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a arte dere ar

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Cãmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Marinho, Robson MouraA arte de pregar: como alcançar o ouvinte pós-moderno

/ Robson Moura Marinho 2.' ed. rev. e ampl.- São Paulo: Vida Nova, 2008.

Bibliografia.ISBN 978-85-275-0391-4

1. Cristianismo 2. Pregação 3. Teologia pastoralI. Título.

97-0494 CDD-149.9

Índices para catálogo sistemático:

1. Pregação: Cristianismo 251

2. Pregação: Homilética : Cristianismo 251

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a arte dere ar

edição revisado e ampliado

Como alcançaro ouvinte

pós-moderno

Robson M. Marinho

o_V1DANOVA

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Copyright © 2007 Edições Vida Nova

1". edição: 1999Reimpressões: 1999,2000,2001,2002,2004,2006,2007

2. a edição revisada e ampliada: 2008Reimpressão: 2009

Publicado com a devida autorização e com todos os direitos reservadospor SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA,Caixa Postal 21266, São Paulo, SP, 04602-970www.vidanova.com.br

Proibida a reprodução por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos,xerográficos, fotográficos, gravação, estocagem em banco dedados, etc.), a não ser em citações breves com indicação de fonte.

ISBN 978-85-275-0391-4

Impresso no Brasil

COORDENAÇÃO EDITORIALMarisa Lopes

REVISÃOMariú Lopes Madureira

REVISÃO DEPROVASUbevaldo G. Sampaio

COORDENAÇÃO DEPRODUÇÃO EPROJETO GRÃF1COSérgio Siqueira Moura

DIAGRAMAÇÃOKel1yChristine Maynarte

CAPAOsiris Rodrigues IOM Designers Gráficos

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Sumário

Prefácio do autor à primeira edição 11

Prefácio do autor à segunda edição 13

Introdução 15

primeira parteo ouvinte

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Tipos de ouvintes e de pregadores 21

O ouvinte concreto-seqüencial ou "metódico" 26

O ouvinte concreto-randômico ou "prático" 30

O ouvinte abstrato-seqüencial ou

"intelectual-filosófico" 33

O ouvinte abstrato-randômico ou "emocional" 36

Visões de mundo do ouvinte Pós-moderno 41

Do Classicismo ao Pós-Modernismo 42

A pregação bíblica em diferentes Eras 47

Características do Pós-Modernismo 51

Temas bíblicos para o Pós-Modernismo 59

Senso de culpa versus amor 60

Autoridade versus experiência 64

Salvação versus pluralismo 67

Comunicando a mensagem a ouvintes pós-modernos .. 75

Interatividade mental e interatividade verbal 77

Pregação narrativa e o uso de histórias 79

Abordagem jornalística 85

Filmes. vídeos e videoclipes 86

Drama e arte 89

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6 • o arte de pregar

segunda parteo pregador

Capítulo5 Comopregar sem atrapalhar o culto............................ 95

Sermões que atrapalham o culto................................. 96

Capítulo6 Qualidades do pregador 103

Capítulo7 Aproveite o medo 109

Como lidar com o medo 110

A psicologia do medo 115

Capítulo8 O audiovisual do pregador 119

Expressãocorporal...................................................... 120A importância da voz 121

terceira partea comunicação

Capítulo9 Oratória secular e oratória sacra 129

Elementosda oratória................................................. 131

Capítulo10 Comoevitar o sermão sem rumo 135

Características do corpo do sermão 137

A arte de esboçar 141

Capítulo 11 Comoescolher um tema atraente 145

Conheça seu objetivo 146Conheça seus ouvintes 146

Conheça seu assunto 153

Capítulo 12 Sermõesvisíveise invisíveis 155

A necessidade de ilustrar 156O efeito das ilustrações 158Fontesde ilustração 158

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sumório .7

Características da boa ilustração 160

Tipos de ilustração....................................................... 161

Capítulo 13 Uma questão de estilo................................................. 165

Segredos de um bom estilo 166

O treinamento do estilo 171

O estilo e a forma literária 172

O estilo no púlpito 174

quarta partea mensagem

Capítulo 14 O milagre da pregação 179

O milagre das palavras 180

Capítulo 15 Teologia da pregação 183

A palavra: essênciada pregação 183

O imperativo da pregação 186

Pregação e missão ao longo da história 187

Capítulo 16 Tipos de sermão 191

O sermão temático 193

O sermão textual........................................................ 197

O sermão expositivo 200

Capítulo 17 O poder do sermão expositivo 201

Diferenças entre o textual e o expositivo 202

Vantagens do método expositivo 202

Desvantagens do método 203

A importância da pregação expositiva 204

O falso sermão expositivo 205

Característicasdo sermão expositivo 206

Enfrentando a dificuldade do texto 207

Comoorganizar o sermão expositivo 209

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8 • a arte de pregar

Capítulo 18 O tesouro escondido no texto 213

Ferramentas de trabalho 215

Princípios de interpretação 216

Como escolher um texto 218

Passos na interpretação do texto 220

Capítulo 19 Os primeiros cinco minutos do sermão 225

Características da boa introdução 226

O que evitar na introdução 230

Tipos e formas de introdução 232

Capítulo 20 Os últimos minutos do sermão 239

Partes da conclusão 240

Cuidados na conclusão 241

Sugestões sobre a forma de concluir 243

Capítulo 21 Comoaplicar sem complicar 247

Características da boa aplicação 248

Passos para uma boa aplicação 250

Tiposde aplicação 251

O momento da aplicação 256

Epílogo 259

Apêndice 1 Exemplo de sermão expositivo missionário 261

Apêndice 2 Exemplo de sermão expositivo biográfico 267

Bibliografia 273

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Dedico esse livro aos ouvintes de todas as idades, de todas as raças, de

todas as culturas, de todos os tipos de personalidade, de todas as religiões, e de

todas as ideologias filosóficas. A todos aqueles que honram e prestigiam os

pregadores com sua presença e audiência!

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Prefácio do autor à primeira edição

Dizem os cientistas do humor, parafraseando Lavoisier, que "Nada se

perde, nada se cria, tudo se copia." Por isso, escrever um livro é quase

uma frustração, já que ninguém consegue ser original e apresentar idéias

completamente novas. Até mesmo quando achamos que tivemos uma idéia

brilhante, se pesquisarmos bem, acabamos descobrindo que alguém um dia já

pensou e escreveu sobre aquilo. Como diz um pensador: O problema é que

"Os antigos roubaram as nossas melhores idéias".

De fato, a nossa desvantagem é ter vivido depois de Sócrates, Platão e Aris­

tóteles, que já pensaram tudo que os seres humanos tinham direito de pensar no

campo da cultura geral. E no campo da Teologia, depois de Moisés, Salomão, Cris­

to, Paulo e João, sobra pouco ou nada para inovar. Aliás, foi o próprio Salomão

quem disse que "não existe nada novo debaixo do Sol" (Ec 1.9).

Mesmo assim, ainda nos damos ao trabalho exaustivo e desgastante de

escrever um livro. Como disse alguém se referindo à dolorosa obra de escrever:

"Um livro é um parto do espírito". Ou como disse Salomão: "Não há limite

para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne" (Ec 12.12).

Como não há muito de original a acrescentar, este livro é uma pesquisa

baseada no que se escreveu de bom no campo da comunicação e da pregação

bíblica. Nossa intenção é ajudar os amantes da pregação bíblica a terem uma

ferramenta a mais de trabalho nessa sublime tarefa, que é a exposição da Pala­

vra. A novidade fica por conta de umas poucas experiências pessoais vividas

em 18 anos de ministério pastoral, lidando com pregação e com ouvintes de

todos os tipos.

Nosso desejo é partilhar com os leitores algumas idéias práticas que deram

resultado em nosso trabalho, as quais esperamos que sejam úteis para outros. Foi

com essa intenção e com o fascínio causado pela beleza do texto bíblico que

surgiu este livro:AArte dePregar. Bom proveito!

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Prefácio do autor à segunda edição

OS tempos mudam, os costumes mudam, os ouvintes mudam. O ou­

vinte de hoje não é o mesmo de cinco ou dez anos atrás. Como resul­

tado do crescimento assustador no volume de informações e da rapi­

dez no desenrolar dos acontecimentos, ouvintes e auditórios hoje estão em

constante mutação.

Em 1998, Rowley' afirmou que o volume de informação disponível à

humanidade dobrava a cada setenta e três dias. Um recente estudo da IBM2 fez

uma projeção de que, no ano 2010, o volume de informação digital no mundo

duplicaria a cada onze horas. Qualquer que seja a margem de erro dessas pro­

jeções, esses dados ilustram a rapidez como as mudanças ocorrem hoje, o que

exige do comunicador uma atualização dinâmica e constante. Em decorrência

dessa avalanche de informações e acontecimentos, o mundo muda diariamente,

o conhecimento muda diariamente, a cultura social muda diariamente, o estilo

de vida muda diariamente, e, mesmo sem perceber, a cabeça das pessoas muda

quase que diariamente também.

Em virtude dessas mudanças quase supersônicas, o pregador não pode

mais se acomodar e buscar no arquivo um sermão que fez sucesso há cinco ou

dez anos, esperando que esse sermão cause hoje o mesmo impacto que causou

no passado. Pelo contrário, é muito provável que esse mesmo sermão seja total­

mente irrelevante hoje. Alguém poderia argumentar que a Bíblia permanece a

mesma sem ser afetada pelas mudanças. Com certeza, isso também é um fato.

Contudo, com a mudança de contexto, a maneira de as pessoas encararem a

Bíblia muda, o que, portanto, exige uma mudança na forma de comunicação

1 Rowley, D. J., Lujan, H. D., & Dolence, M. G. (1998). Strategic choicesfor the academy:

How demand for lifelong learning will re-create higher education, p. 63.

2 Cf. LaMonica, Martin, "IBM software boosts info on demand", em: http://

www.news.com/2100-7345_3-6159025.html?part=rss&tag=2547-1_3-0-20&subj =news,

acessado em 29 de novembro de 2007.

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14 • o arte de pregar

com as pessoas, na abordagem da mensagem bíblica, na aplicação prática da men­

sagem, bem como nos exemplos e ilustrações.

Diante de tantas mudanças, houve a necessidade de atualização do con­

teúdo da primeira edição deste livro a fim de analisar a pregação bíblica numa

perspectiva mais contemporânea. Embora muitos princípios básicos de comuni­

cação e pregação permaneçam válidos no decorrer do tempo, a forma de abor­

dagem do assunto e o contexto da pregação mudam completamente, exigindo

a revisão de alguns conceitos e a inclusão de novos exemplos. Foi por isso que

sentimos a necessidade de fazer um acréscimo ao conteúdo anterior, além de

atualizar e revisar os conceitos e idéias de todo o livro.

E foi assim, com a intenção de proporcionar ao leitor uma ferramenta

mais atual e mais eficiente na pregação da mensagem bíblica, que surgiu esta

segunda edição. Conservamos os princípios básicos e acrescentamos informa­

ções novas, com a revisão de cada capítulo e a inclusão de uma seção inteira de

análise dos diferentes tipos de ouvinte, da sua nova visão de mundo, da sua

mentalidade na Era Pós-Moderna e das estratégias para alcançá-los. Espera­

mos que o novo cardápio traga um sabor diferente, ajudando-o no preparo de

alimento bíblico nutritivo com o tempero da atualidade. É com alegria que

apresentamos a você, leitor, a nova edição de A Arte de Pregar, com um enfoque

especial sobre como alcançar o ouvinte pós-moderno. Bom apetite!

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Introdução

Em fevereiro de 2006, tive a alegria de participar do Seminário Avança­

do de Liderança do Instituto Haggai, em sua sede mundial em Cinga­

pura. Foram trinta dias de treinamento intensivo com representantes

de vários continentes do mundo inteiro. Éramos duas turmas com cerca de

quarenta participantes cada. Nosso grupo de brasileiros consistia de cinco cole­

gas.Juntos representávamos o Brasil e buscávamos aplicar ao contexto brasileiro

os conceitos aprendidos.

Na cerimônia de formatura, nossa turma teve o raro privilégio de ter como

paraninfo o próprio Dr.John Edmund Haggai, fundador e presidente do insti­

tuto. Foi inspirador perceber que os cabelos grisalhos e o corpo cansado não

diminuíam o entusiasmo e a vibração desse grande evangelista pela pregação

bíblica. Em seu discurso, Dr. Haggai partilhou um pouco da sua história pes­

soal. Desde a infância, ele sonhava em ser um missionário na China, inspirado

pela biografia de grandes missionários como Hudson Taylor e William Carey.

Com esse objetivo, começou sua carreira pastoral nos Estados Unidos, dedi­

cando-se em seguida a empreender cruzadas evangelísticas ao redor do país.

Mas quando estava pronto para começar seu projeto na China, o mundo

já era outro, bem diferente da sua infância e juventude. O crescimento do Comu­

nismo em alguns países e o declínio do colonialismo ao redor do mundo fecha­

ram as portas aos missionários ocidentais, fazendo desmoronar o seu castelo

evangelístico. Outras mudanças políticas em diferentes países impuseram severas

restrições ao envio de missionários, limitando extremamente o trabalho dos

institutos de missões mundiais.

A princípio, ele ficou desolado, mas, em vez de se deixar abater pela frustra­

ção, John Haggai conseguiu enxergar que o mundo entrava numa nova era. Sur­

gia, então, uma nova visão de mundo, que exigia do ministério evangélico uma

nova mentalidade e um novo conceito de missão, com novas estratégicas para a

evangelização mundial. Movido por essa nova visão,John Haggai viajou ao redor

do mundo e, percebendo a necessidade de mudanças, fundou um instituto de trei­

namento. Seu objetivo não era enviar missionários estrangeiros, mas atrair líderes

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16 • o arte de pregar

nacionais de diferentes países, treiná-los e enviá-los de volta a fim de que eles

treinassem os seus próprios conterrâneos para a pregação do Evangelho. E desde

1969, o Instituto Haggai tem treinado cerca de cinqüenta mil líderes e prega­

dores em 170 países da Ásia, África e América Latina.'

O Instituto Haggai é apenas um exemplo da necessidade de constante inovação

na forma de cumprir a missão de pregar o evangelho a todo o mundo. O campo

missionário tem mudado inúmeras vezes ao longo da história. Da mesma forma, a

pregação bíblica tem se adaptado às repetidas mudanças políticas e sociais de

diferentes épocas para continuar comunicando de maneira relevante a mensagem

de salvação a um mundo em constante mutação. A mesma mensagem bíblica,

pregada em praça pública na igreja primitiva e proclamada às escondidas na Era

Medieval, precisa hoje ser apresentada com igual relevância a ouvintes seculariza­

dos, mas igualmente carentes, que vivem bombardeados por uma infinidade de

estímulos característicos de nossa era digital!

Nesse contexto de mudanças, o pregador de hoje enfrenta os maiores desafios

da pregação bíblica em todos os tempos, à medida que desfruta de oportunidades e

recursos nunca vistos anteriormente. Os avanços da tecnologia proporcionam novos

veículos para a divulgação da mensagem bíblica. O acesso ao vídeo e à televisão

coloca a pregação bíblica facilmente disponível em diferentes canais de TV, acessí­

veis em qualquer ambiente residencial ou comercial. No entanto, ao mesmo tempo

que ampliam o espaço da pregação, essas oportunidades aumentam também a res­

ponsabilidade de primar pela qualidade na apresentação da mensagem bíblica a fim

de que esta cause impacto em todas as camadas sociais e culturais.

Além do vídeo, o pregador de hoje também dispõe de recursos eletrônicos

sem precedentes. A própria Bíblia, outrora monopolizada pelo formato impresso,

hoje se encontra disponível em formato digital e acessívelem programas de compu­

tador ou via on-line, podendo o leitor acessá-la em computadores portáteis como:

notebooks; minicomputadores de bolso como as avançadas agendas eletrônicas; os

pa!mtops; b!ackberries; e outros produtos mais avançados. Pregadores e ouvintes

hoje podem acessar a Bíblia on-line em qualquer idioma e fazer pesquisas on-line

1 Instituto Haggai do Brasil.

Website: http://haggai.com.brldrhaggai-biografia.php.

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introduçõo _ 17

em concordâncias bíblicas,comentários bíblicos,dicionários e enciclopédiasbíblicas.

Além disso, também podem obter exemplos de esboços de sermões, ilustrações,

estudos bíblicos e muitos outros recursos, disponíveis gratuitamente.2

A conclusão é óbvia: embora o conteúdo da pregação seja o mesmo, o

pregador de hoje tem mais opções de apresentação e recursos de pesquisa que os

pregadores do passado. Contudo, nem por isso a pregação se torna mais fácil hoje.

Pelo contrário, é preciso lembrar que os mesmos recursos disponíveis ao pregador

estão disponíveis também ao ouvinte, o qual é hoje muito mais informado, mais

esclarecido e mais exigente que o ouvinte do passado. Isso requer do pregador

muito mais preparo e pesquisa a fim de apresentar sua mensagem de forma atra­

ente e relevante para seu ouvinte.

Os capítulos que se seguem pretendem ajudar o leitor a desenvolver essa

consciência dos desafios e das oportunidades da pregação bíblica nos dias

atuais, oferecendo algumas idéias para a apresentação de uma mensagem mais

relevante para o contexto em que vivemos. Os capítulos estão organizados em

quatro seções distintas. A primeira seção aborda o ouvinte de hoje no contexto

da Era Pós-Moderna e sua influência secular na mente e estilo de vida das

pessoas. A segunda seção é dedicada ao pregador e suas qualidades como pes­

soa e como profissional. Na terceira parte, o foco é a comunicação como fator

indispensável à transmissão da mensagem de forma clara, atraente e eficiente.

Finalmente, a quarta seção explora a mensagem em si, analisando o sermão

com sua estrutura e suas divisões principais, incluindo o método de preparo de

esboços e o desenvolvimento do tema em relação ao propósito do texto bíblico.

Esperamos que as idéias aqui discutidas possam ajudá-lo na apresentação

de uma pregação relevante, em meio ao secularismo e à pluralidade de idéias

que bombardeiam os diferentes tipos de ouvinte deste terceiro milênio!

2 Alguns websites de Bíblia on-line em português são: http://www.bibliaonline.net/; http:/

/www.bibliaworldnet-util.locaweb.com.br/biblia/; http://www.pregador.com.br/online.htm.

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primeira parte

o ouvinte

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Capítulo 1

Tipos de ouvintes e de pregadores

"Nuncapensoem meusouvintes como expectadores,

esim comoparceiros."

ATOR JIMl'v1Y STEWART

As pessoas são diferentes. Os ouvintes são diferentes. Os pregadores são

diferentes. Cada ouvinte tem um estilo diferente de aprender e de absorver

a mensagem. Por outro lado, cada pregador tem um jeito diferente de

apresentar a mensagem de acordo com seu tipo de personalidade e estilo pessoal.

Essa pluralidade de estilos e personalidades torna difícil e complicada a tarefa do

pregador e comunicador. Por isso, dificilmente um pregador vai atrair e causar

impacto em todos os ouvintes, assim como é praticamente impossível um ouvinte

apreciar todos os tipos de pregadores. Cada ouvinte tende a se sentir atraído pelos

pregadores cujo "tipo", ou "forma" de apresentar a mensagem "se encaixa" ou com­

bina com seu estilo de aprendizagem. Em outras palavras, para comunicar com

eficiência, precisamos ter uma compreensão das diferenças individuais dos ouvin­

tes e preparar a mensagem de tal maneira a atingir diferentes tipos de ouvintes.

Muito se tem escrito sobre os atributos de personalidade que distinguem

comunicadores e líderes. Algumas teorias no passado propunham que um certo

conjunto de características determinava o sucesso ou o fracasso da pessoa em

certas áreas específicas. Em liderança, por exemplo, a conhecida teoriados traços

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22. o ouvinte

sustentava que a pessoa já nasce com um tipo físico, mental e psicológico que as

torna líderes ou liderados. 1

Diversas teorias têm sido propostas para explicar os diferentes tipos de per­

sonalidade e estilos de aprendizagem. No entanto, devido à grande complexidade

do ser humano, não existe nenhuma teoria absoluta, mas diversas pesquisas em

psicologia sugerem diferentes modelos que descrevem os estilos de aprendizagem

e tipos de personalidade.

Ultimamente tem se tornado muito popular o teste de personalidade MBTI

(Myers-Briggs Type Indicator), que classifica a personalidade em quatro pares

opostos de características. De acordo com essa teoria, derivada da psicologia

de Jung, cada pessoa possui uma combinação peculiar dessas diferentes caracte­

rísticas que determinam sua personalidade. Em resumo, os quatro pares opostos

de características são:

Extrovertido

Sensorial

Racional

Julgador!Analista

ou

ou

ou

ou

Introvertido

Intuitivo

Sentimental

Perceptivo/Observador

Diferentes combinações dessas várias características resultam em 16 tipos

diferentes de personalidade, que descrevem como as pessoas se comportam em

diferentes situações, quer seja no trabalho, nos relacionamentos, na vida fami­

liar, no aspecto afetivo, na vida pessoal e assim por diante.'

O modelo de personalidade mais antigo foi proposto por Hipócrates (cerca

de 460 - 370 a.Cv), médico grego, considerado o pai da medicina, que classifi­

cava a personalidade humana em quatro temperamentos básicos conhecidos

como: sangüíneo, fleumático, colérico e melancólico. Como Hipócrates ba­

seou seu modelo em observação informal e imaginação de diferentes fluidos

circulando em cada pessoa sem nenhum critério de experimentação científica,

1 Marinho, Robson, e Oliveira, Jayr, Liderança: uma questão de competência, p. 4.

2 Kroeger, O., Tuesen,J., Rutledge, H, Type Talk ai Work.

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tipos de ouvintes e de pregadores _ 23

sua teoria tem tido pouca receptividade nos meios acadêmicos e científicos. Mes­

mo assim, devido à sua natureza prática e simples, esse modelo tornou-se muito

popular até hoje, oferecendo uma descrição bastante informal do comportamento

das pessoas. Em resumo, essa teoria classifica os temperamentos de acordo com as

seguintes qualidades e defeitos dominantes, entre outros:

• Sangüíneo: comunicativo, alegre, falante, animado, carismático, extro­

vertido, instável, inseguro, explosivo, exagerado, altamente emotivo.

• Colérico: ativo, prático, decidido, produtivo, rápido, corajoso, controla­

dor, competitivo, impaciente, agressivo, intolerante.

• Fleumático: calmo, tranqüilo, pacífico, diplomático, paciente, gentil,

introvertido, frio, calculista, indeciso, passivo, desmotivado.

• Melancólico: intelectual, organizado, sensível, leal, perfeccionista, inse­

guro, vingativo, altamente sentimental.

Na realidade, todas essas teorias da personalidade descrevem diferentes

aspectos do comportamento humano. Todas as pessoas possuem traços e com­

portamentos que podem ser descritos em diferentes modelos, qualquer que

seja o nome da teoria. Em outras palavras, seria inconsistente dizer que uma

teoria é mais correta que a outra ou discutir qual delas é a melhor. Alguns

modelos são mais elaborados e possuem testes validados por pesquisa acadêmica.

Esta proporciona ao teste um resultado de maior credibilidade, de acordo com o

referido modelo. Contudo, isso não significa necessariamente uma superioridade

do modelo em si.

Em suma, todas essas teorias tentam retratar e explicar a realidade e complexi­

dade do comportamento humano. Diferentes teorias oferecem diferentes perspec­

tivas ou diferentes ângulos pelos quais a personalidade pode ser observada e analisada.

N o entanto, na prática, o verdadeiro teste de personalidade é a pessoa conhecer a si

mesma, analisando seu próprio comportamento e tornando-se consciente de sua

própria maneira de ser e de suas próprias tendências. A finalidade desse autoconhe­

cimento é levar a pessoa a assumir sua própria personalidade e a desenvolver-se o

máximo possível dentro de suas características pessoais, sem tentar imitar o compor­

tamento ou a "personalidade" de outra pessoa.

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24. o ouvinte

Como a pregação tem a ver diretamente com comunicação e aprendizagem

da mensagem, julgo ser mais útil para o nosso propósito analisar apenas um

modelo de estilos de aprendizagem, que nada mais é do que um modelo de

personalidade aplicado à aprendizagem.

Novamente existem dezenas de modelos de estilos de aprendizagem pro­

postos por diferentes teóricos como Kolb, Gregorc, Gardner, Herrmann, Felder,

e assim por diante.? Em todos esses modelos, há vantagens e desvantagens, uns

são mais detalhados, outros mais gerais, uns mais simples, outros mais comple­

xos, uns mais práticos, outros menos práticos. Pela sua simplicidade e praticidade,

vamos imaginar um grupo de ouvintes e pregadores e analisá-los segundo a perspec­

tiva do modelo de Estilos de Aprendizagem proposta por Gregorc. Com certeza,

essaperspectiva nos ajudará a entender melhor como variar o estilo de pregação de

maneira a atingir e alcançar diferentes tipos de ouvintes.

Anthony F.Gregorc, um psicólogo da Universidade de Connecticut, desen­

volveuum modelo que descreve quatro tipos de funcionamento da mente humana

ou'tipos de pensamento. De acordo com ele, todos nós exibimos todos os quatro

tipos, mas normalmente temos um ou dois preferidos como sendo a nossa maneira

predominante de funcionamento intelectual.

Segundo Gregorc, para que ocorra a compreensão e aprendizagem de

uma mensagem, a mente humana tem de perceber e processar a informação.

Esta é percebida de duas maneiras opostas: concreta ou abstrata. Por outro lado,

nosso cérebro tende a processar a informação em dois formatos também opos­

tos: o formato seqüenciale o formato randômico ou aleatório. Para melhor enten­

der esses tipos de pensamento, podemos descrevê-los da seguinte maneira:

oPensamento Concreto - Essa qualidade capacita as pessoas a perceberem

a informação diretamente por meio dos cinco sentidos: visão, olfato, tato, pala­

dar e audição. Por causa disso, elas geralmente lidam com a realidade de maneira

prática e óbvia, preferindo fatos a idéias e conceitos. São mais interessadas no

momento presente, pois para elas o que mais importa é o aqui e o agora, o que

é palpável e visível.

3 Marinho, Robson, How Faculty Learn to Use Instructional Technology:An Exploration of

Personal Experiences.

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tipos de ouvintes e de pregadores _ 25

oPensamento Abstrato - Essa qualidade mental permite que as pessoas visua­

lizem a informação mesmo que ela não seja apresentada em dados claros e nítidos.

Pessoas com essa forma de pensar têm facilidade de conceber idéias e entender

temas que não são claramente visíveis, pois tendem a utilizar mais a imaginação e

a intuição para captar as idéias.

o Pensamento Seqüencial- Essa forma de pensar habilita as pessoas a pro­

cessarem e organizarem a informação recebida de maneira linear, passo a passo,

colocando em seqüência uma idéia após a outra. Essas pessoas tendem a seguir

uma ordem lógica para facilitar a compreensão e geralmente gostam de traçar um

plano em vez de agir por impulso.

oPensamento Randômico - O termo "randômico" é utilizado para descrever

o comportamento aleatório que ocorre por acaso e por impulso. Esse termo é novo

na língua portuguesa, e é uma palavra inglesa de origem francesa. O Novo Dicio­

nário da Língua Portuguesa, de Aurélio Ferreira, em sua primeira edição (1975),

define a palavra randômico com o significado de aleatório,ou seja, ao acaso, aciden­

tal." Em edições posteriores, acrescenta randomização como sinônimo de aci­

dentaiização? Houaiss, por sua vez, além dos dois termos citados, já registra o

verbo randomizar, incorporando, assim, à língua portuguesa esse anglicismo." Por­

tanto, para manter a semelhança com a terminologia original, vamos utilizar a

palavra randôrnico em vez de aleatório.

Esse tipo de pensamento faz a pessoa processar e organizar a informação em

blocos distintos, sem nenhuma ordem particular a ser seguida. Pessoas com essa

forma de pensar têm facilidade de pular vários passos de uma seqüência e ainda

assim chegar ao resultado desejado. Quando têm de ler ou estudar um tema, por

exemplo, elas podem começar pelo meio, ou ler diferentes partes do tema, ou até

mesmo começar pelo final e depois ler o início. Geralmente não têm muita paciência

para planejamentos detalhados e preferem seguir o impulso do momento.

4 Ferreira, A.B.H, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1975.

5 Idem, 2.a edição, 1986; e 3.a edição, 1999.

6 Houaiss, A., VILLAR, M.S, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001.

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26. o ouvinte

Comojá foi mencionado, em todas as pessoas, há pouco ou muito de cada um

desses tipos de pensamento. Distribuindo esses tipos e combinando a forma de

percepção com a forma de processamento da informação, Gregorc propôs o que

chamou de quatro estilos mentais de ouvintes diferentes que determinam o tipo de

pensamento dominante de cada pessoa: o ouvinte concreto-seqüencial ou "metó­

dico"; o ouvinte concreto-randômico ou "prático"; o ouvinte abstrato-seqüencial ou

"intelectual-filosófico"; o ouvinte abstrato-randômico ou "emocional".

Com base nesse modelo de Gregorc, Kathleen Butler também desenvolveu

uma aplicação pedagógica dos quatro estilos mentais demonstrando como com­

binar diferentes abordagens de comunicação de modo a atender à necessidade de

diferentes estilos de ouvinte." O modelo de Gregorc e as idéias de Buttler forne­

cem uma ferramenta bastante útil para ajudar os pregadores a lidar com diferen­

tes tipos de ouvintes. Portanto, utilizando esse modelo, vamos tentar visualizar

como se comportam os ouvintes com diferentes estilos mentais, a fim de poder­

mos ajudá-los a obter uma melhor compreensão da mensagem.

o ouvinte concreto-seqüencial ou "metódico"

O primeiro estilo mental que queremos analisar é o concreto-seqüencial. Os pes­

quisadores calculam que esse tipo de ouvinte constitui em média 30% da

população. Trata-se do estilo "pé no chão", altamente realista, racional e orga­

nizado. Na vida pessoal, esse tipo de pessoa costuma dedicar-se ao trabalho

intenso e ser bastante confiável. Na área profissional, geralmente se dá bem

como administrador, gerente ou professor, pois gosta de rotina e de uma vida

mais metódica e estruturada, com regras definidas, planejamento de cada ati­

vidade, prazos e horários fixos, bem como um roteiro a ser seguido, passo a

passo, com começo, meio e fim.

Na igreja, esse tipo de pessoa não aparece muito, mas faz as coisas acontece­

rem executando o que foi planejado, geralmente mais nos bastidores e no anoni­

mato. Como ouvinte, prefere temas racionais com idéias bem realistas, geralmente

relacionados com a vida cotidiana e suas implicações para a vida cristã, tais como:

7 Butler, Kathleen, Learning and Teaching Style: In Theory and Practice, 1986.

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tipos de ouvintes e de pregadores _ 27

o relacionamento cristão, as lutas espirituais, o conforto e a orientação espirituais,

todos ilustrados com exemplos da vida real. Geralmente gosta de idéias organiza­

das por assunto e por ordem de prioridade. Sermões puramente teóricos ou abstra­

tos geralmente não atraem a atenção desse ouvinte. Pelo contrário, facilmente ele

perde a concentração ao ouvir temas sem relevância clara para a vida real. Quando

o pregador começa a falar, ele espera ver com clareza qual é a idéia central do

sermão e qual a seqüência dos argumentos. O melhor sermão para ele é aquele

que tem uma boa estrutura em que facilmente se percebem os três ou quatro

pontos principais do sermão. Sermões que aparentam ter mais de um foco ou

cujos argumentos e idéias não têm uma seqüência clara são uma verdadeira tortura

para esse ouvinte. Na realidade, ele se desliga do sermão com facilidade para pro­

teger-se da falta de estrutura.

Sermões muito sentimentais em que o pregador chora ou se emociona

em excesso geralmente são vistos por esse ouvinte como exagero ou como algo

fora da realidade. Considerando a ação prática mais importante que promessas

pessoais, esse ouvinte não é muito suscetível a se levantar em apelos. O pregador

pode demorar uma hora fazendo um apelo supercomovente e não ter o menor

efeito nesse tipo de ouvinte, pois ele dificilmente é levado pela emoção. Em toda

congregação, aquele que mais demora a se levantar em apelos é o ouvinte concreto­

seqüencial E algumas vezes, quando se levanta, o faz por um motivo bem prático, ou

seja, só para não ficar "chato", já que todo mundo se levantou!

Não há dúvida de que a resposta ao apelo de um sermão vem do Espírito

Santo, mas como pregadores precisamos entender que o Espírito Santo atua dife­

rentemente e produz diferentes respostas em diferentes tipos de personalidade. O

ouvinte concreto-seqüencialprefere tomar uma decisão baseada na razão e na infor­

mação, com idéias claras, e não num apelo emocional. Além disso, para ele, a

resposta pode ser particular e não necessariamente pública. É muito importante

que o pregador faça o apelo. Contudo, em relação a esse ouvinte, o Espírito Santo

pode agir de forma diferente, atuando no nível sensorial, estimulando a percepção

espiritual e produzindo uma resposta baseada na convicção. Essa decisão geral­

mente é tomada em particular, sem nenhuma demonstração pública, muitas vezes

por meio de uma simples oração silenciosa. Por outro lado, como se trata de uma

pessoa muito realista e prática, geralmente quando toma uma decisão, esta tende

a ser genuína e, portanto, duradoura.

