado sob o ponto de vista paleogrfico. Na verdade, o que se busca com
a leitura dos manuscritos no apenas entender o seu contedo, mas compreender a sua
estrutura e quem os produziu, pois traz tona o legado proveniente de outras geraes, os
fatos e a memria de um povo, como tambm a ideologia proveniente de uma instituio, no
caso, a religiosa.
O trato com documentos tem profunda relao com o domnio das letras. No fosse a
contribuio da escrita, seria quase impossvel registrar e preservar dados importantes.
Compreender o documento, (em sua base latina documentum, i), perceber a sua natureza, de
contedo informacional, tendo como suporte, no caso desta pesquisa, o cdice diplomtico7.
Os documentos podem se apresentar em variados suportes, podendo conter todo tipo
de dados, porm, o mais importante a ser considerado o seu contedo, seu assunto, j que
por meio dele que se identifica a tipologia e, dessa forma, define-se o seu padro textual.
Assim, os documentos, segundo traz Bellotto (2002), so considerados por sua forma e
contedo como
uma unio indissolvel entre informao/informaes e suporte, [...] a informao
tem seu texto presidido por um modelo. Por isso mesmo ele vem veiculado na espcie documental, que molda o texto segundo a sua natureza e a categoria do
contedo que se quer transmitir (BELLOTTO, 2002, p.22).
5 Livro de batizado n 03, verso da pgina 50, ano 1884. Parquia da Igreja Matriz de So Cristvo/SE.
6 Os termos ingenuo e crioulo sero discutidos mais adiante, no captulo 4.
7 Termo usado pela Heloisa Bellotto para classificar a tipologia do livro paroquial.
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Em contrapartida, Conjureira (1971), apresenta o documento como testemunhos,
pois a escrita reconhecida como a prova que revela situaes de uma dada poca,
preservando detalhes sociais, culturais e tambm lingusticos do homem, garantindo que os
conhecimentos sejam passados continuamente atravs dos tempos.
Os documentos podem se caracterizar como pblico, jurdico e privado. Isso devido
sua provenincia, pois cada texto tem a funo de atender um propsito. A diferena entre
eles ser reconhecida pela especificidade do padro da escrita e elementos especiais podem
aparecer no decorrer do texto para facilitar a identificao. Na viso de Bellotto (2002), os
pblicos, de carter oficial, dizem respeito queles registros produzidos por pessoas e
instituies que exercem autoridade, como a igreja Catlica, governo ou administrao, entre
outros, tendo por exemplos as licenas, documentos administrativos, em que se note o
acompanhamento de selos, carimbos e assinaturas. No entanto, a depender da natureza do
assunto, esses documentos tambm so reconhecidos como jurdico. J os privados
apresentam caractersticas diversas, sendo, no geral, aqueles criados por pessoas annimas,
podendo apresentar procedncias e assuntos variados.
Esta classificao fundamental para a realizao do trabalho de anlise nos textos
investigados. Os cdices diplomticos, segundo Bellotto (2004), so aqueles livros
produzidos nas parquias. So chamados diplomticos porque durante muito tempo, esses
livros serviram como documento oficial, representando a funo de tabelionato no Brasil at
1889. Por esse motivo, os livros de batizados, aqui em pauta, cabem na classificao de
pblicos, jurdicos e privados. Pblicos e jurdicos porque eram produzidos por uma
instituio com poder jurisdicional, que funcionava como cartrio e por serem os
assentamentos paroquiais uma forma de comprovar os fatos, de serem a nica forma de
registro nominalstico conhecida na poca e, privados, por serem frutos de uma sociedade.
Por essas caractersticas e pela funo que apresentam, esses livros tm um valor
imensurvel para a comunidade sergipana, pois contam a sua histria. Desta forma, outros
fatores devem ser levados em considerao, a sua preservao e conservao, afinal, esse
conjunto orgnico se constitui em fonte de informao. Preservar essencial no apenas no
sentido de manter esses materiais guardados, mas para se compreender o funcionamento de
uma instituio e os motivos que a levaram a produzir tais suportes. Conservar tambm
tarefa importante, pois o que se busca dar continuidade vida til desses materiais. Mas,
para assegurar a manuteno, conservao e preservao da memria coletiva, tambm se
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deve recorrer teoria e metodologia cientfica da edio textual, pois a finalidade facilitar
o entendimento do texto, atualizando a linguagem.
1.1 As cincias documentais
Desde a Antiguidade o manuscrito passou a ser objeto de estudo e de anlise, sendo a
finalidade, neste perodo, de conservar o contedo do texto para estud-lo e entend-lo. Na
Idade Mdia, porm, a anlise textual serviu apenas para avaliar minuciosamente a sua
veracidade; isso se deu at o sculo XVIII, quando se desenvolveram tcnicas de anlise
crtica. Sobre isso Ilari (2006) assevera que
[...] muitos estudiosos vinham-se dedicando ao trabalho de estudar textos da
antiguidade clssica, uma tarefa que exigia, alm de conhecimentos tcnicos (por
exemplo, de edtica e diplomtica) indispensveis para restabelecer o texto em sua
forma original, a capacidade de manipular informaes extremamente variadas sobre
a poca a que se referiam os documentos e um domnio muito grande das lnguas
antigas (ILARI, 2006, p.17).
