principios da neurociencia_-_ kandel - cap. ii portugues

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    '\.I

    As Celulas Nervosas e 0Comportamento

    o Sistema Nervoso Tem Duas Classes de CelulasAs Celulas Gliais Sao Celulas de SuporteAs Celulas Nervosas Sao as Principais Unidades deSinalizacao do Sistema Nervoso

    As Celulas Nervosas Formam Redes Especificas de Sinalizacaoque Medeiam Comportamentos EspecificosA Slnalizacao e Organizada do Mesmo Modo em Todas asCelulas Nervosas

    o Componente de Entrada Produz Sinais LocaisGraduadoso Componente Disparador e 0Elernento-chave paraGerar um Q"mericial de A

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    sas interconectadas produz um comportamento sim-ples, 0 reflexo patelar. Por fim, consideramos comomudancas na capacidade de stnalizacao de celulas espe-cificas podem modificar 0 comportamento.

    o Sistema Nervoso Tern Duas Classes de CelulasExistem duas classes principais de celulas no siste-

    ma nervoso: celulas nervosas (neuronios) e celulasgliais (glia).

    As Celulas Gliais Sao Celulas de SuporteAs celulas gliais sao muito maisnumerosas que os

    neuronios - existe entre 10 a 50 vezes mais glia doque neuronios no sistema nervoso central de vertebra-dos. Elas circundam os corpos celulares, os axonios eos dendritos dos neuronios. Nao parecem estar direta-mente envolvidas no processamento de infcrmacao,mas acredita-se que ten ham pelo menos outrassetefuncoes vitais:1. As celulas gliais sustentam os neuronios, fornecen-do estrutura ao sistema nervoso. Elas tambernseparam e algumas vezes isolam grupos neuronaise conexoes sinapticas.

    2. Dois tipos de celulas gliais - oligodendr6citos ecelulas de Schwarm - produzem a mielina utiliza-da para isolar os axonios de celulas nervosas, osprocessos celulares que conduzem sinais eletricos.

    3. Algumas celulas gliais funcionam como "lixeiros",removendo fragmentos ap6s lesao ou morte celular.4. As celulas gliais realizam trabalhos importantes demanutencao, que promovem asmalizacao eficien-te entre os neuronios (Capitulo 14). Por exemplo,algumas celulas gliais tambern captam transmisso-res quimicos liberados pelos neuronios durante atransmissao sinapttca.

    5. Durante 0 desenvolvimento do encefalo, certas clas-ses de celulas gliais ("glia radial") guiam neuroniosem migracao e direcionam 0crescimento de axonios.

    6. Em alguns casos, como na sinapse nervo-rnusculode vertebrados, as celulas gliais regulam ativarnen-te as propriedades do terminal pre-sinaptico.

    7. Algumas celulas gliais (astr6citos) ajudam a formarum revestimento imperrneavel nos capilares evenulas do encefalo - a barreira hematoencetalica- impedindo a entrada de substancias t6xicas dosangue no encefalo (Apendice B).

    8. Outras celulas gliais aparentemente liberam fato-res de crescimento e ajudam a nutrir celulas -nervo-sas, embora seja dificil comprovar essa funcao,As celulas gliais no sistema nervoso de vertebrados sao

    divididas em duas classes principais: microglia e macroglia.

    As microglias sao fag6citos mobilizados ap6slesao, infeccao ou doenca. Eles se originam de macro-fagos de fora do sistema nervoso e nao sao fisiol6gicae embriologicamente relacionados a outros tipos celu-lares do sistema nervoso. Pouco se sabe sobre 0 que amicroglia faz no estado de repouso, mas ela e ativadae recrutada durante infeccoes, lesoes e convulsoes. Ascelulas ativas tiem processos mais evidentes e ramifi-cados do que celulas inativas. A celula ativa expressaantigen os varia dos, 0 que sugere que ela seja a princi-pal celula de expressao de antigeno do sistema ner-voso central. Acredita-se que as celulas da microgliasao ativadas em varias doencas, incluindo a esclerosemultipla e a demencia relacionada a AIDS, bem comoem muitas doencas neurodegenerativas cronicas,como 0mal de Parkinson e Alzheimer,

    Tres tipos de celulas de macroglia predominam nosistema nervoso de vertebrados: oligodendr6citos,celulas de Schwann e astr6citos.

    Os oligodendrocitos e as cehL l as de Schwann sao celu-las pequenas com relativamente poucos processos.Ambos os tipos exercem 0 trabalho importante de iso-lar 0 axonio, formando uma camada de mielina queenvolve firmemente seus processos membranosos aoredor do axonio em uma espiral. Os oligodendr6citos,que sao encontrados no sistema nervoso central,cobrem uma media de 15 internodos axonais cada(Figura 2-1A). Por outro lado, as celulas de Schwarm,que aparecem no sistema nervoso periferico, cobremcada uma apenas um internodo de apenas um axonio(Figura 2-1B). Os tipos de mielina produzidos pelos oli-godendr6citos e pelas celulas de Schwann diferem par-cialmente em sua composicao quimica.

    Os astrocitos, 0 tipo mais numeroso de celulasgliais, sao assim chamados devido a seus corpos celu-lares irregulares, que lembram estrelas (Figura 2-1C).Eles tend em a ter processos longos, alguns dos quaisterminando em estruturas conhecidas como pes-ter-minais. Alguns astr6citos formam pes-terrninais nassuperficies dos neuronios do sistema nervoso e pod emter umafuncao llil_sllpriIILe111Q__g~,nutri~ntes~celulas. Outros astr6citos formam pes-term ina is nosC~gtiineos do encefalo e levam as celulas endo-teliais (de revestimento) de vasos a formar juncoesestreitas, criando assim a barreira hematoencefalicaprotetora (Figura 2-1 C).

    Os astr6citos tambern aludam a manter a con centra-~ ionic~potassio correta no es~ extracelularentre os neuronios. Como veremos adiante e noCapitulo 7, quando uma celula nervosa dispara, os ionspotassic fluem para fora dela. Disparos repetitivospodem criar um excesso de potassic .extracelular quepoderia interferir na smalizacao entre celulas vizinhas.Como os astr6citos sao altamente perrneaveis ao potas-sio, podem captar 0excesso de potassic e assim protegeros neuronios vizinhos. Alem disso, os astr6citos captam

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    A 0ligodendr6cito B Celula de Schwann

    0ligodendr6citona substanCla branca

    0ligodendr6citosperineurais

    AxoniosSchwann

    Extremidadeinterna

    Figura 2-1 Os tipos principais de celulas gliais no sistemanervoso central sao os astrocitos e os oliqodendrocitos e, nosistema nervoso periferico, sao as celulas de Schwann.A. Os oliqodendrocitos sao celulas pequenas com relat ivamentepoucos processos. Na substancia branca (esquerdal, elasproduzem a mielina, e na substancia cinzenta (dire ita) ,ol iqodendroci tos per ineurais circundam e sustentam os corposcelulares de neuronios. Um unico ol iqodendroci to pode envolverseus processos membranosos ao redor de muitos axonios.isolando-os com um envolt6r io de mielina.B. As celulas de Schwann fornecem os envolt6rios de mielina queisolam os axonios no sistema nervoso periterico. Cada uma dasvarias celulas de Schwann, posicionadas ao longo de um unicoaxenic. forma um segmento de envolt6rio de mielina de cerca de

    g(::urotransmissores das areas sinapticas ap6s a liberacaoe, portanto, ajudam a -regt.iTaras-atiVidades sinapticaspela remocao dos transmissores. Mas 0 papel dos astr6-citos e principalmente o_Q_~~Qlk-

    Nao ha evidencia de que celulas gliais estejam dire-tamenie envolvidas na slnalizacao eletrica, funcao dascelulas nervosas.