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28. o ouvinte

o pregador que possui o estilo mental concreto-seqüencial ou metódico tem

facilidade de alcançar esse tipo de ouvinte, pois é lógico que ele vai preparar

um sermão dentro do mesmo estilo. Geralmente esse pregador começa a pre­

parar o sermão pensando no esboço e na seqüência das idéias. Ele precisa visua­

lizar antes uma ordem de argumentos mesmo que essa seqüência mude depois.

Com o esboço em mente, vai pesquisar o seu material em vários livros, analisar

diferentes textos da Bíblia, escolher uma idéia central dominante, fazer uma

lista de argumentos, selecionar três argumentos mais fortes e optar por uma

ordem de prioridade desses argumentos. Baseado nisso, vai definir a estrutura

final do seu sermão. Somente depois vai buscar ilustrações da vida real para

ennquecer a mensagem.

Por possuir um estilo mental organizado e metódico, geralmente esse pre­

gador vai apresentar sermões mais didáticos, com idéias claras e raciocínio fácil

de entender e acompanhar. Por outro lado, apesar da vantagem da clareza,

esses sermões correm o risco de se tornar monótonos ou de parecer uma aula

expositiva. Por isso, o pregador metódico precisa aprender a dar mais vida a

seus sermões. Apresentar uma mensagem com entusiasmo é o grande desafio

do pregador concreto-seqüencial.

Geralmente esse tipo de pregador não gosta muito de fazer longos apelos,

pois o seu estilo é mais baseado na convicção. Contudo, precisa aprender a alcan­

çar outros estilos mentais. Por isso, é importante saber variar seu método para

atingir diferentes pessoas, analisando o comportamento de cada tipo de ouvinte.

Da mesma forma, os pregadores que possuem outros estilos mentais precisam

conhecer o comportamento do ouvinte concreto-seqüencialpara desenvolver uma

estrutura com certa ordem lógica em seu sermão, mesmo que o sermão possua um

método mais livre ou um tema mais teórico. O uso de audiovisual, como filmes,

dramas com enfoque prático, ou músicas, geralmente exerce um efeito poderoso

nesse tipo de ouvinte, já que este possui uma forte sensibilidade sensorial e gosta

de imagens concretas e cenas ou objetos palpáveis.

Dentre os personagens da Bíblia, podemos perceber vários estilos mentais

dominantes. Um exemplo típico do estilo concreto-seqüencialé Lucas, autor do

Evangelho de Lucas e do livro de Atos dos Apóstolos. Ele é o típico escritor que

segue um enfoque prático e seqüência lógica. Já na introdução de seu evangelho,

ele explica claramente a Teófilo, seu ouvinte e destinatário, qual o propósito e o

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tipos de ouvintes e de pregadores • 29

método que ele usou, fazendo questão de afirmar que fez uma pesquisa metó­

dica, ou seja, "uma acurada investigação" para apresentar uma narração e "uma

exposição em ordem" dos fatos a respeito da vida de Jesus (Lc 1.3).

Como o próprio Lucas informa, sua preocupação está voltada para "os

fatos que entre nós se realizararn" (Lc 1.1), ou seja, os eventos concretos e

práticos do ministério de Cristo. De fato, com um enfoque extremamente prá­

tico, Lucas é o evangelho das pessoas, dos oprimidos, dos pobres e dos despre­

zados pela sociedade. Ele estava preocupado com a realidade prática dos

marginalizados pela elite judaica: gentios, publicanos, mulheres, pastores de

ovelhas e os pobres em geral. Mais interessado nos temas práticos da vida

cristã e no povo mais simples, Lucas é o único escritor que menciona em seu

evangelho a visita dos pastores, a conversão de Zaqueu, o contraste entre o

fariseu e o publicano, a ingratidão dos nove leprosos, a restauração do filho

pródigo e a caridade do bom samaritano em seu evangelho.

Além disso, Lucas faz questão de ter uma seqüência lógica e definida. Por

isso mesmo, seu relato segue uma ordem cronológica, começando com os pobres

da Galiléia, ao Norte, onde Jesus foi aceito, até chegar à elite em Jerusalém, ao

Sul, onde Ele foi rejeitado. Na seqüência, Lucas não esquece de mencionar a

região de Samaria, bem no meio, entre a Galiléia e a Judéia. Aliás, Lucas é o

único dos evangelhos em que se relata o ministério de Cristo nessa região discri­

minada pelos judeus.

Lucas começa seu evangelho com os fatos anteriores ao nascimento de

Cristo - incluindo a predição e nascimento de João Batista - e continua toda a

seqüência até a ascensão do Salvador. Mas achando que a seqüência ainda não

está completa, Lucas escreve outro "tratado" a Teófilo, ou seja, o livro de Atos

dos Apóstolos. No início, faz questão de informar que Atos é a continuação do

"primeiro tratado", um relato dos fatos após a ascensão (Atos 1.1-2). Isso evi­

dencia ainda mais a sua preocupação com a seqüência dos fatos.

No livro de Atos, mais uma vez Lucas organiza o relato em ordem crono­

lógica, começando com a recapitulação da ascensão, para estabelecer a seqüên­

cia. Em seguida, narra o ministério dos apóstolos, primeiro em Jerusalém, depois

na Palestina e na Síria, com a pregação de Filipe, Pedro e João, e após a primeira

perseguição à igreja. Prossegue a história relatando a expansão do evangelho aos

gentios nas três viagens missionárias de Paulo. Em uma clara seqüência, apresenta

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30. o ouvinte

como resultado dessas viagens a fundação de várias igrejas. Por fim, Lucas conclui

com a prisão de Paulo em Roma, no final de seu ministério.

Lucas é o típico pensador concreto-seqüencial. Observe que ele trabalhou

sempre no anonimato, não sendo mencionado nem mesmo nos livros que escre­

veu. Em nenhum momento, ele é descrito pregando um sermão para grandes

multidões, fazendo apelos ou batizando milhares de pessoas. Em todo o Novo

Testamento, Lucas é mencionado apenas três vezes, nas quais aparece saudando

as igrejas em companhia do apóstolo Paulo (CI4.14; 2Tm 4.11; Fm 24). Con­

tudo, sua ação é planejada e continuada, tendo sido o único a presentear a igreja

com uma história detalhada da origem e do desenvolvimento da igreja cristã pri­

mitiva. Sem ele, não saberíamos nada do surgimento das várias igrejas da Ásia

Menor e muito pouco sobre as viagens missionárias dos apóstolos.

Quando se colocam nas mãos de Deus, ouvintes e pregadores concreto­

seqüenciais podem oferecer uma contribuição silenciosa, mas de inestimável valor

à causa de Deus.

o ouvinte concreto-randômico ou "prático"

O segundo estilo mental é o concreto-randômico ou prático. Segundo pesquisado­

res, esse é o estilo dominante de aproximadamente 22% da população. Trata-se

do estilo "mãos à obra", que apresenta uma alta capacidade de resolver problemas.

Geralmente em situações de emergência, é o concreto-randômico que toma inicia­

tiva e assume a liderança de imediato em busca de soluções. Se alguém tem uma

crise de saúde inesperada ou um acidente, por exemplo, é o primeiro a socorrer.

Rapidamente dá ordens para que alguém chame a ambulância, enquanto ele

mesmo se empenha em socorrer a vítima. Na vida pessoal, não gosta de receber

ordens, embora tenha muita facilidade de dar ordens. Além disso, detesta rotina e

está sempre disposto a correr riscos em busca de resultados práticos. Como profis­

sional, geralmente se sai bem como empresário, diretor, etc. Muitos dos grandes

inventores possuem esse estilo mental dominante, já que tendem a ser criativos na

solução de problemas e gostam de agir pelo método de tentativa e erro até encon­

trar uma solução satisfatória.

Na igreja, esseouvinte costuma estar sempre em evidência e parece ser o mais

ativo. Geralmente está envolvido na direção de alguma atividade, quer seja um

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tipos de ouvintes e de pregadores _ 31

projeto missionário, uma construção, reformas ou reuniões. Como ouvinte, gosta de

ouvir uma grande variedade de temas, mas tende a ter preferência por sermões

dinâmicos e com enfoque prático que expressem ação, tais como sermões missioná­

rios ou sermões sobre assuntos como: dever cristão, mudança de vida, e assim por

diante. Gosta de fatos concretos e práticos, com ênfase no dever e na ação. Não está

tão preocupado com a ordem ou seqüência das idéias. Quando o pregador começa o

sermão, esse ouvinte espera uma posição firme sobre o certo e o errado, o bem e o

mal; prefere o preto no branco, tudo ou nada. Em geral, não costuma ter muita

tolerância para lidar com a chamada "área cinzenta" da vida cristã, em que as deci­

sões podem depender do contexto ou de fatores culturais. Nesse caso, tende a ser

inflexível quando alguém apresenta uma posição contrária.

Por possuir um raciocínio independente e competitivo, esse ouvinte adora

assumir uma posição em temas polêmicos e está sempre disposto a defendê-la até

a morte! Geralmente não faz a menor cerimônia para discordar e divergir de

quem quer que seja. Por isso, é fã de sermões polêmicos, quer a opinião dele seja

contra ou a favor do pregador. Em ambos os casos, ele vai se envolver diretamente

com o sermão tanto para concordar como para discordar.

Ao ouvir o apelo de um sermão, esse tipo de ouvinte não tem a menor

dificuldade de responder publicamente e atender ao convite de ir à frente. Se

concordar com o sermão, estará pronto a entrar em ação e responder ativamente

ao apelo. Prático e rápido, não precisa de muito tempo para tomar uma decisão.

Pelo contrário, é provável que tome a decisão já durante o sermão, no primeiro

argumento forte do pregador. O apelo apenas dará a ele a oportunidade de expressar

essa decisão. Geralmente é o primeiro a levantar-se num apelo e não tem a menor

cerimônia em atender ao convite do pregador. Com esse tipo de ouvinte, o Espírito

Santo pode trabalhar no nível "motor", ou seja, no sentido de levá-los à ação e à

atividade, pois suas decisões são rápidas, ativas e práticas.

O pregador concreto-randômico ou prático tende a agir da mesma maneira,

apresentando mensagens com forte ênfase no dever e assumindo posições polê­

micas. Contudo, é importante esse pregador desenvolver uma certa flexibilidade

para lidar com diferentes tipos de ouvintes. Conforme a situação, o pregador pode

estimular o debate sobre um tema polêmico, mas é sempre prudente concluir admi­

tindo a interferência de diferentes fatores que podem influenciar na posição final.

Flexibilidade é o grande desafio para esse tipo de pregador.

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32. o ouvinte

Em geral, esse tipo começa a preparar o sermão pensando numa aplicação

prática, antes mesmo de saber qual será o tema do sermão. Muitas vezes o

tema do sermão surge da aplicação que o pregador quer fazer. Com base nela,

ele busca o tema, as ilustrações e assim por diante.

O uso de ilustrações e recursos audiovisuais, por sinal, sempre exerce um

bom efeito sobre o ouvinte concreto-randômico. Aliás, esse é sempre um recurso

poderoso para qualquer tipo de ouvinte.

Talvez o exemplo mais característico de um personagem bíblico concreto­

randômico seja o apóstolo Paulo. Prático, decidido e independente, Paulo não

esperava que ninguém dissesse a ele o que devia fazer. Sua capacidade de deci­

dir e partir para a ação em busca de resultados fez com que ele se tornasse um

gigante nas mãos de Deus, capaz de fundar inúmeras igrejas e propagar o cristia­

nismo pelo mundo conhecido da época. Assim como Deus precisou do metódico

Lucas para relatar a história da Igreja primitiva, também foi buscar Paulo, o con­

creto-randõmico, fora da igreja, no momento em que Ele precisou de alguém foca­

do em resultados para expandir o cristianismo rapidamente pelo mundo. A rapidez

de Paulo para tomar decisões aparece no próprio momento de sua conversão.

Paulo começou a viagem a Damasco perseguindo a igreja e, após um encontro

com Cristo no meio do caminho, terminou a mesma viagem já como um apóstolo.

Ao ouvir a voz de Cristo, observe que Paulo não pediu um argumento doutriná­

rio ou uma explicação teológica. Pelo contrário, sua pergunta imediata evidencia

preocupação com a ação e com o dever: "Senhor, que queres que eu faça?" Quando

Cristo respondeu, Paulo não pediu tempo para pensar. Alimesmo elejá se levan­

tou com a decisão tomada e partiu para a ação.

Típico desse estilo mental, Paulo às vezes era muito combativo, o que o

levou a ser inflexível com Pedro, por considerá-lo "repreensível" (GI 2.11).

Também foi inflexível com Barnabé e com Marcos, a ponto de se desentende­

rem e se separarem na segunda viagem missionária (At 15.37-40). Paulo tinha

dificuldade em tolerar o meio-termo e, como Marcos tinha renunciado ao

ministério uma vez, Paulo o considerava indigno para o ministério. Em outras

palavras, "ou tudo ou nada", bem típico do concreto-randômico,

Muito ativo, Paulo não sabia ficar parado, nem na prisão. Normalmente, um

concreto-randômico não consegue ficarparado muito tempo para escrever, por exem­

plo. Mas foi justamente na inatividade da prisão em Roma, uma tortura para

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tipos de ouvintes e de pregadores _ 33

alguém como Paulo, que ele canalizou toda a sua energia para escrever, aprovei­

tando o tempo parado na prisão. Quando decidiu escrever, a capacidade de pro­

dução de Paulo o levou a escrevero maior número de epístolas do Novo Testamento.

Os escritos de Paulo são típicos de um concreto-randômico. Várias de suas

epístolas demonstram o estilo polêmico, próprio de um pensador combativo. A

epístola aos Romanos, por exemplo, é uma polêmica sobre a fé e as obras. A

primeira epístola aos Coríntios inclui uma extensa seção polêmica sobre deveres e

conduta cristã relacionados ao casamento, à pureza moral e ao comportamento na

igreja. Gálatas, por sua vez, é uma polêmica do começo ao fim sobre a lei e a graça,

e assim por diante. As outras epístolas revelam o cuidado e a orientação pastoral,

típicos de um pastor ativo e prático, que também sabia ser carinhoso e paternal

com suas ovelhas. Em suma, quando pregadores concreto-randômicos se colocam

nas mãos de Deus, não há limites para a capacidade de produzir resultados e

abençoar ouvintes de diferentes estilos mentais.

o ouvinte abstrato-seqüencial ou "intelectual-filosófico"

Embora muitas pessoas tenham um pouco desse estilo mental em maior ou me­

nor escala, os pesquisadores dizem que as pessoas que possuem o tipo abstrato­

seqüencial como dominante constituem apenas 8% da população. Ao contrário

dos dois estilos anteriores mais voltados para fatos concretos e práticos, o ouvinte

abstrato-seqüencial vive mais no mundo das idéias, com muita facilidade para

lidar com temas teóricos. Como bom intelectual, gosta de filosofar, bem como de

analisar e elaborar idéias e pensamentos rebuscados.

Na vida pessoal, é uma pessoa extremamente organizada e minuciosa, muitas

vezes com tendência ao perfeccionismo. Na área profissional, geralmente esse é

o estilo mental dos cientistas, pesquisadores, escritores, compositores e poetas.

Talvez o pequeno percentual desse estilo na população explique o fato de esses

profissionais não serem tão comuns na sociedade.

Na igreja, esse ouvinte representa o idealista que sempre sonha com uma

igreja perfeita em todas as áreas. De vez em quando, procura o pastor para

apresentar uma grande idéia. Geralmente as idéias são excelentes, mas algu­

mas vezes difíceis de se colocar em prática diante da realidade econômica e

cultural. Na maioria dos casos, é o intelectual da igreja, capaz de oferecer uma

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34. o ouvinte

grande contribuição em textos devocionais, por exemplo, ou dirigir seminários

sobre profecias e temas doutrinários.

Como ouvinte, geralmente é o mais exigente e não se satisfaz com qual­

quer tipo de mensagem. Sermões com pouco conteúdo e organização ou prepa­

rados de última hora são um verdadeiro tormento para esse tipo de ouvinte. Sua

grande preferência são os sermões teóricos, de cunho teológico como, por exem­

plo: a natureza divino-humana de Cristo; a personalidade do Espírito Santo; o

processo de justificação; e assim por diante. Ao mesmo tempo, é fã de temas

doutrinários ou de temas que explorem profundamente o contexto histórico e

cultural do texto bíblico. Também gosta de profecia e exegese, e valoriza muito o

sentido original das palavras no grego e no hebraico.

Sermões com apelo não são o lado forte desse tipo de ouvinte. Por ter um

pensamento mais teórico, reluta em tomar uma decisão pública de imediato.

Geralmente precisa de tempo para refletir e analisar todos os aspectos da men­

sagem antes de tomar uma decisão. Essa reflexão é lenta porque ele tem um

raciocínio tipicamente analítico e gosta de organizar as idéias na mente para

ter certeza de que essa é a decisão certa a ser tomada. Por outro lado, costuma

levar muito a sério suas convicções e, se o sermão for convincente o bastante,

pode eventualmente responder a um apelo público.

Nesse ouvinte, o Espírito Santo pode atuar diretamente no nível intelectual,

produzindo a decisãopor meio do raciocínio lógico e da análisedas idéias.É impor­

tante o pregador entender isso para poder alcançar esse tipo de ouvinte.

O pregador abstrato-seqüencialou intelectual-jilosófico vai se comportar de

forma semelhante a esse tipo de ouvinte e, portanto, tem facilidade de alcançá-lo.

Com certeza, a biblioteca desse pregador vai estar repleta de diferentes comen­

tários e dicionários bíblicos, enciclopédias, livros de História do Antigo e do

Novo Testamentos, bem como dicionários de grego e hebraico. Todas essas fon­

tes serão consultadas ou pesquisadas antes de escrever a primeira palavra do

sermão. Sua primeira preocupação ao preparar o sermão é encontrar uma grande

idéia. Enquanto esta não surgir, ele não conseguirá começar a elaborar o sermão.

Encontrada a idéia, ele então desenvolve um esboço. Geralmente o sermão terá

uma extensa parte sobre o contexto histórico e cultural, com muita informação

teórica. Por isso, esse pregador precisa aprender a adaptar sua mensagem para

outros estilos, pesquisando também algumas ilustrações práticas e colocando

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tipos de ouvintes e de pregadores _ 35

um pouco de emoção em suas mensagens. Praticidade é o grande desafio do

pregador abstrato-seqüencial. Para atender a esse desafio, é muito apropriado o

uso de audiovisuais, dramas que misturem raciocínio e ação, e histórias sobre

aspectos práticos da vida cristã.

O estilo mental abstrato-seqüencial tem características bem específicas que

podem ser evidenciadas na vida do apóstolo João. Esse estilo intelectual aparece

nitidamente em seus escritos. Seu evangelho é totalmente diferente dos outros

três, considerados semelhantes e, por isso mesmo, chamados de sinóticos, que

significa "vistos em conjunto". Mateus, Marcos e Lucas concentram seus relatos

em fatos e eventos concretos do ministério de Cristo, tais como seus milagres,

parábolas e ensinos. O apóstolo João, ao contrário, vivia no mundo das idéias, do

pensamento abstrato. Embora apresente vários eventos do ministério de Cristo,

ele está mais preocupado com o significado teológico por trás desses eventos.

A diferença aparece desde o início. Enquanto os outros evangelhos começam

contando os incidentes relacionados com o nascimento de Cristo, João não está

tão preocupado com os fatos e nem sequer menciona o próprio evento do nasci­

mento em si. Pelo contrário, ele já começa o seu livro com uma dissertação teoló­

gica sobre a encarnação do Verbo divino. Enquanto os outros descrevem as cenas

deJesus nascendo de uma virgem, como um bebê numa manjedoura, João discute

o significado do Verbo que se tornou carne para habitar entre nós e salvar a huma­

nidade. Isso é típico de um intelectual de pensamento abstrato.

Da mesma maneira, ele faz questão de relatar: a teologia do novo nasci­

mento no diálogo com Nicodemos; a pré-existência de Cristo no debate com

os fariseus; a teologia da ressurreição final ao ressuscitar Lázaro; a teologia do

Espírito Santo como consolador; e assim por diante.

Assim, quando Deus precisou comunicar a revelação do Apocalipse, Ele

escolheu João, um pensador abstrato-seqüencial que certamente teria facilidade

para dissertar sobre os grandes temas proféticos e descrever minuciosamente os

detalhes das visões proféticas que revelam a trajetória da igreja na profecia. Mesmo

em suas epístolas pastorais, João mistura a sensibilidade pastoral de seus conselhos

com conceitos teológicos como: o Verbo da vida; o amor de fato e de verdade; o

Advogado junto ao Pai; o novo mandamento; e assim por diante. É dessa forma

que João dilui a teologia em conselhos práticos para alcançar todos os estilos de

ouvintes. Qpando o pregador abstrato-seqüencialse coloca nas mãos de Deus, ele

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36. o ouvinte

aprende como João a aplicar conceitos teóricos e temas intelectuais sob a forma de

conselhos práticos para ajudar os diferentes estilos de ouvintes.

o ouvinte abstrato-randômico ou "emocional"

o quarto estilo mental é bem diferente dos anteriores e parece constituir um

grande percentual da população, ou seja, cerca de 40% das pessoas possuem

esse estilo mental como dominante. Se o abstrato-seqüencial vive no mundo

das idéias, o abstrato-randômico vive no mundo das emoções. Como as emo­

ções são o critério básico que motiva as ações, seu comportamento tende a oscilar

entre diferentes pólos de acordo com os sentimentos e com o humor do momento.

Isso faz com que a organização e o compromisso não sejam a sua primeira priori­

dade. Pelo contrário, tanto na vida pessoal como no trabalho, seu ambiente tende

mais para uma certa desordem do que para a ordem e a estabilidade. O impor­

tante é o impulso do momento, as oportunidades do momento, as pessoas do

momento. É comum esse tipo de pessoa marcar dois ou três compromissos ao

mesmo tempo, e a decisão de em qual deles comparecer vai depender do que

estiver sentindo no momento. Geralmente é uma pessoa alegre que facilmente faz

os outros sorrir e se divertir.

Esse foco nas emoções e no momento presente faz desse ouvinte uma

pessoa altamente criativa. E a pessoa criativa tende a criar também suas pró­

prias regras e horários. Na vida profissional, tende a ser bem-sucedido como

artista ou vendedor, pois é dono do seu próprio tempo e tem uma enorme

facilidade de agradar e cativar outras pessoas.

Na igreja, o abstrato-randômico é o mais carismático e sempre gosta de

fazer festa. Geralmente é líder de atividades dos jovens e apresentador de pro­

gramas sociais e confraternizações.

Como ouvinte, tem uma enorme dificuldade de concentrar-se do começo ao

fim, especialmente se o sermão for muito teórico, sério e sem emoção. Quando o

pregador começa o sermão, elejá espera uma história engraçada, dramática ou sen­

timental. Se ela não vem, pode desconcentrar-se facilmente. Gosta muito de ser­

mões sentimentais e sempre tem disposição para sorrir ou chorar durante o sermão.

Quando o sermão cria um clima emocional, um bom apelo facilmente o

atrai e o leva à decisão. Muito sensível a um contexto sentimental, esse ouvinte

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tipos de ouvintes e de pregadores _ 37

se comove facilmente e se sente à vontade para expressar sua decisão publica­

mente. Geralmente não tem nenhum constrangimento em atender ao apelo e

se dirigir à frente, muitas vezes se desmanchando em lágrimas. Provavelmente,

a grande maioria dos que respondem ao apelo em lágrimas pertence a esse

estilo mental. Com esse tipo de ouvinte, o Espírito Santo pode atuar no nível

afetivo, levando-os da emoção à ação.

Geralmente o pregador abstrato-randômico ou emocionalé o mais carismático,

com uma grande facilidade de atrair e agradar o público com mensagens dinâmicas,

histórias bem-humoradas e frases coloridas. É extremamente criativo e nunca lhe

faltam palavras para expressar e transmitir suas idéias. Consegue lidar facilmente

com asemoções e ter a congregação nas mãos, a ponto de levaros ouvintes do sorriso

às lágrimas. É mestre em histórias comoventes e tocantes, causando forte impressão

nos ouvintes. Quando esse tipo de pregador começa a preparar seu sermão, a pri­

meira coisa que lhe vem à cabeça é uma ilustração. Primeiro ele é movido pela

ilustração, sem saber ainda qual será o tema do sermão. Com base na ilustração, é

que surgirão o tema, o esboço, a aplicação e assim por diante.

Por ter muita facilidade com as palavras, às vezes não se preocupa tanto em

investir o tempo necessário no preparo de mensagens mais consistentes. Aliás, é

nessa área que o pregador abstrato-randômico precisa crescer para alcançar outros

tipos de ouvintes, muitos dos quais não se satisfazem apenas com mensagens

sentimentais. Por isso, esse pregador precisa dedicar mais tempo ao estudo, em

busca de uma consistência mais sólida, para que seus sermões alcancem aqueles

que apreciam o raciocínio lógico, o estudo mais profundo e as mensagens mais

concretas. Disciplina própria é o grande desafio do pregador abstrato-randômico.

Dentre as ilustrações mais ricas para o pregador usar com o ouvinte abstrato­

randômico verificam-se histórias comoventes, imagens coloridas, dramas que en­

volvam cenas emocionais, entrevistas, testemunhos e, sobretudo, um clima de

celebração e louvor na adoração.

Um personagem da Bíblia que retrata quase com perfeição o estilo mental

abstrato-randômico chama-se apóstolo Pedro. Sua personalidade impulsiva e ins­

tável o fazia com freqüência oscilar de um pólo a outro como, por exemplo,

negando a Cristo três vezes na mesma noite em que estava disposto a morrer

por Ele, ou andando fervorosamente sobre as águas minutos antes de se afundar

nas profundezas do Mar da Galiléia, por causa de dúvida e falta de fé.

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38. o ouvinte

No ministério, o apóstolo Pedro era o típico pregador abstrato-randômico.

Impulsivo na vida pessoal, era também o primeiro a discursar, quando percebia

uma oportunidade de evangelização, como no caso do dia de Pentecostes quando

a multidão se dividia entre admiração e crítica diante do fenômeno do dom de

línguas (At 2.14). Carismático e eloqüente, conseguia atrair multidões e man­

tê-las eletrizadas em seus sermões, como nesse caso do dia de Pentecostes.

Também não tinha a menor dificuldade em apelar aos ouvintes. Seus apelos

comoventes convidavam a multidão diretamente para o batismo (At 2.38),

sendo capaz de num só apelo levar três mil ouvintes ao batismo sob o poder do

Espírito Santo (At 2.41).

Sempre disposto a atender à necessidade presente e a seguir o impulso do

momento, Pedro não tinha muita paciência para sentar e escrever longas cartas ou

mensagens teológicas, até porque o raciocínio intelectual não era o seu lado mais

forte. Mesmo assim, sua preocupação pastoral levou-o a escrever duas epístolas

que refletem bem o seu estilo mental. Primeiro, não conseguia gastar tempo escre­

vendo uma carta para cada igreja, como fizeram Paulo e outros autores. Por isso,

escreveu uma carta circular para todo mundo de uma só vez, como ele mesmo

indica na introdução: "Aos forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadó­

cia, Ásia e Bitínia" (lPe 1.1). Ou seja, de uma sentada só ele escreveu para meio

mundo. A segunda epístola seguiu exatamente o mesmo padrão e também foi

produzida como uma carta circular "aos que conosco obtiveram fé", ou seja, foi

endereçada a todo mundo que um dia aceitou a mensagem de sua pregação.

Alguns comentaristas acreditam que o público da segunda epístola é exatamente

o mesmo da primeira, pois Pedro se dirige aos leitores afirmando que escrevia a

eles pela segunda vez (2Pe 3.1).

Por serem cartas circulares, o conteúdo logicamente não poderia ser muito

específico.Por isso,suas cartas não têm um tema central único. São uma coleção de

conselhos pastorais, o que é bem típico desse estilo mental, que procura atender ànecessidade percebida sem se preocupar muito com a elaboração de uma estrutura

temática centralizada. Por isso, seus conselhos abrangem: a fé; o comportamento

cristão; a cidadania exemplar; a lealdade; e o preparo para avolta de Cristo. Ou seja,

são temas gerais que se aplicam a todos os leitores ao mesmo tempo.

Finalmente, a curta extensão das epístolas também evidencia que Pedro

era mais produtivo em outras áreas de atividade do que na área intelectual ou

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tipos de ouvintes e de pregadores • 39

editorial, pois a primeira epístola contém apenas cinco capítulos e a segunda,

apenas três capítulos. Como um abstrato-randômico animado e falante, Pedro era

um pregador de grande público e de mensagens comoventes, e não necessaria­

mente um grande escritor. Da mesma maneira, pregadores e ouvintes abstrato­

randômicos podem colocar-se nas mãos de Deus para servi-lo de acordo com seu

próprio estilo mental, buscando dentro do possível alcançar outros ouvintes, as­

sim como Pedro o fez através de suas curtas epístolas destinadas a todos os tipos

de ouvintes.

Em suma, esses quatro estilos mentais de ouvintes constituem apenas uma

tentativa de visualizar como a maioria das pessoas se comporta ao ouvir ou pre­

gar um sermão. Na realidade, cada pessoa é um universo complexo e esses qua­

tro estilos básicos poderiam ser subdivididos em inúmeras outras categorias. No

entanto, essa síntese de estilos mentais nos ajuda a entender melhor o comporta­

mento de ouvintes e pregadores, para abordar melhor a mensagem para diferen­

tes tipos de pessoas.

Além desses estilos, também podemos verificar a existência de inúmeros

fatores culturais influenciando a cabeça de todos os ouvintes. Essas influências

mudam com o tempo e contexto de diferentes épocas.Um exemplo dessas influên­

cias culturais nos dias de hoje é a chamada mentalidade pós-moderna, com sua

pluralidade de idéias e pontos de vista. Entender o que se passa na cabeça do

ouvinte pós-moderno é um grande desafio para qualquer pregador. É justamente

esse desafio que será discutido no próximo capítulo.

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Capítulo 2

Visões de mundo doouvinte pós-moderno

"Nâs não vemos as coisas como elas são, e sim como nós somos."

PROVÉRBIO JUDEU

Imagine alguém que uma pessoa se ausentou da igreja durante muito tempo.

Trinta anos depois, ela resolve retornar e visitar novamente a mesma igreja

que freqüentara antes. Ao entrar no momento do culto, o que ela vai ver e

ouvir? Com certeza, ela vai ver rostos novos, pessoas diferentes, talvez mudan­

ças na decoração interior. Contudo, provavelmente o programa do culto será

basicamente o mesmo. Ela vai ouvir muitos dos mesmos hinos, o som do órgão

ou do piano, o canto do coral, e na seqüência virá um sermão provavelmente

não muito diferente do estilo de vinte anos atrás. O que isso nos diz? Alguma

coisa deixou de mudar. De fato o conteúdo da adoração e da mensagem é

bíblico, e, portanto, não deve mudar. Mas será que se pode dizer o mesmo do

formato? Será que um formato de pregação que foi consagrado como uma

bênção poderosa na vida de uma geração deve por isso permanecer inalte­

rado para todas as gerações posteriores? Essas perguntas são oportunas e

exigem uma reflexão e análise mais profunda. Essa análise será o tema dos

próximos parágrafos.

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42 • o ouvinte

Do Classicismo 00 Pós-Modernismo

Richard Tarnas organiza cronologicamente a História Ocidental de acordo

com três visões de mundo associadas às três maiores eras que tradicionalmente

distinguem o pensamento ocidental, ou seja, a Era Clássica, a Era Medieval e

a Era Moderna.'

A Era Clássica

A Era Clássica começa com Homero e com a visão de mundo baseada na mito­

logia grega, com todo o humanismo incluído nas tragédias dos mitos gregos.

Depois, a Grécia se torna o berço da Filosofia, no final do século VII e início do

século VI, com Tales de Mileto e sua cosmologia buscando uma explicação natu­

ral para a origem do mundo e para as transformações da Natureza por meio da

observação e do raciocínio. Os elementos da Natureza como terra, água, ar e

fogo se tornam as fontes primárias de conhecimento. Em seguida, aparece Pitá­

goras, com seus estudos de matemática, música e movimento dos planetas, ao

mesmo tempo que continuava atraído pelo mistério dos deuses. Nessa evolução

da filosofia, surgem os filósofos sofistas, professores itinerantes que ofereciam

instrução intelectual e orientação prática para o sucesso nas atividades pessoais e

profissionais. Propunham a aplicação do racionalismo aos negócios humanos, à

política e à ética, promovendo uma espécie de transição entre a era do mito e a

era da razão prática. Segundo eles, o homem era a medida de todas as coisas.

No meio dessa tensão entre a tradição olímpica e o intelectualismo, surge

Sócrates, o primeiro grande filósofo, que, em contraste com o conhecimento

mitológico, propôs o autoconhecimento como a base de todo conhecimento,

por meio de sua famosa expressão "conhece-te a ti mesmo". Para Sócrates, a

virtude é o conhecimento obtido pela razão, e Deus é a razão perfeita e o fim

último da felicidade suprema do sábio.

Platão parte dos conceitos de seu mestre Sócrates e propõe a existência do

mundo das idéias por trás do mundo material, ou seja, o mundo visível seria

1 Richard Tarnas, ,The Passion ofthe Western Mind, p. 1-2.

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visões de mundo do ouvinte pós-moderno _ 43

apenas uma cópia imperfeita da realidade absoluta que é a idéia, a verdadeira

essência das coisas materiais. Para Platão, a idéia como essência escapa à per­

cepção dos sentidos, e descobri-la é o fundamento de todo conhecimento. Nesse

contexto, Deus é a idéia do bem absoluto e fonte de todas as virtudes e da

felicidade humana.