No sculo XVIII em diante, as investigaes no que se refere constituio do texto
foram se desenvolvendo, surgindo novos mtodos de anlises, cumprindo novas necessidades
e objetivos, alm de traduo, cpia e legitimidade do documento. O intuito principal
entender o que est explicitado nos textos, mas, para isso, eles deviam passar por tratamento
nos suportes desenvolvendo, assim, as prticas de edio. Diante dessas necessidades, com o
passar do tempo, surgiram cincias que lidam diretamente com o suporte documental, como a
Filologia e a Crtica textual. Tais disciplinas analisam o contedo dos documentos e seus
elementos estruturais. Todavia, as cincias podem confundir em razo de se achar certa
semelhana na utilizao de seus mtodos. Dessa forma, fez-se necessrio definir a natureza
delas, traando os seus objetivos, demonstrando seus mtodos, a fim de facilitar a
compreenso sobre suas aplicabilidades.
Abordar sobre tais cincias fundamental para a compreenso da metodologia
desenvolvida neste trabalho, pois o objeto de estudo, o documento antigo, apresentou em
determinados momentos um sistema de escrita de difcil interpretao, por isso, saber o
funcionamento tcnico de uma edio textual, sua base terica e o contexto histrico que deu
origem a essa prtica um dos temas tratados nesta dissertao.
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guisa de ilustrao, fez-se necessrio conceitu-las. A primeira delas, a Filologia,
termo que, etimologicamente, vem do grego, expressa o amor ao conhecimento e, pelo
latim, remete a instruo, erudio. uma cincia antiga que investiga a histria e evoluo
das lnguas, as mudanas nos seus aspectos estruturais e semnticos, tendo como corpus o
texto escrito, podendo este ser ou no antigo.
Segundo Rosa Carvalho (2003), atualmente, a filologia segue duas divises: uma est
voltada para a anlise da lngua, que investiga a famlia de uma determinada lngua e, por esse
motivo, o termo filologia pode ser reconhecido tambm como Lingustica Histrica; e a
segunda Crtica Textual refere-se investigao do texto, que se utiliza dos mtodos
cientficos, como as tcnicas de edies, com o intuito de estabelec-lo.
Os estudos cientficos da Filologia possibilitam o entendimento de uma sociedade em
determinada poca. Por isso, ter o conhecimento dessa disciplina e sua aplicabilidade,
conhecendo seu percurso histrico que vem desde a Antiguidade clssica at os dias atuais,
imprescindvel porque faculta compreender o modo como uma dada populao se desenvolve
e se expressa. Dessa forma, observa-se que a filologia teve vrias formas de entender e
analisar o funcionamento da escrita, desde o seu surgimento at como compreendida hoje.
Isso chama a ateno para o fato de que, durante sua evoluo, o termo foi apresentando
diversos significados, a partir da funo que desempenhasse, tornando-a, pois, polissmica.
Na tentativa de buscar um entendimento acerca da concepo do termo filologia,
mostrando essa variedade de sentidos, apresentar-se-o conceitos apontados pelos autores
Houaiss (2001) e Azevedo Filho (2006):
Em Houaiss (2001), por exemplo, apresentam-se quatro acepes para a filologia,
mas, agora, na perspectiva evolutiva, desde a Antiguidade aos dias atuais:
1 Estudo das sociedades e civilizaes antigas atravs de documentos e textos legados por elas, privilegiando a lngua escrita e literria como fonte de estudos.
2 Estudo rigoroso dos documentos escritos antigos e de sua transmisso, para estabelecer, interpretar e editar esses textos.
3 O estudo cientfico do desenvolvimento de uma lngua ou de famlias de lnguas, em especial a pesquisa de sua histria morfolgica e fonolgica baseada em
documentos escritos e na crtica dos textos redigidos nessas lnguas (p.ex., filologia
latina, filologia germnica etc.); gramtica histrica.
4 Estudo cientfico de textos (no obrigatoriamente antigos) e estabelecimento de sua autenticidade atravs da comparao de manuscritos e edies, utilizando-se
de tcnicas auxiliares (paleografia, estatstica para datao, histria literria,
econmica etc.).
Por sua vez, no sentido crtico, Azevedo Filho (2006) a define como
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[...] a cincia que se volta, deliberadamente, para a anlise e compreenso dos textos,
no caso recorrendo a critrios que melhor possam aproximar um texto ltima
vontade consciente de seu autor (AZEVEDO FILHO, 2006, p. 16).
Dessa maneira, observa-se que, em tal critrio, a disciplina definida pela funo que
exerce, j que seu objetivo a anlise do texto, para interpret-lo, utilizando-se de um
procedimento prtico no intuito de buscar com preciso entender o sistema lingustico, mas
principalmente, entender o contexto em que foi criado e porque ele foi produzido. Trata-se,
para Carvalho (2003), de uma relao dependente entre o objeto, o texto e a metodologia, a
edio, em que um auxilia o desenvolvimento do outro.
Seguindo o mesmo fundamento, aparece a Crtica Textual, disciplina ligada
filologia, sendo a sua parte prtica. A funo principal da crtica textual restaurar o
patrimnio documental, resgatando os testemunhos e a histria de uma poca. A sua
metodologia consiste no exame minucioso do texto, podendo o contedo ser de natureza
variada. Seus mtodos seguem critrios cientficos especficos com fins de recuperar o
contedo do texto para mais prximo do original, alm de atualizar a linguagem, bem como
identificar a sua autoria, tornando-o compreensvel.