    As Celulas Nervosas Sao as Principais Unidadesde Sinaliza

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    Fibra terminalinibitorie de

    Corpo celular

    Cone de irnplantacaodo axenic

    Nodo de RanvierEnvoltorio

    Terminal

    te que nos atingem - da luz ao contato mecanico, deodores a ondas de pressao. Assim, os sinais que trans-mitem informacao sobre a visao sao identicos aos quetransmitem inforrnacao sobre odores. Aqui temosoutro principio fundamental da funcao nervosa: ainforrnacao transmitida por urn potencial de acao naoe determinada pela forma do sinal, mas pela via emque 0 sinal trafega no encefalo. D encefalo analisa einterpreta padriies de sinais eletricos que chegam e,deste modo, cria nossas sensacoes de visao, tato, pala-dar, olfato e som.Para aumentar a velocidade na qual os potenciaisde acao sao conduzidos, grandes axonios sao envolvi-dos em uma camada lipidica e isolante de mielina. Acamada e interrompida a intervalos regulares pelosnodos de Ranvier. E nesses pontos nao isolados doaxonio que 0 potencial de acao se regenera. Verernosmais sobre a mielinizacao no Capitulo 4 e sobre ospotenciais de acao no Capitulo 9.Proximo a sua extremidade, 0 axonio tubular divi-de-se em ramos finos que formam locals de comunica-cao com outros neuronios. 0 ponto no qual dois neu-,ronios se comunicam e conhecido como sinapse. AIcelula nervosa que transmite urn sinal ~ charnada decelula pre-sinaptica. 0 sinal e recebido pel a c _ e l u l a pas-sinaptica. A celula pre-sinaptica transmite os sinaispelas dilatacoes de seus ramos axonais, chamadas det erm in a is p re -s in dp ti co s. No entanto, uma celula pre-slnaptica nao se comunica anatomicamente com acelula pos-slnaptica nema toea, ja que as duas celulas

    Figura 2-2 Estrutura de um neuronic. A maioriados neuronios do sistema nervoso de vertebradostem varias caracterfsticas principais em comum. 0corpo celular contern 0 nucleo, 0 local dearmazenamento de informacao qenet ica, gerandodois tipos de processos celulares, axonios edendritos. Os axonios, elementos transmissoresdos neuronios, podem variar muito decomprimento; alguns podem se estender mais de3 m dentro do corpo. A maioria dos axonios dosistema nervoso central e muito estreita (entre 0,2e 20 urn de diametro) em cornparacao com 0diarnetro do corpo celular (50 urn ou mais). Muitosaxonios sao isolados por um envoltorio lipfdico demielina que e interrompido a intervalos regularespelos nodes de Ranvier. 0 potencial de acao. 0sinal de conducao da celula, e iniciado no cone deimplantacao do axenic (0 segmento inicial) ou. emalguns casos, um pouco mais a f rente no axonio.no primeiro node de Ranvier. Ramos do axenic deum neuronic (0 neuronic pre-sinaptico) transmitemsinais a outro neuronic (a celula pos-sinaptica) emum local chamado sinapse. Os ramos de um unicoaxenic podern formar sinapses com ate outros1000 neuronios, Enquanto 0 axenic e 0 elementode safda do neuronic. os dendritos (apical e basal)sao elementos de entrada. Juntamente com 0corpo celular, eles recebem contatos sinapticos deoutros neuronios:

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    Figura 2-3 Este tracado hlstorico e a primeira publicacao deregistro intracelular de um potencial de acao. Ele foi obtido em1939, por Hodgkin e Huxley, do axenic de uma lula gigante,usando eletrodos capilares de vidro preenchidos com agua do mar.A marcacao de tempo corresponde a 500 Hz. A escala verticalindica 0 potencial do eletrodo interno em milivolts, considerando aaqua do mar do lado externo como potencial zero. (De Hodgkin &Huxley, 1939.)

    sao separadas por urn espaco, a [enda sinaptica. Amaio-ria dos terminais pre-sinapticos termina nos dendritosde neuronios pos-sinaptrcos, mas os terminais tam-bern podem terminar no corpo celular ou, com menorfrequencia, no inicio ou no fim do axonio da celulareceptora (Figura 2-2).Como vimos no Capitulo 1, Ramon y Cajal forne-ceu grande parte das primeiras evidencias para a com-preensao, agora basica, de que os neuronios sao as uni-dades de sinaltzacao do sistema nervoso, e que cadaneuronio e uma celula distinta com processos caracte-risticos que se origin am de seu corpo celular (a doutri-na do neuronic). Em retrospecto, e diffcil avaliar comofoi diffcil persuadir os cientistas dessa ideia elementar.Ao contrario de outros tecidos, cujas celulas tern for-mas simples e enquadram-se em urn unico campo domicroscopic optico, as celulas nervosas apresentamformas complexas; os padroes elaborados de dendritose 0 rumo aparentemente infinito de alguns axoniostorn am extremamente dificil, a principio, estabeleceruma relacao entre esses elementos. Mesmo depois deos anatomistas Jacob Schleiden e Theodor Schwannterem formulado a teoria da celula, no inicio de 1830- quando a nocao de que as celulas sao as unidadesestruturais de toda materia viva tornou-se urn dogmacentral da biologia -, a maioria dos anatomistas naoaceitava a teoria da celula aplicada ao sistema nervoso,que eles imaginavam como uma reticula continua,semelhante a uma rede.A estrutura coerente do neuronic so se tornouclara no final do seculo dezenove, quando Ramon yCajal cornecou a usar 0 metoda de marcacao com

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    prata apresentado por Golgi. Esse metodo, que conti-nua a ser usado ainda hoje, tem duas vantagens.Primeiro, a solucao de prata marca, de uma maneiraaleatoria ainda nao compreendida, apenas cerca de 1 9 1 . )das celulas em uma determinada regiao do encefalo,tornando possivel estudar uma unica celula nervosaisolada de suas vizinhas. Segundo, os neuronios quecaptam 0 corante sao delineados em sua totalidade,incluindo 0 corpo celular, 0 axonio e toda a arvoredendritica. 0 corante mostra que (com raras excecoesque consideraremos mais adiante) nao ha continuida-de citoplasmatica entre os neuronios. mesmo naregiao da sinapse entre as celulas. Assim, os neuroniosnao formam um sincicio: cada neuronic e claramentesegregado dos outros.Ramon y Cajal aplicou 0metoda de Golgi aos siste-mas nervosos ernbrionarios de muitos animais e aoencefalo humano. Examinando a estrutura de neuro-nios em quase todas as regioes do sistema nervoso e tra-cando os contatos que eles faziam uns com os outros,ele pode descrever as diferencas entre classes de celulasnervosas e mapear as conexoes precisas entre muitasdelas. Deste modo, Ramon y Cajal vislumbrou, alem dadoutrina do neuronic, dois outros principios da organi-zacao neural que viriam a ser particularmente valiososno estudo da comunicacao no sistema nervoso.o primeiro deles ficou conhecido como 0principiad a po ta ri za ca o diniimica. Ele estabelece que os sinaiseletricos dentro de uma celula nervosa fluem em ape-nas uma direcao: dos locais no neuronic onde a infor-macae e recebida (geralmente os dendritos e 0 corpocelular) para a regiao disparadora no axonio. De la, 0potencial de acao e propagado unidirecionalmente aolongo de todo 0 axonio ate os terminais pre-sinapti-cos da celula. Apesar de os neuronios variarem quan-to a forma e a funcao, 0 funcionamento da maioriasegue essa regra de fluxo de informacao. Ainda nessecapitulo descreveremos as bases fisiologicas desseprincipio.o segundo principio, 0 p rin cip ia d a e sp ec ific id ad econectiva, estabelece que as celulas nervosas nao seconectam indiscriminadamente umas com as outraspara formar redes neuronais aleatorias: ao contrario,cada celula estabelece conexoes especificas - em pontosde contato determinados - com certas celulas-alvo pos-sinapticas, mas nao com outras. Em conjunto, os princi-pios da polarizacao dinamica e da especificidade conec-tiva formam a base celular da abordagem conectivamodern a do sistema nervoso, discutida no Capitulo 1.Ramon y Cajal tarnbem foi urn dos primeiros aperceber que a caracteristica mais marcante para dis-tinguir urn neuronic de outro e a forma - especifica-mente, 0 numero e a forma dos processos que surgemdo corpo celular. Com base na forma, os neuronios saoclassificados em tres gran des grupos: unipolares, bipo-lares e multipolares.