O discípulo e admirador mais ilustre de Platão foi Aristóteles. Contudo,

ao contrário de seu mestre, Aristóteles desenvolve a filosofia da realidade mate­

rial, baseada na observação fiel e metódica da Natureza e na lógica do pensa­

mento organizado para explicar os fenômenos visíveis. Para Aristóteles, Deus

é a mente pura, sem componente material. A felicidade é o fim supremo do

homem. E a virtude é a bondade e a prática do bem, em contraste com o mero

conhecimento do bem proposto por Sócrates e Platão.

Finalmente a Era Clássicavai culminar com a ascensãodo Império Romano

e o desenvolvimento do pensamento legal dos romanos, também derivado da

filosofia grega, mas com aplicações práticas ao comércio, à política, e à legisla­

ção da propriedade privada. Considerada como um bloco único, a civilização

clássica greco-romana floresceu e declinou no curso de aproximadamente mil

anos, dando lugar ao surgimento de uma nova visão de mundo: o cristianismo,

oriundo dos ensinos de um jovem líder judeu, Jesus de Nazaréf

A Era Medieval

O Cristianismo trouxe para o mundo pagão um novo senso de santidade da

vida humana, do valor espiritual da família, da superioridade espiritual do

altruísmo sobre o egoísmo, da santidade sobre a ambição, da bondade sobre a

violência, e do perdão sobre a vingança. O cristianismo também presenteia o

mundo com a nova perspectiva do amor cristão, totalmente diferente da visão

passional de Afrodite, deusa grega do amor e da beleza, ou de seu filho Eros,

deus do desejo sexual, os quais foram adaptados na mitologia romana como

Vênus e Cupido, respectivamente. Ao contrário da paixão grega, o amor cris­

tão propõe a compaixão bíblica, associada aos ideais sublimes da caridade, do

2 Richard Tarnas, ,The Passion of tbe Western Mind, p. 89.

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44 • o ouvinte

serviço e do sacrifício pelo bem da pessoa amada. Essa nova visão de mundo

foi uma das maiores revoluções no pensamento humano ao longo da história.

E, por isso mesmo, dividiu a história em dois blocos distintos - antes e depois

de Cristo - estabelecendo a Era Cristã, também conhecida historicamente

como Era Medieval.

Mas, longe dos princípios cristãos, a Era Cristã-Medieval também teve

seu lado negro, marcado por intolerância, perseguição, violência, e disputas

pelo poder. Serve de exemplo a inquisição com a tortura dos dissidentes. Outro

exemplo desse lado sombrio são as famosas Cruzadas que começaram em 1096

d.C., na tentativa de libertar a cidade santa de Jerusalém do controle islâmico.

Ao todo foram oito cruzadas que, após batalhas sangrentas, terminaram ou

com sucesso parcial ou com derrota e completo caos. Segundo Black, é uma

das ironias da história o fato de mais de quatro séculos de guerra terem sido

dedicados a promover pretensamente os ensinos do Príncipe da Paz!'

Num sentido mais filosófico e cultural, pode-se dizer que a Era Medieval

parte do monoteísmo judaico com a divinização da História e se cristaliza com

a visão de mundo do cristianismo - incluindo os ensinos dos pais da igreja e

indo até o apogeu da Igreja Católica Romana, com o predomínio e a suprema­

cia do papado e dos dogmas da Igreja sobre a cultura e a ciência.

A cultura medieval foi marcada inicialmente pela filosofia patrística, ou

seja, pelos ensinos dos padres da igreja que buscavam disseminar o cristianismo

e defendê-lo dos ataques pagãos. Vivendo num ambiente profundamente influen­

ciado pela cultura grega, os padres serviram-se da filosofia e do raciocínio gregos

para esclarecer as verdades evangélicas e refutar, com as mesmas armas filosófi­

cas, as críticas dos pensadores pagãos. O maior filósofo desse período foi Agos­

tinho (354-430 d.C.), que se inspirou em Platão para afirmar: o dualismo cósmico

entre matéria e espírito; a existência do ego na alma humana; a predestinação

universal; e o pecado original como explicação para o sofrimento humano.

Após a queda do Império Romano em 476 d.C., com a deposição do

último imperador pelos bárbaros, pouco a pouco diminuem as guerras e invasões

e começa um período de maior estabilidade política e social na Europa. Isso

3 Jeremy Black, Encyclopedia ofWorld History, p. 286.

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visões de mundo do ouvinte pós-moderno .45

possibilitou que as escolas saíssem dos mosteiros, catedrais e palácios para flores­

cer nas cidades junto a escolas públicas e corporativas, chamadas escolas monás­

ticas que posteriormente deram origem à universidade no século XII. Todas

permaneciam sob o controle da igreja. Com essa expansão, surge a filosofia

escolástica, um movimento intelectual que cresceu nas escolas monásticas e

universidades. O maior filósofo escolástico foi Tomás de Aquino (1225-1274

d.C.), que, com base na filosofia e método de Aristóteles, buscou harmonizar

a razão com a fé, combinando a lógica com a tradição e valorizando a experiên­

cia sensorial na busca de evidências do mundo espiritual.

A Era Moderna

Finalmente, a Era Moderna começa com a Renascença e sua mudança radical no

campo da religião, da ciência, da filosofia, das artes e da literatura. Parece que tudo

começou ao mesmo tempo. Por um lado, a Reforma Protestante desafia a autorida­

de papal, com as 95 teses de Lutero em 1517, e lança as bases para o pensamento

independente e para a rejeição da autoridade religiosa absoluta. Por outro lado, na

mesma época, ao divulgar seus manuscritos em 1514, Copérnico começa a revolu­

ção científica com sua hipótese do heliocentrismo, ou seja, de que a Terra gira em

torno do Sol. Quase um século depois, em 1609, Kepler confirma a hipótese de

Copérnico ao estabelecer matemática e geometricamente a estrutura do sistema

planetário. No mesmo ano, o telescópio de Galileu amplia a compreensão do uni­

verso ao descobrir a existência da Via Láctea com sua incrível infinidade de astros

individuais. Faltava entender como é que todos esses astros se mantêm organizados

no universo. É aí que Isaac Newton descobre que a lei da gravitação universal sus­

tenta os astros fixosem suas órbitas ao redor de outros corpos celestes, completando

assim a revolução científica com a publicação de seus princípios pela Sociedade Real

de Londres em 1687. 4

A Era Moderna também presencia a revolução filosófica, com o empirismo

e experimentalismo de Bacon e o racionalismo de Descartes, que forneceram

uma contribuição filosófica para o método científico como forma de adquirir

4 Richard Tarnas, op.cit, p. 248-271.

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46 • o ouvinte

conhecimento por meio da observação experimental e soberania da razão. O

primeiro grande filósofo do período moderno foi René Descartes (1596-1650),

com seu conhecido método da dúvida. Segundo ele, duvidar de tudo e de todos

é o caminho para fazer o homem pensar. Assim, a única coisa de que a pessoa

não deve duvidar é a de estar constantemente duvidando, o que, na opinião dele,

é a mesma coisa que pensando. Esse raciocínio o levou à conclusão que gerou

sua famosa frase: "Penso, logo existo!" Ou seja, a única certeza de uma pessoa é

a existência de si próprio, e, para ter essa certeza, a pessoa deve pensar. Do con­

trário, a sua existência não será real. É evidente que Descartes ressaltou o grande

valor do pensamento humano. Contudo, levado a um extremo, esse raciocínio o

levou a definir a si mesmo como nada mais nada menos que uma mera "coisa

pensante", qualquer que seja essa coisa." Embora tenha o mérito de valorizar o

pensamento humano, esse conceito despreza outros atributos da pessoa humana,

tais como origem, destino, responsabilidade moral e natureza espiritual. O

Modernismo culmina com a visão de mundo do secularismo científico, entro­

nizando a razão acima da religião.

Depois de fazer a descrição dessas três eras, Tarnas conclui a sua abor­

dagem apresentando o que ele chama de transformação da Era Moderna, que

inclui a nova visão do ser humano e a influência do inconsciente desenvolvida

por Freud. Além disso, a autocrítica do próprio Modernismo representada

pelos filósofos como Locke, Hume e Kant, os questionamentos científicos

de Goethe, Hegel e Jung, e a visão existencialista de Sartre também abriram

caminho para essa transformação, isto é, para o desenvolvimento da menta­

lidade pós-moderna.

É importante ressaltar que qualquer divisão da História em "eras" ou

"visões de mundo" não é completa e não pode em si fazer jus à complexidade e

diversidade do pensamento ocidental ao longo de todos esses séculos. Por isso,

qualquer classificação tem principalmente uma função didática, tendo em vista a

organização do relato. Mas uma coisa parece clara: O pensamento grego influen­

ciou todas as eras posteriores, e os valores intelectuais gregos permanecem tão

relevantes hoje como no quinto século antes de Cristo. Em outras palavras,

5 James W. Sire, O Universo ao Lado, 2001.

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visões de mundo do ouvinte pós-moderno .47

nossa maneira de pensar até hoje ainda é profundamente grega em sua lógica

subjacente. Assim, para entender nossa própria mentalidade, precisamos levar

em consideração a maneira grega de pensar que revela: uma tendência ao estilo

curioso, inovador, crítico e cético ao que é convencional; uma busca de ordem

e significado; e, sobretudo, um dualismo no sentido da preocupação com os

opostos - vida e morte; matéria e espírito, e assim por diante." Esse pano de

fundo grego está por trás do pensamento humano em diferentes eras.

A pregação bíblica em diferentes eras

Analisando o pensamento religioso ao longo dos séculos, Ronald Allen divide a

cultura ocidental em três eras distintas que elechama de Pré-Modernismo, Moder­

nismo, e Pós-Modernismo." Allen começa sua abordagem após o surgimento da

Igreja Cristã, chamando de Pré-Modernismo todo o período da Idade Média

anterior à Era Moderna e discutindo o contexto religioso de cada período. Nos

tópicos abaixo, fazemos uma breve reflexão sobre os desafios da pregação bíblica

diante da realidade de cada época.

A pregação na Era Pré-Moderna

o Pré-Modernismo, no sentido religioso e filosófico, compreende o período

anterior ao Iluminismo que floresceu na Europa na metade do século XVIII.

No contexto do pensamento filosófico num sentido mais amplo, pode-se consi­

derar como Pré-Modernismo todo o período coberto pela Idade Média até a

Renascença. Trata-se de uma época caracterizada por um respeito incondi­

cional à tradição como principal fonte de autoridade e significado, a ponto

de o próprio pensamento científico ter de se submeter à aprovação da Igreja e

da tradição. Qualquer dissidência da autoridade da Igreja nesse período era

punida pela Inquisição, como foram os casos do cientista Galileu Galilei,

6 James W. Sire, O Universo ao Lado, p.2.

7 R. J. Al1en,B. S. Blaisdell, & S. B.johnston. Theologyfor Preaching: Authority, Truth and

knowledge ofGod in a Postmodern Ethos, 1997.

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48 • o ouvinte

condenado pela igreja por ensinar que a Terra girava em torno do Sol, e do refor­

mador Martinho Lutero, condenado por ensinar que a salvaçãoera obtida unica­

mente pela fé.

O autoritarismo desse período se refletia também na pregação bíblica. O

pregador pré-moderno simplesmente assumia a autoridade da Bíblia e da dou­

trina cristã como norma de vida, o que raramente seria questionado por alguém.

Os fiéis pautavam sua vida pelos ensinos da igreja e das autoridades religiosas.

O pregador não tinha de convencer as pessoas a aceitarem a Bíblia. Sua missão

era ensinar a Bíblia, e cabia ao ouvinte obedecer o que era ensinado. Autori­

dade era o foco da pregação bíblica.

A pregação na Era Moderna

Diferente do Modernismo artístico e literário do século XX, a chamada Era

Moderna começou com a Renascença e com o Iluminismo dos séculos XV11 e

XV1II, culminando com a Revolução Francesa em 1789, como reação ao tradicio­

nalismo da Era Pré-Moderna. Em contraste com o respeito à tradição, a Era

Moderna exaltou a ciência e a razão como fonte suprema de autoridade e único

caminho para o conhecimento da realidade. Em vez de a autoridade eclesiástica

ser o centro do universo, o homem passou a sê-lo. A fé e a razão tornaram-se

domínios opostos, separados e considerados incompatíveis.

Nesse contexto racionalista, qualquer informação para ser considerada verda­

deira tinha de ser testada pela experimentação científica e comprovada pela

observação sensorial. O que não pudesse ser observado pelos sentidos não mere­

cia crédito. Conseqüentemente, como a Bíblia não podia ser testada em laborató­

rio, e suas histórias e milagres não eram observáveis, a Bíblia passou a ser tratada

com descrédito e desprezo pelo mundo intelectual e pela sociedade materialista

desse período. Era vista como um mero produto de superstição. Assim, o grande

desafio para o pregador na Era Moderna era ajudar o ouvinte a aceitar a credi­

bilidade da revelação bíblica e a crer: nos eventos sobrenaturais - como criação,

encarnação, ressurreição e ascensão -; e nas doutrinas - como salvação, fé, novo

nascimento, etc. A fé e a lógica doutrinária eram o foco da pregação bíblica, na

tentativa de unir a fé com a razão. Para conseguir essa combinação, a fé devia ser

apoiada por evidências da historicidade, veracidade dos eventos bíblicos e lógica

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visões de mundo do ouvinte pós-moderno • 49

da argumentação doutrinária. Foi nesse período que se tornaram famosas as esca­

vações arqueológicas, com a finalidade de documentar e comprovar as evidências

científicas sobre a historicidade da Bíblia e do relato evangélico.

A pregação na Era Pós-Moderna

Mas o mundo cansou da lógica, do racionalismo e do materialismo científico da

Era Moderna. Pouco a pouco, a humanidade desencantou-se com a ciência ao

perceber que a lógica, a razão e o pensamento científico, em vez de resolverem os

problemas da humanidade, em certo sentido os agravaram. As pessoas parecem

estar cada vez mais inseguras, desditosas, ansiosas, violentas, infelizes e muitas

vezes deprimidas diante de problemas insolúveis.A ciência e a tecnologia aumen­

taram o progresso material, mas o materialismo e o progresso não tornaram as

pessoas melhores ou mais felizes. Frustrada, a humanidade começou a perder a

crença nas promessas da ciência e parece estar perdendo a esperança de encontrar

algo seguro em que confiar. Com esse sentimento de desilusão, as pessoas se de­

cepcionaram com a ciência, a sociedade, as instituições, as regras e convenções

sociais. Começaram a voltar-se para dentro de si mesmas em busca de algo que

pudesse satisfazê-las de alguma maneira. E já que os fatores externos falharam,

provavelmente a própria pessoa é que tem condições de saber ou descobrir o que

é melhor para si mesma. Assim, cada um torna-se o ponto de referência para seu

próprio padrão de conduta ou crença.

Esse sentimento de vazio deixa as pessoas apáticas com relação a qual­

quer instituição ou tradição da sociedade. Essa atitude de não comprometi­

mento com tudo e com todos tem se refletido na literatura, na música, na

mídia, nos filmes, nos divertimentos, na vida social, na educação, na cultura e

na religião. Como essa é uma tendência social recente, os autores de diversas

áreas chamam esse movimento de Pós-Modernismo, numa tentativa de expli­

car esse fenômeno que tem mudado totalmente o estilo de vida das pessoas.

Claramente cresce cada vez mais o consenso de que o mundo já entrou numa

nova era cultural e social.

Mas o que é o Pós-Modernismo? O que significa tudo isso? Desde quando

surgiu o Pós-Modernismo? Essas são boas perguntas que não possuem respostas

claras.Segundo alguns autores, a origem do termo remonta ao início do séculoXX,

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so • o ouvinte

quando foi usado como referência às novas tendências da época. Contudo, só passa­

ria a descreveruma mudança no pensamento humano algumas décadas mais tarde.8

Allen afirma que vários elementos do Pós-Modernismo se formaram pouco

a pouco dentro do período moderno. Segundo ele, porém, o Pós-Modernismo

somente passou a ser amplamente reconhecido como um novo fenômeno cultural a

partir da década de 1970. 9 james Sire oferece uma explicação sobre a origem do

termo nas seguintes palavras:

Considera-se que o termo Pós-Modernismo surgiu primeiro como uma referên­

cia à arquitetura, quando os arquitetos se distanciaram das formas simples e

sem adorno, das caixas de concreto impessoais, dos vidros e do aço para formas

complexas, esboçando motivos do passado sem relação com a sua proposta ou

função original. Porém, quando o sociólogo francês Jean François Lyotard utili­

zou o termo pós-moderno para sinalizar uma mudança na legitimação cultural, o

termo tornou-se uma palavra-chave na análise cultural. Em resumo, Lyotard

definiu pós-moderno como "a incredulidade voltada às metanarrativas."1O

Metanarrativa é um termo que Lyotard usa para se referir ao conceito de

história, quer seja regional ou universal, secular ou religiosa. Nesse contexto, o

Pós-Modernismo entende que não existe uma história única ou uma visão de

mundo única, mas cada pessoa ou cultura possui a sua própria versão da história e

da realidade, escolhendo a sua própria cosmovisão ou maneira de ver o mundo.

Em outras palavras, cada povo tem a sua própria história ou metanarrativa que

reflete a maneira como esse povo vê o mundo ou se vê perante o mundo. Da

mesma forma, cada religião ou denominação tem a sua própria visão da realidade,

construindo assim uma metanarrativa que reflete a sua cultura religiosa e preserva

os interesses do seugrupo religioso. Nesse sentido, como um produto cultural, toda

religião é igualmente boa e apropriada para a sua própria cultura, não havendo

8 Stanley Grenz, A Primer on Postmodernism, p. 15-16.

9 R. J. Allen, B. S. What does Postmodernism has to do with Preaching? In R. J. Allen, B.

S. Blaisdell, & S. B.Johnston, Theologyfor Preaching:Authority, Truth and knowledge rfGod in

a Postmodern Ethos, p. 17.

10 James Sire, W. op. cit., p. 214.

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visões de mundo do ouvinte pós-moderno _ 51

nenhuma religião que seja melhor ou superior a qualquer outra. Em outras pala­

vras, as chamadas metanarrativas podem ter um valor cultural e local, mas não têm

nenhuma validade universal e nenhuma credibilidade absoluta.

É nesse contexto que a Pregação Bíblica se encontra hoje. É esse o público que

ela busca alcançar. O grande desafio hoje é entender a mentalidade dessa geração e

apresentar mensagens relevantes para esseouvinte desencantado, apático, relativista,

subjetivo e independente de qualquer ideologia ou instituição. O grande problema

da pregação hoje é que muitos pregadores ainda continuam se posicionando no

autoritarismo do Pré-Modernismo, ou defendendo a lógica doutrinária do Moder­

nismo, enquanto o ouvinte pós-moderno não está "nem aí"para uma coisa ou outra.

A preocupação principal desse ouvinte é o seu sentimento interior. Portanto, é pre­

ciso muita sabedoria e iluminação do Espírito Santo para que a pregação de hoje

faça sentido para essa geração. Para entender melhor esse ouvinte, o tópico seguinte

discute algumas das principais características do pensamento pós-moderno.

Características do Pós-Modernismo

É difícil entender o Pós-Modernismo porque ele não é uma filosofia, doutrina ou

conceito, mas uma mistura de tudo isso e muito mais, variando de pessoa para

pessoa, segundo a perspectiva de cada um. Para obter uma compreensão mais

ampla do termo, é importante conhecer algumas de suas raízes filosóficas. Dentre

os expoentes que mais influenciaram o Pós-Modernismo está o filósofo alemão

Friedrich Nietzsche (1844-1900), com sua famosa declaração sobre a 'a morte de

Deus. "Diferente do que muitos pensam, Nietzsche não se referia à morte literal

ou à inexistência de Deus, mas sim à rejeição da crença numa ordem cósmica e da

crença numa lei moral universal com valores absolutos impostos aos seres huma­

nos. Em outras palavras, eliminando os mandamentos e as proibições do Deus

cristão, os seres humanos seriam capazes de desviar os olhos do mundo sobrenatu­

ral e reconhecer os valores deste mundo natural. Isso daria ao homem a liberdade

de tornar-se algo novo, diferente e criativo, sem depender da bagagem do passado."

11 Cf. God is Dead. Wilkipedia, lhe Free Encyclopedia, em: http://en.wikipedia.org/wiki/

God_is_dead, acessado em 10 de fevereiro de 2005.

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52 • o ouvinte

As idéias de Nietzsche iriam influenciar também o conceito niilista de Jean-Paul

Sartre (1905-1980), que propunha a "crença no nada." Assim, com a ausência de

um Deus com propósito para os humanos, nós chegamos a este mundo com nada,

a não ser com a nossa própria existência. Não temos outra escolha na vida a não ser

decidir quem somos e inventar nossa própria essência, pois não somos uma enti­

dade, mas apenas um projeto constantemente se tornando alguma coisa.F

Essas idéias filosóficas ajudam-nos a entender por que o Pós-Modernismo é

tão complexo e confuso. De fato, não existe uma visão da realidade ou visão de

mundo pós-moderna que possa ser comparada com a cosmovisão cristã ou qual­

quer outra, tendo em vista que, na era pós-moderna, cada pessoa pode escolher

sua própria visão de mundo diferente de qualquer outra, sendo todas elas válidas

e aceitas. O que determina a realidade é o sentimento interior de cada pessoa. A

era de a razão determinar a realidade já ficou no passado. Agora é o sentimento

individual que determina a realidade que cada pessoa quer viver e em que deseja

acreditar. Essas idéias influenciam a literatura, a cultura e o pensamento atual de

tal forma que aospoucos se tornam presentes na mídia e no dia-a-dia das pessoas.

Um exemplo prático talvez ajude a ilustrar a influência do Pós-Modernis­

mo na vida diária da geração atual. Ao assistir a um videoclipe musical da maioria

dos cantores populares de hoje, tente, por exemplo, organizar numa seqüência a

história contada pelas imagens apresentadas no videoclipe. Qual é o sentido lógi­

co expresso pelas imagens apresentadas? Na grande maioria dos casos não existe

nenhuma lógica nas imagens. Isso é exatamente o que os autores querem, pois o

que interessa não é a lógica que está na mente do autor ou do cantor, e sim o

sentimento pessoal que está na mente do telespectador. Cada um construirá uma

história que faz sentido para si próprio a partir daquelas imagens. Isso leva à

reprodução de significados diferentes para cada ouvinte. Em outras palavras, a era

da lógica e da razão já passou, agora o que interessa é o sentimento pessoal de cada

ouvinte, individualmente.

Dessa forma, não existe uma definição única e precisa de Pós-Moder­

nismo, visto que não se trata de uma filosofia ou conceito, e sim de uma plurali­

dade de idéias, experiências e estilos de vida determinados pela preferência e

12 Jeremy Black, Encyclopedia 0/World History, p. 307.

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visões de mundo do ouvinte pós-moderno • S3

pelo gosto individuaL Portanto, sem pretender definir, mas numa tentativa de

descrever diferentes aspectos do Pós-Modernismo, vamos resumir a seguir uma

lista de características gerais e implicações práticas do Pós-Modernismo para o

estilo de vida das pessoas.

Cada pessoa escolhe o sua próprio verdade

Como diz Sire, o Pós-Modernismo assume que "a verdade sobre a realidade está

para sempre oculta de nós. Tudo o que podemos fazer é contar histórias."13 Em

outras palavras, se é que existe uma verdade única, não nos é possível conhecê-la.

Portanto, a verdade depende da percepção de cada pessoa, e cada um faz a sua

própria verdade. Isso coloca a opinião pessoal em pé de igualdade com qualquer

outra opinião, inclusive com a opinião da Bíblia. Esta pode passar a ter um valor

igual ao de qualquer outro livro sobre religião, dependendo do ouvinte.

Ninguém tem autoridade sobre ninguém

Considerando que a autoridade vem de dentro e não de fora das pessoas, qualquer

tentativa de impor a autoridade de alguém sobre outros é vista como uma atitude

arrogante, suspeita e manipuladora. Nesse contexto, a geração pós-moderna rece­

be a orientação dos pais, professores, líderes religiosos e da própria Bíblia como

mera opinião pessoal, que pode ser respeitada como tal, mas sem nenhum direito

de imposição. Cada pessoa começa então a decidir o que é recomendável e aceitá­

vel para si próprio.

Moralidade é questão de gosto

Tendo em vista que o indivíduo determina o que é bom para si próprio, não

existem padrões morais absolutos. Tudo se torna relativo. As noções de certo ou

errado dependem do contexto e da opinião de cada um, sem designar nenhum

significado universal ou absoluto. Como afirma Johnston, o bem e o mal, e o

13 James Sire, W. op. cit., p. 219.

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54 • o ouvinte

certo e o errado são meras construções sociais. Cada indivíduo formula o que é

moralmente aceitável para si próprio. De fato, para a mentalidade pós-moderna

não existe nada mais detestável do que alguém querer impor seu padrão de mora­

lidade sobre outras pessoas." Afinal, tanto a moralidade quanto a religião são

questões de gosto, e gosto não se discute. Nesse contexto, desmoronam todas as

barreiras éticas e comportamentais defendidas pela religião, inclusive as tradicio­

nais distinções entre os sexos. De fato, cada vez mais a opção entre heterossexua­

lidade, homossexualidade e bissexualidade passa a ser vista como assunto de mera

preferência sexual de acordo com a diversidade cultural das pessoas, sem nenhu­

ma implicação moral ou espiritual. O mesmo ocorre com a opção de usar drogas,

o que é visto como uma mera opção pessoal.

Busca por espiritualidade sem religiosidade

A geração pós-moderna é aberta a diferentes experiências espirituais, desde que

estas não sejam regidas ou governadas por imposições ou regras religiosas.

Para a mentalidade pós-moderna, espiritualidade e religiosidade são coisas opos­

tas. Ou seja, espiritualidade é uma experiência informal altamente individual,

enquanto religiosidade envolve um compromisso formal com uma instituição

religiosa, o que não faz sentido algum na visão pós-moderna.

É curioso que, ao mesmo tempo que a influência da religião institucional

vem declinando desde a Era Moderna, a sensibilidade espiritual e religiosa em

si parece ser revitalizada pela nova ambigüidade da Era Pós-Moderna. A reli­

gião contemporânea, influenciada pelo pluralismo, busca novas formas de ex­

pressão e novas fontes de inspiração e iluminação, variando desde o misticismo

oriental e a auto-exploração psicodélica até a teologia da libertação e a espi­

ritualidade da ecologia. Em outras palavras, o mesmo individualismo secular

que decreta o declínio da religião tradicional desenvolve também uma nova

orientação religiosa e uma maior autonomia espiritual, fazendo com que as

14 Craham Johnston, Preaching to a Postmodern World: A Cuide to Reaching Twenty-first

Century Listeners, p. 40.

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visões de mundo do ouvinte pós-moderno • SS

pessoas se sintam livres para elaborar o seu próprio relacionamento com as ques­

tões íntimas da existência humana. 15

Portanto, longe de ser uma geração incrédula, a geração pós-moderna é sus­

cetível a crer em tudo e a experimentar tudo que ofereça uma experiência pessoal

envolvente e gratificante. Tudo que promete uma sensação de bem-estar, ainda

que momentânea, ou que funciona bem para a experiência de outras pessoas é

bem-vindo e desejáveL Nesse contexto, as experiências místicas oferecidas por

religiões orientais ou pelo ocultismo são vistas como uma boa idéia. Da mesma

forma, se o uso de horóscopo, tarô, bem como consultas a cartomantes e bolas de

cristal produzem bons resultados para algumas pessoas, é sinal de que podem ser

experiências válidas para outros também.

Um exemplo dessa curiosidade mística do Pós-Modernismo foi a recente

conversão da celebridade norte-americana, Madona, à Kabala, um ramo mile­

nar do ocultismo judeu. De acordo com a revista eletrônica Entertainment

Magazine.net, em setembro de 2004, Madona participou de uma peregrinação

à Terra Santa de Israel para confirmar sua nova fé na Kabala apesar de esta ser

uma crença tradicionalmente adotada por homens. Nascida e criada como uma

católica romana, Madona optou pelo nome hebreu de Ester ao aderir à nova fé

e, como parte de seu novo estilo de vida, também adotou o uso de uma pulseira

vermelha para servir de proteção contra os maus espíritos. Além disso, passou

a considerar o sábado como dia de repouso, seguindo, à sua maneira, a tradição

e o costume judaicos." Esse é apenas um exemplo da vasta popularidade das

idéias e tendências espiritualistas do Pós-Modernismo.

Busca por comunidade e relacionamento

Um elemento fortíssimo na mentalidade pós-moderna é uma profunda neces­

sidade de relacionamento e vida em comunidade. De uma maneira geral, a gera­

ção de hoje vivedesiludida com a sociedade, frustrada com problemas familiares,

15 Richard Tarnas, opo cito, p. 4030

16 Cf. Madonna: Search for Kabbalah, em: http://emol.org/musidartists/madonna, aces­

sado em 10 de fevereiro de 2005o

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revoltada com a corrupção e falsidade dos políticos em geral, e desconfiada de qual­

quer forma de instituição social. Isso resulta em um grande vazio interior e desperta

um desejo profundo de pertencer a algum grupo ou encontrar pessoas em quem

possa confiar e se relacionar sem restrições. Como uma geração desconfiada, as

pessoas sentem necessidade de confiar em algo ou em alguém e buscam pertencer a

alguma comunidade que lhes preencha as necessidades sociais e emocionais.

N a realidade, esse senso de comunidade é uma característica natural de

todos os seres humanos, que normalmente preenchem essa necessidade com vín­

culos sociais e tradicionais como: família, trabalho, igreja, clube de lazer, amigos e

assim por diante. O que torna o senso de comunidade mais intenso na geração

pós-moderna é o fato de as pessoas terem perdido a força do vínculo com as

instituições tradicionais, buscando preencher essevazio exclusivamente no relacio­

namento pessoal com seus amigos e com sua turma. Por ser a geração da tecnolo­

gia, esse senso de comunidade estende-se também para o ambiente virtual da

Internet, em que são comuns as comunidades eletrônica: sitescomo o Orkut, salas

de chat,blogs, etc, Com esses recursos, os jovens e adolescentes formam comuni­

dades de qualquer tipo. Cada um se une a essas diversas comunidades diferentes

desde que correspondam aos seus interesses pessoais ou façam sentido para eles

em qualquer área. Por exemplo, outro dia acompanhei minha filha num passeio

virtual pelo Orkute diverti-me vendo algumas comunidades meio exóticas como:"d .. "" ddl"" dd deia";"a oro VIajar ; estou no mun o a ua ; a namora a o meu ex me o ela; estou

sempre atrasado"; "chocólatras"; "fãs de Tom Cruise", etc. Ou seja, qualquer in­

ternauta do Orkut que se identifique com uma dessas comunidades pode entrar e

compartilhar suas experiências, sentimentos, idéias e imaginações sobre o tema,

num verdadeiro clima de amizade. Nesse ambiente de comunidade, todas as opi­

niões são igualmente válidas, e todos se sentem à vontade para partilhar a sua

própria visão da realidade, tanto sobre assuntos triviais como sobre temas mais

polêmicos ou filosóficos.

Em outras palavras, o Pós-Modernismo possui visões de mundo na mesma

proporção da quantidade de pessoas que partilha essa maneira de ser, pois cada

pessoa pode ter a sua própria visão de mundo. Em termos espirituais, isso tem

implicações complexas para a pregação bíblica, tendo em vista que as pessoas

estão acostumadas a viver sem um ponto de referência único pelo qual se guiar.

N esse contexto, a Bíblia pode representar apenas a visão de mundo de seus

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visões de mundo do ouvinte pós-moderno • S7

autores, válida para eles, mas não necessariamente para as pessoas do século XXI.

A Tabela 1 faz uma comparação resumida das principais características do pensa­

mento moderno com o pensamento pós-moderno.

Tabela 1: Comparação entre o pensamento moderno e o pós-moderno

Ênfase do Modernismo f~nfase do Pós-Modernismo

Fatos, observação e lógica Sentimentos e especulação

Verdade absoluta Verdade relativa - cada um constrói a sua

Monoteísmo bíblico Pluralismo espiritual- toda religião é boa

Relacionamento pessoal Comunidade espiritual

Padrões morais bíblicos Relativismo moral baseado em sentimentos

Comportamento sexual definido na Bíblia Identidade sexual opcional

Conhecimento objetivo Desejo subjetivo

Valores tradicionais Valorespróprios, sem certo ou errado

Perspectiva científica Misticismo e espiritualismo

Argumentação doutrinária Descoberta pessoal

Igreja: povo de Deus Igreja: comunidade cultural

Em suma, como diz o pensamento no início deste capítulo, as pessoas não

vêem o mundo como ele é, e sim como elas são. Na Era Pós-Moderna, o ser

humano tende a ser pluralista e, portanto, vê o mundo de maneira múltipla, cada

um à sua maneira, com sua visão de mundo própria e pessoal. No entanto, para

cada visão de mundo diferente, a Bíblia tem uma mensagem diferente, com um

enfoque relevante capaz de tocar o coração. O próximo capítulo analisa alguns

temas bíblicos que são mais significativos e relevantes para essa visão de mundo

pluralista do ouvinte pós-moderno.