Cambraia (2005, p.13, grifo do autor), citando Houaiss (1967), Azevedo Filho (1987)
e Spina (1994), traz a definio desta disciplina, dizendo que o vocbulo usado [...] em
lngua portuguesa como designadora do campo do conhecimento que trata basicamente da
restituio da forma genuna dos textos, [...] de sua fixao ou estabelecimento. Desta
maneira, observa-se que, na Crtica Textual, o crtico analisa as condies do texto, fazendo
as modificaes pertinentes e verificando a presena de erros (variantes), procurando
corrigi-los.
A filologia e a crtica textual esto fortemente relacionadas entre si, visto que a
primeira possui a posio mais elevada em relao s demais, pois ela a mais antiga. J a
Crtica Textual faz parte da Filologia, sendo a sua parte aplicada. A filologia empresta,
portanto, seus fundamentos tericos, para aperfeioar os procedimentos tcnicos voltados
exclusivamente para o estabelecimento do texto.
Essa relao existente entre essas cincias pode ser resumida em Azevedo Filho
(2006), quando expe:
a edio crtica tida como operao inteiramente indispensvel perfeita
compreenso de um texto, com segura base filolgica, pois a Filologia a cincia
que se volta, deliberadamente, para a anlise e compreenso dos textos, no caso
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recorrendo a critrios que melhor possam aproximar um texto ltima vontade
consciente de seu autor (AZEVEDO FILHO, 2006, p.16).
A anlise crtica e a edio, para Cambraia (2005), podem contribuir com as
investigaes de diversas reas do saber, principalmente nas reas de lngua e literatura, que
tm no texto o corpus, principal fonte de informao. Dessa forma, segundo o autor
[...] no domnio dos estudos lingusticos, os textos escritos, no raramente, so
utilizados como corpus, isto , fonte de dados para o conhecimento da lngua. [...] J
no domnio dos estudos literrios, os textos escritos so ainda mais essenciais, j
que so a principal forma de expresso da literatura (CAMBRAIA, 2005, p. 20-21).
No tempo antigo, poca do desenvolvimento cultural, a filologia aponta seus primeiros
passos, num momento em que os intelectuais buscavam nos textos mais antigos fontes
essenciais de informao, para obter mais conhecimento. Nos centros culturais, a leitura que
se fazia dos textos, em sua maioria, obras de autores clssicos, era discutida e as histrias ali
documentadas eram interpretadas. Toda a atividade dos centros girava em torno da discusso
de diversos temas. O intuito, segundo Spina (1977), era transmitir e conservar o contedo
destas obras, mas os filsofos e eruditos (estudiosos da poca) depararam-se com algumas
dificuldades de leitura. Dessa forma, sentiram a necessidade de recuperar os textos, tendo
como finalidade tornar as palavras conhecidas, estud-las, analis-las, a fim de, discuti-las.
Para facilitar a leitura do texto, nessa poca, foram desenvolvidas tcnicas de
reparao em partes do suporte, surgindo, pois a ecdtica. O termo ecdtica,
etimologicamente, significa arte de publicar. Quando da sua origem, ela foi tratada apenas
como um mtodo de recuperar a informao, atravs de cpias, correes nas palavras, por
exemplo. Contudo, na atualidade, tornou-se uma cincia com sua teoria e prtica prprias,
estando atrelada Crtica Textual, sendo especfica no trato com anlise e edio de textos
literrios (SPINA, 1977).
Dessa feita, entende-se que a Crtica Textual tem como parmetro metodolgico, antes
de editar um documento, conhecer a natureza deste, a fim de aplicar a tcnica mais adequada,
podendo ser, a ecdtica, a paleogrfica, entre outras.
O intuito mostrar as diferenas entre as cincias, como discriminadas acima, uma
vez compreendidas, parte-se ento para a apresentao breve da trajetria histrica da cincia
Crtica, mostrando a sua diviso, os tipos de edio, em especial, a edio semidiplomtica.
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Historicamente, segundo Rosa Carvalho (2003), a Crtica Textual pode ser dividida
em trs modalidades: Tradicional, Textual Moderna e Gentica. Na fase tradicional, ela se
define como o mtodo aplicado para recuperar os textos. Primeiro se fazia cpias diretamente
dos originais, buscando excluir partes que apresentassem trechos incorretos, aps as
correes, faziam-se anotaes, tabelas com as palavras e seus significados, tambm se
verificavam sua veracidade e autoria, finalizando em um novo texto. J a modalidade Textual
Moderna investiga os documentos que tenham disposio os originais, os procedimentos
tcnicos, nesta fase, submetiam os documentos a uma comparao entre as diversas cpias de
um mesmo texto, aps as avaliaes, verificava-se qual dos textos estava mais prximo
daquele cujo autor desejava expressar. Enfim, no que tange Crtica Gentica, v-se o
empenho em averiguar a origem criativa de uma obra, fazendo comparaes de todo material
escrito e utilizado por seu criador, podendo estar entre as notas, rabiscos, textos etc.
O mtodo de edio, como lembra Cambraia (2005), vai depender de muitos
elementos: do suporte, da escrita e da reestruturao do texto, podendo apresentar a seguinte
classificao: atualizada, clssica, crtica textual, crtica gentica, paleogrfica, fac-similada,
diplomtica, entre outras; geralmente so escolhidas conforme a tipologia do texto.
Sabendo desta classificao, na anlise realizada nesta dissertao, deu-se preferncia
ao tipo semidiplomtico, pois os documentos utilizados possuem um carter oficial, em que se
observou uma srie de abreviaturas, que, muitas vezes, podem confundir a leitura. Dessa
forma, a utilizao desse tipo de edio permite maior liberdade no manuseio do profissional
que lida com tais espcies documentais, para desdobrar as abreviaturas, por exemplo,
facilitando o entendimento das palavras.
