dia de luta e luto revista da cultura

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72 | história | DIA DE LUTA E DE LUTO POR TRÁS DO FERIADO DE 1° DE MAIO SE ESCONDE UMA DAS MAIS SANGRENTAS E IMPORTANTES HISTÓRIAS DO MOVIMENTO OPERÁRIO POR JR. BELLÉ IMAGEM: CORBIS

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Page 1: Dia de luta e luto revista da cultura

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| história |

DIA DE LUTA E DE LUTO

POR TRÁS DO FERIADO DE 1° DE MAIO SE ESCONDE UMA DAS MAIS SANGRENTAS E IMPORTANTES

HISTÓRIAS DO MOVIMENTO OPERÁRIO

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No primeiro dia do mês de maio, famílias vão à praia e visitam parentes; jovens fazem piqueniques na praça; centrais sindicais chamam todos às ruas para o show de uma fa-mosa dupla sertaneja e para o sorteio de um car-ro popular; homens de negócio negam o ócio e adiantam contratos mi-

lionários; estudantes dormem ou bebem para esquecer o que nunca aprenderam; já a história, essa velha que descansa numa cadeira de balanço enquanto limpa sua escopeta de cano duplo, não se esquece nem de onde nem do por quê tudo isso começou: o Dia do Trabalho, o 1° de Maio. Não se esquece dos oito operários condenados à forca nem da bomba que explodiu em Haymarket em um lindo dia de chuva em Chicago.

O 1° de Maio que comemoramos no Brasil – que co-memoram franceses, russos, portugueses, moçambica-nos, suecos etc. – tem suas origens nos Estados Unidos, que por sua vez não comemora o Dia do Trabalho em 1° de Maio, mas na primeira segunda-feira de setembro. Há memórias coletivas difíceis de encarar, e o que acon-teceu nos EUA durante a segunda metade do século 19 faz lembrar um tempo perverso, que por vezes parece se repetir nas ruas de nossas cidades. Tenha em mente que, naqueles tempos, a Guerra Civil norte-americana havia acabado recentemente, mas por quatro anos, entre 1861 e 1865, tinha dividido os EUA entre estados anties-cravocratas e escravocratas, abrindo feridas até hoje mal cicatrizadas. Os últimos queriam separar-se e fundar os Estados Confederados da América, por isso ela também �cou conhecida como Guerra da Secessão. Nas décadas seguintes ao con�ito, Chicago explodiu econômica e de-mogra�camente. A cidade foi o centro industrial da era da urbanização. Sua população saltou de meio milhão para mais de um milhão de habitantes durante a déca-da de 1880. Além das turbulências relativas a este rápido crescimento – como violência e desemprego –, havia um ingrediente extra e extremamente importante neste caldo tempestuoso: o movimento operário.

“O 1° de Maio está vinculado à questão das 8 horas”, explica o professor doutor Claudio Batalha, da Univer-sidade Estadual de Campinas (Unicamp). O preâmbulo de tudo, aponta ele, é a I Internacional: “Em setembro de 1866, o Congresso da Associação Internacional dos Tra-balhadores se reúne em Genebra e aprova a ideia de que

se devia lutar pelas 8 horas”, explica. Três anos mais tarde, é fundada em Boston a Liga de Luta pelas 8 horas. Toda essa movimentação conseguiu colocar a reivindicação em pauta, mas não conseguiu colocar a pauta no jogo polí-tico. Ela ganhou importância nos debates, mas impacta-va tão diretamente a nova burguesia industrial que não teve forças para sair do plano das intenções e dos desejos. “Mas isso muda quando chega o ano de 1884, quando outro congresso é realizado, dessa vez em Chicago e já com ação da American Federation of Labor [Federação Americana do Trabalho], em que se decide o seguinte: a data limite para implantação das 8 horas de trabalho seria 1° de maio de 1886, ou seja, dois anos depois. Como isso não aconteceu, uma série de greves foi de�agrada. E em Chicago, em particular, a coisa ganha muita intensidade.”

A partir de 1° de maio de 1886, portanto, as greves e manifestações espalham-se e radicalizam-se por todo o país, levando à demissão de dezenas de milhares de traba-lhadores e ao aumento sanguinário da repressão policial, que já deixara muitos cadáveres pelo caminho. Havia, no entanto, um motivo a mais para que particularmente em Chicago o cenário estivesse mais efervescente: a in�uên-cia anarquista. “Chicago foi onde a corrente anarquista mais in�uenciou os trabalhadores”, explica Milton Lopes, coordenador do Núcleo de Pesquisa Marques da Costa e membro da Federação Anarquista do Rio de Janeiro. A Internacional Negra, como era conhecida a Internacional Anarquista, fundou em Chicago a Central Labor Union, uma organização que representava um grande número de trabalhadores e foi protagonista nas greves de 1886. “Chicago foi a cidade que enviou mais delegados a um congresso realizado em Pittsburgh em 1883, que decidiu pela criação de uma seção americana da Internacional Anarquista. Dos cerca de 6 mil membros dessa organiza-ção nos EUA, 3 mil eram de Chicago, em sua maior parte alemães e tchecos”, conta Lopes.

Muitos desses imigrantes estavam reunidos para o grande protesto do dia 3 de maio diante da fábrica Mc-Cormick Harvester, que havia demitido 2.100 operários e contratado uma leva de fura-greves. Eles chegavam ao local de trabalho protegidos por 300 pistoleiros da agência de detetives Pinkerton. Ao lado deles, uma polícia acostuma-da à brutalidade. O confronto foi inevitável. E, apesar de os manifestantes terem reagido com pedras e tiros, dois deles caem mortos, talvez por balas policiais, talvez por balas dos Pinkerton. No dia 4 de maio, algumas centenas de pessoas se agrupam ao redor da área de Haymarket, intersecção en-tre as ruas Randolph e Des Plaines, e a apenas oito quadras do City Hall (o prédio da prefeitura), para protestar contra o assassinato dos dois companheiros.

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