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Capítulo 3

Temas bíblicos para oPós-Modernismo

/J.pregação quetransformanãofala àspessoas acerca

da Bíblia, esim acerca delas mesmas - suasdúvidas,

feridas, temores elutas - apartir da Bíblia."

HADDON ROBINSON

Opregador de hoje nem sempre está consciente do desafio que enfrenta ao

pregar.Dificilmente o pregador encontra um auditório exclusivamente

de ouvintes pós-modernos. Há uma nova geração cujo público geral­

mente é composto de: ouvintes modernos que tendem a preferir o estilo mais

argumentativo de sua era; e ouvintes pós-modernos que esperam um estilo dife­

rente de apresentação da mensagem. Além disso, o próprio Pós-Modernismo em

si inclui uma pluralidade de preferências e atitudes com relação à pregação. É aí

que está o grande desafio do pregador: Alimentar o ouvinte pós-moderno sem

ignorar o ouvinte tradicional que também precisa ser alimentado. O pregador,

portanto, precisa dosar abordagem, ilustrações e mensagem de tal maneira que

façam sentido para duas gerações de ouvintes. Isso é mais do que uma arte, pois

exige sintonia absoluta com o pensamento de ambas asgerações, e sintonia abso­

luta com o Autor da mensagem.

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60. o ouvinte

Talvez não exista uma fórmula perfeita para atender a essa mistura de

ouvintes, mas com certeza existem meios de atingir esse objetivo. Se o pregador

falar apenas no estilo mais tradicional, o ouvinte pós-moderno simplesmente

vai se desconectar e não receber nada da mensagem. Contudo, se o pregador

ftrmatar sua mensagem mais direcionada à realidade dele, provavelmente o ouvinte

tradicional vai entender e acompanhar a mensagem, mesmo que não seja o esti­

lo de sua preferência. Isso ocorre pois todo ouvinte tradicional de hoje vive num

mundo pós-moderno, bombardeado pela mídia pós-moderna e linguagem pós­

moderna. Assim, já está habituado ao estilo de vida pós-moderno. Com um

pouco de sabedoria e sintonia, o pregador pode ajustar sua mensagem para alcan­

çar o coração de ambas as gerações de ouvintes.

Talvez o maior obstáculo à adequação da comunicação no Pós-Modernismo

não esteja no ouvinte, mas no próprio pregador. De fato, a maioria dos pregadores

tende a ser muito presa ao estilo tradicional, que é a forma mais comum de apre­

sentar temas religiosos. Nesse formato tradicional, a mensagem tem sido pregada

há milênios. Pela própria lei da inércia, parece mais fácil continuar do jeito que

está. Contudo, esse raciocínio ignora um fato fundamental: A comissão evangéli­

ca inclui o ouvinte pós-moderno, e a salvação precisa alcançá-lo onde ele estiver!

Existe um conteúdo sagrado do evangelho, mas não existe nenhum formato sa­

grado para sua apresentação. Pelo contrário, o formato deve ser adaptado à neces­

sidade e à linguagem do ouvinte.

E para saber falar a linguagem do ouvinte pós-moderno, é preciso saber

quais os temas que mais o preocupam e atraem sua atenção neste mundo pós­

moderno. O que eles pensam? O que eles anseiam? O que faz sentido para

eles? Nos próximos parágrafos, vamos considerar como o Pós-Modernismo

encara diferentes temas do evangelho e da pregação.

Senso de culpa versus amor

Por séculos e milênios, o grande argumento da mensagem evangélica tem sido o

alívio ao senso de culpa. Apresentar uma salvação de graça para um pecador de­

gradado e impotente é o próprio coração da mensagem bíblica; é a mais sublime

verdade que pode ser apresentada a um mundo caído. Contudo, a forma como

esse argumento é exposto pode não ser eficaz para o ouvinte pós-moderno.

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temos bíblicos poro o pás-modernismo _ á 1

Johnston comenta que o senso de culpa está quase desaparecendo no mundo pós­

moderno! A razão é simples: Não existe um padrão único de moralidade para a

mentalidade pós-moderna.' A geração de hoje tende a pensar que a distinção

entre certo e errado depende do contexto e da opinião de cada um. Cada pessoa

decide o que é moralmente aceitável ou não para si próprio. Isso implica a exis­

tência de múltiplos padrões de moralidade. Cada pessoa pode escolher ou criar o

seu próprio padrão de acordo com o que é conveniente para ela. Portanto, não há

muitos motivos para se sentir culpado. Em vez de se afligir por causa de senso de

culpa, o ser humano hoje está muito mais preocupado em manter uma auto­

imagem positiva e em sentir-se bem com si mesmo, sendo ele próprio o ponto de

referência para o bem-estar pessoal.

Em outras palavras, se o pregador diz que algo é moralmente errado, o

ouvinte de hoje respeita o que foi dito como uma opinião do pregador, sem que

isso se aplique necessariamente à sua experiência. A pior coisa que alguém

pode fazer, segundo a mentalidade pós-moderna, é impor a sua idéia de mora­

lidade sobre os outros. Afinal, pensam que ninguém tem o direito de criticar os

desejos e escolhas de outras pessoas. Moralidade e religião são vistas como

uma questão de gosto, e gosto não se discute! Um exemplo claro disso é a natu­

ralidade com que o homossexualismo é visto na sociedade de hoje. Ao contrário

de algumas décadas atrás, o homossexualismo hoje é aceito meramente como uma

opção individual que deve ser respeitada tanto quanto a opção heterossexual, sem

nenhuma implicação moral. A geração de hoje nasce e crescevendo e ouvindo isso

nos programas de TV, em artigos de revistas populares, no ambiente da escola ou

entre os amigos, o que torna natural esse clima de sociedade amoral em todos os

aspectos. Como resultado, não se pode esperar que a geração de hoje pense de

maneira diferente.

A estratégia de causar senso de culpa também não faz efeito. O velho hábito

de denunciar um determinado estilo de vida, condenar uma linha de conduta ou

censurar determinados comportamentos hoje não funciona mais - se é que algum

1 Graham Johnston, Preaching to a Postmodern World: A Guide to Reaching Twenty­

first-Century Listeners, 2001.

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62. o ouvinte

dia isso funcionou. Condenar tipos de vestuário, adorno, estilos de música, ou

censurar o baixo nível de freqüência e participação na igreja não faz mais efeito. O

ouvinte pós-moderno, especialmente o mais esclarecido, tende a ouvir isso como

uma opinião pessoal do pregador e, portanto, não vai se sentir mais culpado a

ponto de arrepender-se e desejar mudar de atitude. A grande maioria, inclusive,

não vai argumentar com o pregador sobre suas posições porque acha que ele tem

direito de pensar assim. Isso pode dar ao pregador a ilusão de que sua orientação

é ouvida e atendida, quando, no fundo, a reação do ouvinte não passa de indife­

rença. O pregador que não entende essa realidade e não compreende a mentalida­

de de hoje corre o risco de continuar falando totalmente fora de contexto sem

perceber. Prega como se tivesse vindo de outro planeta e como se falasse uma

língua totalmente estranha ao ouvinte. De fato, em certo sentido, muitos prega­

dores se isolam tanto da realidade do ouvinte, que passam a viver diariamente

num mundo chamado "planeta igreja", ao mesmo tempo que seu ouvinte tem

vivido diariamente no "planeta vida real." Quanto mais distância houver entre

esses dois planetas, menos o pregador fará sentido para sua congregação, e, por­

tanto, menos será ouvido e menos será entendido.

Nesse contexto, o pregador entra em cena, tentando entender o mundo do

ouvinte refletindo uma ou duas vezes por semana sobre a mentalidade desse

homem pós-moderno. Assim, para diminuir a distância entre esses dois plane­

tas, o que ele deve dizer para essa geração "amoral"? Simplesmente dizer que

algo é errado vai fazer um efeito zero para essa geração. Dizer que o ouvinte

precisa se arrepender sem que ele veja nada de errado na sua maneira de viver ou

pensar não vai sensibilizar ou tocar seu coração. O que fazer?

Veja que a mentalidade pós-moderna ignora o próprio coração do evange­

lho, que é a consciência de pecado e a necessidade de um Salvador, distanciando­

se da mensagem do evangelho e da salvação.Isso requer um enfoque mais positivo

do evangelho, em busca de um caminho mais eficaz para ajudar o ouvinte de hoje.

É por isso que precisamos conhecer as características da mentalidade atual, a fim

de estabelecermos com o ouvinte uma relação de proximidade, levando-lhe a men­

sagem de forma relevante.

Uma das características marcantes da mentalidade pós-moderna é a sua ca­

rência de afeto e ênfase em bons relacionamentos. Esta é uma geração totalmente

voltada para o valor do relacionamento e do convíviosocialentre aspessoas.Quanto

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temas bíblicos para o pós-modernismo _ 63

mais amizade e relacionamento, mais feliz a pessoa tende a sentir-se. Cansada das

imposições impostas pela busca do sucesso material e desiludida com a promessa

dos avanços tecnológicos para solucionar os problemas da humanidade, esta gera­

ção se volta para as pessoas. Por isso, cada um procura viver em comunidade a fim

de sentir-se compreendido, amado e aceito como pessoa.

Aqui está uma das chaves para alcançar o coração pós-moderno. Em vez da

ênfase negativa no senso de culpa e na pecaminosidade humana como motivo

para buscar o Salvador, esta geração será melhor alcançada pela via inversa. Ou

seja, o ouvinte pós-moderno se sente altamente atraído pela mensagem positiva

do amor de Deus e pela certeza de que Cristo o aceita como pessoa, entende as

suas lutas e dores, e está disposto a ajudá-lo em suas necessidades e anseios mais

profundos. Depois de se sentir aceito e compreendido por Deus, é mais provável

que esse ouvinte perceba suas próprias imperfeições e desenvolva um relaciona­

mento pessoal com o Salvador aceitando o crescimento pessoal e espiritual que o

evangelho traz. Em outras palavras, o mesmo caminho percorrido de maneira

inversa pode chegar ao coração pós-moderno, já que a visão oposta do senso de

culpa não faz sentido para ele.

Da mesma maneira, o ouvinte busca uma igreja que, em vez de pressioná-los

a um formato de comportamento estabelecido por regras e normas, lhe ofereça

um senso de comunidade, em que todos se interessem mais pelo bem-estar e pela

paz do que pelo comportamento das pessoas. Mais do que normas e padrões de

conduta que têm sido a ênfase tradicional, o ouvinte pós-moderno busca ser acei­

to, compreendido e amado pelos companheiros da congregação. Uma vez que se

sinta amado, pouco a pouco passará a aceitar os padrões de conduta que tenham a

ver com a essência da religião, como a integridade moral e espiritual, por exemplo.

Nesse caso, não estão envolvidos necessariamente padrões relacionados apenas com

a forma, tais como aparência pessoal ou meros costumes tradicionais. Mais uma

vez, o caminho é inverso.

O mesmo raciocínio se aplica ao relacionamento do ouvinte com o pregador.

O ouvinte tende a aceitar e dar mais ouvido ao pregador que demonstra uma

atitude de simpatia, amizade e amor, do que àquele que demonstra apenas muito

conhecimento ou mantém uma postura formal de superioridade espiritual pela

posição que ocupa. Como diz Johnston, "no pós-modernismo as pessoas não se

importam sobre o quanto a gente sabe até que elas saibam o quanto a gente se

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64. o ouvinte

importa com elas."? Em outras palavras, relacionamento e senso de comunidade

são o grande segredo para abrir o coração do ouvinte pós-moderno.

Na realidade, o ser humano não muda na essência. Num sentido mais amplo,

o que o Pós-Modernismo anseia é o que todo ser humano sempre ansiou em todas

as gerações: ser aceito e entendido; e sentir-se amado. Todo ser humano também

sempre foi receptivo a uma mensagem de amor, que provenha de um pregador que

também demonstre amor e simpatia. Aliás, essa era a essência e o método da prega­

ção de Cristo. É justamente por isso que a mensagem de Cristo é tão relevante hoje

ao ouvinte pós-moderno como o era há dois mil anos para o ouvinte antigo. Ou seja,

na essência, as necessidades humanas são as mesmas. Talvez a grande diferença seja

que o ouvinte tradicional aceitava diferentes padrões e formatos de abordagem espi­

ritual, bem como osvalores impostos pela sociedade. Já a mentalidade pós-moderna

assume abertamente a sua desilusão com os padrões sociais e tradicionais. Assim, o

ouvinte rejeita aquilo que não satisfaz suas necessidades imediatas e busca ser autên­

tico em relação ao que realmente sente e deseja.

Autoridade versus experiência

Durante muito tempo as pessoas aceitaram as instituições sociais, a sabedoria do

passado, as afirmações e os documentos científicos ou eclesiásticos como fonte de

autoridade. Para a mentalidade pós-moderna, esse tempo já passou. As tradicio­

nais fontes de autoridade como: igreja, ordenação ministerial, credo, doutrina,

tradição e normas já não podem ser citadas como fontes inquestionáveis de auto­

ridade e como bases para aceitação do ouvinte. Para a mentalidade pós-moderna,

a autoridade não é externa, mas interna, ou seja, não provém de fora, mas de

dentro de cada pessoa. Em outras palavras, o significado e a autoridade da mensa­

gem não estão na intenção do pregador ou na fonte que ele cita, mas na maneira

como o ouvinte recebe a mensagem e tira suas próprias conclusões.' A própria

2 Idem, p. 67.

3 Scott Black johnston, Authority in the Pulpit in a Postmodern Ethos, in: R.J. Allen, B.

S. Blaisdell, & S. B.Johnston (1997). Theologyfor Preaching: Authority, Truth and knowledge

of God in a Postmodern Ethos.

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temas bíblicos para o pós-modernismo • 65

Bíblia se torna passível de diferentes interpretações para ele. Portanto, o fato de o

pregador citá-la como autoridade não passa de uma interpretação pessoal dele, o

que tem tanto valor quanto a interpretação pessoal de cada ouvinte.

Johnston narra a seguinte conversa pessoal que ele teve com um homem de

uns trinta e poucos anos que não tinha hábito de freqüentar a igreja. Na conversa,

ele perguntou:

- Você visita alguma igreja de vez em quando?

- Praticamente nunca - ele respondeu.

- Você alguma vez já teve dúvidas e questionamentos sobre assuntos

espirituais?

- Oh sim, quem não tem?

- Se você tem dúvidas e questionamentos espirituais, você não acha que

a igreja poderia abordar alguns desses assuntos?

- A igreja é para aqueles que já crêem, e não para pessoas como eu!"

Geralmente a própria igreja cria essa imagem de que nela não há lugar

para dúvidas e questionamentos, quando deveria ser exatamente o contrário.

De fato, se quisermos alcançar o ouvinte pós-moderno, temos de estar abertos

para aceitar que as pessoas questionem a nossa posição e a nossa fonte de auto­

ridade. Embora a autoridade bíblica seja suprema para nós, temos de entender

que as pessoas de hoje não vêem dessa maneira e não aceitam o que nós aceita­

mos como autoridade.

Pelo contrário, qualquer forma de autoridade externa é vista como opressão e

imposição de idéias. Essa mentalidade deixa o pregador atual totalmente desar­

mado, uma vez que a autoridade da Bíblia sempre foi a arma infalível com a qual

os pregadores enfrentavam qualquer engano ou oposição à verdade nela revelada.

Para o Pós-Modernismo, contudo, a verdade é totalmente relativa. Cada pessoa

cria e escolhe a sua própria verdade. Isso altera completamente a maneira de o

pregador abordar a mensagem bíblica se quiser alcançar o ouvinte pós-moderno.

O poderoso argumento "Assim diz o Senhor"já não tem mais a mesma força que

4 Graham Johnston, op. cit., p. 91.

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66. o ouvinte

tinha anteriormente, pois isso também se torna relativo e dependente da interpre­

tação individual.

Por mais que o pregador pense diferente, ele precisa encontrar um caminho

eficiente para ajudar o ouvinte pós-moderno. Considerando que a autoridade e a

verdade são vistas como algo interior e inerente ao indivíduo, a maneira de alcan­

çá-lo hoje é fazer com que a mensagem bíblica repercuta de forma significativa

em sua experiência pessoal, pois esta é vista como a maior fonte autêntica de

autoridade interior. Nesse contexto, não existemais mensagem divorciada da expe­

riência pessoal. Apresentar um argumento intelectual sem causar um impacto

significativo na experiência do ouvinte não produz nenhum efeito positivo. Em

outras palavras, na pregação atual, a mensagem bíblica tem de ser parceira perma­

nente da experiência individual e da experiência de outras pessoas.'

Já que a mentalidade pós-moderna não aceita naturalmente a autoridade da

Bíblia ou do pregador, é preciso levar o ouvinte a experimentar a Bíblia e sua

autoridade. Como fazer isso?Talvez não haja uma resposta fácil, mas as seguintes

idéias podem ajudar:

1. Respeite o questionamento dosouvintes - Q1Iemprimeiro precisa mudar é o

pregador, a fim de aceitar o questionamento de seus ouvintes com naturalidade,

descer do pedestal de autoridade e usar uma abordagem de quem respeita a opi­

nião contrária. O pregador deve partir do princípio de que ambos, pregador e

ouvinte, buscam a verdade, convidando o ouvinte a testar a Bíblia como uma

opção relevante a ser considerada, e não necessariamente como a única opção.

2. Desenvolva a confiança do ouvinte - Mais do que em qualquer tipo de

autoridade, o ouvinte de hoje ouve aquele em quem ele confia e crê naquilo que

pode ser confiável. Confiança é uma palavra-chave. Por isso, o ouvinte pós­

moderno, que não tem muito contato com a Bíblia, precisa de tempo para fami­

liarizar-se com ela e testá-la, a fim de experimentar a confiabilidade da Escritura

5 Barbara Shires Blaisdell, Authority in the Pulpit in a Postmodern Ethos, in: R. ].

Allen, B. S. Blaisdell, & S. B. johnston (1997). Theologyfor Preaching:Authority, Truth and

knowledge of God in a Postmodern Ethos, P: 48.

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temas bíblicos para o pós-modernismo • 67

para a sua vida pessoal. Muitos pregadores tendem a pensar que suas congrega­

ções não possuem esse tipo de ouvinte. Por isso, continuam pregando sem fazer

sentido para muitas pessoas. Mas não se iluda, pois a geração de jovens que fre­

qüenta as igrejas de hoje, mesmo aparentemente familiarizada com a Bíblia e a

igreja, está acostumada a pensar de maneira pós-moderna. Diferentemente do

que pensamos, tende a não ter tanta familiaridade com a religião.

3. Use temasbíblicos relevantespara a experiênciapessoal- Temas doutrinários

e teológicos geralmente não são tidos como os mais relevantes para o ouvinte de

hoje, a menos que sejam ricos em exemplos práticos relacionados com a experiên­

cia do dia-a-dia. O pregador que deseja chegar ao coração do ouvinte atual pode

explorar profundamente as promessas da Bíblia que falam diretamente àexperiên­

cia humana recorrendo a mensagens de: conforto para a dor e o sofrimento; paz e

alívio em momentos de estresse; segurança em meio à incerteza da vida; saúde

para os enfermos; proteção para os desamparados; fartura e abundância na hora

da privação e dificuldade. Os milagres e as parábolas de Jesus também são ricos

em fatos da experiência humana, sendo, portanto, atraentes à maioria dos ouvin­

tes. Esses temas darão ao ouvinte maior familiaridade com a Bíblia, predispondo-o

a aceitar pouco a pouco os demais temas da Escritura.

Salvação versus pluralismo

O plano de salvação é a essência e a razão de ser do cristianismo. Sem salvação não

haveria igrejacristã e nem mensagem cristã. No entanto, as implicações religiosasdo

Pós-Modernismo tentam diluir e ofuscar o conceito de salvação. Primeiro, porque

negam a culpa pelo pecado, não havendo, portanto, necessidade de salvaçãoou Sal­

vador. Segundo, porque a única fonte de informação sobre a história da salvação é a

revelação bíblica, que não é considerada como autoridade em termos espirituais.

Terceiro, porque o Pós-Modernismo não adota uma visão de mundo única, mas

considera qualquer visão da realidade como válida e apropriada para a cultura que a

produziu, e nunca como algo de validade universal. Em outras palavras, toda His­

tória, quer seja política, social ou religiosa, não passa de uma narrativa de interesse

cultural para uma determinada comunidade, como produto de uma cultura

específica. Dessa forma, o Pós-Modernismo rejeita qualquer "metanarrativa" ou

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68. o ouvinte

cosmovisão com aplicação universal e admite a pluralidade de visões da realidade,

entendendo que cada povo tem a sua visão de mundo, e nenhuma visão de mundo

é melhor do que a outra. Nesse contexto, o plano de salvação é nada mais do que

uma metanarrativa apropriada para a cultura cristã e indispensável para a preserva­

çãodo cristianismo, não sendo melhor nem pior que budismo, confueionismo, hin­

duísmo, islamismo, ateísmo, ou qualquer outra visão da realidade.

Naturalmente, isso tudo é muito sutil, pois a geração que freqüenta a igreja

hoje não está preocupada com essas idéias nem argumenta a favor de uma ou

outra idéia pós-moderna. As pessoas de hoje, e isso inclui jovens e adultos, sim­

plesmente pensam assim porque essa pluralidade de idéias está presente na mídia,

nas músicas que elas cantam, nos filmes que assistem, nas revistas que lêem e

assim por diante. Elas ouvem diariamente que toda idéia é válida e que cada um

crê naquilo que lhe é mais conveniente. Por exemplo, qualquer idéia que faça

sucesso, quer seja de um artista, cantor, ou de um colega, é uma ótima idéia por­

que funcionou bem para o propósito daquela pessoa. Assim, a opinião pessoal é a

autoridade máxima para decidir o que é bom e verdadeiro para cada pessoa.

N a visão até mesmo de alguns cristãos pós-modernos, portanto, restringir a

salvaçãoapenas aos cristãos tornaria o plano de salvaçãoestreito e limitado. Afinal,

para eles, um Deus de amor não excluiria da salvação os não-cristãos simples­

mente porque não são cristãos, uma vez que a graça de Deus está disponível em

todas as culturas, evangelizadas ou não. Entendem ainda que a salvaçãovem com

base em diferentes revelações de Deus, e não somente por meio de Cristo. Para

esses pluralistas, o fato de a salvação estar disponível apenas por meio de Jesus

Cristo implicaria o privilégio de alguns povos em relação a outros, o que não

condiz com o caráter justo e amoroso de Deus. Os cristãos, para eles, deveriam ser

mais otimistas a respeito da graça salvadora de Deus, sem limitá-la exclusiva­

mente aos que aceitem o cristianismo.

Como então pregar sobre a salvação para uma audiência que vê a salvação

dessa maneira diluída e pluralista? Esse é um desafio difícil, mas alguns prin­

cípios são muito úteis em ajudar os pós-modernos a compreenderem o plano

da salvação. Consideremos alguns desses princípios:

1.Assuma a visão bíblica da realidade - Não há como contornar, enfeitar ou

disfarçar o plano de salvaçãosem comprometê-lo. A salvaçãode fato é oferecida a

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temos bíblicos poro o pós-modernismo • 69

toda a humanidade e a qualquer povo ou cultura sem exceção, mas ela só se torna

possível por meio da fé e do relacionamento comJesus Cristo, o Salvador. Por mais

que o Pós-Modernismo não aceite, nós cristãos temos de assumir que temos uma

visão bíblica do mundo e da realidade, e que estamos abertos para entender e dialo­

gar sobre qualquer outravisão de mundo, de maneira simpática e sem preconceitos.

Podemos ouvir e respeitar outros pontos de vista e, ao mesmo tempo, apresentar e

explicar o ponto de vista bíblico e a visão de mundo cristã.

2. Apresentea salvação como uma experiência atraente- Em vez de apresentar

a salvação apenas como dever ou meio de escape da condenação do inferno, a

salvação deve ser apresentada como um relacionamento atraente e irresistível para

aqueles que o experimentam. Embora indiferente quanto à religiosidade, a gera­

ção pós-moderna tem um profundo senso de espiritualidade e pode sentir-se

atraída por uma experiência diferente, capaz de trazer paz, aceitação, companhei­

rismo e amor. É preciso mostrar a experiência positiva do Cristianismo para enri­

quecer a vida já no momento presente, e não apenas no futuro distante.

3. Sejaclaro sobre asprioridades doEvangelho- Escolha cuidadosamente o que

dizer. Não tente dar às regras, aos costumes e aos comportamentos o mesmo peso

das verdades eternas da Bíblia. Não iguale a salvaçãoa um determinado estilo musi­

cal, a uma determinada categoria de filmes que podem ser assistidos, ou a determi­

nados tipos de divertimento ou vestuário. Afinal, salvação é muito mais que uma

lista de coisas que podem ou não podem ser feitas. Para colocar isso de maneira bem

direta, use as prioridades que Cristo definiu: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o

teu coração e... o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos depen­

dem toda a lei e os profetas" (Mt 22.37-40). Ou seja, foi Cristo quem definiu as

prioridades do evangelho, independente de nossa opinião própria a respeito. Para

Cristo, a experiência da salvação resume-se em amor a Deus e ao próximo. Assim, é

a experiência de salvaçãoque determina o comportamento cristão, e não o compor­

tamento que determina a salvação. Essa abordagem é poderosa, irrefutável e irresis­

tível para qualquer ouvinte, seja ele pós-moderno ou não.

4. Sejaum cristão realista-Johnston aconselha o pregador a admitir aberta­

mente os diferentes níveis e categorias de certo e errado. Ou seja, o cristão não vive

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70. o ouvinte

num mundo preto no branco, em que qualquer coisa pode ser definida de um

lado ou do outro: certo ou errado. Vivemos num mundo cheio de áreas cinzentas,

onde nem todas as respostas aos problemas da vida são absolutas ou claras. O

cristão deve ser encorajado a usar o discernimento espiritual para entender a vida,

fazer escolhas responsáveis e tomar decisões sábias, levando em conta os inúmeros

fatores envolvidos em cada escolha.

5. Seja vulnerável- Poucas coisas podem tornar um pregador mais confiável

perante os ouvintes de hoje, dentre elas encontramos: a atitude de humildade e

disposição de admitir as próprias lutas pessoais, as próprias fraquezas e batalhas

espirituais; e o reconhecimento de que pregadores e ouvintes são companheiros

da mesma jornada de fé, na qual ninguém chegou ao estágio final de crescimento

cristão. Essa postura de vulnerabilidade e semelhança com a experiência do

ouvinte aproxima o pregador dele de maneira altamente positiva.

6. Nunca ataque outras religiões - Um dos maiores erros que um pregador

pode cometer no púlpito de hoje é assumir uma atitude de superioridade em

relação a outras religiões ou denominações, criticando doutrinas ou métodos

de outras igrejas. Por sua natureza pluralista, o ouvinte de hoje é totalmente

aberto a diferentes pontos de vista e extremamente sensível ao que pode ser

visto como partidarismo religioso. Qualquer disputa, denúncia ou referência

pejorativa ou de desprezo para com outras crenças vai soar como arrogância

religiosa e vai automaticamente despertar a rejeição do ouvinte pós-moderno,

fechando a porta de acesso ao seu coração.

Há algum tempo uma amiga me contou que convidou um casal de pro­

fessores universitários, ambos católicos, para visitarem pela primeira vez a igreja

dela num culto de adoração. Por uma infelicidade, segundo ela conta, naquele

dia o pregador desenvolveu um tema em que denunciava as doutrinas e o sis­

tema religioso do catolicismo, provocando um verdadeiro constrangimento

para o casal de convidados. Ao sair da igreja, ela tentou desculpar-se perante o

casal, explicando que aquele tipo de abordagem não era comum em sua igreja.

Com uma polidez típica de uma mente erudita, aquele visitante educadamente

aceitou o pedido de desculpas e comentou que, quando jovem, havia freqüentado

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temas bíblicos para o pós-modernismo .71

um seminário para padres e recordava ter ouvido de um teólogo uma exposição

sobre diferentes tipos de política. Segundo o referido teólogo, existem diferentes

tipos negativos de partidarismo: o partidarismo político, que não raro é contami­

nado por corrupção e disputas pessoais; o partidarismo profissional, que muitas

vezes inclui elementos de traição como "puxar o tapete" dos colegas; e finalmente

o partidarismo religioso, que pretende superioridade sobre outros. Das três for­

mas, dizia o teólogo, a pior é o partidarismo religioso, por disputar um status

espiritual perante Deus e os homens. Em outras palavras, a abordagem do prega­

dor naquele dia, no mínimo, provocou um sentimento de desprezo no visitante,

predispondo-o à rejeição da mensagem. Desnecessário é dizer que aquele visi­

tante nunca mais voltou a visitar a igreja de minha amiga.

Mais uma vez o pregador de hoje precisa aprender com o Mestre dos mes­

tres sobre a arte de alcançar o coração do ouvinte. Em sua pregação, Cristo jamais

criticou ou denunciou outras crenças, denominações ou religiões. Jamais Cristo

levantou sua voz para denunciar o fanatismo dos essênios, por exemplo, ou criti­

car a religião dos fenícios, gregos, ou romanos. O Mestre sabia que essa não era a

maneira de alcançar e salvar as pessoas dessas religiões. Com veemência, Jesus

denunciou sim o orgulho e a arrogância dos líderes de sua própria religião, o

judaísmo, por ofuscarem a verdade perante as pessoas. O sermão do monte, o

maior sermão de Cristo de que se tem registro, foi essencialmente uma reinter­

pretação de velhas doutrinas e conceitos do próprio judaísmo, sem nenhuma crí­

tica às doutrinas de outras religiões. Mesmo com relação ao imperador romano,

que era venerado e adorado como deus por seus súditos, Cristo jamais usou a

pregação para criticá-lo ou desprezá-lo. Pelo contrário, quando interrogado pelas

autoridades, respondeu com extrema sabedoria: "Dai a César o que é de César, e a

Deus o que é de Deus." (Mt 22.21, Mc 12.17, Lc 20.25)

Seguindo o exemplo de Cristo, os apóstolos também se lançaram para pregar

o evangelho no meio do paganismo e, com sabedoria divina,jamais pregaram contra

a religião dos pagãos. Destemidamente apontaram os erros e abusos do judaísmo,

denunciando a pretensa superioridade espiritual de seus líderes. Isso a custo da

própria vida, muitas vezes. Contudo, a pregação dos apóstolos era respeitosa para

com a religião de qualquer pessoa com quem entravam em contato. De fato,

quando chegou a Atenas, a própria sede do politeísmo grego, Paulo não usou a

pregação para criticar a crença nas divindades gregas ou mitológicas. Pelo contrário,

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72. o ouvinte

utilizou a própria crença e doutrina dos atenienses como recurso para expor o

conceito de monoteísmo e a crença no Deus verdadeiro. Veja quanto respeito e

habilidade na pregação de Paulo: "Senhores atenienses! Em tudo vos vejo acen­

tuadamente religiosos: porque passando e observando os objetos de vosso culto,

encontrei também um altar no qual está inscrito: AO DEUS DESCONHECIDO.

Pois esse que adorais sem conhecer, é precisamente aquele que eu vos anuncio"

(At 17.22-23).

O mesmo ocorre em Éfeso, quando os apóstolos enfrentaram uma verdadeira

manifestação popular em defesa da deusa Diana. Em coro, por quase duas horas, a

multidão protestou gritando: "Grande é a Diana dos Efésios." Observe que a revol­

ta popular veio em decorrência de uma falsa acusação contra os apóstolos, e não em

reação à pregação contra Diana, pois os apóstolos não criticaram a doutrina dos

efésios. O próprio escrivão da cidade os defendeu dizendo: "Estes homens que aqui

trouxestes não são sacrílegos, nem blasfemam contra a nossa deusa" (At 19. 34-37).

Em outras palavras, para ajudar e salvar as pessoas, a pregação cristã não precisa

utilizar o recurso pobre da crítica e da censura, nem agredir as outras religiões.

O princípio é claro: Em vez de fazer um discurso sobre o que julgamos ser

errado, devemos fazer uma pregação sobre o que entendemos ser a verdade bíblica.

Ou seja, falar sobre a verdade tem mais poder que falar sobre o erro. Se esse

princípio foi válido há dois mil anos para Cristo e para os apóstolos, quanto mais

hoje, numa época de pluralismo e relativismo religioso. Época em que as pessoas

convivem pacificamente com os mais diferentes pontos de vista, respeitando a

todas as idéias, sem necessariamente aceitar nenhuma delas, e reagindo vigorosa­

mente contra qualquer pretensão de superioridade ou autoridade espiritual de

alguém ou de algum sistema religioso sobre qualquer outro.

Em resumo, a atitude de denunciar ou desprezar outras religiões é um

recurso de qualidade inferior utilizado por aqueles que não possuem sabedoria

suficiente para apresentar a mensagem de maneira positiva e eloqüente. Pregar

o evangelho a uma audiência pós-moderna exige um nível mais elevado de conhe­

cimento e habilidade do pregador, além de muita sintonia com o público. Para

isso, é preciso conhecer os temas que fazem sentido para as pessoas e as formas de

expressão que atraem as pessoas em vez de afastá-las. Essa habilidade superior

pode ser alcançada através do estudo e da comunhão com o Espírito Santo, além

do desejo profundo de alcançar as pessoas onde elas estiverem.

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temos bíblicos poro o pós-modernismo • 73

Resumindo o pensamento religioso pós-moderno, aTabela 2 faz uma compa­

ração dos principais temas religiosos do Pós-Modernismo com a posição bíblica.