1.2 Breve histria da Crtica Textual
A prtica de editar textos surgiu no tempo antigo, quando os primeiros fillogos
gregos preparavam os textos com a finalidade de estud-los, aplicando mtodos, mediante os
quais auxiliavam a percepo dos seus contedos, facilitando os comentrios e discusses que
faziam acerca de diversas tipologias textuais, sobretudo as obras literrias. Ao que parece, a
ecdtica ensaia seus primeiros passos logo aps o surgimento da filologia, momento em que
se buscavam, atravs das leituras, inspiraes para novas criaes.
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Para os autores Spaggiari e Perugi (2004, p. 24), as atividades filolgicas sempre
tiveram a nica funo de reconstituir o original perdido, ou um texto de qualquer maneira
fidedigno. Isso se processou conforme os propsitos dos homens durante o percurso da
histria, em que as maneiras de analisar textos foram sendo adaptadas, moldadas, atribuindo a
elas diferentes nominaes: ecdtica, diplomtica, crtica textual, distinguindo-se, porm,
pelos tipos materiais e objetivos que se pretenda alcanar.
De acordo com Spina (1977), a Ecdtica, por exemplo, deu incio aos mtodos de
anlise de textos, no perodo Tradicional, sendo seu marco os trabalhos desenvolvidos pelos
primeiros diretores da Biblioteca de Alexandria, que, segundo os autores Reynolds & Wilson
(1995, p. 15 55 apud CAMBRAIA, 2005, p. 40), exerceram forte influncia, repercutindo
nas atividades analticas que se desenvolviam na Grcia. Para eles, os alexandrinos no
apenas fixaram a forma dos textos de autores comumente conhecidos, como tambm se
empenharam na imposio dessa como fonte para cpias posteriores.
A Ecdtica teve papel fundamental nas anlises de muitas obras produzidas na Grcia,
principalmente, no perodo alexandrino, poca em que a cultura grega chegou ao seu apogeu e
as atividades de edio se desenvolveram conforme a necessidade de leitura e interpretao do
contedo dos textos clssicos (SPINA, 1977).
As obras serviriam para outros fins que no apenas leitura e discusso temtica; elas
ajudariam principalmente as escolas, funcionando como ferramentas de ensino; alm disso,
incentiva-se a produo de novos textos entre os membros das comunidades e, por essa
dedicao leitura, nasceu a filologia (CAMBRAIA, 2005).
As anlises textuais se iniciam na Grcia com os fillogos alexandrinos. Considerado
o primeiro diretor da Biblioteca de Alexandria, o gramtico Zendoto de feso (325-234
a.C.), dedica seus estudos, tendo nas obras do poeta Homero, seu objeto analtico. Outros
gramticos merecem importncia pela magnitude dos trabalhos de recuperao de textos de
tipo clssicos, como: Eratstenes de Cirene (236-194 a.C.) e Aristarco da Samotrcia (216-
144 a.C.). Nos trabalhos desses estudiosos, de acordo com Cambraia (2005, p.40), j se
visualizavam regras de edio, principalmente, quanto ao sistema utilizado em sinais e
comentrios. Em Roma, para Spina (1977), as prticas se desenvolveram com maior afinco
devido ao estudo que se fazia de gramtica. Era um estudo fundamentado nos princpios
alexandrinos, notando-se certa organizao e diviso nas anlises textuais: leitura,
interpretao, averiguao de partes que no expressam muita clareza, correo dessas partes
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e, por ltimo, as notas e ponderaes. O precursor dessa atividade foi Tiranio de Amiso,
sendo a dedicao ao ensino, uma de suas principais tarefas. Como ferramenta de trabalho, ele
utilizava, como a maioria dos estudiosos, os textos literrios para facilitar a instruo; porm,
para isso, ele desenvolveu um mtodo que tornasse a leitura mais atrativa. Esse mtodo,
segundo informa Spina (1977), foi dividido em quatro procedimentos:
[...] a pertractatio, isto , o estudo assduo, que conduz inteligncia crtica dos
poetas; a histria, ou seja, a explanao de todas as noes sugeridas pelo contedo;
a interpretatio das palavras, que correspondia s chamadas glosas da filologia
alexandrina, em que as palavras eram estudadas nas suas formas dialetais e no seu
significado; e finalmente o sonus, som, querendo referir-se com isso harmonia
potica da expresso literria, verso ou prosa (SPINA, 1977, p.63).
Ainda em Roma, outros nomes destacam-se: Marcos Terncio Varro (116-27 a.C.) e
Valrio Probo (20-105 d.C.), que para Spina(1977), voltam para as atividades de anlise
ligadas diretamente ao estudo da organizao formal da lngua, estando atentos s mudanas
ocorridas no seu sistema e no sentido das palavras.
No comeo da alta Idade Mdia, as edies tm nos textos litrgicos seu objeto de
anlise, tendo o contexto religioso como seu principal difusor. Cambraia (2005), refere-se a
Orgenes como o introdutor dos fundamentos crticos da atualidade, procedendo ao estudo do
Antigo Testamento, em que fazia comparaes entre os textos, verificando os erros e
finalizando com tradues. Nesta fase, destaque para So Jernimo, sendo um dos nomes
mais conhecidos do mundo religioso com o trabalho de edio da Bblia, traduzindo-a para o
latim, cuja denominao ficou conhecida como Vulgata.