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    Os neu ton io s un ipo la r es sao as celulas nervosas maissimples, pols apresentam urn unico processo primario, 0qual geralmente origina muitos ramos. H a ramos que fun-cionarn como axonio: outros, como estruturas dendriticasreceptoras de inforrnacao (Figura 2-4A).Essascelulas pre-dominam no sistema nervoso de invertebrados; em verte-brados, elas aparecem no sistema nervoso autonomo.Os neu ron io s b ipo la r es tern urn soma em forma ovalque origina do is processos: urn dendrito que transmi-te a informacao proveniente da peri feria do corpo eurn axonio que leva tal inforrnacao ate 0 sistema ner-voso central (Figura 2-4B). Muitas celulas sensoriaissao bipolares, incluindo aquelas presentes na retina eno epitelio olfativo. Os mecanoceptores que transmi-tem tato, pressao e dor para a medula espinal saovariantes de celulas bipolares chamadas celulas pseudo-unipolares. Essas celulas desenvolvem-se inicialmentecomo celulas bipolares: mais tarde, os dois processosF ig ur a 2 -4 Os neuronios podem serclassi ficados como unipolares, bipolares aumultipolares, de acordo com a nurnero deprocessos que se originam do corpo celular.A. Celulas unipolares tern um unicoprocesso, com segmentos diferentesservindo como superficies receptivas outerminais de l iberacao. As celulas unipolaressao caracteristicas do sistema nervoso deinvertebrados.B. Celulas bipolares tern dois processosfuncionalmente especificos: 0 dendrito levaintorrnacao a celula e 0 axenic transmite talinforma

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    dendritos. A arvore dendritica de uma celula dePurkinje no cerebelo e muito maior e mais ramificada:recebe aproximadamente 150.000 contatos!

    Os neuronios tambern sao normalmente classifica-dos em tres principais grupos funcionais: sensoriais,motores e internelJronais. Os neu ron io s s enso ria is trans-mitem informacao da periferia do corpo ate 0 sistemanervoso com 0 proposito tanto de percepcao como decoordenacao motora.! Os 'n eu rtmi os m ot or es transmi-tern comandos do cerebro ou da medula espinal paramusculos e glandulas, Os intemeurbnios constituem delonge amaior classe, compreendendo todas as celulasnervosas que nao sao especificamente sensoria is oumotoras. Os interneuronios sao subdivididos em duasclasses: os do tipo teli: ou d e p ro ie ca o tern axonios Ion-gos e transmitem sinais por distancias consideraveis,de uma regiao do sistema nervoso a outra; os interneu-ronios locais tern axonios curtos e processam a infor-macae dentro de circuitos locais.

    AsCelulas Nervosas Formam Redes Especifi-cas de Sinalizacao que Medeiam Comporta-mentos EspecificosTodas as funcoes comportamentais do encefalo -

    o processamento de inforrnacao sensorial, a program a-cao de respostas motoras e emocionais e a tarefa vitalde armazenar informacao (memoria) - sao conduzi-das por grupos especificos de neuronios interconecta-dos. Aqui examinaremos em termos gerais como urncornportamento e produzido, considerando urn refle-xo simples de estiramento - 0 reflexo patelar (tam-bern chamado de reflexo miotatico). Veremos comourn desequilibrio transitorio do corpo, que gera urnestiramento dos rnusculos extenso res da perna, produzinformacao sensorial transmitida as celulas motoras,que por sua vez enviam comandos aos musculosextensores para se contrairern ate que 0 equilibrio sejarestabelecido.

    Os componentes anatomicos do reflexo patelarsao mostrados na Figura 2-5. 0 tendao do quadricepsfemoral, urn rnusculo extensor que move a parte infe-rior da perna, esta ligado a tibia pelo tendao da patela,o tendao patelar. Uma leve batida nesse tendao, logoabaixo da patela, ira estirar 0 quadriceps femoral. Issoinicia uma contracao reflexa do musculo quadricepspara produzir 0 familiar reflexo patelar, uma extensao

    'Alguns neuronios sensoria is primarios sao tambern chamados nor-malmente de neuronios aferentes, e usamos estes dois termos alter-nadamente no livro. 0 termo aterente (transportado em d ir e ii u: ao sis-tema nervoso) aplica-se a todas as informacoes que chegam da peri-fericas ao sistema nervoso central, independentemente de essa infor-macae gerar uma sensacao ou nao. 0 termo sensorial deveria ser estri-tamente aplicado apenas a aferencias que levam a uma percepcao.

    Capitulo 2 / As Celulas Nervosas e 0 Comportamento 25

    \\\\ \\\\\ Neuronio\ sensorial\ I medula\ espinal\

    motorextensor(ativado)

    Neuronicmotor flexor(inibido)

    inibit6rio

    Figura 2-5 0 reflexo patelar e um exemplo de um sistemareflexo rnonossinaptico, um comportamento simplescontrolado por conex6es diretas entre os neuronios sensoria ise motores. Bater levemente na patela com um martelo de reflexocausa um puxao no tendao do quadriceps femoral, um rnusculoextensor que estende a parte inferior da perna. Quando 0 rnusculoe estirado, reagindo ao puxao do tendao, a inforrnacao a respeitodessa mudanca no rnusculo e transmitida por neuronios aferentes(sensoria is) para 0 sistema nervoso central. Na medula espinal, osneuronios sensor iais agem diretamente nos neuronios motoresextensores que contraem 0 quadriceps, 0 rnusculo que foiest irado. Alern disso, os neuronios sensoriais agem indiretamente,por meio de interneuronios, para inibir os neuronios motoresflexores, que de outra forma contrairiam os musculos opostos, osisquios t ib ia is. Essas acces combinam-se para produzir 0comportamento ref lexo. Nesse desenho esquernatico, cadaneuronic motor extensor e flexor representa uma populacao demuitas celulas.

    da perna uniformemente coordenada com urn relaxa-mento dos musculos flexores opostos. Aumentando atensao de urn grupo selecionado de musculos, 0 reflexode estiramento altera a posicao da perna, estendendo-arepentinamente para a frente. (A regulacao do rnovi-mento pelo sistema nervoso e discutida na Secao VI).

    Reflexos de estiramento como 0 patelar constituemurn tipo especial de reflexos chamados de espinhais ,comportamentos mediados por circuitos neurais queestao totalmente limit ados a medula espinal. Comoveremos adiante, esses circuitos espinhais liberam osprincipais sistemas motores cerebrais da tarefa de geren-

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    ciar acoes comportamentais elementares. Os reflexos deestiramento sao mediados em grande parte por citcuitosmonossinapticos, nos quais os neuronios sensoriais emotores que executam a acao estao diretamente conec-tados urn ao outro, sem nenhum interneuronio inter-vindo entre eles. Amaioria dos outros reflexos, incluin-do a maior parte dos reflexos espinhais, usa circuitospoltssinapticos que incluem urn ou mais grupos deintemeuronios. Circuitos polissinapticos sao mais sus-cetiveis a modificacao pelos centros de processamentosuperiores do encefalo,Os corpos celulares dos neuronios sensoriais meca-noceptores envolvidos no reflexo patelar estao agrupa-dos pr6ximos a medula espinal em urn ga nglia da ra izdorsal (Figura 2-5). Sao celulas pseudo-unipolares. Urnramo do axonio da celula chega ao musculo quadricepsna periferia, enquanto 0 outro localiza-se central mentena medula espinhal. 0 ramo que inerva 0 quadricepsestabelece contato com os f us es mu sc ula re s, receptoressensiveis ao estiramento, sendo excitado quando 0mus-culo e estirado. 0 ramo na medula espinal forma cone-xoes excitat6rias com os neuronios motores que iner-yam 0 quadriceps e controlam sua contracao, Alerndisso, esse ramo faz contato com intemeuronlos locais,os quais inibem os neuronios motores controladores dosmusculos flexores antagonicos. Esses interneuronioslocais nao estao envolvidos diretamente no reflexo deestiramento, mas, por coordenarem a acao motora,aumentam a estabilidade da reacao reflexa. Assim, ossinais eletricos que produzem 0 reflexo de estiramentotransmitem quatro tipos de informacao:l.Informacao sensorial. E transmitida das superficiescorp6reas ao sistema nervoso central (a medulaespinal).2. Comandos motores do sistema nervoso central. Saoenviados aos musculos que efetuam 0 reflexo patelar.3. Com and os complementares e inibit6rios. Sao en-viados aos neuronios motores que inervam museu-los antagonistas, produzindo a coordenacao daacao muscular.4. Informacao sobre a ativldade neuronal local relaciona-da ao reflexo patelar. E transmitida a centros superio-res do sistema nervoso central, permitindo que 0ence-falo coordene comandos comportamentais.o estiramento de apenas urn musculo, 0 quadri-ceps, ativa varias centenas de neuronios sensoriais,cada urn dos quais faz contato direto com 100 a 150neuronios motores (Figura 2-6A). Esse padrao de cone-xao, em que urn neuronic ativa muitas celulas-alvo, echamado de d iv et gen ci a n eur ona l e e comum principal-mente nos estagios de entrada de informacao do siste-ma nervoso. Distribuindo seus sinais a muitas celulas-alvo, urn unico neuronic pode exercer influenciaampla e diversa. Por exemplo, neuronios sensoriaisenvolvidos em urn reflexo de estiramento tarnbem