Tabela 2: Implicações Religiosas do Pós-Modernismo

Tema Pós-Modernismo Posição Bíblica

Relacionamento Pessoal Grupo ou comunidade Amor a Deus e ao próximo

Moralidade Definida pelo indivíduo Definida pela Lei de Deus

Verdade Relativa, subjetiva, mutável, Cristo é a verdade absoluta

definida pelo grupo

Pluralismo Todas as religiões são iguais Salvação pela fé em Cristo

e levam ao mesmo lugar,

a salvação

Autoridade Sentimento subjetivo e Inspiração da Bíblia

consenso do grupo

Fé Baseada em sentimentos Baseada na Bíblia

e imaginação

Espiritualidade Energia interior e universal Relacionamento pessoal

com Deus.

Em síntese, na Bíblia, há sempre temas relevantes para qualquer tipo de

ouvinte e para qualquer visão de mundo. Como pregadores, precisamos nos esfor­

çar para que nosso sermão seja relevante e transmita a relevância da Bíblia ao

ouvinte de hoje. É aqui que entra o valor das estratégias de comunicação para

ressaltar a relevância da Bíblia numa cultura secular como a nossa. A escolha das

melhores estratégias de comunicação é exatamente o tema do próximo capítulo.

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Capítulo 4

Comunicando a mensagem aouvintes pós-modernos

"Seruma pessoa é ter uma históriapara contar. "

ISAK DINESEN

Q al o melhor estilo de pregação para alcançar o coração do ouvinte

ós-moderno? Essa pergunta talvez não tenha uma resposta simples.

Considerando o pluralismo de idéias e estilos de vida da geração pós­

moderna, não existe um modelo único de pregação capaz de atender a essa

grande variedade de gostos, opiniões e estilos. Existem sim estilos de pregação

mais eficazes, que levam em conta as características da mentalidade pós­

moderna, e estilos totalmente ineficazes, que ignoram essas características. Um

exemplo de estilo ineficaz é o tradicional estilo autoritário, em que o pregador

apresenta a mensagem pressupondo que os ouvintes vão concordar e obedecer

a tudo que o orador expõe. Outro exemplo seria o estilo discursivo, tão comum

entre nós. Nesse estilo, o pregador exibe seu tema e argumentação como um

monólogo, apresentando suas próprias idéias sem perceber que muitas vezes

tem falado a uma audiência passiva, distante e desinteressada.

Embora não exista um modelo único ou uma fórmula mágica para con­

quistar o ouvinte atual, existem princípios que regem a comunicação no contexto

pós-moderno. Esses princípios levam em consideração ascaracterísticasbásicas do

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76. o ouvinte

Pós-Modernismo, conforme discutidas no capítulo anterior. Em vez de repetir

essas características para abstrair princípios de comunicação, vamos focalizar nossa

discussão em um critério básico do Pós-Modernismo, que eu chamaria de o crité­

rio múltiplo da preftrência individual. De acordo com ele, cada pessoa pensa o que

quer, acredita no que quer, adota o estilo de vida que quer, faz o que quer, vê o

mundo da maneira que mais faz sentido para si e decide o que é bom para si. Em

outras palavras, cada pessoa é o juiz de sua própria realidade. Concordemos ou

não, este é o mundo em que vivemos. Essa tendência, longe de ser produto de

uma cultura localizada, está espalhada pelo mundo inteiro graças à velocidade

espantosa com que a TV e a Internet alcançam e influenciam a mente das pessoas.

Essa diversidade de preferências individuais nos impõe um problema quase

irresolúvel: Se os gostos, opiniões e crenças são múltiplos, qual seria o segredo

para atender a essa pluralidade de preferências? Qpal seria o método de pregação

mais eficaz para alcançar uma congregação com tanta diversidade de gostos e

idéias? Novamente, o segredo não está no método, mas nos princípios que regem

o método. Só existe um segredo para se alcançar o ouvinte com essa vasta plura­

lidade de idéias e preferências. Esse segredo é interagir com ele. Portanto, em vez de

discutir uma lista de princípios, vamos focalizarnossa abordagem no que eu chamaria

de o princípio dominante da interatividade. Todos os outros princípios de comuni­

cação permanecem igualmente válidos, importantes e necessários, mas, no contexto

pós-moderno, o princípio da interatividade na comunicação reveste-se de um cará­

ter prioritário, inclusive para permitir que outros princípios produzam um efeito

significativo. Em outras palavras, a única maneira de alcançar uma audiência diver­

sificada e pluralizada é permitir que todos tenham a oportunidade de interagir com

a mensagem. Ou seja, se supusermos que numa congregação com trezentas pessoas

você tenha trezentas preferências diferentes, a única maneira de uma mensagem ter

sentido para essapluralidade de gostos seria criar um contexto em que todos pudes­

sem interagir a seu modo com o conteúdo da mensagem. O princípio é simples:

Interatividade pressupõe um processo de troca entre orador e ouvinte. Num pro­

cesso de troca, ambas as partes têm algo diferente a oferecer, uma vez que não existe

troca de produtos iguais.

Há muito tempo, a televisão e a mídia descobriram e exploram o poder da

comunicação interativa. Nos telejornais, quase nenhuma notícia é apresentada

sem entrevistar a população, perguntando sua opinião. Cresce cada vez mais o

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comunicando a mensagem a ouvintes pós-modernos • 77

número de programas de TV em que a opinião dos telespectadores determina o

desenlace do programa. Um exemplo típico é o programa Big Brother Brasil,

adaptado de produções estrangeiras e irradiado pela Rede Globo. Nesse pro­

grama, o telespectador literalmente vota para decidir quem serão os vencedo­

res e os perdedores por meio de um número telefônico. Atualmente até autor de

telenovelas vai às ruas entrevistar as pessoas e perguntar a opinião delas sobre

qual deveria ser o final da trama. Com base nessas opiniões, o autor escreve os

últimos capítulos do programa.

Na pregação, embora o conteúdo e o formato sejam diferentes, o princí­

pio é semelhante. Nesse processo de troca, o pregador entra com a mensagem,

e o ouvinte entra com a experiência pessoal. Quanto mais o pregador interagir

com a experiência dos ouvintes e permitir que eles participem do processo,

maior será o impacto positivo da mensagem. Isso significa que o sermão deve

se transformar num debate acalorado com toda a congregação? Não necessaria­

mente, embora essa seja uma possibilidade dependendo da ocasião.

Para entendermos melhor o princípio da interatividade, eu faria uma dis­

tinção entre o que eu chamo de interatividade mental e emocional ou interativi­

dade verbal e física. Essas duas formas de interatividade permitem ao ouvinte

interagir com a mensagem e com o pregador de maneira diferente, mas com

resultado semelhante, uma vez que em ambos os casos o ouvinte é envolvido

no processo de comunicação da mensagem. Na interatividade mental e emocio­

nal, o pregador dá ao ouvinte a oportunidade de reagir com o pensamento, ou

seja, o pregador faz o ouvinte pensar e sentir a mensagem. Na interatividade

verbal e física, o ouvinte pode participar audivelmente respondendo ao prega­

dor ou mesmo se movimentando em uma ilustração interativa. A fim de explorar

melhor esse potencial da interatividade na pregação, os tópicos abaixo apre­

sentam algumas idéias sobre ambos os tipos de interatividade.

Interatividade mental e interatividade verbal

Considerado o maior mestre do diálogo, o filósofo Sócrates desenvolveu o método

didático que ele chamou de maiêutica, termo grego que significa"parto das idéias",

inspirado na profissão de sua mãe que era parteira. Sócrates envolvia seus alunos

num exercíciointenso de perguntas e respostas até que o próprio aluno descobrisse

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78. o ouvinte

a verdade sobre um determinado assunto, dando assim ocasião ao nascimento de

uma idéia. Da mesma maneira, Sócrates fazia com seus adversários intelectuais,

bombardeando-os com perguntas até que os adversários caíssem em contradição e

fossem derrotados por suas próprias idéias desencontradas. O método funcionava

com eficiência na Era Pré-Moderna, milênios atrás, e, por incrível que pareça,

continua a ser um método poderoso de ensino também na Era Pós-Moderna, que

mais do que nunca é a era do diálogo e da interatividade. Embora não sejamos

Sócrates, podemos aprender com seu método e utilizá-lo com poder na comuni­

cação com o ouvinte pós-moderno.

Mas o maior Mestre de todos os tempos foi um passo além e utilizou o

método socrático com maestria tanto no plano verbal como no plano mental. Se

Sócrates foi o rei do diálogo, Jesus Cristo foi o rei da interatividade em todos os

sentidos. Toda a sua mensagem consistia em uma constante troca com seu ouvinte,

quer o auditório fosse uma grande multidão, um pequeno grupo como os discípu­

los, ou mesmo um ouvinte individual. Por isso era comum ouvi-lo fazer perguntas à

sua audiência, interagindo com pensamentos, opiniões e sentimentos do ouvinte.

Por exemplo, ao aguçar a lembrança de seus ouvintes com a expressão"ouvistesque

foi dito" (Mt 5.43), Ele interagia diretamente com a memória e com a bagagem

cultural do ouvinte, para então levá-lo a pensar e enxergar um novo ângulo da

verdade. Ao perguntar "quem dizem as multidões que sou Eu?" (Lc 9.18), Ele

interagia com a opinião pessoal e com as idéias de cada ouvinte. Ou seja, qualquer

que fosse o número de ouvintes e de opiniões, Cristo interagia com todos eles ao

mesmo tempo, porque cada ouvinte era estimulado a pensar em sua própria opinião

e na opinião de pessoas conhecidas.

Mas acima de tudo, Cristo sabia interagir com as mais profundas emo­

ções de seu ouvinte. Sabendo que em todo auditório havia pessoas torturadas

por preocupações, angústia e estresse, Ele atingia o coração das pessoas ao per­

guntar "por que andais ansiosos?" (Mt 6.28), ou ainda "qual de vós, por ansioso

que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso de sua vida?" (Mt 6.27). Através

dessa interação, Cristo ajudava seu ouvinte a reavaliar seus valores e a reorganizar

sua vida emocional. Muitas vezes Cristo interagia diretamente com o comporta­

mento' com o relacionamento e com a sensibilidade de seu ouvinte. Após contar

a parábola do bom samaritano, ele disparou uma pergunta no mínimo desconcer­

tante para ouvintes insensíveis: "qual destes três te parece ter sido o próximo do

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comunicando a mensagem a ouvintes pós-modernos _ 79

homem que caiu nas mãos dos salteadores?" (Lc 10.36). A força da pergunta

levou cada ouvinte a encontrar ele mesmo a resposta e a conclusão.

Por incrível que pareça, o método que Cristo usou há dois mil anos ainda nos

fornece um modelo de método para atingir o ouvinte pós-moderno. A interatividade

em diferentes formatos parece ser o caminho mais adequado para alcançar o coração

da nova geração. Dentro desse conceito de interatividade, os tópicos abaixo discu­

tem algumas estratégias sugeridas por diferentes autores para a apresentação da

mensagem bíblica de forma relevante ao contexto pós-moderno.

Pregação narrativa e o uso de histórias

Contar histórias tem sido o método por excelência através dos tempos. Foi assim

no Antigo Testamento, continuou assim nos dias de Cristo,e ainda hoje esse é um

dos métodos mais poderosos para apresentação da mensagem bíblica. Talvez seja

esse o único método que transcende os limites de tempo e espaço, pois, indepen­

dente de época, região ou cultura, esse método narrativo fascinava o ouvinte antes

do Pré-Modernismo e tudo indica que vai continuar fascinando as pessoas além do

Pós-Modernismo. Existe um poder mágico numa história bem contada, que é

capaz de absorver a atenção e a concentração de ouvintes de qualquer idade, raça,

nível cultural ou posição social.

Mas qual é essa mágica e encanto existente na apresentação de uma his­

tória? Aparentemente as histórias são capazes de atingir cada faceta de um ser

humano, afetando as emoções, desafiando o intelecto, motivando o coração e

influenciando o comportamento das pessoas. Não é por acaso que as lendas, as

fábulas e os mitos de povos antigos, apesar de terem atravessado milênios, per­

manecem vivos na literatura universal. Muitas vezes são o único registro de

um determinado povo ou cultura que conseguiu sobreviver ao tempo, às guer­

ras e às catástrofes. Isso nos diz muito sobre o poder das histórias.

Inúmeros livros têm sido escritos sobre o poder das histórias. Annette Sim­

mons fala sobre a psicologia das histórias e ressalta alguns elementos fundamen­

tais sobre essa magia que as toma tão poderosas na mente e na vida das pessoas.

1. Poderdeconexão - Histórias criam um elo de conexão entre quem conta e

quem ouve a história, independente das diferenças raciais, sociais ou culturais.

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80. o ouvinte

Por mais diferentes que sejamos, as histórias têm o poder de conectar aspessoas por

meio de um vínculo que é comum a todos: somos todos humanos - com tudo que

isso tem de bom e de ruim. Isso significa que todos nós vivenciamos experiências

semelhantes, como: sucessose fracassos; surpresas e decepções; amor e ódio; alegria

e tristeza; amizades e inimizades; vida familiar e profissional. Contar uma história

que envolva qualquer aspecto da vida conecta o orador e o ouvinte no reconheci­

mento de que juntos partilham a mesma humanidade.' Esse poder de conexão faz

toda a diferença no impacto da pregação a qualquer ouvinte, e particularmente ao

ouvinte pós-moderno. Pregadores que desejam influenciar pessoas jamais podem

subestimar o poder das histórias.

2. Tocar oinconsciente - Histórias têm o poder de impressionar a mente cons­

ciente e inspirar o inconsciente. Ao tocar o inconsciente das pessoas, as histórias

deixam marcas que podem durar para o resto da vida, pois ele armazena essas

impressões no íntimo do ser. Com certeza, todos nós nos lembramos de alguma

história do passado que até hoje influencia nossos pensamentos e idéias. Isso con­

cede ao pregador um enorme poder de influência, o que também implica uma

pesada responsabilidade. Histórias sempre tiveram essepoder, mas o que as torna

altamente estratégicas hoje é o fato de que a geração pós-moderna irá ouvir a

qualquer pessoa que conte a história mais relevante para ela, quer seja a mídia, um

artista, um livro oriental ou um pregador.

3. Dar atenção às carências emocionais - Além de tocar o inconsciente, as

histórias também tocam profundamente as emoções. Pelas pressões e correrias

de nossa sociedade tecnológica, praticamente o ouvinte de qualquer auditório

tem estado carente de atenção. Por ela, pagaria qualquer preço. Devido a essa

falta de atenção, mesmo daqueles a quem ama, o ouvinte pós-moderno quer se

sentir tocado, percebido, notado. Q1Ier sentir que pertence a alguém. Ele não

precisa de mais informação, pois isso já tem de sobra. O que quer é encontrar

algum sentido para tudo isso. Quando conta uma história que toca alguém, você

1 Annette Simmons, The Story Factor: Inspiration, Influence, and Persuasion through the

Art of Storytelling, 2001.

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comunicando a mensagem a ouvintes pós-modernos • 81

oferecea essapessoa o dom da atenção humana, satisfazendo uma carência, tocan­

do o coração e fazendo com que a pessoa se sinta mais viva. Isso não tem preço, e

o ouvinte vai corresponder a essa atenção emocional. É isso que torna as histórias

tão ricas e poderosas.

4. Enriquecerjàtos everdades - Além de conectar o orador com os ouvintes e

tocar o inconsciente, as histórias também têm o poder de tornar atraente qualquer

verdade ou tema que de outra forma poderiam ser rejeitados como inconvenientes

ou indesejáveis. Veja como uma fábula judaica ilustra com maestria esse efeito

embe1ezador e enriquecedor que as histórias são capazes de produzir:

Verdade, nua e sem agasalhos, tinha sido lançada fora de todas as casas da aldeia.

Sua nudez espantava e repelia as pessoas. Quando Parábola a encontrou, Verdade

estava jogada numa esquina, com frio e faminta. Sentindo piedade dela, Parábola

a tomou pela mão e a levou para casa. Ali, Verdade foi agasalhada com roupas

tecidas em história, aquecida e enviada de volta à aldeia. Agora, vestida de tecido

história, Verdade bateu novamente na porta dos moradores da aldeia e foi pron­

tamente recebida e bem-vinda em todas as casas. As pessoas a convidaram para

jantar à mesa e se aquecer ao pé da lareira. (História didática judaicaj.?

Não há dúvida, as histórias possuem um poder encantador capaz de abrir

as portas do coração e da vida das pessoas. De fato, ainda que a verdade seja

difícil de aceitar ou impopular, uma boa história consegue quebrar as barreiras

do preconceito e da rejeição, pavimentando o caminho da simpatia e da aceita­

ção da mensagem. Esse revestimento da verdade explica a superioridade das

histórias sobre a mera apresentação de fatos.

5. Perspectiva multidimensional- Os fatos narram ocorrências numa dimen­

são cronológica, como uma mera seqüência de eventos. Uma história tem a

vantagem de explorar diferentes dimensões de um fato ou ocorrência, como: as

emoções sentidas; as pessoas envolvidas; o significado de cada evento; e as con­

seqüências do fato para a vida das pessoas. Por exemplo, uma coisa é narrar um

2 Idem, p. 27.

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82. o ouvinte

incêndio numa casa que resultou na morte de uma criança. Outra coisa é descre­

ver a angústia de uma mãe desesperada para salvar o filho preso num cômodo da

casa em chamas. Essa é a diferença entre fatos e histórias.

N a prática, os fatos não têm nenhuma influência sobre a pessoa a menos

que eles tenham um significado para ela. Por isso, a interpretação dos fatos e das

experiências da vida é feita com base nas histórias que a pessoa viveu ou conhe­

ce. Qualquer que seja a mensagem, o ouvinte vai buscar histórias conhecidas

como referência para que os fatos façam sentido para ele. É aqui que entra o

poder das histórias. Elas proporcionam um contexto para que os fatos se encai­

xem na mente do ouvinte.

Lembro-me da única ocasião em que tive o privilégio de assistir pessoalmente

a um sermão do grande pregador Billy Graham. Eu já o conhecia muito através de

livros e vídeos, mas tinha curiosidade de ouvi-lo pessoalmente. Era junho de 2003,

e eu morava em Indianápolis, Estados Unidos, onde concluía meus estudos douto­

rais. As famosas cruzadas evangelísticas que marcaram a vida de Billy Graham, ao

longo de 50 anos de ministério, estavam agora muito escassas devido à sua saúde

debilitada e idade avançada, 85 anos. Num final de semana, resolvi procurar na

Internet a programação de eventos do grande evangelista e descobri que em 2003

ele tinha na agenda apenas duas grandes cruzadas, uma em San Diego, na Califór­

nia, e a outra em Oklahoma City, Oklahoma. Para minha surpresa, percebi que o

evento de Oklahoma City ocorreria exatamente dali a uma semana, ou seja,nos dias

12 a 15 de junho. Consultei um mapa e vi que a distância era de 740 milhas, cerca

de 1200 quilômetros. Não tive dúvida. No final de semana seguinte, aluguei um

carro, para maior segurança e conforto na estrada, levantei bem cedo e viajei doze

horas de Indianápolis a Oklahoma City. Quando cheguei, o evento daquela noite já

tinha começado e assisti apenas à parte final. Mesmo assim permaneci na cidade

para assistir ao encerramento da Cruzada no dia seguinte.

Entrei no grande ginásio coberto e acomodei-me num dos assentos da arqui­

bancada. Cerca de 100 mil pessoas estavam presentes. Eu sabia que vivia ali um

momento histórico, pois não haveria muitas oportunidades daquelas no futuro.

De fato, só houve mais duas cruzadas em 2004 e, depois disso, não foram agenda­

dos mais esses grandes eventos, que certamente exigiam muita energia para uma

pessoa idosa.

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o programa começou com um concerto musical da cantora gospel CeCe

Winans e outros artistas evangélicos. Depois o público se uniu aos artistas cantando

com vibração cânticos e corinhos no estilo gospel bem contemporâneo. Após o

testemunho de um líder político de Oklahoma, veio o maestro CliffBarrows, inse­

parável ministro da música de Billy Graham, saudando o público e convidando

todos a entoar sob sua regência alguns hinos tradicionais como, por exemplo, "Gló­

rias ao Rei de Amor." Logo em seguida, CliffBarrows volta-se para o grande coral

de três mil vozes, atrás do palco, e rege com solenidade o hino tradicional "Santo!

Santo! Santo!" Depois foi a vez de George Bever1y Shea, o idoso companheiro e

cantor oficial de Billy Graham, dirigir-se ao público, com sua voz grave, e apresen­

tarum solo do hino tradicional"Vestido em LinhoJesus Desceu". Eu fiquei impres­

sionado com a variedade de estilos, combinando o contemporâneo com o tradicional

e oferecendo um cardápio musical com sabores para todos os gostos.

Eu aguardava a mensagem com muita expectativa e realmente esperava ouvir

um show de oratória no mais puro estilo tradicional, com toda a eloqüência que eu

já tinha visto nas fitas de vídeo. Por outro lado, eu me perguntava como um prega­

dor idoso, de estilo antigo e linha tradicional, poderia atrair um público de todas as

idades, estranhamente composto de maioria jovem da era pós-moderna, incluindo

muitos adolescentes. Seria o mito? A música gospel somente? Ou o que mais?

De repente chegou o momento tão esperado. O velho pregador se levanta,

com a imponência de sua estatura acima da média e sua vasta cabeleira branca, e

caminha lentamente para o púlpito. Estava nitidamente cansado pelos anos, mas

conservava o mesmo porte nobre que sempre o caracterizou. Sua introdução foi

bem simples. Primeiro agradeceu os aplausos e dedicou-os ao Senhorjesus Cristo,

atraindo ainda mais aplausos. Contou algumas experiências missionárias e falou

das bênçãos de Deus ao longo de seu ministério, fazendo uma referência carinhosa

à sua esposa Ruth, que não estava presente por causa da saúde debilitada, mas a

quem agradeceu o apoio incondicional ao seu ministério. Em seguida dirigiu-se

ao público em tom de despedida, afirmando que possivelmente aquela seria a

última vez que os visitava e, bem-humorado, brincou dizendo que não se preocu­

passem, que ele não tinha medo da morte.

Seu sermão foi direto ao ponto. Leu a parábola do filho pródigo e fez

uma rápida aplicação sobre o amor de Deus, sempre de braços abertos para rece­

ber os pecadores. O resto do sermão foi uma única história, a de sua conversão.

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84. o ouvinte

Aos 16 anos de idade, não tinha nenhuma simpatia pela igreja nem vontade de

freqüentá-la. Naquela ocasião, um polêmico evangelista itinerante fez uma série de

conferências bíblicas durante quase três meses em sua cidade natal, o que dividiu a

cidade em contra ou a favor do pregador. Billy não tinha a menor intenção de ir

assistir,até que seu melhor amigo o convidou para irem juntos, com uma turma de

amigos, ouviro pregador "briguento", como eleso chamavam. O convite foi melhor

ainda porque o amigo disse que Billypoderia dirigir seu automóvel. Chegando lá,

sentaram no fundo do auditório como meros observadores. Apesar de sua indife­

rença, Billy Graham contou que, de alguma maneira inexplicável, a mensagem

daquele pregador tocou profundamente o seu coração, e elevoltou para casaimerso

em profundos pensamentos. Dali em diante não perdeu mais nenhuma noite. No

final da série de pregações, tomou a decisão de consagrar a vida a Jesus Cristo e

tornar-se um evangelista, uma decisão que o acompanhou para o resto da vida.

Ao terminar de contar a história de sua vida, Billy Graham voltou-se para o

público e, de maneira simples e direta, perguntou quantos gostariam de tomar uma

decisão semelhante e consagrar a vida a Cristo naquele momento. Imediatamente,

enquanto o coral cantava o hino "Tal Qual Estou", milhares de jovens e adultos

atenderam ao apelo, descendo das arquibancadas para conversar e orar com ins­

trutores bíblicos que os aguardavam na frente do palco.

Naquela noite aprendi uma grande lição de pregação bíblica e entendi por

que o ministério de Bi1ly Graham foi tão fecundo e bem-sucedido. Mesmo

tendo iniciado seu ministério meio século antes, o idoso pregador demonstrou

profunda sensibilidade e discernimento para adaptar-se ao estilo de sucessivas

gerações de ouvintes, variando desde a oratória clássica dos anos 50 até o estilo

narrativo que atrai a geração pós-moderna.

Em suma, as histórias são poderosas porque cada pessoa tem uma histó­

ria, cada vida é uma história, e cada cristão tem uma história de salvação pes­

soal, diferente da história de qualquer outra pessoa. Cada uma dessas histórias

é única em si e riquíssima em fatos, eventos, relacionamentos, emoções e signi­

ficados. Por isso, o colorido de uma história sempre fará eco na vida das pessoas

e dará riqueza à mensagem de um sermão.

Falando ainda sobre o princípio geral da interatividade com o ouvinte, o

pregador é livre para usar uma variedade infinita de recursos, além das histórias,

e até mesmo criar diferentes métodos e abordagens para apresentação da mensa-

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gem bíblica. A seguir apresentamos mais algumas idéias que podem ser explora­

das e desenvolvidas pelo pregador, dependendo do gosto, da experiência e do

estilo pessoal de cada um.

Abordagem jornalística

o bom jornalismo nada mais é do que a arte de transformar a notícia em história e

dar à informação um colorido rico. Da mesma forma, uma boa maneira de enrique­

cer a pregação é transformar a mensagem em história e dar um brilho inspirador à

informação e aos fatos bíblicos. Propondo uma abordagem jornalística à pregação,

Galli e Larson (1994)3 apresentam diferentes estratégias que podem tornar a men­

sagem mais atraente para o ouvinte pós-moderno, conforme esboçado abaixo.

1. Caracterização dospersonagens - As pessoas são curiosas a respeito de

outras pessoas e isso é muito bem explorado pela mídia e pelo jornalismo. Aliás,

a mídia está sempre fabricando personagens, quer sejam heróis ou vilões, por­

que sabe que as pessoas são atraídas para tudo que se relacione com outras pes­

soas. Como a Bíblia é rica em heróis e personagens fascinantes, uma abordagem

jornalística à pregação seria explorar os traços dominantes da personalidade desses

personagens. Elementos como a coragem de Davi, a ousadia de Daniel, a insta­

bilidade de Pedro, o romance de Isaque e Rebeca, o temperamento explosivo de

Saul e outros traços ou episódios de diferentes personagens criam quadros vivos

na mente e na imaginação do ouvinte.

2. Entrevistas- Aproveitando a curiosidade do ouvinte sobre outras pessoas,

as entrevistas são um meio poderoso de atrair a atenção e ilustrar diferentes con­

ceitos. Essa é uma estratégia clássica do jornalismo, não apenas para atrair atenção,

mas sobretudo para citar e demonstrar fontes ao vivo. Isso confere autenticidade à

informação além de apresentar uma fonte viva e atual no momento presente. No

caso do ouvinte pós-moderno, a entrevista reveste-se de uma relevância muito

3 Galli, Mark, e Larson, Craig B. Preaching that Connects: Using journalistic Techniques

to Add Impact, p. 81-84.

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86. o ouvinte

especial por uma razão muito simples. Considerando a tendência pós-moderna

de rejeitar as metanarrativas históricas e valorizar a opinião pessoal, o ouvinte de

hoje tende a dar preferência e maior credibilidade a uma pequena história indivi­

dual contada numa entrevista a aceitar a autoridade de um teólogo ou autor de

renome, até porque a cultura pós-moderna tende a rejeitar qualquer forma de

autoridade. Uma entrevista faz sentido imediato para o ouvinte porque a fonte da

informação está ali presente, diante de seus olhos, falando do que experimentou e

afirmando aquilo que sente ou pensa interiormente. Para a mentalidade pós­

moderna, o que mais importa é aquilo que cada pessoa sente e pensa. Em outras

palavras, se algo faz sentido para uma pessoa, isso deve ser importante para outros

também e muito mais relevante do que qualquer documento histórico escrito no

passado por pessoas cuja experiência é totalmente desconhecida do ouvinte.

Para um ouvinte pós-moderno, não existe argumento mais forte sobre o poder

da salvação do que uma pessoa contar a sua história pessoal de salvação e transfor­

mação. O pregador pode, por exemplo, entrevistar uma pessoa sobre a sua experiên­

cia e depois aplicar os conceitos bíblicos relacionados com aquela experiência. Para

um sermão sobre a fé, não existe abordagem mais convincente do que uma pessoa

contar uma conquista que obteve pela fé. Para falar sobre o poder da oração, não

existe argumento mais forte do que uma pessoa contar uma bênção recebida por

meio da oração insistente e perseverante. Em outras palavras, a entrevista possui o

poder de um testemunho pessoal, que é real, atual, autêntico e significativo.

A estratégia de realizar entrevistas pode ser utilizada com diferentes tipos de

pessoas. Dependendo do tema, o pregador pode entrevistar crianças,jovens, adultos,

pais e filhos, professores e alunos, recém-convertidos ou pessoas nascidas no seio da

igreja, e assim por diante. Em todos esses casos, a entrevista pode dar o formato da

mensagem, enquanto o conteúdo deve ser cuidadosamente preparado com sólida

base bíblica relacionada com as perguntas da entrevista.

Filmes, vídeos e videoclipes

Considerando que as circunstâncias culturais da geração atual valorizam cada vez

mais o fator visual, o uso de vídeo torna-se cada vez mais um recurso poderoso na

comunicação. Devido ao intenso contato com telas de TV e computadores ao longo

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da vida, estudiosose pesquisadoresafirmam que o cérebro da geração atual processa

a informação de maneira diferente do que ocorriacom asgeraçõesanteriores. Como

disse um pregador, a geração atual vivecom uma tela na frente dos olhos, e a única

questão relevante a ser discutida é qual o conteúdo que será exposto nessa tela."

Cada vez que chega perante uma congregação, portanto, o pregador tem

diante de si um grupo de ouvintes ávidos por imagens visuais. Isso constitui

uma oportunidade de ouro para encher a tela visual dos ouvintes com imagens

que motivem a reflexão espiritual de modo a produzir uma experiência espiri­

tual relevante. Assim, os videoclipes e filmes, quando sabiamente empregados,

tornam-se poderosas ilustrações na pregação.

Trechos de filmes que contenham uma história marcante podem consti­

tuir uma ilustração vívida de um determinado tema. Com cautela e sabedoria,

o pregador pode escolher algumas cenas de impacto positivo. Certa ocasião,

por exemplo, preguei um sermão sobre "A Responsabilidade da Escolha Indivi­

dual". Depois de comentar as escolhas diferentes de filhos criados na mesma

família, tais como Caim e Abel, Esaú e Jacó, desenvolvi o argumento de que

Deus não viola o nosso direito de escolha, e, portanto, a responsabilidade per­

tence a cada um. Para ilustrar esse conceito, no meio do sermão usei um exem­

plo visual e projetei um trecho do filme "Voltando a Viver", baseado na história

verídica de Antwone Fisher, interpretado pelo ator Derek Luke, tendo como

coadjuvante Denzel Washington. O filme conta a história de um menino negro

que foi rejeitado pela mãe e acabou sendo criado por alguns parentes em meio à

pobreza e à miséria da periferia de uma grande cidade. Ao longo da vida, foi

maltratado e abusado em casa, discriminado na escola, perseguido e humilhado

pelos colegas de rua que viviam mergulhados no tráfico de drogas. Nunca conhe­

ceu o pai nem a mãe. Finalmente entrou para a Marinha americana e, já adulto,

resolveu procurar a mãe. Com a ajuda de um parente, finalmente a encontrou.

Depois de contar essa história, projetei na tela a cena emocionante do encontro

dele com a mãe, em que ele diz a ela o seguinte: "Por que você não veio me ver?

Todos os dias na escola eu esperava até a última hora, achando que você viria me

4 Graham Johnston, Preaching to a Postmodern World: A Guide to Reaching Twenty­

first-Century Listeners, p. 164.

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88. o ouvinte

buscar e me levar para casa! A minha vida foi muito difícil, mas quero que

você saiba que eu sou um homem de bem, sou formado, tenho uma profissão,

falo três idiomas, nunca fumei, nunca bebi, nunca usei drogas!" Depois do

sermão, algumas pessoas mais jovens vieram comentar comigo sobre como a

mensagem as ajudou a refletir sobre as suas escolhas pessoais. Percebi que o

efeito foi positivo.

Outro recurso poderoso que pode ser utilizado em vídeo é a produção de

entrevistas filmadas com os membros da igreja ou com outras pessoas de dife­

rentes idades e atividades. Aliás, esse recurso pode ser considerado uma exten­

são da abordagem jornalística discutida no tópico anterior. Numa das igrejas

em que fui pastor, a liderança de jovens organizou uma equipe de produção

que preparava vídeos que iam ao "ar" semanalmente na hora do culto jovem. Os

vídeos eram projetados em telão e continham entrevistas feitas com os jovens

sobre o tema da mensagem a ser apresentada naquele final de semana. É uma

atividade que exige muito trabalho e dedicação, pois envolve uma produção real,

com preparo de roteiro, captação de imagens, edição de imagens e apresentação

final. Mas os jovens gostam desses desafios e fazem todo esforço para participar.

O efeito desse programa tem sido altamente positivo, e o programa continua ativo

por quase duas décadas!