No perodo entre o Renascimento at o sculo XIX, as edies se difundiram mais na
Europa, destacando-se na Itlia. Os trabalhos consistiam na edio de textos bblicos, tanto
gregos como latinos utilizando, como parmetro, o Novo Testamento e outros, de teor
literrio. Na Itlia, apareceram os estudiosos Petrarca, Boccaccio e Eramus de Rotterdam. Em
outras regies, como a Frana, Henri tienne, Lambin e Scaliger editavam textos de lngua
grega, latina e hebraica. Na Sua, Jean Le Clerc oferece um manual publicado com o ttulo de
Ars critica, sendo seu contedo fundamental para os estudos de edio, com critrios mais
elaborados (CAMBRAIA, 2005).
Mas na Alemanha, com Karl Lachmann, que a edio se constitui num novo mtodo
de restabelecimento textual, denominado de crtica moderna, que, de acordo com Cambraia
(2005, p.51), estaria dividido em duas partes: a recenso (lat. recensio) e a emenda (lat.
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emendatio). A formulao desse mtodo e a apurao do texto tiveram sua base em textos
antigos. Seu trabalho de editor garantiu-lhe o ttulo de fundador da edio crtica moderna. O
mtodo, de carter mecnico, consistiu seguiu certos critrios: primeiro se verificavam os
originais e cpias, tanto manuscritas como impressas de uma mesma obra, depois se fazia a
separao de todos os textos, identificando-os conforme o tipo, organizando-os em rvores
(estema), fazendo comparaes entre eles e ordenando-os por letras. Passadas essas etapas,
verifica-se se h erros; havendo, procura-se corrigi-los, porm deveria recorrer a textos em
bom estado, para ento finalizar com uma nova edio (SPINA, 1977; CAMBRAIA, 2005).
Em Portugal, essa metodologia despontou somente no sc. XIX e foi fundamentada no
mtodo de Lachmann, porm, nesse perodo, as edies no foram elaboradas com precauo,
pois os interesses dos estudiosos era o de leitura. Isso pode ser afirmado em Cambraia (2005,
p. 55-56), acenando que no parece ser possvel falar-se em grandes escolas em termos de
prtica de edio de textos em lngua portuguesa no mundo lusfono. A obra de Francisco
Adolfo Coelho, A Lngua Portugueza: Phonologia, Etymologia, Morphologia e Syntaxe, foi
consagrada como o ponto inicial das atividades crticas. Os trabalhos de edio eram voltados
para modernizar o texto. Surgiram, todavia, outros editores que desenvolveram trabalhos
notveis, como o caso de Lus Filipe Lindley Cintra, Epifnio Augusto da Silva Dias, Jos
Leite de Vasconcelos etc (SPAGGIARI; PERUGI, 2004).
Por fim, no Brasil, o nome mais relevante foi Emanuel Pereira Filho, ocupando-se da
edio das obras de Cames. Os estudos de crtica se aprofundaram na investigao da lngua
portuguesa e sua norma. Neste caminho, notam-se Aurlio Buarque de Holanda, Segismundo
Spinna, Serafim da Silva Neto, Antnio Houaiss, entre outros (SPAGGIARI; PERUGI, 2004).
1.3 Edies e tipologias
Observa-se, em sua evoluo, que a edio pode ser dividida em dois perodos: da
Antiguidade at o Renascimento e do sculo XIX at os dias atuais. Para os autores Spaggiari
e Perugi (2004), no primeiro perodo, a prtica de edio se desenvolveu mediante a utilizao
do sistema de sinais. O intuito dos estudiosos era encontrar e corrigir os enganos nos textos,
possibilitando, dessa forma, o seu entendimento. Nas prticas de edio da Antiguidade, os
fillogos, alm de fazer as correes, incluam notas com comentrios acerca das palavras e
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de seus significados e, por fim, na Idade Mdia, tinha a funo de garantir a veracidade
documental.
A segunda fase se inicia no sculo XIX, com a metodologia proposta por Karl
Lachmann, em que a edio se apresenta mais elaborada, comparando os testemunhos entre
si, realizando tambm a correo de erros nos textos. Sua proposta foi essencial para o
desenvolvimento das prticas de edio modernas e atuais, sendo aperfeioadas ao longo do
tempo, porm destinadas a edies de diversas tipologias textuais.
O objeto de anlise dessa cincia, como j se afirmou, foi e sempre ser o texto
escrito, sendo que, para a preparao deste, o editor se preocupa, primeiramente, em
identificar a natureza do documento, procurando examinar o texto, analisando estrutura e
contedo, num processo regido por normas. Para Spina (1977, p.77), editar um texto consiste
em reproduzi-lo, por isso, se faz necessrio conhecer os diversos tipos de edies, que sero
definidas mediante a forma de estabelecimento e reproduo dos documentos. Contudo,
devem-se levar em conta, dois pontos: 1- Para quem se destina? Qual a finalidade da edio?
e 2- H outras edies do texto que se quer editar? So questes que devem ser respondidas,
tanto para escolher o tipo de edio que se achar mais apropriado quanto para a anlise
propriamente dita.