    A Diverqencia B Converqencia

    Figura 2-6 Conexces neuronais divergentes e convergentessao uma caracteristica-chave da orqanizacao do sistemanervoso.A. Nos sistemas sensor ia is, os neuronios receptores, no estapiode entrada de intorrnacao, geralmente se ramificam e fazemconexoes multiplas e divergentes com os neuronios querepresentam 0 segundo estaqio de processamento. Conexoessubsequentes divergem ainda mais.B. Em contrapartida, com os neuronios motores ocorremconexoes progressivamente convergentes. Com a converqencia, acelula-alvo recebe a soma de informacoes de muitas celulas pre-sinapticas.

    contatam interneuronios de projecao, que transmiteminformacoes sobre a atividade neural local para regi6essuperiores do encefalo relacionadas a coordenacao demovimentos. Em contra partida, como 0 numero deneuronios sensoriais e normalmente de 5 a 10 vezesmaior que 0 de neuronios motores, uma (mica celulamotora recebe inforrnacoes de muitas celulas sensoriais(Figura 2-6B). Essepadrao de conexao, chama do de con-vergencia, e comum nos estagios de saida de informacaodo sistema nervoso. Recebendo sinais de numerososneuronios, a celula motora alvo e capaz de integrarmformacces diversas, origin arias de muitas fontes.Urn reflexo de estiramento como 0 reflexo patelar eurn comportamento simples produzido por duas classesde neuronios conectados par sinapses excitat6rias. Masnem todos sinais importantes no encefalo sao excitato-rios. Na verdade, metade de todos os neuronios produzsinais inibitorios. Os neuronios inibit6rios liberam urntransmissor que reduz a probabilidade de disparo. Comovimos, mesmo no reflexo patelar os neurontos sensoriaisfazem tanto conexoes excitat6rias como conex6es pormeio de mtemeuronios inibit6rios. Conex6es excitat6-rias com os musculos extensores da perna levam taismusculos a contracao, enquanto conex6es com certosinterneuronios inibit6rios impedem a atuacao dos mus-culos flexores antagonistas. Essa caracteristica do circui-to e urn exemplo de inibuiio par amero-alimentacao(Figura 2-7A). A inibicao por antero-alimentacao noreflexo patelar e reciproca, garantindo que as vias flexora

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    e extensora sempre inibam uma a outra: dessa forma,sao recrutados apenas musculos apropriados ao movi-mento, e nao aqueles que se opoem a ele.Os neuronios tarnbem pod em fazer conexoes queprovoquem inibiciio pOI' retroalimentaciio. Por exemplo,urn neuronic ativo pode ter conexoes excitat6riastanto com uma celula-alvo quanta com urn intemeu-ronio inibit6rio que tenha sua pr6pria conexao deretroalimentacao com 0 neuronic ativo. Deste modo,sinais do neuronic ativo excitam simultaneamente 0neuronio-alvo e 0 mterneuronio inibit6rio, 0 qual ecapaz de limitar a capacidade do neuronio ativo deexcitar seu alvo (Figura 2-7B). Encontraremos muitosexemplos de miblcoes por antero-alimentacao e porretroalimentacao quando examinarmos comportamen-tos mais complexos em capitulos posteriores.

    A lnibicao por antero-elimentacaoNeuronios aferentesque inervam rnusculos Neuronic motor

    Neuronios aferentesque inervam museu losflexores

    B lnibicao por retroalirnentacaoNeuronios aferentes queinervam museu losfl

    +

    lnterneurcnioinibitorio

    Figura 2-7 lnterneuronios inibit6rios pod em produzir inibicaopor antero-alimentacao ou por retroal irnentacao.A. A inibicao por antero-alimentat;ao I comum nos sistemas dereflexo rnonossinapt ico. ta is como 0 ref lexo patelar (ver Figura 2-5).Neuronios aferentes dos rnusculos extensores excitam nao apenasos neuronios motores extensores, mas tarnbern neuroniosinibit6rios que evitam 0 disparo de celulas motoras nos rnusculosf lexores antagonistas. A inibicao por antero-alimentacao aumenta 0efeito da via ativa, suprimindo a atividade de outras viasantagonistas.B. A inibicao por retroalirnentacao negativa I um mecanismo auto-regulador. A at ividade dentro da via est imulada I amortecida,evitando que ela atinja um maximo critico. Os neuronios motoresextensores agem em interneuronios inibi t6r ios, que retroal imentamos proprios neuronios motores extensores e, portanto, reduzem aprobabilidade de disparo dessas celulas,

    Capitulo 2/ AsCelulas Nervosas e 0 Comportamento 27

    A Sinalizacao E Organizada do Mesmo Modoem Todas as Celulas NervosasPara produzir urn comportamento - como urn reflexode estiramento, por exemplo - cada celula nervosa senso-rial e motora participante gera sequencialmente quatro

    sinais diferentes em locais distintos dentro da celula: urnsinal de entrada, urn sinal disparador, urn sinal de condu-c;aoe urn sinal de saida. Adespeito do tamanho e da formada celula, da bioquimica de transmissores ou da funcaocomportamental, quase todos os neuronios podem ser des-critos por urn neuronio-modelo com quatro componentesfuncionais, ou regi6es,que geram os quatro tipos de sinais(Figura2-8):urn componente de entrada local (receptivo),urn componente disparador (de somacao ou integrativo),urn componente de conducao de longo alcance (sinaliza-cao) e urn componente de saida (secret6rio). Esse neuro-nio-modelo e a representacao fisiol6gica do principio dapolarizacao dinamica de Ram6n y Cajal.Os diferentes tipos de sinais usados por urn neuronicsao determinados em parte pelas propriedades eletricasda membrana da celula. Durante 0 repouso, todas ascelulas, incluindo os neuronios, rnantem uma diferencano potencial eletrico em cada lado da membrana pias-matica externa. Isso e chamado de p ote nc ia l d e re p ou so d amembrana . Em urn tipico neuronio em repouso a dife-renca de potencial eletrico e de cerca de 65mV.Como acarga result ante do lado externo da membrana e arbitra-riamente definida como zero, dizemos que 0 potencialde repouso da membrana e -65 mY. (Em diferentes celu-las nervosas, esse potencial pode variar de cerca de --40a-80 mY; em celulas musculares ele e ainda maior, cercade -90 mV.) Como veremos no Capitulo 7, a diferencano potencial eletrico quando a celula esta em repousoresulta de dois fatores: (1) da distribuicao desigual deions carregados eletricamente, em particular os ionsNa+ e K+carregados positivamente e os aminoacidos eproteinas carregados negativamente em ambos os ladosda membrana da celula: e (2) da permeabilidade seleti-va da membrana para apenas urn desses ions, 0 K+.A distribuicao desigual de ions carregados positiva-mente em ambos os lados da membrana da celula emantida por uma proteina da membrana que bombeiao Na- para fora e 0 K+de volta para dentro da celula.Essa bomba de Na+-K+, sobre a qual veremos rna is noCapitulo 7, mantern baixa a concentracao do ion Na+dentro dacelula (cerca de 10 vezes mais baixa do quedo lado externo da celula) e alta a concentracao do ionK+(cerca de 20 vezes maior do que do lado de fora).Ao mesmo tempo, a membrana da celula e seletiva-mente perrneavel ao K+porque a membrana, que em sie impermeavel, contem canais ionicos, estruturas comoporos que atravessam a membrana e sao altamente per-meaveis ao K+, mas bern menos permeaveis ao Na+.Quando a celula esta em repouso, estes canais flcarnabertos, e os ions K+tendem a sair.A medida que os ions