Noutra ocasião fui nomeado conselheiro dos jovens da igreja que eu fre­

qüentava e passei a participar das comissões de planejamento de todas as ativida­

des dos jovens naquela igreja. Numa dessas reuniões, surgiu a mesma idéia de

produzirmos um programa de vídeo entrevistando osjovens da igreja.Rapidamente

o grupo implantou a nova idéia. O programa foi batizado com o nome de "Vídeo

Jovem" e também era projetado semanalmente no culto de jovens. A equipe de

produção era composta de um roteirista, um cameraman, três apresentadores, que

se revezavam entrevistando os "personagens", e dois produtores que selecionavam

a cada semana osjovens que seriam entrevistados. O programa era projetado ime­

diatamente antes do sermão, entrevistando jovens sobre a experiência deles em

relação ao tema que seria apresentado pelo pregador. O resultado era uma ilustra­

ção viva do tema bíblico, com base em experiências sempre atuais coletadas com

pessoas da comunidade a cada semana. Para a geração pós-moderna, essa é uma

atividade altamente atraente que produz um impacto poderoso na compreensão

da mensagem, fazendo diferença real na vida das pessoas.

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comunicando a mensagem a ouvintes pós-modernos • 89

Drama e arte

Outra forma de ilustração visual que já se tornou muito popular é a dramatização.

Como ocorre com toda inovação, ainda existe certa polêmica sobre o uso de drama

e encenações na pregação e no serviço de adoração. Sem querer entrar na polêmica

e no debate ideológico, prefiro ater-me a um princípio que me parece muito

claro: a essência da pregação é de natureza espiritual e imutável, enquanto a forma

e o método são de natureza cultural e mudam com o tempo e com as circunstân­

cias. Partindo desse princípio, é totalmente válido fazer inovações e explorar novos

métodos, desde que a essência da mensagem não seja comprometida.

Algumas igrejas já possuem o ministério do drama, que tem envolvido um

número cada vez maior de jovens e artistas cristãos. Longe de ser uma brincadeira

ou uma mera encenação improvisada, o ministério do drama é desenvolvido em

caráter altamente profissional e espirituaL Tive oportunidade de visitar algumas

vezes a Willow Creek Community Church, nas cercanias de Chicago, EUA, uma

igreja cristã interdenominacional que começou no início da década de 70 com a

proposta de atingir adolescentes e alunos de Segundo Grau por meio de música

contemporânea, drama e cursos bíblicos. Em pouco tempo a igreja cresceu de um

punhado de garotos e garotas para alguns milhares de jovens. Em 1975, a igreja

abriu suas portas para o público adulto, despertando pouco interesse e muita

oposição. Iniciaram com um grupo de apenas 125 adultos que diminuía a cada

semana. Aos poucos, porém, o novo ministério foi se estabelecendo. Hoje essa

igreja é a pioneira das megaigrejas evangélicas nos Estados Unidos, com 6.500

membros batizados e uma freqüência semanal de 17 mil pessoas, que assistem aos

seus três horários de culto, sendo um aos sábados e dois aos domingos. A nave

principal, onde se realiza o culto tradicional, acomoda cerca de 6 mil pessoas, mas

o complexo da igreja inclui um segundo auditório para o culto contemporâneo

dos jovens, além de uma grande livraria, vários balcões para os diversos ministé­

rios, uma creche, uma praça de alimentação e quadras de esporte.

Tanto no culto tradicional como no contemporâneo, a pregação é antecedida

por uma dramatização relacionada ao tema da mensagem. No desenrolar do drama,

alguns fatores que chamam a atenção são: o alto nível de profissionalismo; o con­

teúdo espiritual; e a solenidade da apresentação, causando uma impressão espiritual

positiva.Depois que conheci melhor a igrejaevisitei seu site (www.willowcreek.org),

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90. o ouvinte

tomei conhecimento de que o ministério do drama inclui cursos de treinamento

com aulas de teatro e estudo dos princípios bíblicos de reverência e adoração.

Centenas de jovens participam do ministério do drama, e todos que desejarem

podem se inscrever no programa de treinamento. Embora haja opiniões contro­

vertidas a respeito, trata-se de um ministério como qualquer outro na igreja, que

tem exercido um efeito poderoso na ampliação da compreensão da mensagem

bíblica para a geração pós-moderna.

Em princípio, o conceito de drama litúrgico tem sua inspiração nos temas

bíblicos que envolvem encenação de grandes verdades ou mensagens espirituais,

tais como: os sacrifíciosdo santuário do Antigo Testamento, que representavam o

plano da salvação (Lv 1); a experiência do profeta Oséias com a prostituta Gõmer,

que encenou o amor de Deus para com um povo infiel (Os 1); a experiência de

Ezequiel profetizando no vale de ossos secos, representando restauração espiritual

(Ez 37); as encenações teatrais de Jeremias com o cinto de linho (Jr 13.1-11) ou

com o vaso do oleiro (Jr 18.1-10), representando respectivamente a quebra do

orgulho de Israel e o domínio de Deus sobre as nações; as profecias simbólicas de

Daniel e do Apocalipse, com animais representando poderes políticos e religiosos

(Dn 7 e Ap. 13); a instituição do Batismo (Rm 6.3-5) e da Santa Ceia (Lc 22.14­

20), como ritos simbólicos da salvação;e assim por diante. Todos esses exemplos e

tantos outros falam eloqüentemente em favor do uso de encenações como recurso

didático e método de ensino das grandes verdades bíblicas.

De fato, não foi por acaso que Jesus instituiu o batismo e a santa ceia. Como

criador do ser humano, Cristo sabia o impacto duradouro que a experiência de

uma encenação solene teria sobre a vida das pessoas. É por isso que Ele, além de

instituir, decretou: "Fazei isto em memória de mim". E o apóstolo Paulo fez

questão de explicar e justificar o propósito didático e evangelístico da encenação

sagrada: "Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anun­

ciais a morte do Senhor, até que ele venha" (lCo 11.24 e 26). Portanto, se o

próprio Criador e Salvador fez uso da encenação sacra como método didático,

com certeza ele espera que o pregador tenha sabedoria para utilizar esse recurso

de modo a causar um impacto positivo em seus ouvintes.

Além disso, nesse episódio bíblico, também está embutido um princípio

norteador na encenação sacra. Não se deve esquecer que o propósito de todo dra­

ma na adoração é o mesmo apresentado pelo apóstolo Paulo: anunciar a morte do

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comunicando a mensagem a ouvintes pós-modernos • 91

Senhor e o plano da salvação. Esse princípio deve ser o critério fundamental para

fazer distinção entre o ministério do drama e o teatro popular. Enquanto o teatro

popular tem como propósito divertir a audiência, o drama sacro tem como propó­

sito ensinar e anunciar a salvação. Partindo desse princípio, não é apropriado na

adoração o uso de alguns elementos básicos do teatro popular, tais como o diver­

timento e a exibição pessoal. A fim de cumprir o seu propósito didático, o drama

sacro deve ser preparado e ensaiado com cuidado, buscando evitar todo elemento

de vulgaridade, humor pobre, piadas, gestos grosseiros ou cenas que visem apenas

à exibição pessoal dos artistas. Com oração, bom senso, foco espiritual, profissio­

nalismo e bom gosto, o ministério do drama pode ser uma ferramenta poderosa

para a ilustração de temas bíblicos na pregação e na adoração.

Em suma, diferentes estratégias de comunicação produzem diferentes efei­

tos em diferentes ouvintes, e uma boa comunicação tem o poder de transmitir a

beleza da mensagem e alcançar o ouvinte do terceiro milênio. Contudo, o tipo

de comunicação adotado está diretamente relacionado com o estilo e com a

pessoa do pregador em si. Por isso, a próxima seção explora os recursos do pre­

gador e suas qualificações para melhor comunicar a mensagem divina por meio

da pregação bíblica.

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segunda parte

o pregador

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Capítulo 5

Como pregar sem atrapalhar o culto

"Seja suafala melhordoqueosilêncio - ouentãofíque calado. "

DIONÍSIO

Alguns sermões têm a capacidade de atrapalhar o culto. Você pode achar

estranho, mas é isso mesmo que quero dizer: algumas vezes o culto

seria melhor se não houvesse o sermão! Aliás, sempre que a pregação for

vazia e sem poder, atrapalhará o culto. Às vezes o culto começa bem, com um

poderoso hino congregacional, orações fervorosas e uma inspiradora mensagem

musical. Tudo vai muito bem até o momento em que começa o sermão. Nesse

ponto, algumas vezes, um sermão mal preparado e sem conteúdo começa a tor­

turar os adoradores com frases repetitivas e de pouco sentido, destruindo todo o

clima espiritual criado pelo louvor. E, o que é pior, o pregador não se contenta

em ativar essa câmara de tortura por apenas meia hora - não raro se estende por

uma hora ou mais.

Talvez pareça exagero dizer que o sermão prejudica o culto, mas a Bíblia

adverte contra pastores que apascentam tão mal que fazem as ovelhas fugir:

"Portanto assim diz o Senhor, o Deus de Israel, acerca dos pastores que apas­

centam o meu povo: Vós dispersastes as minhas ovelhas, e as afugentastes..."

(Jr 23.2). Segundo Buttrick, citado ria revista Ministry, "as pessoas abando­

nam a igreja não tanto por uma verdade rigorosa que as torne incomodadas,

mas pelas fracas ninharias que as tornam desinteressadas".

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96 • o pregador

Em outras palavras, sermões vazios não só atrapalham o culto como podem

acabar afastando as pessoas da igreja, criando nelas um total desinteresse pela

adoração. Pode até ser que Deus faça o milagre de ajudar alguém com um sermão

desses, mas isso não justifica o despreparo do pregador.

Particularmente os ouvintes do terceiro milênio, ou da chamada era pós­

moderna, são extremamente sensíveisà comunicação sem relevância e aos comen­

tários com julgamentos, em que a congregação fica procurando um significado

prático ou um objetivo consistente e não encontra. Se no passado esses sermões

sempre incomodaram os ouvintes, hoje, mais do que nunca, eles devem ser evita­

dos a todo custo.

Sermões que atrapalham o culto

Apenas para ilustrar, vamos fazer uma rápida classificação dos sermões que mais

atrapalham o culto. Se você freqüenta igreja há vários anos, é provável que já se

deparou com alguns desses sermões mais de uma vez. Veja a seguir um "catálogo"

desses sermões que mais atrapalham o culto.

o sermão comédia

Esse é um tipo de sermão que parece ter a finalidade de apenas divertir e entreter,

pois geralmente consiste numa seqüência de piadas e histórias engraçadas. Talvez

seria mais apropriado para uma peça cômica de teatro, uma vez que lhe falta um

conteúdo bíblico consistente. Histórias bem-humoradas podem ser apropriadas

para o púlpito, desde que sejam apresentadas como ilustração, e não como a essência

do sermão. A Bíblia acima de tudo deve ser a essência do sermão, e qualquer

ilustração só será válida se ajudar a esclarecer e reforçar a mensagem bíblica dentro

do contexto da adoração.

o sermão de terror

Alguns sermões parecem flimes de terror, como se a motivação para ser um cristão

fosse o medo da punição e do castigo divino, ou mesmo o pavor do inferno.

Esses sermões muitas vezes pintam a imagem de um Deus-polícia, constante­

mente fiscalizando os erros dos cristãos. Talvez fossem mais apropriados para

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como pregar sem atrapalhar o culto • 97

um treinamento policial. O ouvinte precisa entender que a motivação genuína

para a vida cristã é o amor que Deus derrama sobre nós por meio da salvação. A

única resposta que Deus espera de nós é uma vida de lealdade por amor a Cristo,

e não o medo do castigo eterno. Em outras palavras, a obediência e a lealdade

devem ser fruto do amor e não do medo ou do terror.

o sermão drama

Peças ou histórias dramáticas podem ser uma boa fonte de ilustração, desde que

usadas sem exagero ou excesso. Agora, fazer do sermão inteiro um discurso dra­

mático com o mero fim de manipular as emoções dos ouvintes e levá-los às lágri­

mas não condiz com o propósito de um sermão relevante. Sermões baseados

inteiramente em histórias de acidentes trágicos, doenças terminais ou casos de

depressão e suicídio criam um clima emocional impróprio para a mensagem e não

produzem um efeito espiritual positivo. O clima emocional pode ser útil quando

usado discretamente com um claro propósito espiritual.

o sermão "reality show"

São comuns hoje os programas de TV em forma de show da realidade, cujo pro­

pósito é prender a atenção do ouvinte através da expectativa de fatos curiosos

numa situação real filmada para um show de TV Esses programas incluem seria­

dos explorando a vida de celebridades, competição entre candidatos disputando

uma oportunidade profissional ou artística, grupos de pessoas em aventuras radi­

cais, e assim por diante. Alguns sermões se demoram tanto em explorar a vida de

artistas e celebridades ou em comentar resultados dos shows de TV que mais

parecem do tipo "reality show", carecendo assim de consistência bíblica e produ­

zindo pouco ou nenhum efeito espiritual para inspirar uma vida cristã mais ele­

vada. Esse tipo de sermão não é relevante para as necessidades dos ouvintes.

o sermão virtual

Esse tipo de sermão existe na imaginação do pregador e na expectativa dos ouvin­

tes, mas na realidade ele está longe de ser um sermão consistente. Ou seja, parece

sermão, mas na realidade não é. Geralmente entram nessa categoria os sermões

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98 • o pregador

improvisados, sem uma linha de pensamento, que mais parecem um amontoado

de frases e idéias sem conexão umas com as outras. As informações surgem de

acordo com a imaginação imediata do pregador, claramente evidenciando falta de

preparo e propósito. O sermão precisar ser real e não virtual, possuir uma estrutu­

ra real, seguir uma linha de pensamento real, transmitir um conteúdo real, e ser

aplicado às necessidades reais dos ouvintes.

o sermão anestésico

É aquele que parece anestesia geral. Mal o pregador começou a falar e a congre­

gação já está quase roncando. Caracteriza-se pelo tom de voz monótono, arras­

tado, e pelo linguajar pesado, típico do começo do século, com expressões arcaicas

e carregadas de chavões deste tipo: "Prezados irmãos, estamos chegando aos derra­

deiros meandros desta senda". Por que não dizer: "Irmãos, estamos chegando às

últimas curvas do caminho"? Seria tão mais fácil de entender. Ficar acordado

num sermão desse tipo é quase uma prova de resistência física. Como dizia

Spurgeon: "Há colegas de ministério que pregam de modo intolerável: ou nos

provocam raiva ou nos dão sono. Nenhum anestésico pode igualar-se a alguns

discursos nas propriedades soníferas. Nenhum ser humano que não seja dotado

de infinita paciência poderia suportar ouvi-los, e bem faz a natureza em liber­

tá-lo por meio do sono".'

o sermãoinsípido

Esse sermão pode até ter uma linguagem mais moderna e um tom de voz melhor,

mas não tem gosto e é duro de engolir. As idéias são pálidas, sem nenhum

brilho que as torne interessantes. Muitas vezes é um sermão sobre temas profun­

dos, porém sem o sabor de uma aplicação contemporânea, ou sem o bom gosto

de uma ilustração. É como se fosse comida sem sal. É como pregar sobre as

profecias de Apocalipse, por exemplo, sem mostrar a importância disso para a

vida prática. O pregador não tem o direito de apresentar uma mensagem insípida,

1 C. H. Spurgeon, Lições aos Meus Alunos, v. 1, p. 32.

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como pregar sem atrapalhar o culto • 99

porque a Bíblia não é insípida. O pregador tem o dever de explorar as belezas da

Bíblia, selecioná-las, pois são tantas, e esbanjá-las perante a congregação.

o sermõo óbvio

É o tipo de sermão que diz apenas o que todo mundo já sabe e está cansado de

ouvir. O ouvinte é quase capaz de adivinhar o final de cada frase de tanto que

já a ouviu. É como ficar dizendo que roubar é pecado ou que quem se perder

não vai se salvar (é óbvio). Isso é uma verdade, mas tudo o que se fala no

púlpito é verdade. Com raras exceções, ninguém diz inverdades no púlpito. O

que falta é apenas revestir essa verdade de um interesse presente e imediato.

o sermão indiscreto

É aquele que fala de coisas apropriadas para qualquer ambiente menos para uma

igreja, onde as pessoas estão famintas do pão da vida. Às vezes, o assunto é impró­

prio até para outros ambientes. Certa ocasião, ouvi um pregador descrever o peca­

do de Davi com Bate-Seba com tantos detalhes que quase criou um clima erótico

na congregação. Noutra ocasião, uma senhora que costumava visitar a igreja con­

fessou-me que perdeu o interesse porque ouviu um sermão em que noventa por

cento do assunto girava em torno dos casos de prostituição da Bíblia, descritos

com detalhes. E acrescentou: ''Achei repugnante. Se eu quiser ouvir sobre prosti­

tuição, ligo a TV".

De outra vez, um amigo me contou de um sermão que o fez sair trauma­

tizado da igreja, pois o pregador gastou metade do tempo relatando as cenas

horrorosas de um caso de estupro. Por favor, pregadores: o púlpito não é para

isso. Para esse tipo de matéria existem os noticiários policiais.

o sermõo-reportagem

Esse sermão fala de tudo, menos da Bíblia. Inspira-se nas notícias de jornais,

manchetes de revistase reportagens da televisão.Parece uma compilação das notí­

cias de maior impacto da semana. É um sermão totalmente desprovido do poder

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100 • o pregador

do Espírito Santo e da beleza de Jesus Cristo. É uma tentativa de aproveitar o

interesse despertado pela mídia para substituir a falta de estudo da Palavra de

Deus. Com certeza existem notícias relevantes que merecem ser abordadas numa

introdução ou que podem despertar interesse para o tema do sermão. Contudo,

notícias devem ser usadas esporadicamente para rápidas ilustrações, nunca como

base de um sermão.

o sermão de marketing

É o sermão usado para promover e divulgar os projetos da igreja ou as atividades

dos diversos departamentos. Usar o púlpito, por exemplo, para promover congres­

sos, divulgar literatura, prestar relatórios financeiros ou estatísticos, ou fazer cam­

panhas para angariar fundos, seja qual for a finalidade, destrói o verdadeiro espírito

da adoração e, portanto, atrapalha o culto. A igreja precisa de marketing, e deve

haver um espaço para isso, mas nunca no púlpito. Isso deve ser feito preferivel­

mente em reuniões administrativas.

o sermão-metralhadora

É usado para disparar, machucar e ferir. Às vezes, a crítica é contra um grupo

com idéias opostas, contra administradores da igreja, contra uma pessoa peca­

dora ou rival, ou mesmo contra toda a congregação. Seja qual for o destino, o

púlpito não é uma arma para disparar contra ninguém. Às vezes, o pregador não

tem a coragem cristã de ir pessoalmente falar com um membro faltoso. Assim

se protege atrás de um microfone, onde ninguém vai refutá-lo, e dispara contra

uma única pessoa, sob o pretexto de "chamar o pecado pelo nome". Resultado:

aquela pessoa fica ferida e todas as outras famintas, enquanto o sermão perde o

seu poder e objetivo.

Às vezes, o disparo é contra um grupo de adultos ou de jovens suposta­

mente em pecado. Não é essa a maneira de ajudá-los. Convém ressaltar que

chamar opecado pelo nome não é chamar opecador pelo nome. Chamar o peca­

do pelo nome significa orar com o pecador e, se preciso, chorar com ele na luta

pela vitória. A congregação passa a semana machucando-se nas batalhas de um

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como pregar sem atrapalhar o culto • 101

mundo pecaminoso e de uma vida difícil e chega ao culto precisando de remédio

para as feridas espirituais, não de condenação por estar ferida. Em vez de chumbá­

la com uma lista de reprovações e obrigações, o pregador tem o dever santo de

oferecer o bálsamo de Gileade, o perdão de Cristo como esperança de restauração.

As obrigações, todo mundo conhece. Nenhum cristão desconhece os deveres do

evangelho. Em vez de apenas dizer que o cristão tem de ser honesto, por exemplo,

mostre-lhe como ser honesto pelo poder de Cristo. Isso é pregação com poder.

Todos esses sermões mencionados acima atrapalham o culto mais do que

ajudam. Prejudicam o adorador, prejudicam a adoração. São vazios de poder.

Se você quer ser um pregador de poder, busque a Deus, gaste dezenas de horas

no estudo da Bíblia antes de pregá-la, experimente o perdão de Cristo e estude

os recursos da comunicação que ajudam a chegar ao coração das pessoas. Esse

é o assunto dos próximos capítulos.

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Capítulo 6

Qualidades do pregador

~ bocafala do que o coração estácheio. "

JESUS CRISTO

Jesus Cristo resumiu numa frase todo o segredo do poder de um orador: o

coração! No caso do orador, como de qualquer outro profissional, o que dá

poder e autoridade é o que a pessoa é, não o que ela faz ou como o faz.

Aqui está a razão por que tantas pessoas talentosas não conseguem ir muito

longe no sucesso pessoal. Muitos profissionais fazem treinamento e mais trei­

namento, cursos de qualidade total, cursos de técnicas para o sucesso, mas aca­

bam não mudando muito na prática, porque não adianta mudar a forma sem

mudar o conteúdo, não adianta enfeitar o exterior se o interior está vazio.

O bom orador, especialmente o pregador, precisa ter qualidades técnicas e

um estilo de vida elevado. Juntas, essas qualidades lhe darão estrutura pessoal.

Vejamos algumas dessas qualidades.

Caráter

O orador precisa "ser dotado, principalmente, de qualidades morais, de hones­

tidade, critério e integridade a fim de que suas palavras e ações mereçam crédito

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104. o pregador

e possam comunicar, com sinceridade, ao auditório, a verdade, o bem e o belo".'

Ninguém quer ouvir um orador mentiroso e desonesto. Para ser cativante, ele

precisa ter um caráter atraente e respeitáveL Mesmo no mundo dos negócios, os

profissionais de maior sucesso não são os que conhecem melhor a técnica de con­

quistar os clientes, mas os que respeitam de verdade e se interessam realmente

pelo bem-estar dos clientes. No caso do pregador, isso é ainda mais verdadeiro,

pois ele tem de viver aquilo que prega. Para falar de maneira cativante, ele tem de

viver de maneira atraente e conquistar o respeito e a aprovação dos ouvintes.

Entusiasmo

o entusiasmo é o combustível da expressão verbal. O orador precisa vibrar em

cada afirmação e empolgar-se com cada idéia. Se a idéia não empolgar o ora­

dor, não merece ser dita, e nunca irá empolgar o auditório. Para falar com

entusiasmo, é preciso viver com entusiasmo. Para vibrar com as idéias, é preciso

vibrar com avida.Talvezsejaessaa razão por que há tão poucos oradores entusiastas.

Ou seja, se você se deixa arrastar por uma vida sem vibração, é difícil vibrar como

orador ou pregador. Os gregos chamavam ao entusiasmo "Deus interior'? ou Deus

dentro, segundo a etimologia da palavra.Talvez não hajamaneira melhor de descre­

ver o pregador, que, mais do que ninguém, precisa ter Deus dentro de si. Somente

com entusiasmo consegue-se realizar grandes coisas. Ele é o responsável pelas

grandes façanhas da humanidade.

Determinação

Determinação é a vontade indomável de conseguir o que se pretende. Resolva

falar bem e tire tempo para se preparar até conseguir.Thomas Edison, inventor da

lâmpada elétrica, atribuía seu sucesso a 1 por cento de inspiração e 99 por cento

de transpiração. É preciso lutar pelo que se deseja. Mais uma vez, porém, se não

houver determinação na vida, não vai haver determinação no púlpito.

1 Ignez B. C. D'Araújo, Oratória Eficiente de Hoje, p. 26.

2 Reinaldo Palito, Como Falar Corretamente e sem Inibições, P: 46.

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qualidades do pregador • lOS

Inspiração

Inspiração é a busca de melhores idéias. É a forma como o orador cria o discurso. No

discurso secular, a inspiração é natural No sermão, é sobrenatural. No discurso, é

uma espécie de luz que brilha com o surgimento de uma idéia rica. No sermão, é a

iluminação que brilha da comunhão com Deus, do estudo intenso da Bíblia, do

senso de ser um porta-voz da Divindade, da sensação de ter uma idéia de origem

divina. Também é importante que a vida do pregador seja uma inspiração para os

outros, pois isso contribuirá para que suas idéias sejam uma inspiração.

Sensibilidade

É a capacidade de adaptar a mensagem ao interesse e à necessidade do ouvinte. A

sensibilidade só será desenvolvida pelo contato com as pessoas e pelo interesse real

no bem-estar de cada uma. Não se trata de inteligência para decidir o que é

melhor para o ouvinte, mas é antes um envolvimento com o ouvinte, uma empatia

que faz o pregador sentir o problema das pessoas. No caso do pastor, muito disso

pode ser conseguido com visitação aos lares e envolvimento em atividades com a

juventude. Essa sensibilidade se consegue ouvindo as pessoas, sorrindo com elas e

às vezes chorando e orando com elas.

Observação

A observação pode ser desenvolvida pela prática. O orador deve estar sempre atento

para captar fatos interessantes e diferentes nas diversas situações da vida. Conheci

um pregador que costumava andar com uma caderneta só para anotar suas obser­

vações do dia-a-dia. O hábito de observar dará ao orador a habilidade de perceber

também pequenos incidentes relevantes no auditório e a reação dos ouvintes, a

fim de orientar a atuação no discurso.

No mundo acadêmico, a técnica de observação tem sido desenvolvida como

um método de coleta de dados para a pesquisa qualitativa, em que o pesquisador

observa e descreve fatos e comportamentos relacionados com o tema da pesquisa.

Em certo sentido, o pregador é um pesquisador que pode estar constantemente

investigando avida ao seu redor e coletando dados que podem se aplicar a diferentes

temas de sermão. Essa prática da observação dará ao pregador os recursos para

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106. o pregador

tomar o seu sermão mais atual e com um sabor mais realista, refletindo asexperiên­

cias que as pessoas vivem no dia-a-dia.

Capacidade de síntese

Conheci um pregador que escrevia todo o seu sermão após a pesquisa e a refle­

xão. Em seguida, fazia uma primeira leitura, cortando todas as frases e palavras

que julgava supérfluas ou desnecessárias, às vezes substituindo-as por expres­

sões menores. Finalmente, fazia uma segunda leitura, cortando mais algumas

palavras que haviam escapado à primeira leitura. Quando subia ao púlpito, apre­

sentava uma mensagem breve, em que cada palavra ou expressão era rica em

significado e beleza. Essa é uma boa maneira de exercitar a capacidade de síntese,

tão necessária ao orador.

A capacidade de síntese habilita o orador a dizer tudo o que for preciso,

somente o que for preciso, e nada mais do que preciso. Como é cansativo ouvir

discursos e sermões cheios de longas expressões que não acrescentam quase nada

ao conteúdo. Se você vai contar uma experiência, elimine os detalhes que não

contribuem para o propósito da ilustração. Se vai fazer uma aplicação, vá direto ao

ponto. Se tudo que você falar for consistente e objetivo, o ouvinte terá menos

oportunidade de desviar a atenção. A melhor comunicação é a que expressa mais

idéias com menos palavras. Observe os comerciais de televisão:veja quantas idéias

eles expressam em 10 ou 15 segundos! Aprenda com os comerciais de TV.

Imaginação e criatividade

A imaginação é a ferramenta da criatividade. É a capacidade de criar imagens agra­

dáveis para tomar os argumentos mais vivos e convincentes. Em vez de dizer as

coisas do mesmo jeito que todo mundo diz, imagine uma forma diferente para

tomá-las interessantes. Alejandro Bullón, pastor e evangelista, num de seus ser­

mões, descreve"Moisés sonhando com a terra prometida, onde pretendia desfrutar

a aposentadoria sentado numa cadeira de balanço e brincando com os netinhos".

Observe a imagem rica que foi criada com um texto bíblico tão conhecido.

A maior fonte de imaginação é a própria Bíblia. Cristo era um artista na

capacidade de imaginar. Analise como ele contou, por exemplo, a parábola da

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qualidades do pregador _ 107

ovelha perdida. Veja como Jesus imaginou os detalhes da parábola, o número de

ovelhas, o pastor colocando a perdida nos ombros, e depois a festa dos amigos pela

ovelha encontrada. O mesmo ocorre com a parábola da dracma perdida, em que

Cristo imagina a casa empoeirada, a mulher acendendo a luz, varrendo a casa e

depois festejando com as vizinhas. Em todas as parábolas, Jesus dá um verdadeiro

show de imaginação. Aprenda com Jesus a desenvolver sua imaginação.

Memória

O orador tem necessidade de cultivar a memória. Não precisa ser um gênio para se

habituar a memorizar coisas essenciais. Também não há necessidade de decorar

discursos ou sermões, o que aliás é até desaconselhável. Mas uma coisa indispen­

sável ao orador é ter sempre em mente a finalidade do discurso e a ordem das

idéias. Em nenhum momento você deve esquecer o objetivo do discurso, para não

perder o rumo e introduzir matéria estranha. Ter a seqüência na cabeça também

ajuda a não ficar muito preso ao papel.

Boa aparência

Nenhum orador precisa ser modelo fotográfico ou capa de revista, mas deve cui­

dar para que sua aparência não atrapalhe. Boa aparência ajuda a causar boa

impressão. Cabelos despenteados, roupa amarrotada ou suja, gravata com o nó

torto ou frouxo são coisas que indispõem o ouvinte para apreciar a mensagem.

Outro problema é a combinação da roupa. Imagine um orador com um paletó

verde, uma camisa azul e uma gravata laranja! Na medida do possível, você deve

primar pela aparência. A indumentária deve revelar bom gosto e asseio pessoal. O

orador deve ser sempre discreto, de acordo com o ambiente, hora e assunto. Ao

procurar combinar as cores, evite cores berrantes.

Vocabulário

O melhor vocabulário é o que se adapta a qualquer auditório. Deve ser amplo e

variado, mas simples e claro para que qualquer criança consiga entender. Afinal, os

auditórios estão cheios de crianças, e elas também merecem ouvir. Sempre evite a

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108. o pregador

vulgaridade, a gíria, a sofisticação e as palavras técnicas, como escatologia e pneu­

matologia, por exemplo. Certa ocasião, ouvi um pregador concluir seu sermão

convidando a congregação para orar com as seguintes palavras: "genoflexos ore­

mos". Os ouvintes se entreolharam sem saber o que fazer e sem se mover, até

perceberem que o próprio pregador se ajoelhou e então deduziram que "geno­

flexo" significa ajoelhado. Esse tipo de vocabulário realmente não ajuda a comu­

nicar a mensagem e, portanto, deve ser evitado. Ao contrário, é importante aprender

e utilizar uma boa variedade de palavras claras, e a melhor maneira de enriquecer

o vocabulário é praticar o hábito da leitura constante.

Humildade

Todas as qualidades acima se destinam a ajudar o pregador a desempenhar com

eficiência sua tarefa. Isso não significa que ele deva sentir-se um herói ou uma

estrela ao desenvolver essas qualidades, mas deve reconhecer suas limitações e sua

pequenez. Se você domina um assunto, lembre-se de que há muitos outros ainda

não dominados e há muito mais para aprender do que aquilo que você já sabe.

Acima de tudo, o pregador deve ter consciência de sua total dependência de Deus

para o cumprimento de sua missão. Por isso, nunca assuma o ar de que é o dono

da verdade ou a estrela de primeira grandeza.

Entretanto, cuidado: humildade não se finge. Os ouvintes percebem facil­

mente se o orador é arrogante ou humilde, se ele se sente superior ou igual a todos,

se está ali para servir ou para promover-se. Isso se demonstra no semblante e nas

expressões. Um espírito sereno e humilde acrescenta poder à mensagem, da mesma

forma que a arrogância destrói o poder. Mas lembre-se mais uma vez: para ser

humilde no púlpito é preciso ser humilde na vida pessoal e no relacionamento

com as pessoas.

Todas essas qualidades equipam o pregador para ser mais eficiente na apre­

sentação da mensagem, mas lembre-se de que nenhuma delas substitui o poder

do Espírito Santo na vida do pregador. Ao contrário, todas essas qualidades nas

mãos de Deus podem ser usadas para abençoar os ouvintes.

E mais: quanto mais você desenvolve essas qualidades, mais elas dão segu­

rança na apresentação da mensagem e ajudam a vencer o medo de falar em

público, que é o tema do próximo capítulo.

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Capítulo 7

Aproveite o medo

"Omedoé oa/armedosubconsciente, avisando queoconsciente

precisa demaispreparo. "

MAURÍCIO GÓIS

Há algum tempo um orador iniciante, amigo meu, contou-me sua expe­

riência traumática. Ele preparou um bom sermão, ensaiou a apresenta­

ção e cronometrou-a para 30 minutos. Quando chegou ao púlpito, estava

gelado. As mãos suavam frio, avoz engasgava e, por alguns instantes, ele pensou que

não ia sair nada. Finalmente conseguiu começar. Quando estava terminando, olhou

o relógio e haviam-se passado apenas oito minutos. Tentando evitar o vexame, falou:

"Mas como eu disse para os irmãos...", e pregou todo o sermão novamente.

Que orador nunca passou por uma situação parecida? Pois é, o medo faz isso.

É o terror de saber que todo mundo o está avaliando, é o receio de cometer erros,

é o medo de falar em público, que poderíamos chamar de "verbofobia" ou "pulpi­

tofobia". Mas o que fazer para vencer a "verbofobia"?

Diante do medo, existem duas alternativas: fugir ou enfrentar. Se você escolher

a primeira, nunca será um orador. Se escolher a segunda, você tem tudo para ser um

orador. Durante muito tempo escolhi a primeira alternativa. Desde a infância até o

início da faculdade, sempre fugi de qualquer convite ou oportunidade para falar em

público. Era assunto resolvido, eu nem pensava duas vezes. Até o dia em que fiz um

curso de oratória e resolvi enfrentar. Só então consegui mudar de atitude.