As edies, levando-se em considerao as orientaes de Cambraia (2005), podem
apresentar, segundo a apresentao e interferncia no texto, a seguinte classificao:
Fac-similada essa uma edio que reproduz fielmente o texto, atravs da
apresentao do tipo fotocpia, xerox, etc. Nota-se, neste caso, que o profissional no faz
nenhuma interveno no texto;
Diplomtica traduz na cpia fidedigna o texto original, em que todos os
sinais grficos, incluindo as abreviaturas, so reproduzidos de forma literal. Geralmente, esse
tipo acompanha a cpia de uma reproduo fac-similada e o grau de interveno
praticamente zero;
Paleogrfica traduz numa edio em que se pode modificar, excluindo
qualquer dificuldade de leitura que seja causada pelos sinais presentes no texto. Ela est
dividida em: semidiplomtica, paradiplomtica ou diplomtico-interpretativa. O seu objetivo
tornar o texto compreensvel para aqueles que tm pouca familiaridade com os caracteres a
apresentados, como, por exemplo, abreviaturas, que devero ser desdobradas;
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Interpretativa consiste na interferncia mxima permitida para edio, pois,
atravs dela, ocorre uma atualizao grfica da lngua. O objetivo avaliar o texto em sua
estrutura vocabular, explicar as passagens que no estejam inteligveis.
Outra caracterstica pode ser visualizada nestes variados tipos de edio, podendo ter
conceituao segundo a forma de estabelecimento em: edies monotestemunhais (um nico
depoimento encontrado, tratando-se de um nico exemplar) tambm so conhecidas como
documentos primrios e edies politestemunhais (em que apresentam mais de um
testemunho). As primeiras esto constitudas nos quatro tipos acima citados, enquanto a
segunda se apresenta do tipo crtica textual e crtica gentica. Essas ltimas se servem do
mesmo mtodo de anlise baseado no sistema comparativo. A crtica textual se estrutura na
comparao entre diversas cpias e edies de uma mesma obra. J a crtica gentica tambm
utiliza o sistema comparativo, voltando-se para a comparao da obra e as notas, rabiscos que
deram origem a essa obra. essencial para reconstituir o processo de criao, a gnese textual
(CAMBRAIA, 2005).
Diante destas informaes, e se familiarizando com os termos e suas finalidades,
percebeu-se nesta pesquisa que os textos avaliados se enquadraram no tipo monotestemunhal,
pois se tratam de documentos nicos, caracterizados como primrios, tratando-se
exclusivamente do original, j que sua provenincia foi da parquia.
Editar um texto, quer seja manuscrito, quer seja impresso, a maneira de colaborar
para a manuteno da cultura de um povo, traduzindo e atualizando sua linguagem,
funcionando como mecanismo mediador na transmisso dos fatos de uma poca.
A preservao de manuscritos tem sido uma prtica difcil, considerando o tempo e o
local em que se encontram esses suportes. Conserv-los significa impedir que fatores naturais,
fsicos ou mesmo o homem causem algum dano ou a sua degradao. Prolongar o tempo til
do material fundamental para manter o contedo a salvo e a utilizao de mtodos
cientficos, como a edio semidiplomtica, que ajuda a permanncia das informaes e
lembranas dos antepassados.
Na anlise realizada nos assentamentos de batizados, observa-se que, ao longo dos
anos, eles se tornaram bens valiosos, pois abrigam um contedo de cujos testemunhos
revelam a estruturao da sociedade de So Cristvo.
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Atravs da edio, prtica indicada para reconstituio de textos, os documentos so
submetidos a anlises, em que se extraem os dados, com o objetivo de transmiti-los e torn-
los pblicos.
Na atualidade, essa tcnica veio contribuir grandemente com outras cincias,
principalmente, as que tm no texto escrito a sua fonte de informao, como o caso da
Histria, da Lingustica, da Filologia, da Arquivologia, entre outras. A inteno de uma
edio textual tornar o contedo do registro acessvel ao pblico; dessa forma, ela, alm de
preservar os testemunhos, possibilita o conhecimento da histria das sociedades.
A edio semidiplomtica se traduz em um mtodo cientfico que possibilita a
interveno no desenvolvimento da reproduo textual. Para Cambraia (2005), ela auxilia a
leitura, ao mesmo tempo em que se analisam todos os elementos grficos do documento.
Como informa Spina (1977, p.79) quando diz que a edio semidiplomtica, por exemplo,
representa uma tentativa de melhoramento do texto, com a diviso das palavras, o
desdobramento das abreviaturas.
Neste caminho, buscando escolher um tipo de edio textual mais apropriado para o
estudo de documentos paroquiais, fez-se necessrio verificar a natureza e o material em que
foram produzidos os textos. Para edit-los, antes de tudo, procurou-se verificar o estado fsico
em que se encontram, buscando de toda forma resgatar, totalmente, a sua integridade, para,
ento, reestrutur-los. No caso, trata-se de cdices diplomticos ou livros paroquiais, como
mais conhecido.
Os livros se apresentam em bom estado de conservao. Observa-se em sua estrutura
caractersticas notariais, tendo carter oficial, pois foram fornecidos por uma parquia, que,
na poca em que foram redigidos, remetia funo de cartrio.
O intuito de trabalhar com esta espcie documental foi observar como se deu o
processo de designao de nomes prprios na comunidade so-cristovense e de que forma o
clero fazia os registros das pessoas aps a celebrao do batismo, sendo possvel captar a
relao dos seus nomes influenciados por atos da Igreja Catlica.
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CAPTULO 2 CONSIDERAES SOBRE A PRIMEIRA POVOAO
SERGIPANA SO CRISTVO.