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    28 Principtos da Neurociencia

    ComponenteNeuronic-modelo

    Neuronicsensorial

    Sinal de entrada

    Integrativo

    Condutor

    Sinal de saidaSecrecao

    Neuronicmotor

    lnterneuroniolocal

    lnterneuronio Celulade projecao neuroend6crina

    Musculo

    Figura 2-8 A maioria dos neuronios, independentemente dotipo. tem quatro reqioes funcionais em comum: urncornponente de entrada, urn componente disparador ouintegrativo, urn componente de conducao e urn cornponentede saida. Assim, a orqanizacao funcional da maioria dos neuroniospode ser representada esquematicamente por um neuronic-

    K+saem da celula, eles deixam para tras uma nuvem decarga negativa nao-neutralizada na superficie internada membrana, de modo que a carga resultante do ladointerno da membrana fica mais negativa do que dolado externo (Figura 2-9).Celulas excitaveis, tais como celulas nervosas e mus-culares, diferem das outras celulas porque seus potenciaisde membrana podem ser significante e rapidamente alte-rados. Esta mudanca pode servir como urn mecanismo desinalizacao. Com a reducao do potencial de membranaem 10m V (de -65 mV para -55 mV), a membrana torn a-se muito mais perrneavel ao Na+ do que ao K+ . Esse influ-xo de ions Na+ carregados positivamente tende a neutrali-zar a carga negativa no interior da celula e resulta em umareducao ainda maior no potencial de membrana - 0potencial de acao. 0potencial de acao e conduzido peloaxonio da celula em direcao aos terminais do axonio queterminam em outras celulas (de neuronios ou musculo),on de 0 potencial de acao inicia a comunicacao com asoutras celulas, Como citado anteriormente, 0potencial deacao e urn impulso do tipo tudo-ou-nada propagado ati-vamente ao longo do axonio, portanto sua amplitude naoe diminuida quando ele alcanca 0 terminal axonico,Caracteristicamente, urn potencial de acao dura cerca deurn milissegundo, ap6s 0qual a membrana retorna ao seuestado de repouso, com sua separacao normal de cargas epermeabilidade mais alta ao K+do que ao Na+. Veremosmais sobre os mecanismos subjacentes ao potencial derepouso e potencial de acao nos Capitulos 6-9.

    modelo. Cada componente produz um sinal caracteristico: ossinais de entrada, integrativo e de conducao sao todos eletricos.enquanto 0 sinal de saida consiste da liberacao de um transmissorquimico na fenda sinaptica. Nem todos os neuronios apresentamtodas essas caracteristicas; par exemplo, interneuronios locaisfreqLientemente nao tern um componente de conducao.

    Alern do sinal de longo alcance do potencial deacao, as celulas nervosas tam bern produzem sinaislocais, como potenciais receptores e potenciais sinap-ticos, que nao sao propagados ativamente e portantodecaem em apenas alguns poucos milimetros. Tantoos sinais de longo alcance como os sinais locais resul- 'tam de mudancas no potencial de membrana, umadiminuicao ou urn aumento do potencial de repouso.Assim 0 potencial de repouso da membrana fornece alinha de base contra a qual todos os sinais sao expres-sos. Uma reducao no potencial de membrana (de -65mV para -55 mV, pol' exemplo) e chamada de despo-larizaciio. Uma vez que a despolarizacao aumenta acapacidade da celula de gerar urn potencial de acao,ela e excitatoria. Em contra partida, urn aumento nopotencial de membrana (de cerca de -65 mV para -75mV, por exemplo) e chamado de hiperpolarizacao. Ahiperpolarizacao torn a menos provavel que uma celu-la gere urn potencial de acao, portanto, e inibitoria.o Componente de Entrada Produz Sinais LocaisGraduados

    Na maioria dos neuronios em repouso nenhumacorrente fIui de uma parte a outra do neuronio, deforma que 0 potencial de repouso e 0 mesmo em todaa celula. Nos neuronios sensoriais 0 fluxo de correntee caracteristicamente iniciado par urn estimulo senso-rial, que ativa algumas protein as receptoras especifi-

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    Ladoextracelular I + - '9"' '"

    ========== I + - ' 9 " " "~l( J I@,-'-'-'-'-'-'-'-'-'-'-'-'-'-'-'

    +, - iguais

    \\\\\\\\\

    Figura 2-9 0 potencial de membrana de uma celula resulta deuma diferenca na carga eletrica em ambos os lados de suamembrana. Quando um neuronic esta em repouso, ha umexcesso de cargas positivas no lado externo da celula e umexcesso de cargas neqatrvas no lado interno dela.

    cas na superficie receptiva do neuromo. Em nossoexemplo do reflexo patelar, 0 estiramento do museu-10 quadriceps ativa protein as espedficas que sao sen-siveis ao estiramento do neuronio sensorial. A protei-na receptora espedfica forma canais ionicos na mem-brana, pelos quais 0 Na+ e 0 K+fluem. Esses canaisabrem quando a celula e estirada, como veremos nosCapitulos 7 e 9, permitindo urn influxo rapido de ionspara a celula sensorial. Tal corrente ionica altera 0potencial de repouso da membrana da celula, levandoo potencial de membrana a urn novo nivel chamadode p ote nc ia l r ec ep to r. A amplitude e a duracao dopotencial receptor dependem da intensidade do esti-ramento muscular. Quanto maior e mais duravel for 0estiramento, maior e mais duravel sera 0 potencialreceptor resultante (Figura 2-lOA). A maloria dospotenciais receptores e despolarizante (excitat6rio).No entanto, potenciais receptores hiperpolarizantes(inibitortos) sao encontrados na retina, como vere-mos no Capitulo 26.o potencial receptor e a primeira representacao doestiramento a ser codificada no sistema nervoso.Entretanto, e puramente urn s in al lo ca l. 0 potencialreceptor - atividade eletrica no neuronic sensorialiniciada por urn estimulo - espalha-se apenas passiva-mente ao longo do axonio. Portanto, ele diminui de

    Capitulo 2 / AsCelulas Nervosas e 0Comportamento 29

    amplitude com a distancia e nao pode ser transmitidomuito alem de 1 ou 2 mm. Na verda de, em aproxima-damente 1 mm ao longo do axonio, a amplitude dosinal e de apenas cerca de urn terce do que era no localonde foi gerado. Para ser conduzido corretamente aoresto do sistema nervoso, 0 sinal local deve ser ampli-ficado - deve gerar urn potencial de acao. No reflexopatelar, 0 potencial receptor no neuronio sensorialpropaga-se ate 0 primeiro nodo de Ranvier do axonio,onde, se for grande 0 suficiente, gera urn potencial deacao, que en tao se propaga sem alteracao (por urnmecanismo regenerativo discutido no Capitulo 9) ateos terminais axonicos na medula espinal. Nesse ponto,na sinapse entre 0 neuronic sensorial e urn neuronicmotor que ativa os musculos da perna, 0 potencial deacao produz uma cadeia de eventos que result a em urnsinal de entrada ao neuronic motor.Em nosso exemplo do reflexo patelar, 0 potencialde acao no neuronic sensoriallibera urn sinal quimi-co (urn neurotransmissor) na fenda sinaptica. 0transmissor liga-se a protein as receptoras no neuro-nio motor, e a reacao resultante transforma a energiaquimica potencial do transmissor em energia eletri-ca. Isso, por sua vez, altera 0 potencial de membranada celula motora, uma mudanca chamada de poten-c ia l s in ap ti co ,Como 0 potencial receptor, 0 potencial smapticoe graduado. A amplitude do potencial sinapticodepende de quanta 0 transmissor quimico e liberado,e sua duracao depende de quanto tempo 0 transmis-sor fica ativo. 0 potencial sinaptico pode ser despo-larizante ou hiperpolarizante, dependendo do tipo demolecula receptora que e ativada. Os potenciaissmapticos, como os potenciais receptores, sao mu-dancas locais no potencial de membrana que se espa-Iham passivamente pelo neuronic. 0 sinal nao vaialern do segmento inicial do axoriio, a menos que elegere urn potencial de acao. As caracteristicas dospotenciais receptor e sinaptico estao resumidas naTabela 2-1.o Cornponente Disparador E 0 Elernento-chavepara Gerar urn Potencial de Acao