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11O• o pregador

A título de curiosidade, veja o resultado de uma pesquisa feita com três

mil pessoas às quais se perguntou: "De que você tem mais medo?". Veja o percen­

tual das respostas:'

Os maiores medos da humanidade

1. Falar em público 41%

2. Medo de altura 32%

3. Insetos 22%

3. Problemas financeiros 22%

3. Águas profundas 22%

4. Doença 19%

5. Morte 19%

6. Viagem aérea 18%

7. Solidão 14%

8. Cachorro 11%

9. Dirigir ou andar de carro 9%

10. Escuridão 8%

11. Elevadores 8%

12. Escada rolante 5%

Observe que o medo de falar em público está no topo da lista. Portanto, não é

nada incomum ter medo de auditório. O importante é saber lidar com esse medo.

Como lidar com o medo

Existem várias atitudes que ajudam a vencer o medo. Cada autor tem uma lista

enorme de dicase sugestões,todas válidas.Dentre essasváriaslistas,resolvicomentar

algumas atitudes que julgo mais eficazes na luta contra o medo. Vejamos:

1 Duane Litfin, Public Speaking, p. 329.

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aproveite o medo • 111

Lembre-se de que você não é o único

Sempre que tiver medo do auditório, sinta-se orgulhoso. Isso mesmo: orgulhe-se

porque, pelo menos num aspecto, você é igual aos grandes oradores de todos os

tempos. Sempre que tem medo, você está bem acompanhado. Sinta-se na compa­

nhia de Demóstenes, Cícero, Churchill, John Kennedy e Rui Barbosa. Se todo

mundo tem medo de falar em público, você não vai querer ser a única exceção da

humanidade a falar sem medo! Ou vai?

Conta-se que Sara Bernhardt, famosa atriz do passado, certa vez contou

numa roda de amigos que tremia de medo cada vez que subia ao palco. Uma atriz

iniciante, querendo chamar a atenção, disse: "Interessante, eu não sinto medo

nenhum". Sara respondeu: "Não se preocupe, minha filha, o talento vem com o

tempo...". E tinha razão: quanto maior o talento, maior a responsabilidade de

manter a credibilidade, e maior o medo da responsabilidade.

Não tenha medo do medo

Se não tiver medo do medo, você terá um medo a menos. Isto é, o medo se

reduz pela metade. Isso é psicológico. Basta pôr na cabeça que o medo faz parte

da natureza.

A consciência de que o medo é natural ajuda-o a encará-lo de maneira

natural. Se não há outra opção, então se acostume com o medo. Ponha na cabeça

que você sempre vai sentir medo antes de falar em público e aprenda a conviver

com o medo. Só há duas opções: ou você sente medo de falar em público, ou

não fala em público. Chegue à conclusão de que a decisão mais inteligente é

escolher a primeira opção. E, ao conviver com o medo, você vai perder, pelo

menos, o medo de ter medo.

Aproveite o seu medo

O medo e o nervosismo indicam que o corpo está se preparando para entrar em

ação. Cada vez que você tem medo, o organismo joga no sangue certa quanti­

dade de uma substância chamada adrenalina. A adrenalina faz que o sangue

circule mais rápido, o coração bata mais acelerado, todos os sentidos fiquem

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112 • o pregador

mais aguçados e que seu corpo fique em condições de fazer o que for necessário

para "escapar do perigo". É um mecanismo natural de defesa e reação.

Com isso, tudo em você passa a funcionar com maior intensidade; logo, sua

capacidade de percepção aumenta, e você consegue pensar mais rápido e até ter

mais idéias. Se canalizar toda essa energia para pô-la em ação, você terá um grande

auxílio na difícil tarefa de enfrentar o auditório. Aproveite esse "estado de emer­

gência" e utilize o potencial energético que o medo lhe oferece.

Resolva correr o risco

Não tenha medo de fracassar. Diz um pensamento: "O risco do fracasso é o preço

do sucesso".Só obtém sucesso quem corre o risco de fracassar. E se cometer alguns

erros, ou mesmo chegar a fracassar algumas vezes, qual é o problema? Perder uma

batalha não significa perder a guerra. Tente outra vez. Assuma o fato de que falar

é importante e necessário para você, ainda que cometa erros.

Abraão Lincoln é um exemplo típico de sucesso construído em cima de

fracassos. Veja o currículo deler'

Perdeu o emprego em 1832

Fracassou nos negócios pessoais em 1833

Derrotado na legislatura de Illinois em 1834

Morre-lhe a eleita do coração em 1835

Sofreu de uma enfermidade em 1836

Derrotado novamente na legislatura de Illinois em 1838

Derrotado na indicação para o Congresso em 1844

Perdeu a segunda indicação em 1848

Derrotado para o Senado em 1854

Derrotado para a indicação de vice-presidente em 1856

Novamente derrotado para o Senado em 1858

Eleito presidente dos Estados Unidos em 186ü!

2 Reinaldo Palito, Curso Prático de Comunicação Verbal, p. 427-428.

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aproveite o medo • 113

E quando foi eleito, tornou-se o maior presidente dos Estados Unidos.

Num momento difícil da história americana, quando a nação estava a ponto de

se dividir ao meio entre Norte e Sul devido ao conflito sobre a escravatura, ele foi

a pessoa certa para vencer a guerra civil e preservar a unidade nacional.

Use a descontração

Primeiramente procure descontrair-se você mesmo. Alguns exercícios de relaxa­

mento pouco antes de falar podem ajudar. Uma técnica bastante recomendada

pelos especialistas é a respiração profunda, várias vezes antes de começar a falar e,

se preciso, também durante o discurso.

Em segundo lugar, procure descontrair o auditório. Para isso nada melhor

que uma pitada de bom humor. Levar o auditório a um riso discreto descontrai

tanto o orador quanto os ouvintes, e o auditório descontraído automaticamente

torna-se receptivo. Conta-se que Abraão Lincoln estava muito nervoso ao parti­

cipar de um debate político. Seu oponente, que o antecedeu, acusou-o com sar­

casmo de ter duas caras. Assim que o rival terminou, Lincoln levantou-se para

falar.Como tinha a fama de ser muito feio, Lincoln começou o discurso com estas

palavras: "Acham vocês que se eu tivesse duas caras iria aparecer em público logo

com essa?". A risada foi geral, e dizem que Lincoln começou a ganhar o debate

com essa frase. Lembre-se do ditado: "Quem ri comigo não ri de mim!".

Prepare-se

o melhor remédio contra o medo e o nervosismo é estar bem preparado e saber o

que vai dizer. Alguém disse que "O medo é um aviso do subconsciente de que o

consciente precisa de mais preparo". Prepare-se o melhor que puder. Se sabe o

que vai dizer, você se sentirá seguro por sentir que, mesmo com medo, você tem

um bom conteúdo a oferecer. Muitas vezes as maiores causas do medo são a inse­

gurança e a falta de preparo.

Daniel Webster disse que preferia se apresentar meio despido diante do

auditório a se apresentar meio despreparado.' De fato, o despreparo é a nudez do

espírito, porque permite que todos enxerguem o vazio que há dentro de nós.

3 Idem, p. 86.

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114 • o pregador

Quando adolescente, eu estudava piano. Lembro-me muito bem de uma

ocasião em que tive de fazer uma audição perante os alunos e professores do

conservatório. A audição era a quatro mãos - meu irmão e eu. Ele estava prepa­

rado, mas eu estava nervoso porque não me havia preparado suficientemente.

Começamos a tocar. No meio da peça eu não conseguia mais ler a partitura nem

tocar de memória. Se estivesse sozinho teria parado, mas, como estava acompa­

nhado, achei que não podia parar. Em pânico e sem ter tempo para resolver o que

fazer, comecei a "bater" descoordenadamente em todas as teclas do piano, produ­

zindo uma desarmonia infernal. Meu irmão começou a rir e também se descon­

centrou. Daí para a frente eram dois descoordenados. Até hoje não entendo por

que não paramos de imediato. Ríamos para não chorar. Após o fiasco, alguns

complacentes vieram dizer: "Parabéns". Não adiantou nada: naquele dia encerrei

minha carreira de pianista (hoje reconheço que devia ter perseverado).

A mesma coisaocorre com um orador despreparado. Seu discurso não passará

de uma seqüência de sons descoordenados produzindo desarmonia, sem nenhuma

linha nítida de pensamento. Quando falta o conteúdo, e você não quer parar de

falar, certamente dirá bobagens e assuntos desencontrados que não levam a lugar

nenhum. É o que alguns autores chamam de "verborréia". Se você não se prepa­

rou, pare de falar, ou nem comece.

Mantenha pensamentos positivos

o auditório não está ali para vê-lo fracassar, mas sim para ouvi-lo. Se não acredi­

tassem em você, não ficariam para escutá-lo. Portanto, mantenha o pensamento

de que eles o apreciam. Não torne as coisas piores do que são na realidade. Evite

pensar que será "terrível" falar para "aquela multidão". Pense na contribuição que

você vai dar aos ouvintes e nas coisas boas que irá dizer. Para isso, você precisa ter

certeza de que preparou um bom conteúdo.

No caso da pregação, pense na ajuda espiritual que você vai oferecer aos

ouvintes. Pense em quantas pessoas quebrantadas ou fracas precisam ser fortaleci­

das com sua mensagem. Pense também no fato de que você não está ali por uma

causa própria, mas a serviço de uma missão superior, cumprindo uma ordem divi­

na e consciente de que o interesse de êxito é primeiramente de Deus, mais do que

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o seu próprio desejo de sucesso. Pense também na unção e no poder do Espírito,

que o comissionou e o capacitará para o cumprimento de sua missão.

Seja perseverante

Não desista diante dos primeiros fracassos. Em todas as áreas da vida, o sucesso

depende da persistência e da insistência na busca de um ideal. Todos os grandes

oradores tiveram fracassos no começo. O pastor Robert Pierson conta que quando

estudante foi aconselhado por um professor a abandonar o seminário porque

era gago e nunca conseguiria ser um orador. Mas ele persistiu e tornou-se um

grande pregador.

Talvez o exemplo mais clássico seja o de Demóstenes, famoso orador gre­

go. Conta-se que a primeira vez em que ocupou uma tribuna a deixou sob as

vaias da platéia, porque tinha cacoetes e problemas de dicção. Mas, mesmo

derrotado pela tribuna, não foi derrotado por si mesmo. Para corrigir os cacoe­

tes, discursava em casa com uma espada pendurada apontando para o ombro.

Cada vez que o ombro se erguia nervosamente, era ferido pela espada, até que o

reflexo condicionado corrigiu o defeito. Para corrigir a dicção, discursava com a

boca cheia de seixos para aprender a controlar a língua. Não foi por acaso que se

tornou o maior orador de todos os tempos.

A psicologia do medo

No estudo das relações interpessoais, os psicólogos Joseph Luft e Harry Ingram

criaram uma ferramenta interessante que ficou conhecida com o nome de Janela

de Johari. Consiste numa "janela" com quatro "vidraças", cada uma com um

rótulo identificador, indicando a maneira pela qual as pessoas administram a

personalidade perante os outros." Essa ferramenta aplicada àcomunicação ajuda a

compreender o comportamento do orador perante o auditório. A janela tem a

seguinte forma:

4 Harris W. Lee, Effictive Church Leadership, p. 55-56.

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116 • o pregador

Janela de Johari

ÁREA ÁREAABERTA CEGA

ÁREA ÁREAOCULTA FECHADA

Vejamos como funciona cada uma dessas áreas:

1.Area aberta.Essa é a vidraça transparente. Permite visibilidade por dentro

e por fora. São aquelas coisas que conhecemos sobre nós mesmos e os outros

também conhecem. Nosso eu é aberto, conhecido por nós e pelos outros. É a

nossa pessoa pública, em que nada é oculto. É a área dos atos conscientes.

Nessa área, o orador não tem medo. Ele admite sua personalidade perante o

auditório. Quanto maior for essa área, menor será o medo. Dentro dos limites

do bom senso, o orador deve tornar-se conhecido do auditório.

2. Area cega. Essa vidraça é como se fosse de um vidro escuro, com visibili­

dade só de um lado, ou seja,os outros nos enxergam, mas nós não nos enxergamos.

Nessa área da personalidade, encontram-se aqueles aspectos que desconhecemos

sobre nós mesmos, mas que os outros conhecem. Nosso eu é cego, desconhecido

por nós e conhecido pelos outros. É a mancha cega da janela. Isso quer dizer que

o que imaginamos ser não corresponde ao que os outros imaginam. Nosso auto­

retrato é totalmente diferente do retrato pintado pelos outros. É a área dos atos

inconscientes. Nessa área, o orador é insensível à resposta do auditório. Ele pensa

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aproveite o medo • 117

que produz um efeito, que na realidade não tem ocorrido. Pensa que se comunica

bem, por exemplo, mas os ouvintes acham que ele comunica mal. Ou o contrário: o

auditório gosta do orador, mas ele acha que não agrada a ninguém. Essa é a área dos

complexos de inferioridade ou de superioridade. Por falta de intercâmbio, o orador

não cresce e sente-se inseguro por não alcançar os objetivos. É preciso que o orador

seja receptivo ao que os outros dizem a fim de saber o que eles conhecem dele.

3.Area oculta. Essa vidraça também tem visibilidade de um lado só, mas no

sentido oposto, ou seja, nós enxergamos, mas os outros não enxergam. É a área

secreta da personalidade. Aqui estão as coisas que conhecemos sobre nós mesmos,

mas que os outros nada sabem. São coisas que não revelamos aos outros porque

acreditamos que não serão bem-aceitas ou porque correspondem a coisas particu­

lares e sensíveis de nosso caráter. Essa é a área de maior medo, porque o orador

teme expor-se e revelar sua timidez, sua falta de conhecimento e seus defeitos. Écomo se estivesse escondido por trás de uma fachada. Às vezes, não revela seus

pontos de vista com medo de que outros discordem, numa espécie de covardia

intelectual. O orador precisa criar coragem e diminuir essa área secreta. É evidente

que sempre terá o lado secreto da personalidade e nunca poderá revelar tudo de si

mesmo, mas esse lado interior deve ser coerente com sua personalidade exterior.

4. Areafechada. Aqui a vidraça está fechada. É a área inacessível da persona­

lidade, que ninguém conhece. Aqui está um eu totalmente desconhecido, pois

nessa área ficam as coisas que não sabemos a nosso respeito e que também nin­

guém sabe. É a grande área do desconhecido e inexplorado. Aos poucos, o orador

precisa conhecer mais de si próprio e de sua estrutura psicológica para aumentar

sua segurança própria, pois quanto mais conhecer a si mesmo, mais saberá lidar

com os próprios sentimentos.

Essas quatro áreas sempre existirão dentro de cada pessoa, e o ideal é que

haja equilíbrio entre elas para que a personalidade seja natural e agradáveL Con­

tudo, o orador eficaz entende que todo bom comunicador precisa aumentar a área

aberta de sua personalidade, o que o leva a diminuir a área secreta. Precisa trans­

mitir informações a seu próprio respeito, ou seja, deixar sua personalidade fluir

para o auditório espontaneamente, sem bloqueios psicológicos, sem fingimento e

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118 • o pregador

sem atitudes camufladas. Isso não significa fornecer os dados pessoais, mas sim

deixar transparecer as riquezas de uma personalidade liberta de ansiedade e des­

confiança.5

Em outras palavras, uma personalidade transparente e natural poderia ser

representada, najanela de johari, mais ou menos da seguinte maneira:

ÁREA ÁREAABERTA CEGA

ÁREA OCULTA ÁREA

FECHADA

Se não for dominado, o medo aparece também na expressão fisionômica,

que transmite naturalmente o que ocorre no íntimo da pessoa. Esse efeito da

expressão corporal é o tema do próximo capítulo.

5 Reinaldo Polito, op. cit., P: 95-103

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Capítulo 8

o audiovisual do pregador

"Ocoração alegre aformoseia orosto. "

SALOMÃO

D:ante o sermão, tudo que acontece no púlpito influi na comunicação da

ensagem. É aí que entra a importância do visual do pregador e do fator

sonoro, ou seja, sua voz. Na realidade, o pregador é um audiovisual vivo,

de carne e osso.

Um estudo feito pelo psicólogo Albert Mehrabian revela que apenas 7 por

cento da nossa comunicação é representada pelas palavras, 38 por cento pelo tom

de voz e qualidade do som e 55 por cento pela expressão fisionômica e corporall'Issosignifica que o conteúdo verbal comunica apenas 7 por cento, e que 93 por cento

da comunicação é de conteúdo não-verbal. É por isso que é possível alguém comu­

nicar-se sem palavras, somente com gestos. É por isso também que você percebe

quando um amigo está triste ou alegre sem que ele diga palavra nenhuma. Ali­

ás, isso é bíblico, pois Salomão já dizia: "O coração alegre aformoseia o rosto"

(Pv 15.13). Portanto, é indiscutível a importância da voz e da expressão fisionô­

mica e corporal na comunicação.

1 Carol Kent, Speak up with confidence, p. 89.

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120 • o pregador

Expressão corporal

Em decorrência dessa realidade, todos os apontamentos que o pregador leva horas

para preparar vão comunicar apenas sete por cento do sermão! Assim, é indispen­

sável manter uma fisionomia agradável, refletindo os sentimentos do conteúdo

verbal, com um sorriso simpático de vez em quando e gestos suaves. Isso não

significa que devemos planejar um conjunto de gestos ensaiados e artificiais, o

que seria pior que a ausência deles. Alguns oradores que ensaiam fisionomia aca­

bam fazendo careta para o auditório.

O segredo é a naturalidade. O orador precisa sentir-se bem para comuni­

car bem. Precisa estar feliz com si mesmo e com a mensagem para transmitir

isso por meio da fisionomia e da expressão corporal. "A gesticulação obedece

mesmo a um processo natural. Pensamos na mensagem ao mesmo tempo que

informamos ao corpo o movimento a ser executado; o corpo reage e só depois

pronunciamos as palavras. Por isso o gesto vem antes da palavra ou junto com

ela, não depois."Procure descontrair-se e deixar os gestos acontecerem naturalmente. Lem­

bro-me da única vez em que ensaiei a gesticulação de um sermão. No auditório

estava o meu pai, amante da boa oratória. Após o sermão, com a franqueza que

lhe é peculiar, falou-me jeitosamente: "Alguns gestos seus estavam exagera­

dos". Foi a primeira e última vez que ensaiei gesticulação.

Em vez de aprender a gesticular, aprenda a não impedir a gesticulação.

Tente descontrair-se para não ficar inibido ou tenso, pois a tensão restringe a

naturalidade dos gestos. À medida que adquirir experiência, você se acostumará

a falar com o auditório como se estivesse numa conversa informal, e os gestos

acontecerão naturalmente.

o olhare o expressão fisionômico

O grande orador romano Cícero (106-43 a.C.) declarou: "Na alocução, em

seguida à voz e à eficácia, vem a fisionomia; e esta é dominada pelos olhos. O

2 Reinaldo Palito, Gestos e postura para falar melhor, p. 15.

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o audiovisual do pregador • 121

poder da expressão do olhar humano é tão grande que, de certa maneira, ele

determina a expressão do semblante todo". 3

Os olhos revelam se a pessoa está triste ou alegre, sentindo-se bem ou mal e,

conseqüentemente, se o que ela está dizendo é natural ou artificial. Estudos têm

demonstrado que as pupilas se dilatam quando a pessoa sente prazer e se contraem

com os sentimentos negativos. Por isso, mesmo sem ter consciência disso, reagi­

mos calorosamente a alguém de pupilas grandes. Um olhar pode ameaçar como

uma arma, insultar como uma vaia ou agradar como uma carícia. Dificilmente con­

seguimos enganar com os olhos.

Quando chega ao púlpito, o pregador vê à sua frente um mar de olhos,

todos fixos nele. Isso pode amedrontá-lo e levá-lo a não olhar nos olhos do

ouvinte, o que prejudica terrivelmente a comunicação.

Para conquistar o ouvinte, o pregador precisa olhar diretamente para o auditó­

rio, como o faria se estivesse conversando com uma única pessoa. Para cada ouvinte,

o pregador é um interlocutor num diálogo pessoa a pessoa. Por isso, o pregador deve

olhar nos olhos dos ouvintes, percorrendo com os olhos todo o auditório. Se o pre­

gador não olha na direção dos ouvintes, eles se sentem ignorados.

Outra expressão fisionômica que revela nossos sentimentos é o sorriso. Tam­

bém é difícil mentir com o sorriso, pois os lábios manifestam as emoções, e é

muito difícil disfarçá-las. Quando sorrimos para fingir alegria ou bem-estar, difi­

cilmente conseguimos sustentar o sorriso."

Por tudo isso, o pregador precisa estar bem com si mesmo e com Deus. Deve

estar imbuído da mensagem e deixá-la transbordar em si, para que seus sentimentos

interiores comuniquem paz e segurança pela expressão fisionômica.

A importância da voz

A voz está intimamente relacionada com a mensagem, de tal maneira que quanto

melhor estiver a voz mais ela atrairá a atenção para a mensagem, e não para si

3 Hans Ulrich Reifler, Pregação ao alcance de todos, p. 112.

4 Aurélio Bolsanello e Maria Augusta Bolsanello, Conselhos - Análise do comportamento

humano em psicologia, p. 626-630.

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122 • o pregador

mesma. O ouvinte pode distrair-se se o tom de voz não combinar com o conteúdo

do discurso. É apropriado, por exemplo, que assuntos de muita importância se­

jam falados pausadamente. Temas solenes, por sua vez, geralmente são expressos

melhor por uma voz mais grave e com volume mais baixo. Em outras palavras, o

tom da voz deve refletir o tom da mensagem.

Analisando nossa reação às pessoas que têm boa voz, geralmente concluí­

mos que elas também são eficientes como pessoas. A voz, ou qualquer outro

atributo humano, não é apenas um traço independente ou diferente do restan­

te do comportamento. Em outras palavras, a qualidade da voz reflete a quali­

dade da pessoa. Não necessariamente o timbre da voz, mas a entonação e a

maneira de pronunciar as palavras."

Algumas pessoas têm boa voz por natureza. Isso é um excelente recurso

para a boa oratória. Mas, seja qual for o tipo de voz, é possível desenvolver

algumas qualidades que a tornem agradável e eficiente na comunicação. Qual­quer voz pode tornar-se eficiente. Os principais fatores que afetam a qualidade

da voz são descritos a seguir.

o tom de voz

A voz chega até nossos ouvidos em tons agudos, graves e médios. A maioria dos

problemas da voz não está no fato de a voz natural ser aguda ou grave, mas no mal

posicionamento do tom de voz entre agudos e graves. O grande problema é que

muitas vezes a pessoa quer falar mais grave ou mais agudo, e sua voz não fica bem

no tom desejado, tornando-se artificial, dissonante ou estridente.

A melhor maneira de encontrar o tom de voz ideal é identificar a nota

mais aguda e a mais grave que você consegue alcançar com naturalidade e, en­

tão, localizar a nota central dessa escala. Essa nota central é o seu melhor tom de

voz, que você deve acostumar-se a usar e, a partir do qual, vai fazer as entona­

ções necessárias.

Encontrando o tom de voz ideal você terá espaço para dar flexibilidade à

voz, acima e abaixo. Não importa se a voz natural é grave ou aguda.

5 jon Eisenson, The improvement ofvoice and diction, P: 3 e 12.

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o audiovisual do pregador _ 123

Na maioria dos casos, esse é um exercício fácil, que pode ser praticado com

ajuda de um piano ou de outro instrumento. Algumas pessoas, entretanto, po­

dem precisar de ajuda profissional, até porque o uso da voz às vezes está ligado a

problemas psicológicos da infância. Certo estudante de teologia falava com uma

voz excessivamente aguda, em falsete, e isso prejudicava suas aspirações ao minis­

tério. Um terapeuta descobriu que ele adotara essa voz como defesa contra críticas

recebidas na adolescência, quando estava mudando de voz. Com um tratamento

psicológico, o problema foi resolvido."

Entonação. Quanto à entonação das palavras, procure ondular a voz de acor­

do com as diferentes ênfases de seu discurso. Não use tom de voz artificial ou

clerical. Alguns pregadores parecem estar rezando ave-maria. O melhor tom de

voz é o coloquial, ou seja, falar com os ouvintes em vez de falar para eles. Gritar

nunca ajuda e pode até tornar a fala irritante. Alguns pregadores gostam de dar

ênfase e fazer efeito falando bastante alto em alguns momentos. Esse é um estilo

que pode ser desenvolvido, mas é preciso treino e moderação para que esse efeito

não tome a forma de gritos simplesmente pelo desejo de gritar. É preciso que o

conteúdo corresponda ao tom de voz, e o melhor efeito está mais no conteúdo da

mensagem do que nos agudos da voz.

A dicção

A dicção é a maneira de dizer as palavras e está relacionada com duas funções

básicas: a articulação e a pronúncia. Embora essas duas funções estejam intima­

mente ligadas, a articulação refere-se à enunciação completa das palavras, sem

omitir, ou "engolir", vogais, consoantes ou sílabas. Um erro muito comum de

articulação é engolir o "s" do final dos plurais como, por exemplo, em "fizemo" no

I d ".C'. ""1:" I d "1: " O 'liugar e nzemos ,ou romo no ugar e romos . utro erro comum e engo r o""d .C'. ald . .C'... I " dá" I d" d" ".C'. ,"r o nn os mnrutrvos, como por exemp o: an a no ugar e an ar ou rica

I d ".C'. "no ugar e ncar .

A pronúncia, por sua vez, refere-se mais ao som correto das palavras, com

a devida ênfase das sílabas tônicas. Um erro comum de pronúncia é falar ''Jesuis''

6James Cox, Preaching, p. 249-252.

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124 • o pregador

no lugar de 'jesus", ou "trêis" no lugar de "três". A pronúncia também tem a ver com

os sotaques regionais. Em princípio, todos os sotaques são corretos, e cada um tem

o seu charme peculiar. Apenas deve-se tomar cuidado quando o sotaque se mistura

com vícios de linguagem. Nesse caso é recomendável corrigir as distorções.

A regra geral é pronunciar as palavras completas, com os sons corretos. Um

bom exercício para isso é a leitura pausada em voz alta.

o volume

Saber dar o volume certo para cada tipo de auditório é uma habilidade que o

pregador precisa desenvolver. Nada é mais incômodo do que o ouvinte ter de

esforçar-se para ouvir um pregador que fala para dentro, cujas palavras pare­

cem não sair, ou quando o som é amplificado de maneira insuficiente. Por

outro lado, nada é mais irritante do que ouvir os berros de um orador, ou uma

amplificação de som exagerada, que agride os ouvidos. Alguns ouvintes são

muito sensíveis e sentem-se mal com um volume acima do suficiente.

Os equipamentos de som hoje são uma ferramenta muito útil para o prega­

dor, quando devidamente operados. Você pode falar para milhares de pessoas e ser

ouvido por todos, mesmo quando sussurra, o que em alguns momentos faz um

bom efeito de voz. Alguns pregadores gostam de exibir a capacidade vocal falando

sem microfone para grandes auditórios. Esse tempo já passou. Por mais que sejam

ouvidos, a qualidade da transmissão é inferior, e a comparação com o som ampli­

ficado faz com que a voz natural pareça gritada e forçada.

Um bom operador de som pode contribuir muito para o sucesso de um ser­

mão, e é aconselhável o pregador combinar alguns detalhes com o operador. Nas

igrejas que pastoreei, eu sempre combinava com os operadores de som, e eles já

sabiam exatamente o volume que eu preferia, bem como o nível de graves e agudos.

A velocidade

Não há uma regra fixa para a velocidade da fala. Depende muito da pessoa e do

assunto. Em princípio, não fale rápido demais como se estivesse engolindo as

palavras, nem tão devagar como se estivesse morrendo. A fala pode ser pausada ou

acelerada de acordo com o tema.

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o audiovisual do pregador _ 125

Numa conversação normal, usam-se em média cerca de 120 palavras por

minuto. Ébom variar entre expressões mais rápidas e expressõesmais lentas. Sobre­

tudo, tenha o cuidado de não atropelar as palavras e de não engolir o final das

frases. Fale as palavras completas.

A respiração

''A respiração mais indicada para falar é aquela que utiliza respiração costo­

diafragmática e expiração cesto-abdominal, como fazem os bebês, principal­

mente quando estão dormindo.Ylsso significa que a respiração ideal é aquela que

movimenta mais o abdômen do que os pulmões.

Outro cuidado necessário é o "sincronismo fone-respiratório". Isto é, evite fa­

lar quando estiver inspirando, ou continuar a falar quando o ar praticamente já

terminou. Aprenda a usar a respiração abdominal e a fazê-lo de maneira natural

entre as frases, não no meio das palavras, como se estivesse ofegante.

A expressão fisionômica e a entonação da voz estão intimamente relacionadas

com a transmissão da mensagem e influenciam profundamente a qualidade da comu­

nicação, a qual é regida por leis que determinam a compreensão. Devido à sua

importância para a pregação, a comunicação é o tema dos próximos capítulos.

7 Reinaldo Palito, Comofilar corretamente e sem inibições, p. 56

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terceira parte

• ,etJ

O comunlcoçoo

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Capítulo 9

Oratória secular e oratória sacra

"A oratória é a rainha das artes, e o orador, o rei dosartistas!"

ALVES MENDES

Dsde os tempos bíblicos, a arte da oratória teve papel de destaque na vida

os povos antigos. Os profetas hebreus eram verdadeiros artistas da pala­

vra, cada um deles com sua especialidade. Moisés, por exemplo, era o rei

do estilo narrativo. Davi era poeta e declamador. Salomão, além de poeta, fazia

inveja a qualquer filósofo. Isaías era mestre no uso de figuras de linguagem e fina

ironia. Jeremias enchia os discursos de emoção, como se pode ver em suas Lamen­

tações. Malaquias era hábil no uso de perguntas retóricas. Cristo falava com auto­

ridade e conquistava os corações. E Paulo esbanjava lógica em seus discursos

polêmicos e argumentativos.

Do ponto de vista clássico, a oratória surgiu com Corácio, grego de Siracusa,

que viveu cinco séculos antes de Cristo. 1 Ao longo da história, a oratória teve

grandes expoentes. Na Grécia antiga, era ensinada pelos filósofos e praticada nos

debates intelectuais e jurídicos. De todos os oradores gregos, Demóstenes foi o

maior. Entre os romanos, a oratória era praticada por juristas e políticos e teve em

Cícero o seu expoente mais famoso.

1 Ignez B. C. D'Araújo, Oratória Eficiente de Hoje, p. 20.

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130 • a comunicaçõo

Uma classificaçãogeral da oratória divide-a em: acadêmica, forense, política,

sagrada e popular.' Em nosso estudo, vamos ver como os princípios gerais da

comunicação se aplicam à oratória sacra, chamada de homilética nos cursos de

teologia.

Tanto na oratória secular como na sacra foi-se o tempo em que ser orador era

falar bonito e gritar. Nessa fase da oratória estética e sonora, os melhores oradores

eram os que falavam forte e com frases enfeitadas. Mas essa época já passou há

muito tempo, embora alguns oradores de hoje ainda permaneçam ingenuamente

nessa fase. Entre esses "ingênuos", as maiores vítimas são políticos e pregadores,

alguns dos quais abusam da paciência dos ouvintes.

Hoje o que importa não é o volume ou o enfeite, mas o conteúdo e a forma.

Pode-se falar muito bonito e não dizer absolutamente nada. Veja esse quadro

publicado na revista Seleções.' no qual 27 palavras combinadas entre si produzem

lindas frases que não dizem nada:

o. Programação O. Funcional O. Sistemática

1. Estratégia 1. Operacional 1. Integrada

2. Mobilidade 2. Dimensional 2. Equilibrada

3. Planificação 3.Transacional 3. Totalizada

4. Dinâmica 4. Estrutural 4.Insumida

5. Flexibilidade 5. Global 5. Balanceada

6. Implementação 6. Direcional 6. Coordenada

7. Instrumentação 7. Opcional 7. Combinada

8. Retroação 8. Central 8. Estabilizada

9. Projeção 9. Logística 9. Paralela

Basta escolher uma palavra qualquer da primeira coluna ejuntá-la com outra

qualquer da segunda e outra qualquer da terceira para ter uma frase bonita sem

2 Osmar Barbosa, A Arte de Falar em Público, p. 25.

3 Maurício Góis, Curso Prático de Comunicação Verbal, p. 23.

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oratória secular e oratória sacra • 131

nenhum significado concreto. Por exemplo: planificação estrutural integrada.

Trata-se de um grupo de palavras composto de um substantivo mais dois adjeti­

vos praticamente sem sentido. Esse tipo de frase é usado comumente na política,

na economia, às vezes no púlpito, e não diz absolutamente nada.

Falar bonito é fácil. Difícil é comunicar uma idéia. A oratória de hoje

resume-se em três passos: ter uma idéia, organizá-la e transmiti-la.

Elementos da oratória

A oratória é uma arte ou uma ciência? É um talento natural ou uma habilidade

adquirida? É herdada ou conquistada? Essas perguntas podem ter, em resumo, a

seguinte resposta: A oratória é uma arte porque requer criatividade, e uma ciência

porque exige o conhecimento de técnicas e princípios. É a obra da natureza, da

arte e da prática, segundo os antigos. Vejamos a seguir alguns elementos indis­

pensáveis à boa oratória.