[...], o fundamento da Histria, seu para qu mais profundo: dar sentido vida pela compreenso de uma totalidade da
qual fazemos parte; dar sentido social primeiramente
pequena comunidade que nos rodeia, depois espcie humana
como um todo e finalmente, num exerccio de imaginao,
coletividade dos seres racionais e livres do universo. (Boschi, 2007, p. 25).
O surgimento das primeiras povoaes no Brasil, como se sabe, foi fruto da ao dos
portugueses de colonizar o territrio. Mas, para atingir tal propsito, iniciou-se o processo de
ocupao, em que foram fundadas pequenas povoaes e vilas, surgindo em seguida s
capitanias hereditrias, concretizando a conquista. No entanto, essa conquista no ocorreu to
facilmente, pois os nativos (ndios) resistiram ao mximo contra os invasores atravs de
constantes batalhas.
Em Sergipe no foi diferente. As origens dos ncleos de povoamento foram tambm
marcadas por lutas entre portugueses e ndios pela posse de suas terras, ocasionando a quase
extino dos ndios. Observa-se, porm, que o sucesso de conquista dos portugueses
apresenta, segundo aponta Tnia Silva (1985), dois fatores importantes: um est ligado
diretamente questo econmica, com a criao de gado e nos engenhos a expanso da cana-
de-acar, principal atividade, que favoreceu a ocupao; o segundo fator deve-se ao clero,
pois suas aes foram fundamentais na concretizao do processo de formao das
comunidades, j que eles intervieram e mediaram as relaes com a Colnia.
Ao longo desse processo, as povoaes foram se desenvolvendo, estruturando-se,
tornando-se posteriormente vilas, freguesias e cidades. Essa organizao social se deu
mediante a figura da Igreja, com sua representatividade simblica e prticas de catequizao e
ensinamentos de Deus.
Em cada ncleo de povoamento, erguia-se uma parquia. Dessa forma, a igreja
poderia atuar da maneira que lhe convinha, pois ela detinha o poder jurdico e administrativo
das colnias. Essa percepo afirmada em Beto (1981, p.17) quando diz que durante muito
tempo, a nica forma de organizao pastoral era a parquia. Ningum pisa um pedao de
solo brasileiro sem pisar rea de uma parquia, nesse sentido, percebe-se que as parquias
simbolizavam a autoridade administrativa e religiosa, alm de limitar os espaos no Brasil.
A investigao do processo de formao brasileira, bem como a sergipana, relevante
para este estudo, pois traz a compreenso de um momento histrico, buscando explicar como
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as comunidades surgiram e se estruturaram social e administrativamente, esboando pontos
relevantes da sua cultura, que ajudaram na caracterizao da origem do municpio de So
Cristvo, apresentando os vestgios da cultura portuguesa, enraizados e representados pela
instituio religiosa atravs dos monumentos, dos nomes de lugares, da influncia na
nomeao de pessoas, numa ideologia que dominou a mente do homem at os dias de hoje
(WYNNE, 1970).
De acordo com Tnia Silva (1985), em Sergipe, esse processo de formao s teve
incio com a catequizao dos ndios, em 1575, quando os jesutas, com o auxlio de soldados,
aportaram em terra sergipanas, nomeando-a de Aldeia de So Tom, que, posteriormente, foi
denominada Villa Real de Santa Luzia, onde edificaram uma capela, sendo este lugar o ponto
de partida da organizao social.
A capitania de Sergipe, como j foi dito, estava submissa capitania da Bahia, desde
1534. Por esse motivo, as atividades religiosas foram supervisionadas pelo bispado8 de
Salvador at o ano de 1910, quando foi criada a diocese do Estado. Para Tnia Silva (1985),
esse bispado administrava as aes da igreja em toda a Colnia, uma vez que ela detinha o
poder administrativo-poltico e jurdico nos ncleos de povoamento e freguesias.
Em 1590, por ordem do rei espanhol Felipe II, as tropas do portugus Cristvo de
Barros invadiram o territrio, unindo-se a ele os jesutas, representando os interesses da igreja
na luta contra os ndios. Porm, a ocupao no territrio s aconteceria em 1597, pois, nesse
perodo, segundo afirmam Sebro, Sobrinho et al. (2003), o territrio de Sergipe esteve
abandonado, j que os donos de terras se preocupavam apenas com a criao de gado.
Por ter sido vitorioso, Cristvo de Barros recebeu as terras, construiu um forte e uma
capela, dividiu as terras entre amigos e familiares e, por influncia da igreja, denominou a
povoao conhecida como Vila Nossa Senhora da Vitria. Posteriormente, contudo, em sua
homenagem, essa vila foi batizada com o santo que leva o seu nome, So Cristvo, sendo ela
a primeira capital de Sergipe (NASCIMENTO, 1981).
Segundo Andrea Silva (2010) com a extenso de terras em que estava localizada, So
Cristvo continuou sofrendo diversos ataques, principalmente, dos holandeses, fato que
explica as diversas mudanas de localidade que ela sofreu, uma no sculo XVI e outra no
sculo XVII, at se firmar no lugar em que est atualmente. Por conta de lutas travadas entre
portugueses e holandeses, num perodo que durou mais ou menos 40 anos, verifica-se que So
8 De acordo com Houaiss (2001), o termo Bispado, se refere a uma extenso da administrao eclesistica.
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Cristvo sofreu bastante destruio, o que causou a alterao de algumas estruturas
arquitetnicas da atual cidade.
No perodo colonial, a organizao arquitetnica de So Cristvo teve forte domnio
do clero, j que a igreja se colocava em posio de regncia, comandando a vida na
comunidade. Por ter sido a primeira freguesia fundada, tendo sido criada por decreto real, ela
se tornou a primeira capital da Capitania de Sergipe.