    Charles Sherrington foi 0primeiro a salientar que aacao principal do sistema nervoso e sua capacidade depesar as consequencias de tipos diferentes de informa-

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    30 Principios da Neurociencia

    Fusomuscular

    Zona de

    A Potencial receptor(ou sinaptico)

    Estimulo Amplitude do-:~r(estiramento) estiramento-40~ = ~ ~j\__Duracao

    2 l2~-4 0-6 0-8 0L

    o 5

    Axenic

    B Ac;:aode disparo

    10 o

    Figura 2-10 Um neur6nio sensorial transforma um estfmuloffsico (no nosso exemplo, um estiramento) em atividadeeletrica na celula. Cada um dos quatro componentes desinalizacao do neuronic produz um sinal caracteristico.A. 0 sinal de entrada (um potencial receptor ou sinaptico) egraduado em ampl itude e duracao, sendo proporcional a amplitudee duracao do estfmulo.B. A zona de disparo integra 0sinal de entrada - 0 potencial receptornos neuronios sensoriais, ou 0 potencial sinaptico nos neuroniosmotores - em uma acao disparadora, produzindo potenciais de acaoque serao propagados ao longo do axenic. 0potencial de acao egerado apenas se 0sinal de entrada for maior do que certo l im ie : d eesp fcuJa . Se 0sinal de entrada superar esse limiar, qualquer aumentoadicional na amplitude do sinal aumenta a f requencia com que ospotenciais de acao serao gerados, e naosua ampl itude. A durac;:ao do

    permitindo que 0Na+ flua para seu gradiente de con-centracao.rde fora da celula (onde a concentracao deNa+ e alta) para dentro da celula (onde ela e baixa),Esses canais de Na+ voltagem-dependentes estao con-centrados no segmento inicial do axonio, uma porcaonao-isolada logo a frente da regiao de entrada deinformacao do neuronic. Nos neuronios sensoriais, adensidade mais alta de canais de Na+ ocorre no pri-meiro nodo de Ranvier do axonio mielinizado; nosinterneuronios enos neurcnios motores, a densidademais alta ocorre no cone de implantacao, onde 0 axo-nio emerge do carpo celular.

    C Potencial de acao

    5Tempo (s)

    10 o 5 10

    Terminalsinaptico

    D Sinal de safda (liberac;:aode transmissor)

    . . .. .. . .. .. . .. .. . . .

    eo. eo" . . .. . . . . . . 0 . eo.. flo. . .sinal de entrada determina 0 nurnero de potenciais de acao. Assim, anatureza graduada dos sinais de entrada e traduzida em um c6digo defrequencia de potenciais de acao na zona de disparo.C. Os potenciais de acao sao do tipo tudo-ou-nada. Cada potencialde acao tem a mesma amplitude, curacao e, assirn. a mesmaforma de onda em um oscilosc6pio. Ja que os potenciais de acaosao conduzidos sem falha ao longo de todo 0 comprimento doaxenic ate os terminais sinapticos, a inforrnacao no sinal erepresentada apenas pela frequencia e pelo nurnero de espiculas,e nao pela amplitude.D, Quando 0 potencial de acao alcanca 0 terminal s inapt ico, acelula libera um neurotransmissor quirnico que serve como sinalde saida. 0 nurnero total de potenciais de acao em um dadoperfodo de tempo determina exatamente a quantidade deneurotransmissor a ser liberada pela celula.

    Par apresentar a mais alta densidade de canais de Na+voltagem-dependentes, 0 segmento inicial do axoniotern 0 limiar mais baixo para gerar urn potencial de acao.Assim, e mais provavel que urn sinal de entrada que seespalha passivamente ao longo da membrana da celulagere urn potencial de acao no segmento inicial do axoniodo que em outros locais da celula. Essaparte do axonio e ,portanto, conhecida como zona de iniciacao do impulsoou zona d isparadora. E nesse local que a atividade de todosos potenciais receptares (ou sinaptlcos) e somada, e 0neuronic dispara urn potencial de acao se0 tamanho dosinal de entrada atingir 0 limiar.

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    Capitulo 2 / AsCelulas Nervosas e 0 Comportamento 31

    Tabela 2-1 Cornparacao entre Sinais Locais (Passives) e PropagadosTipo de sinal Amplitude (mV) Duracao Somacao Efeito do sinal Tipo de propagacaoSinais locais (passivos)Potenciais receptores Pequena Breve Graduada Hiperpolarizacao Passiva

    (0,1-10) (5-100ms) ou despolarizacaoPotenciaissinapticos Pequena Brevea longa Graduada Hiperpolarizacao Passiva(0,1-10) (5 ms a 20 min) ou despolarizacaoSinaispropagados (ativos)Potenciais de acao Grande Breve Tudo-ou-nada Despolarizacao Ativa(70-110) (1-10ms)

    o Cornponente de Conducao Propaga urnPotencial de Acao do Tipo Tudo-ou-nadao potencial de acao, 0 sinal de conducao do neu-ronio, e do tipo tudo-ou-nada. Isso significa que,enquanto estimulos abaixo do limiar nao produzemurn sinal, todo estimulo acima do Iimiar produz 0

    mesmo sinal. Apesar de muitos estimulos variarem deintensidade ou duracao, a amplitude e duracao decada potencial de acao sao basicamente as mesmas.Alern disso, ao contra rio dos potenciais receptor esinaptico que se espalham passivamente e diminuemde amplitude, 0 potencial de acao nao decai enquantotrafega pelo axenic ate seu alvo - uma distancia quepode chegar a 3 m de comprimento -, porque ele eregenerado periodicamente. Esse sinal de conducaopode viajar a ate 100 metros por segundo.Uma caracteristica notavel dos potenciais de acaoe 0 fato de eles serem altamente estereotipados,variando apenas sutilmente (embora em alguns casosde maneira importante) de uma celula nervosa a outra.Essa caracteristica foi demonstrada na decada de 1920por Edgar Adrian, urn dos primeiros a estudar 0 siste-ma nervoso no nivel celular. Adrian descobriu quetodos os potenciais de acao tern aspecto ou formatode onda similar quando observados no osclloscopio(ver Figura 2-3). Na verdade, os sinais de voltagem depotenciais de acao transmitidos ao sistema nervosopor urn axorilo sensorial geralmente sao indistingui-

    veis daqueles transmitidos do sistema nervoso para osmusculos por meio de urn axenic motor.Apenas duas caracteristicas do sinal de conducaotransmitem informacao: 0 numero de potenciais deacao e os interval os de tempo entre eles (Figura 2-10C).Adrian escreveu em 1928, resumindo seu trabalho comfibras sensoriais: "...todos os impulsos sao muito pare-cidos, seja a mensagem destinada a incitar a sensacaode luz, de tato ou de dor; se eles estao aglomerados, asensacao e intensa; se estao separados por intervaloslongos, a sensacao e correspondentemente fraca".Assim, 0que determina a intensidade da sensacao ou avelocidade do movimento nao e a magnitude ou dura-

    cao de potenciais de acao individuais, mas a sua fre-qiiencia. Do mesmo modo, a duracao de uma sensacaoou de urn movimento e determinada pelo periododurante 0 qual os potenciais de acao sao gerados.

    Se os sinais sao estereotipados e nao refletem aspropriedades do estimulo, como os sinais neuraistransmitem uma informacao comportamental especifi-cal Como uma mensagem que transmite inforrnacaovisual e distinguida de outra que transmite informa-cao sobre dor provocada por uma picada de abelha, ede que forma esses dois sinais diferem das mensagensque enviam comandos para movimentos voluntaries?Como vimos e aprenderemos ainda mats em capitulosposteriores, a mensagem de urn potencial de acao edeterminada pela via neural que a transmite. As viasvisuais ativadas pelas celulas receptor as da retina quereagem a luz sao completamente distintas das vias sen-soriais somaticas ativadas pelas celulas sensoria is dapele que reagem ao tato ou a dor. A funcao do sinal -seja ele visual, tactil ou motor - e determinada naopelo proprio sinal, mas pela via em que ele trafega.o Cornponente de Saida Libera Neurotransmissores

    Quando urn potencial de acao alcanca 0 terminalde urn neuronic, estimula a liberacao de urn transmis-sor quimico da celula, Os transmissores podem sermoleculas pequenas, tais como L-glutamato e acetilco-lina, ou podem ser peptideos, como a encefalina(Capitulo IS). As moleculas transmissoras sao manti-das em organelas subcelulares chamadas de vesiculassinaptlcas, que sao carregadas ate locais especificos deliberacao nos terminais pre-sinapticos, chamados dezonas ativas. Para liberar seu transmissor, as vesiculasmovem-se em direcao a membrana plasmatica do neu-ronio e com ela se fundem - urn processo conhecidocomo exocitose. (Veremos a liberacao do neurotrans-missor no Capitulo 14.)A liberacao do transmissor quimico serve comourn sinal de saida do neuronio. Como 0 sinal de entra-da, 0 sinal de saida e graduado. A quantidade de trans-missor liberada e determinada pelo nurnero e pela fre-

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    32 Principios da Neurociencia

    quencia dos potenciais de acao nos terminais pre-sinapticos (Figura 2-10). Apos 0 transmissor ser libera-do do neuronic pre-sinaptico, ele se difunde pel afenda slnaptica ate os receptores na membrana doneuronic pos-sinaptico. A ligacao do transmissor aosreceptores faz a celula pos-sinaptica gerar urn poten-cial sinaptico. 0 potencial sinaptico podera ter urnefeito excitatorio ou inibitorlo, dependendo do tipo dereceptores na celula pos-sinaptica, e nao do neurotrans-missor em particular. 0 mesmo transmissor pode pro-vocar efeitos diferentes sobre tipos diferentes de recep-tores.

    A Transformacao do Sinal Neural Sensorial em Mo-tor E Ilustrada pela Via do Reflexo de Estiramento

    Vimos que urn sinal e transformado assim que etransmitido de urn componente do neuronic aoseguinte e de urn neuronio ao proximo. Essa transfer-macae - de entrada para saida - po de ser vista emperspectiva tracando-se a conducao de sinais para 0reflexo de estiramento.

    Quando urn musculo e estirado, as caracteristicasdo estimulo - sua amplitude e duracao - sao refleti-das na amplitude e duracao do potencial receptor noneuronic sensorial. Se 0 potencial receptor excede 0limiar para potenciais de acao naquela celula, 0 sinalgraduado e transformado em potencial de acao no

    1 Sinais sensoria isEstimulo Sinal de Integra~iio Concucao Sinal de saida

    entrada (liberacao doSinal de IntegraGiio Conducao Sinal de saidaentrada (liberacao do

    transmissor)Sinal de Inteqracao Conducao Sinal de saida

    (comportamento)

    componente disparador, urn sinal do tipo tudo-ou-nada. Quanto mais 0 potencial receptor exceder 0limiar, maior a despolarizacao e, conseqiientemente, afrequencia de potenciais de acao no axonio: do mesmomodo, a duracao do sinal de entrada determina 0numero de potenciais de acao. (Varies potenciais deacao juntos sao chamados de trem de potenciais deacao.) Essa informacao - a frequencia e 0 numero depotenciais de acao - e entao fielmente transmitida portodo 0 comprimento do axenic ate seus term ina is,onde a frequencia de potenciais de acao determina aquantidade de transmissor a ser liberada.

    Esses estagios de transforrnacao tern seus correla-tos no neuronic motor. 0 transmissor liberado por urnneuronio sensorial interage com receptores no neuro-nio motor para dar inicio a urn potencial sinapticograduado, que se espalha ate 0 segmento inicial doaxonio motor. Se 0 potencial de membrana do neuro-nio motor atinge urn limiar critico, urn potencial deacao sera gerado e propagado sem alteracao ate os ter-minais pre-sinapticos da celula motora, onde provocaa liberacao do transmissor, que dispara urn potencialsinaptico no musculo. Isso, por sua vez, produz urnpotencial de acao no musculo da perna, que induz atranstormacao final: a contracao muscular e urn com-portamento manifesto. A sequencia de transtormacoesde urn sinal do neuronic sensorial para 0 neuroniomotor e para 0musculo esta ilustrada na Figura 2-11.

    2 Sinais motores 3 Sinais do rnusculo

    Figura 2-11 A sequencia de sinais que produz uma acaoreflexa.1.0 estiramento de um rnusculo produz um potencial receptornas fibras terminais do neuronic sensorial (celula do qanqlio da raizdorsal). A ampl itude do potencial receptor e proporcional aintensidade do est iramento. Esse potencial espalha-sepassivamente ate 0 segmento integrativo, ou zona de, disparo, noprimeiro nodo de Ranvier. Se for suficientemente amplo, 0potencial receptor dispara um potencial de acao. que entao sepropaga ativamente e sem alteracao ao longo do axonio ate areqiao terminal, onde induz um sinal de saida: a liberacao de um

    Potencial Potenc ialI de a~,iio /dea~aoPotencial;eceptor

    neurotransmissor quimico. 0 transmissor difunde-se pela fendasinapt ica e interage com molecules receptoras nas membranasexternas dos neuronios motores que inervam 0 rnusculo estirado.2. Essa intaracao inicia um potencial sinaptico na celula motora. 0potencial sinaptico espalha-se facilmente ate a zona de disparo doaxonio do neuronic motor, onde ele inicia um potencial de acaoque se propaga ativamente ate 0 terminal do neuronic motor. 0potencial de acao libera 0 transmissor na sinapse nervo-rnusculo.3. A liqacao do neurotransmissor com seus receptores no rnusculodispara um potencial sinaptico. que produz um potencial de acaono musculo. causando a contracao da f ibra muscular.

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    As Celulas Nervosas Diferem Principalmenteno Nivel Molecularo modelo de smalizacao neuronal que delineamos e

    uma slmplificacao que se aplica a maioria dos neuronios,mas existem algumas variaveis importantes. Por exem-plo, alguns neuronios nao geram potenciais de acao,Sao, caracteristicamente, interneuronios locais sem urncomponente de conducao - nao tern axonio ou ternurn tao pequeno que urn sinal de conducao nao e neces-sario. Nesses neuronios os sinais de entrada sao somadose espalham-se facilmente ate a regiao terminal vizinha,on de 0 transmissor e liberado. Existem tarnbem neuro-nios que nao possuem urn potencial de repouso estavele sao espontaneamente ativos.

    Mesmo celulas com organizacao similar podemdiferir em detalhes moleculares importantes, expres-sando diferentes combinacoes de canais ionic os, porexemplo. Como veremos nos Capitulos 6 e 9, diferen-tes canais ionicos proporcionam aos neuronios dife-rentes limiares, propriedades de excitabilidade epadroes de disparo. Assim, neuronios com canais ioni-cos diferentes podem codificar a mesma classe depotencial sinaptico em diferentes padroes de disparo e,portanto, transmitir sinais diferentes.

    Os neuronios diferem tambem nos transmissores qui-micos que utilizam para transmitir informacao a outrosneuronios e em seus receptores de informacao de outrosneuronios. De fato, muitas drogas agem no cerebro modi-ficando as acoes dos transmissores quimicos especificosou de urn subtipo particular de receptor para urn dadotransmissor. Essas diferencas nao tern apenas importanciafisiologlca no funcionamento diario do encefalo, masexplicam 0fato de que uma doenca pode afetar uma clas-se de neuronios, mas nao outras. Certas doencas, como aesclerose amiotrofica lateral e a poliomielite, atingem ape-nas neuronios motores, enquanto outras, como a tabesdorsalis, urn estagio avancado da sifilis, afeta principal-mente neuronios sensoriais. A doenca de Parkinson, umaalteracao do movimento voluntario, danifica uma peque-na populacao de interneuronios que usa a dopaminacomo transmissor quimico, Algumas doencas sao seletivasmesmo dentro do neuronic, afetando apenas os elemen-tos receptivos, 0 corpo celular ou 0 axonio. No Capitulo16 veremos como a pesquisa sobre a miastenia gravis, cau-sada por urn defeito no receptor do transmissor na mem-brana muscular, trouxe nocoes importantes sobre a trans-missao sinaptica. Na verda de, 0 fato de 0 sistema nervosopossuir tantos tipos de celula e variacoes no nivel molecu-lar explica por que ele e mais suscetivel a doencas (tantopsiquiatricas como neurologicas) do que qualquer outroorgao do corpo.