No decorrer do tempo, depois da destruio da freguesia pelos holandeses, So
Cristvo foi se recuperando aos poucos. A construo de novos monumentos religiosos e o
trato com a cana-de-acar foram fundamentais para esse crescimento.
Em 1820, com o decreto assinado por Dom Joo VI, Sergipe se tornou uma provncia
independente e desanexada da Bahia. Segundo Andrea Silva (2010), isso se sucedeu em
virtude da sua participao a favor da causa do Rei e contra os revolucionrios de Recife, na
Revoluo Pernambucana. Estando eles ao lado de outros provincianos, fortalecidos,
conseguiram sair vitoriosos. Mas, a administrao da Bahia ficou descontente com tal deciso
e somente trs anos depois de o decreto ter sido apresentado, cumpriu com o que foi
mandado.
Para Andrea Silva (2010), o descontentamento da Bahia e sua reivindicao ao direito
de permanecer com o territrio sergipano motivou o envio de tropas que invadiram So
Cristvo, levando preso o primeiro governador, Carlos Csar Burlamarque. Por conseguinte,
em seu lugar, governou o general Labatut, num governo provisrio, em que restabeleceu,
posteriormente, a emancipao e independncia de Sergipe, favorecendo ainda mais o seu
crescimento socioeconmico e cultural. Em 17 de maro de 1855, porm, por questes
polticas e econmicas, Incio Joaquim Barbosa, sendo neste perodo o presidente da
Provncia, transferiu a capital de So Cristvo para Aracaju, o que culminou em revolta e
descontentamento dos so-cristovenses.
2.1 So Cristvo e o seu patrimnio histrico-cultural
So Cristvo, a primeira capital de Sergipe, foi palco de diversas atividades sociais,
sofreu inmeras batalhas. Sendo destruda, enterrou muitos mortos, na maior parte, inocentes,
mas vivenciou um perodo de prosperidade, crescimento e expanso econmica, histrica e
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cultural. A histria desta cidade pode ser conhecida, em toda a sua extenso territorial, atravs
das marcas deixadas pela cultura dominante portuguesa e de seus representantes, o clero,
incorporadas ao longo do tempo por novos elementos.
O seu legado histrico e cultural est simbolizado nos seus monumentos religiosos, no
nome da cidade, na organizao das ruas, nos formatos dos demais edifcios, no nome das
pessoas e das igrejas, nas artes litrgicas, nos documentos e nas diversas manifestaes de f
atravs de festividades, marcas deixadas pelos religiosos que ali habitaram. Ao longo do
tempo, como todas as cidades, So Cristvo foi se alterando e se adaptando a novas
realidades. Sua importncia se deve a todo esse universo simblico.
Para Vilela e Silva (1989), a carga simblica portuguesa visivelmente representada
no contexto histrico e cultural da cidade, que identifica uma sociedade constituda de
elementos e valores incutidos por uma ideologia religiosa e dominante, em todo o seu
conjunto urbanstico. Todos esses bens culturais refletem a histria e a memria coletiva
daqueles que contriburam para a construo da herana de um povo, podendo ser definidos
como patrimnio cultural.
Por memria, Chapouthier (2006) afirma ser uma condio do ser humano de
armazenar na mente os conhecimentos do mundo que o cerca, suas vivncias e experincias, o
que concorre para a mudana no seu comportamento. Para ele, a memria tambm significa
uma construo em tempo real, mas sua base so os fatos ocorridos em dado momento, sendo
transmitidos de indivduo para indivduo, tornando, assim, a memria como um bem social e
definindo-a como memria coletiva.
Ao abordar a temtica da memria coletiva, no se pode deixar de fazer uma
associao com o termo patrimnio, que abarca a cultura e a histria das sociedades. Segundo
Nunes (2007), patrimnio pode ser interpretado como
produto coletivo formado pelo conjunto das realizaes de uma sociedade casas, palcios, templos, saberes, fazeres e que vem sendo construdo ao longo da sua histria. (NUNES, 2007, p.11).
Para a autora, o patrimnio reflete a identidade de um espao, atravs dos costumes de
um povo, caracterizando determinada comunidade. Diante dessa concepo, observa-se que a
cidade de So Cristvo se tornou um bem de valor inigualvel no mbito nacional por ser ela
a quarta cidade mais antiga do Brasil, por ser a primeira capital de Sergipe.
O patrimnio cultural e histrico de So Cristvo se caracteriza, como tipo material e
imaterial, revelados atravs das atividades culturais expressas por essa comunidade. Para
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Nunes (2007), o patrimnio material se refere s construes monumentais, toda espcie
documental, s paisagens etc. J o imaterial abrange todo tipo de manifestao artstica,
compreendendo crenas, pensamentos, criaes literrias, rituais religiosos etc.
Todos esses elementos se constituem em bens de valor histrico, desvendando
momentos da vida social do homem. Por esse motivo, preservar e conservar esses bens requer
medidas de proteo.
Em So Cristvo, a memria patrimonial pode ser ilustrada em sua arquitetura, que
preserva as expresses de sua histria, pois h resqucios de fatos desde o perodo de sua
colonizao, mormente os monumentos religiosos, num conjunto que envolve, por exemplo, a
Igreja Matriz Nossa Senhora das Vitrias (1608), uma das primeiras construes erguidas na
cidade; ao lado de