    Apesar das diferencas entre as celulas nervosas, osmecanismos basicos de sinalizacao eletrica sao sur-preendentemente semelhantes. Essa simplicidade efavoravel para aqueles que estudam 0 encefalo. Enten-

    Capitulo 2 / As Celulas Nervosas e 0Comportamento 33

    dendo os mecanismos moleculares que produzem asinalizacao em urn tipo de celula nervosa, estamos nocaminho certo para en tender esses mecanismos emmuitas outras celulas nervosas.

    As Celulas Nervosas Sao Capazes de Transmi-tir Informacoes Singulares Porque FormamRedes Especificaso reflexo de estiramento ilustra como apenas poucos

    tipos de celulas nervosas podem interagir para produzirurn comportamento simples. Mas mesmo 0reflexo de esti-ramento envolve populacoes de neuronios - talvez pou-cas centenas de neuronios sensoriais e uma centena deneuronios motores. Os neuronios individuais envolvidosem urn comportamento complexo podem ser identifica-dos com a mesma precisao? Em animais invertebrados eem alguns vertebrados inferiores, uma (mica celula (a cha-mada c elu ia d e (amand a) pode dar inicio a uma sequenciacomportamental complexa. Mas, ate onde sabemos,nenhum comportamento humano complexo e iniciadopor urn unico neuronic. Na verda de, cada comportamen-to e gerado pela acao de muitas celulas. Em termos amplos,como vimos, existem tres componentes neurais do com-portamento: entrada de sinal sensorial, processamentointermediario (interneuronal) e saida de informacao moto-ra. Cada urn desses componentes e mediado por urn unicogrupo ou por varies grupos distintos de neuronios.

    Como visto no Capitulo 1, uma das estrategias funda-menta is do sistema nervoso e a localizacao de funcao:tipos especificos de informacao sao process ados emregi6es restritas do encefalo. Assim, a informacao paracada urn de nossos sentidos e processada em uma regtaoencefalica especifica on de as conexoes aferentes formam,caracteristicamente, urn mapa preciso da camada dereceptor pertinente na superficie do corpo - a pele (tate),a retina (visao), a membrana basilar da coclea (audicao) ouo epitelio olfativo (olfato). Esses mapas sao 0 primeiroestagio na criacao de uma representacao no encefalo domundo externo em que nos vivemos. Igualmente, areasdo encefalo relacionadas ao movimento contern urnarranjo ordenado de conex6es neurais representando amusculatura e os movimentos espedficos. 0 encefalo,portanto, con tern pelo menos dois tipos de mapas neu-rais: urn para percepcoes sensoriais e outro para comandosmotores. Os dois mapas estabelecem interconexoes queainda nao compreendemos completamente.

    Os neuronios motor, sensorial e interneuronal,que compoem esses mapas, nao diferem muito emsuas propriedades eletncas. Eles tern funcoes diferentesdevido as conex6es que estabelecem. Tais conexoes,estabelecidas a medida que 0 encefalo se desenvolve,determinam a funcao comportamental de celulas indi-viduais. Nossa compreensao de como as inforrnacoessensorial e motora r~la~!~:ntadas no

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    encefalo e baseada em estudos detalhados de apenaspoucas regioes. Apesar disso, nas regioes em que nossacompreensao e bern avancada, fica claro que as opera-coes loglcas de uma representacao mental podem serentendidas apenas pela definicao do fluxo de infor-macae por meio de conexoes que constituem osvarios mapas.Urn unico componente de comportamento as vezesrecruta urn grupo de neuronios que simultaneamente for-necem a me sma informacao ou uma informacao seme-lhante. A transmissao de informacoes similares por variosgrupos neuronais ou varias vias e chamada de processa-ment a pa ra le lo . 0 processamento paralelo tambem ocorreem uma unica via quando neuronios diferentes na via rea-lizam ao mesmo tempo operacoes similares. Ele faz muitosentido como uma estrategia evolutiva para construir urnencefalo mais poderoso, aumentando tanto a velocidadecomo a confiabilidade da funcao dentro do sistema ner-voso central.

    Hoje em dia, a importancia de conexoes paralelasabundantes e altamente especificas tambern esta sendoreconhecida por cientistas que trabalham em urn ramo daciencia da computacao conhecido como ln te i igencia art if i-cial . Eles usaram inicialmente 0processamento serial parasimular processos cognitivos cerebrais de alto nivel -como 0 padrao de reconhecimento, 0 aprendizado, amemoria e 0 desempenho motor. Eles logo perceberamque, apesar desses modelos seriais resolverem muito bernvaries problemas, incluindo 0 desafiante jogo de xadrez,eram insatisfatorios em outras operacoes que 0 cerebrorealiza quase instantaneamente, como 0 reconhecimentode faces ou a compreensao da palavra.Como resultado, a maioria dos neurobiologistas dainformatica voltaram aos sistemas com componentesseriais e paralelos (distribuidos), que eles chamaram demodel os c one c ti vo s. Nesses model os, elementos distribui-dos em todo 0sistema processam simultaneamente infor-macoes relacionadas. Os resultados preliminares dessestrabalhos sao geralmente coerentes com os estudos fisio-logicos. Modelos conectivos mostram que elementos indi-viduais de urn sistema nao transmitem gran des quantida-des de mformacao. Assim, 0 que torna 0 cerebro umamaquina notavel de processamento de mformacao nao ea complexidade de seus neuronios, mas seus muitos ele-mentos e, em particular, a complexidade das conexoesentre eles. Neuronios individuais estereotipados sao capa-zes de transmitir Inforrnacao especifica porque eles estaoligados e organizados de modos diferentes.

    A Plasticidade de Conexoes Especfficas Contri-bui para a Adaptabilidade do Comportamentoo fato dos neuronios estabelecerem conexoes

    especificas entre si gera uma questao interessante:Como 0 comportamento e modificado, se 0 sistema

    nervoso e organizado tao precisamente? Urn simplesreflexo pode sofrer modificacoes que duram minutos,assim como um aprendizado que resulta em mudancacomportamental pode persistir por anos. Como a ati-vidade neural pode produzir tais mudancas a longoprazo na funcao de urn grupo de conexoes predefini-das? Varias solucoes para esses dilemas foram propos-tas e, entre todas, a hipotese da plasticidade, primeira-mente sugerida na virada do seculo XIX por Ramon yCajal, mostrou-se a mais adequada. Uma visao moder-na dessa hipotese foi aprimorada pelo psicologo polo-nes Ierzy Konorski em 1948:"A aplicacao de um estimuio gera do i s niveis de mudancas nosistema nervoso (...). A prlmeira propriedade, em virtude da qualas celulas nervosas reagem ao impulso que chega, (.. .) nos chama-mos de excitabilidade, e (...) mudancas que emergem (... ) porcausa desta propriedade chamaremos de mudancas devido a exci-tabilidade. A segunda propriedade, em virtude da qual certastransforrnacoes funcionais permanentes emergem em sistemasparticulares de neur6nios como resultado de estimulos apropria-dos ou sua combinacao, chamaremos de p la s t ic id a d e, e asmudancas correspondentes, de mudancas pldsticas."

    Existe agora consideravel evidencia de plasticidadenas sinapses quimicas. As sinapses quimicas geralmenteapresentam uma capacidade notavel para mudancas fisio-logicas a curto prazo (que duram horas), que aumentamou diminuem a eficiencia da sinapse. Mudanr;:as a Iongoprazo (que duram dias) podem gerar mudancas flsiologi-cas adicionais, que levam a mudancas anatomicas,incluindo a remocao de conexoes pre-existentes e 0 cres-cimento de novas conexoes, Como veremos em capitulosposteriores, as sin apses quimicas podem ser modificadasfuncional e anatomicamente, durante 0desenvolvimentoe a regeneracao, e, de maneira mais importante, pela expe-riencia e pelo aprendizado. Alteracoes funcionais sao tipi-camente a curto prazo e envolvem mudancas na eficien-cia das conexoes sinapticas existentes. As alteracoes ana-tomicas sao tipicamente a longo prazo e consistem nocrescimento de novas conexoes sinapticas entre os neuro-nios. E esse potencial para a plasticidade de unidades rela-tivamente estereotipadas do sistema nervoso que da acad a urn de nos a nossa individualidade.

    Eric R . Kandel

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