Eficiência

A eficiência é a característica básica da oratória moderna. Ou seja, para ter sucesso,

a oratória tem de atingir determinada finalidade. Segundo Hugo Blain, pregador

escocês do século XVIII, oratória é "a arte de falar de maneira que se consiga o fim

para o qual se fala"." A oratória de hoje se caracteriza por objetividade, concisão,

simplicidade e praticabilidade, em contraste com grandiloqüência, verbosidade e

linguagem quase poética do passado.

Cristo revolucionou a oratória de seu tempo, porque viveu na época da ver­

bosidade e utilizou a objetividade e a simplicidade de hoje. Pode-se dizer que ele

foi um precursor da oratória moderna.

Todas as qualidades atrativas e desejáveis num orador, como boa voz, facili­

dade de expressão e simpatia pessoal, são úteis, mas não são suficientes. Com essas

qualidades você pode até agradar, mas falhará se não atingir objetivos práticos.

4 Ignez B. C. D'Araújo, op. cit., p. 23.

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132 • o comunicaçõo

Retórica

Retórica é a arte de ordenar o discurso.' É a capacidade de organizar as idéias e os

argumentos. Sem retórica o discurso fica uma salada, com idéias repetidas ou fora

de lugar. Quanto mais retórica, mais claro e convincente é o discurso.

São poucos os oradores que dominam a arte da retórica, que sabem manter

uma ordem lógica do começo ao fim do discurso. O fato é que alguns oradores

não querem pagar o preço e gastar o tempo necessário organizando as idéias,

escolhendo a seqüência correta e distribuindo os argumentos por ordem de prio­

ridade. Por isso mesmo, é que há tão poucos bons oradores, daqueles que dá gosto

ouvir e cujas idéias parecem penetrar com suavidade em nossa mente.

Não pense que retórica é coisa do passado. A influência de um discurso é

diretamente proporcional à organização das idéias. O próximo capítulo é dedica­

do à organização das idéias.

Eloqüência

Eloqüência é a arte de persuadir.6 Existem livros inteiros sobre as leis da persuasão,

até nas transações comerciais e nas relações entre vendedor e cliente.

No caso do orador, a eloqüência é muito mais do que um conjunto de técnicas

destinadas a convencer. Aliás, em oratória, a eloqüência não se limita a palavras.

Podem ser eloqüentes o olhar, os gestos, um suspiro, o andar e até o silêncio. A

própria postura do orador tem influência no efeito do seu discurso sobre o ouvinte.

Ser eloqüente é fazer um discurso bem-sucedido, que alcance os objetivos.

N o passado, ser eloqüente era fazer um discurso sofisticado. Hoje, a eloqüência

está mais ligada à simplicidade e à naturalidade. Leon Fletcher menciona dois

segredos que levam os oradores profissionais a ter sucesso na eloqüência."

1. Não tentar imitar nenhuma outra pessoa, mas ser um orador com perso­

nalidade própria, independente e natural. Seja você mesmo.

5 Idem, p. 19.

6 Idem, p. 20.

7 Leon Fletcher, Como Falar como um Profissionai, p. 15-16.

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oratório seculor e oratório sacro _ 133

2. Não fazer nenhum discurso sem se preparar devidamente. Afinal de con­

tas: "A eloqüência consiste em dizer tudo o que deveria ser dito, e não

tudo o que poderia ser dito".8 Tome o tempo necessário para preparar-se.

Em resumo, ser eloqüente é ser um bom orador. Como conseguir isso é exa­

tamente o assunto dos próximos capítulos.

8 Duane Litfin, Public Speaking, p. 114

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Capítulo 10

Como evitar o sermão sem rumo

"Se alguém não sabepara queporto estánavegando,

nenhum vento éJàvorável"

SÊNECA

No dia 3 de setembro de 1989, o vôo 254 da Varig estava no aeroporto de

Marabá preparando-se para a decolagem.Teoricamente, seriaum vôo curto,

de apenas 48 minutos, com destino ao aeroporto de Belém. O Coman-

dante Garcez consultou o plano de vôo computadorizado e leu o número 027que corresponde ao angulo que indica o percurso de Marabá a Belém. Porém, o

capitão estava distraído ouvindo um jogo das eliminatórias da Copa do Mundo

pelo rádio, quando sem perceber digitou o número 270 no plano de vôo compu­

tadorizado. Minutos depois, o vôo 254 decolou e atingiu uma altitude de cerca

de 9 mil metros (29 mil pés). Só que ao invés de o vôo se dirigir para Belém, ele

tomou a direção contrária, rumo à Floresta Amazônica.

Depois de algum tempo, o comandante percebeu que algo estava errado.

Naquele momento, pelo plano de vôo, ele já deveria visualizar o aeroporto de

Belém. E mesmo não sabendo onde estava, o Comandante Garcez informou o

coordenador de vôo da Varig que aterrissaria em Belém em cinco minutos. Às

19h3ü, quando o vôo já estava com uma hora e oito minutos de atraso, o co-piloto

identificou o problema e começou a explicar para o comandante o seu erro. Mas

Garcez dispensou a explicação dele. Recusou-se a pedir ajuda e começou a contar

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136. o comunicação

os minutos até acabar o combustível da aeronave. Enquanto isso ele procurava

achar algum aeroporto no qual o avião pudesse pousar.

Uma hora depois, já sem combustível, o Comandante Garcez fez um inesque­

cível pouso forçado no meio da floresta amazônica na escuridão da noite. A aero­

nave estava a 700 milhas de seu destino original. Apesar de todos os seis tripulantes

da aeronave terem sobrevivido, 13 dos 48 passageiros morreram. Tanto o Coman­

dante Garcez como o co-piloto tiveram suas licenças caçadas e nunca mais voaram.

Apavorados no meio da selva, os sobreviventes tentaram "adivinhar" um rumo

em busca de socorro e sobrevivência. Imaginaram que caminhando sempre na

mesma direção poderiam chegar a algum lugar habitado. Qyal não foi o desespero

deles ao se deparar, depois de dois dias de caminhada, com os destroços do avião

no mesmo lugar em que haviam caído! Perdidos, haviam andado em círculos sem

perceber e teriam perecido ali se não fossem encontrados pelas equipes de resgate.

A história parece trágica demais para ilustrar o fracasso de um sermão sem

rumo, mas alguns sermões quase levam os ouvintes ao desespero e à frustração

espiritual de não chegar a lugar nenhum! Embora não represente um perigo físico,

a experiência se assemelha a uma tragédia na adoração, com evidentes riscos espi­

rituais. Pelo menos o risco de os ouvintes saírem da igreja sem o necessário ali­

mento espiritual.

Usando uma ilustração mais caseira: se você fosse descrever o sabor de uma

salada de frutas, a que fruta compararia a salada? Ela tem sabor de banana,

mamão, laranja ou maçã? Difícil, não é? Na realidade ela tem sabor de tudo, e por

isso mesmo o sabor é indefinido. O sermão não pode ser assim, senão o ouvinte vai

sair da igreja indefinido, sem saber qual foi o sabor do sermão, isto é, sem saber

qual é a mensagem para sua vida prática. É aí que se nota a importância da estru­

tura do sermão, da organização das idéias, da distribuição do assunto em partes,

de maneira que se comunique o máximo possível.

O primeiro passo na organização de um sermão é a sua divisão em três par­

tes: introdução, corpo e conclusão.' Em outras palavras, o sermão tem de ter

começo, meio e fim. No passado, alguns autores dividiam o discurso em cinco ou

mais partes, mas hoje a tendência é simplificar essa divisão em apenas três partes.

1 Leon Fletcher, Comofalar como um profissional, P: 70.

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como evitar o sermão sem rumo • 137

É mais prático. Neste capítulo, vamos nos preocupar apenas com o corpo do

sermão e sua estrutura.

Quanto mais organizado estiver o sermão, mais ele vai ser captado pelo

ouvinte surtindo efeito duradouro. Estudos revelam que a pessoa comum se lem­

bra apenas de 25 por cento do que ouve. E conserva isso na memória por pouco

tempo. Após 48 horas, a maioria só se lembra de 10 por cento de um discurso.'

Esse é mais um motivo para que as idéias estejam muito bem organizadas. Veja­

mos como organizar as idéias do sermão.

Características do corpo do sermão

o corpo é o sermão propriamente dito. É a mensagem que vai ficar na mente e

no coração do ouvinte. É a exposição das idéias e o desenvolvimento do assunto.

Para ser eficaz, o corpo do sermão precisa de algumas características indispensá­

veis. Vejamos.

Unidade absoluta

Um cidadão lia um dicionário, e um amigo perguntou-lhe o que estava lendo. Em

resposta, disse:"Parece que tem um monte de informações boas, mas não consegui

descobrir a linha de raciocínio!".No dicionário, o termo anterior e o posterior nada

têm a ver com o do meio. Alguns pregadores pregam sermões-dicionário, que têm

um monte de informações boas, mas ninguém descobre a linha de raciocínio.

Isso não pode acontecer no corpo do sermão nem no sermão como um todo.

O sermão não pode ter duas ou três idéias centrais. Pelo contrário, tem de ter uma

idéia central única, grande, luminosa e presente no todo. Tudo o que se diz no

sermão tem de estar debaixo dessa idéia e contribuir para ela. Qualquer outra

idéia que não reforce ou esclareça a idéia central deve ser abandonada sem pie­

dade. Uma boa solução é guardar essas idéias "extras" para outros sermões.

Se você pregar sobre a volta de Jesus, não fale nesse sermão sobre a dou­

trina do santuário. Se pregar sobre a fé, não misture com o tema da origem do mal.

2 Idem, p. 18.

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138. o comunicaçõo

Se pregar sobre oração, não misture com educação cristã. É claro que todos os

temas bíblicos se inter-relacionam, mas você deve apresentar apenas um de cada

vez, para que a mensagem tenha unidade e poder.

Muitos membros de igreja voltam para casa como aquele homem a quem, ao

chegar do culto, a esposa perguntou: "Sobre que assunto o pastor pregou?". O

homem respondeu: "Sobre o pecado". Quando a esposa insistiu em saber o que o

pastor disse sobre o pecado, o homem respondeu: ''Acho que ele era contra".

É muito comum ouvir sermões do tipo salada de frutas. Aliás, a triste reali­

dade é que é mais comum ouvir sermões desorganizados do que sermões organi­

zados. Alguns pregadores percorrem a Bíblia de Gênesis a Apocalipse e misturam

todas as doutrinas num só sermão. Quando terminam, ninguém sabe dizer sobre

o que falaram. A razão não é a falta de inteligência, e sim de dedicação, porque

pregar sobre dez assuntos dá menos trabalho do que pregar sobre um só.

A escolha de um assunto exige bastante tempo e estudo. Duane Litfin apre­

senta quatro passos básicos na escolha do assunto e da idéia central:

• Determine o assunto geral sobre o qual você gostaria de falar.

• Faça uma boa pesquisa sobre esse assunto.

• Decida o tópico que você quer abordar dentro do assunto.

• Estabeleça a idéia central, única, que vai governar a construção do sermão.'

Aliás, ao escolher a idéia central, você determinará a unidade do sermão.

John Henry Jowet escreveu: "Tenho a convicção de que nenhum sermão está

pronto para ser pregado, ou para ser escrito por extenso, até que possamos expres­

sar seu tema numa frase curta e fecunda, clara como cristal"."

Propósito claro

Definido o assunto, estabeleça o propósito que quer alcançar com esse assunto.

Muitas vezes o processo pode ser inverso: você tem um propósito e escolhe um

3 Duane Liftin, Public speaking, p. 96-117.

4 Donald E. Demaray, An introduction to Homiletics, p. 104.

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como evitar o sermão sem rumo • 139

assunto para atingir esse propósito. Não importa a ordem, o importante é que

tenha um assunto e um propósito.

"O propósito declara aquilo que esperamos que aconteça com o ouvinte como

resultado da pregação desse sermão. O propósito difere da idéia do sermão, assim

como o alvo é diferente da flecha ... Ao passo que a idéia declara a verdade, o

propósito define o que aquela verdade deve levar a efeito."

Exemplificando, suponhamos que o assunto escolhido seja o perdão. A idéia

central poderia ser: "Deus não se cansa de perdoar". O propósito seria levar o

ouvinte a buscar o perdão, mesmo após repetidos fracassos.

Divisões paralelas

Tendo o assunto, a idéia central e o propósito, fica fácil organizar o restante do

sermão. O passo seguinte é dividir a idéia central em três tópicos específicos, que

seriam as divisões da idéia. Essa regra não é inflexível, e você pode usar duas ou

quatro divisões esporadicamente. Alguns autores admitem até mais de quatro divi­

sões, o que, porém, não é muito didático. Quanto menor o número de tópicos,

maiores serão a clareza e a força da idéia central. Por isso,o ideal é usar somente três

divisões, ou excepcionalmente duas. Quatro divisões, só em casos muito especiais.

Vamos tomar o exemplo acima e acrescentar as três divisões da idéia central:

IDÉIA CENTRAL: Deus não se cansa de perdoar

DIVISÕES: A. Não se cansou de perdoar a Davi

B. Não se cansou de perdoar a Pedro

C. Não se cansa de perdoar a você

Observe que as três divisões são enfoques que apóiam a idéia central e com

esta formam uma unidade absoluta. Tudo está dentro do mesmo tema e tem o

mesmo propósito. Observe também o paralelismo das divisões, ou seja, elas são

semelhantes entre si. Isso é possível mediante o uso de uma palavra-chave repetida

5 Idem, p. 73-74.

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140. o comunicaçõo

em todas as divisões. No caso acima, a palavra-chave é "perdoar", que amarra as

três divisões, mantendo-as paralelas. Quanto mais palavras-chave, maior o parale­

lismo. No exemplo acima, o verbo "cansar-se" e a palavra "não" também ajudam a

fortalecer o paralelismo.

Progressão

Todo sermão deve ter movimento, e esse movimento tem de progredir em direção

a um clímax. O pregador precisa levar o ouvinte de um ponto de partida para um

ponto de chegada. Progressão é a maneira que o pregador conduz o ouvinte, envol­

vendo-o pouco a pouco no propósito da mensagem. Assim, ao preparar asdivisões

do sermão, você deve dar-lhes uma ordem lógica de progresso em direção ao clí­

max do sermão.

No exemplo já citado, observe a progressão das divisões. Primeiro, o foco é o

perdão a Davi, lá no Antigo Testamento. Depois vem o perdão a Pedro, um pouco

mais próximo, por ser no Novo Testamento. Finalmente vem o clímax do sermão,

que é o perdão ao próprio ouvinte: "Deus não se cansa de perdoar a você".

Vejamos o exemplo de um discurso sobre o tema da temperança. Observe

como a idéia central apóia-se nos tópicos das divisões e progride com eles:

IDÉIA CENTRAL: O alcoolismo é um inimigo que destrói

DIVISÕES: A. Destrói o indivíduo

B. Destrói a família

C. Destrói a sociedade

O discurso tem como ponto de partida o prejuízo que o álcool causa à

própria pessoa que o ingere. Na segunda divisão, esse prejuízo é ampliado para

toda a família. Na terceira, o prejuízo atinge toda a sociedade. A ordem tam­

bém poderia ser inversa, culminando com o prejuízo ao indivíduo, pois você

escolhe o clímax de acordo com o enfoque que deseja dar, contanto que haja

movimento em direção a um ponto culminante. Observe também que o parale­

lismo ocorre com a palavra-chave "destrói".

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como evitar o sermõo sem rumo • 141

A arte de esboçar

Para que o sermão tenha as características de unidade, propósito, paralelismo e

progressão, é indispensável que essasqualidades estejam esquematizadas em forma

de esboço. O esboço nada mais é do que o esqueleto que dá sustentação às idéias.

Assim como no corpo humano o esqueleto nunca aparece, o esboço também se

esconde atrás do revestimento das idéias. O esqueleto humano é uma estrutura

feia que sustenta um corpo bonito. Nenhuma pessoa bonita pode dizer que não

precisade esqueleto. Da mesma forma, não pode haver sermão sem esboço. Quanto

mais bonito o sermão, mais necessário será um esboço.

A forma do esboço

O esboço é a distribuição da idéia central com as divisões e subdivisões. Diferen­

tes autores sugerem diferentes formas para o esboço, umas mais simples, outras

mais complexas. O formato abaixo parece ser o mais didático e mais prático para

qualquer tipo de discurso ou sermão:"

I. INTRODUÇÃO

A. Captar a atenção

B. Resumo do que vai dizer

lI. APRESENTAÇÃO

A. Pontos principais

B. Ordem lógica

C. Progressão

lIl. CONCLUSÃO

A. Resumo

B. Apelo

6 Leon Fletcher, op. cit., p. 70.

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142. a comunicação

Note, por exemplo, como o discurso sobre o alcoolismo, citado anterior­

mente, pode ser construído com esse formato de esboço, com as divisões e subdi­

visões da idéia central:

1. INTRODUÇÃOA. Ilustração

1. Adolescentes bêbados

2. Adolescentes viciados

B. A ilusão do vício

1. O vício é uma fuga da realidade

2. O vício é um inimigo perigoso

II. O ÁLCOOL É UM INIMIGO QUE DESTRÓIA. Destrói o indivíduo

1. Prejudica o sistema nervoso

2. Prejudica a mente

3. Transição

B. Destrói a família

1. Prejudica o orçamento familiar

2. Prejudica o relacionamento familiar

3. Transição

C. Destrói a sociedade

1.Aumenta o desemprego

2. Aumenta a marginalidade

3. Transição

II1. CONCLUSÃOA. Qgern usa bebida alcoólica não é feliz

1. Vive sem saúde

2. Vive mal com a família

3. Vive à margem da sociedade

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como evitar o sermõo sem rumo • 143

B. Você precisa ser feliz

1. Vença o alcoolismo

2. Vença a si mesmo

o esboço também pode incluir outros segmentos, que são as sub-subdivi­

sões, nas quais ilustrações e aplicações podem ser incluídas.

Uma preocupaçãoque deveserlevadaem conta é o tempo destinado a cadaparte

do sermão. Não há uma regra fixa, mas em média recomendam-se 15 por cento do

tempo para a introdução, 75 por cento para o corpo e 10 por cento para a conclusão.

Assim, um sermão de 20 minutos poderia ter a seguinte distribuição de tempo:

3 minutos para a introdução

15 minutos para o corpo

2 minutos para a conclusão

Essa é uma sugestão geral, que pode ser adaptada de acordo com a necessi­

dade. O importante é que o corpo seja a parte principal e mais extensa do sermão.

Exemplos de esboços

Um mesmo assunto pode ter dezenas de esboços diferentes, dependendo do ponto

focalizado. Aliás, uma das grandes utilidades do esboço é direcionar o assunto em

diferentes abordagens. Tomando, por exemplo, o assunto dajustijicação pelafé,veja quantos esboços diferentes podem ser construídos:

1. Abordagem das definições

A. Qpe é justificação?

B. Que é fé?

C. Que é justificação pela fé?

2. Abordagem das personagens

A. Quem justifica?

B. Quem é justificado?

C. Qpem paga a pena?

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144. a comunicação

3. Abordagem cronológica

A. O homem antes da justificação

B. O homem durante ajustificação

C. O homem após ajustificação

4. Abordagem espacial

A. A justificação e o céu

B. A justificação e o Calvário

C. A justificação e o coração do homem

5. Abordagem ética

A. A justificação e a consciência

B. A justificação e as intenções

C. Ajustificação e o comportamento

6. Abordagemjurídica

A. A justificação e a acusação do pecador

B. A justificação e a defesa do pecador

C. A justificação e a absolvição do pecador

7. Abordagem psicológica

A. A justificação e o senso de culpa

B. A justificação e a ansiedade

C. A justificação e a paz de espírito

Cada abordagem dessas implica um esboço diferente e, portanto, um sermão

diferente. Essa lista pode ser ampliada indefinidamente, pois não há limite para

os ângulos a serem abordados dentro de cada assunto. Por isso, o esboço é um

recurso valiosíssimo para direcionar os diferentes tratamentos de um assunto. Vale

a pena desenvolver uma mentalidade voltada para o esboço.

O esboço do sermão é um pré-requisito fundamental para tornar o sermão

atraente e interessante, o que constitui o tema do próximo capítulo.

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Capítulo 11

Como escolher um tema atraente

"Umsermão desinteressante nãoproduz nada,

excetopessoas desinteressadas. "

ANÔNIMO

Adecisão mais difícil para um pregador é escolher sobre o que falar. Como

descobrir qual o assunto que mais vai agradar ou atender às necessidades

dos ouvintes? Como escolher um tema que realmente interesse ao audi-

tório? Quando o tema é solicitado, fica um pouco mais fácil preparar o sermão,

mas mesmo assim há sempre o seguinte dilema: de qual ângulo o tema deve ser

abordado?

Particularmente, já deparei váriasvezescom essaindecisão. E constatei: sempre

que consigo definir bem o assunto, as idéias começam a fluir com facilidade.

Como pastor de igreja, sempre tive o hábito de dar o título do sermão até a

quinta-feira, para ser publicado no boletim da igreja. Mesmo que o assunto já

esteja agendado, passo a semana inteira tentando especificar o foco para elaborar o

título. Redigido o título, as idéias começam a fluir de maneira mais natural.

Não há uma fórmula mágica para a escolha do assunto, mas há vários fato­

res que ajudam a tomar essa decisão. Em síntese, o ponto de partida é conhecer

os objetivos, os ouvintes e o próprio assunto a ser escolhido. Vejamos como isso

é importante.

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146. o comunicaçõo

Conheça seu objetivo

Para escolher um assunto interessante, o orador precisa primeiramente definir

muito bem qual o objetivo do discurso. Tradicionalmente, os objetivos da oratória

resumem-se em informar, persuadir, recrear ou homenagear. É preciso conhecer a

finalidade para esforçar-se por alcançá-la. No caso do pregador, o objetivo quase

sempre é persuadir e inspirar os ouvintes. Os sermões doutrinários e evangelísti­

cos, por exemplo, têm como objetivo persuadir os ouvintes a crer na doutrina. Os

sermões pastorais buscam persuadi-los e inspirá-los a uma reconsagração. Os ser­

mões missionários têm a intenção de persuadir e motivar os ouvintes a participa­

rem na missão da igreja, e assim por diante.

Conheça seus ouvintes

N a primeira parte do livro, abordamos amplamente os tipos de ouvintes e as

característicaspeculiares do ouvinte pós-moderno, sensivelmente influenciado por

um bombardeio de múltiplas culturas neste início de milênio. Não resta dúvida

de que o ouvinte do terceiro milênio difere em muitos aspectos das gerações mais

antigas, conforme discutido anteriormente. Contudo, existem característicasgerais

que se aplicam a todos os ouvintes de todas as culturas e todas as épocas. Uma

série de fatores psicológicos, sociológicos e espirituais faz parte da natureza de

qualquer ouvinte. Esses fatores estão mais relacionados com a natureza humana

do que com um tipo de cultura em particular. É essa natureza do ouvinte que

vamos discutir a seguir.

Segundo Aristóteles, dos três fundamentos da oratória - orador, assunto e

auditório -, é o ouvinte que determina a finalidade e o objetivo do discurso. Por

isso,é indispensável conhecer o tipo de auditório a que você vai falar.Comecemos

estudando a natureza do ouvinte. Isso nos ajuda a conhecer os caminhos que

despertam o interesse dele.

Fatores psicológicos

Conhecer o ouvinte é um negócio complicado, pois o próprio ouvinte é um

sujeito muito complicado. Primeiro, porque todo mundo prefere falar a ouvir e,

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como escolher um temo atraente • 147

segundo, porque todo ouvinte é exigente e quer ouvir só coisa boa. Ou seja, o

ouvinte é tão difícil de contentar que só presta atenção se o discurso for real­

mente interessante. E o que é pior: ele tem razão! Alguns pregadores chegam a

fazer sermões repreendendo os ouvintes e tachando-os de irreverentes por não

prestarem atenção. Isso é um absurdo! Antes de o ouvinte ter obrigação de

ouvir bem, o orador tem obrigação de falar bem! E quando se fala bem, todo

mundo presta atenção.

Fatalmente, o ouvinte é o maior incômodo para o orador. Se pudesse haver

discursos sem ouvintes, seria muito mais cômodo para alguns oradores. Mas "des­

graçadamente", o ouvinte é a própria razão da existência da oratória. Não há como

ser orador e fugir dele. Por isso, vamos saber um pouquinho sobre esse "incô­

modo" para o orador. Há alguns fatos básicos que devem ser conhecidos sobre a

natureza do ouvinte e da comunicação, como se podem ver em seguida:

A diFiculdade de ouvir

Ouvir requer grande dose de concentração e autodisciplina. A principal razão é

que podemos ouvir muito mais rápido do que qualquer pessoa consegue falar.

Assim, enquanto ouvimos, entre uma afirmação e outra, nossa mente fica com

uma grande quantidade de espaços vagos, que facilmente são ocupados por outros

pensamentos que de alguma maneira nos atraem mais do que o discurso.

Os pesquisadores dizem que somos capazes de manter a atenção contínua

sobre um estímulo por apenas uns poucos segundos. Portanto, precisamos mudar

de estímulo constantemente. Só que, cada vez que o orador muda o estímulo, o

ouvinte tem a tendência de sintonizar em qualquer outra coisa diferente do ora­

dor. Por isso, manter a concentração numa só direção por muito tempo exige

grande energia mental e cansaço emocional.

As pessoas vêem muito e ouvem pouco

As pessoas hoje possuem basicamente uma cultura orientada mais para ver do

que para ouvir. As culturas primitivas, em que pouco se escrevia, dependiam

muito mais da memória e do ouvido do que da visão. Hoje vivemos na era do

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148. a comunicaçõo

vídeo, do DVD e da informação digitaL Com um simples click na tecla do

computador, via Google, Yahoo, ou qualquer outro sistema de busca eletrônica, o

usuário pode acessar qualquer informação desejada em questão de segundos. Essa

informação digital sobre absolutamente qualquer assunto está disponível nos mais

variados formatos visuais, seja um simples videoclipe on-line ou filmes de qual­

quer categoria, disponíveis não só em DVD, mas também em minúsculos ipods,

agendas eletrônicas ou telefones celulares. Um simples click no Youtubecoloca à

disposição uma infinidade de videoclipes sobre qualquer assunto desejado.

Com tamanha variedade de opções visuais disputando a atenção do ouvinte,

o que levaria alguém a ficar sentado por cerca de uma hora para "ouvir" um ser­

mão? Nada mais, nada menos que uma escolha pessoal, um ato da vontade e um

desejo pessoal de ouvir a mensagem. Portanto, é lógico que, para a pessoa querer

ouvir, o sermão precisa ser atraente e interessante, pois ouvir já não é mais a pri­

meira opção na lista de prioridades das pessoas.

Em outras palavras, a tendência de visualizar a informação cresce cada vez

mais, e a capacidade de ouvir atrofia-se pela falta de uso.

As pessoas ouvem de maneiros diferentes <3

com diferentes propósitos

As pessoas ouvem basicamente com três propósitos diferentes. Primeiro, ouvem

para divertir-se. Essa é talvez a forma mais fácil de ouvir, porque requer pouca

autodisciplina. Em segundo lugar, as pessoas ouvem para entender, e isso requer

um esforço muito maior. O ideal nesse caso seria que o ouvinte não fosse passivo,

mas mantivesse interação com as idéias do orador, o que não é muito comum na

pregação. Em terceiro lugar, a forma mais difícil de ouvir é ouvir para avaliar.

Além de exigir atenção, isso demanda uma bagagem adicional de conhecimentos

e de equilíbrio para julgar o que foi dito e não tirar conclusões antes de ouvir.' Por

tudo isso, somos pobres na arte de ouvir. E infelizmente, os nossos ouvintes são

exatamente iguais a nós.

1 Duane Litfin, Public Speaking, p. 42-44.

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como escolher um tema atraente _ 149

o problema da atençõo

Além da dificuldade natural de ouvir, existe também o problema da atenção.

Todos nós temos uma atenção seletiva, isto é, a mente humana é dotada de filtros

de atenção, de tal maneira que filtramos as coisas, descartando as que não interes­

sam e concentrando-nos nas que interessam.

Embora não perceba, todo orador enfrenta uma concorrência violenta cada vez

que fala.Por exemplo, pense nos fatores que concorrem contra você como pregador:

o cochicho dos que estão ao redor dos ouvintes; o desconforto dos bancos da igreja;

a má iluminação do ambiente; o alarme de um carro que dispara; a preocupação de

que o carro estacionado na rua não seja roubado; o desejo de conversar com amigos

da congregação; ou o choro de uma criança. Cada um desses fatores é um estímulo

para desviar a atenção da mensagem. Se o sermão não for tão interessante, um desses

estímulos será selecionado pela mente e roubará a atenção.

Há fundamentalmente dois tipos de atenção: a involuntária e a voluntária.

A involuntária é a atenção natural, instável e transitória. Nós não a controlamos.

Simplesmente ela gravita em torno dos estímulos mais fortes ao nosso redor. Veja

quais são os estímulos que tendem a receber prioridade da nossa atenção: novi­

dade, movimento,proximidade, concretude (elementos não abstratos) ,jàmiliaridade,

conflito, suspense, intensidade, humor e necessidades pessoais.' Se o sermão parecer

ultrapassado, distante, parado ou abstrato, qualquer coisa nova, próxima, movi­

mentada ou concreta furtará a atenção.

A atenção voluntária, por sua vez, é aquela que é controlada pela escolha, deter­

minação e esforço. Ela é possível, mas exige um elevado nível de disciplina mental.

A natureza da comunicaçõo

Desde o nível mais simples, a comunicação humana envolve três elementos:

emissor, mensagem e receptor. Veja como isso é complexo: o emissor, ou seja, a

pessoa que emite a mensagem, na realidade, transmite seu pensamento. Ao trans­

miti-lo, o emissor usa seu código mental para transformar os pensamentos em

2 Idem, p. 45-48.

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150. a comunicação

palavras. O receptor, por sua vez, recebe a mensagem em palavras e usa seu pró­

prio código mental para transformá-las novamente em pensamentos, ou seja, para

decodificar a mensagem. A comunicação só vai ocorrer de fato, à medida que o

código mental do receptor for semelhante ao código mental do emissor; do con­

trário haverá distorção ou ausência de comunicação.'

No caso da pregação, o emissor é o pregador, a mensagem é o sermão, e o

receptor é o ouvinte. Se o pregador estiver distante da realidade do ouvinte e não

conhecer os problemas com os quais este convive, provavelmente vai usar um

código mental diferente do código mental dos ouvintes. Se o pregador vai falar

para jovens, por exemplo, mas está acostumado a lidar apenas com problemas de

adultos, ou se sua mente tem alguns preconceitos, ou se ele não conhece as preo­

cupações dos jovens, possivelmente empregará um código mental que não comu­

nica muita coisa para os jovens.

Por isso, comunicação é convivência. E quanto mais você convive, mais você

entende as pessoas e mais tem condições de chegar ao coração delas. "Quanto mais

você entende as pessoas em profundidade, mais gosta delas, mais respeito sente

por elas. Tocar a alma de outro ser humano é pisar em solo sagrado." E esta é a

missão do pregador: compreender aspessoase amá-las, a fim de sabercomo alcançar­

lhes a alma e o coração.

Fatores sociológicos

Além dos fatores psicológicos, precisamos conhecer os fatores sociológicos que

determinam o tipo de ouvinte a que vamos falar. Os principais fatores são:

Idade

Sempre que for pregar numa igreja pela primeira vez, é importante informar-se

a respeito da faixa etária predominante. Isso ajuda a escolher o assunto, bem

como as ilustrações e aplicações. Se, por exemplo, a maioria dos ouvintes for

3 Idem, p. 18-19.

4 Stephen R. Covey, Os 7 hábitos das pessoas muito eficazes, p. 285.

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como escolher um tema atraente _ 151

constituída por pessoas mais jovens, não será uma boa opção usar ilustrações

sobre aposentadoria nem escolher falar sobre "como dar exemplo para os netos"!

Imagine se você prepara um bom sermão sobre a educação dos filhos e, quando

chega à igreja, percebe que a maioria é de jovens solteiros! Por outro lado, se a

maioria é de idade bem adulta, não convém fazer ilustrações sobre namoro nem

preparar um sermão sobre divertimento cristão, já que esses assuntos interessam

mais diretamente ao público jovem.

Sexo

Embora não seja muito comum, algumas igrejas são compostas na sua maioria por

moças e senhoras, ou às vezes o contrário. Imagine se você prepara um sermão

sobre o potencial da mulher no trabalho missionário e percebe depois que a igreja

é de maioria masculina! Da mesma maneira, se você prepara um sermão sobre

como ser um marido cristão para um público predominante de senhoras, você não

alcançará muitos objetivos práticos. Aliás, de preferência, é bom evitar sermões

meio segmentares, que se destinem apenas a uma parte da congregação, deixando

os outros famintos de alimento espiritual.

Entretanto, há ocasiões em que você precisa dirigir-se a um público específico.

Certa ocasião, fui convidado a falar a um grupo de esposas de pastores. Ao prepa­

rar a mensagem, senti dificuldade de encontrar uma abordagem atraente para o

público feminino. Só então percebi que a maioria dos sermões que fazemos são

direcionados para a mentalidade masculina, geralmente mais voltada para a argu­

mentação, enquanto as mulheres são mais tocadas por idéias que apelem à sensi­

bilidade e ao sentimento. É importante o pregador dar atenção a esses detalhes.

Ambiente socioculturol

Falar a uma igreja de camponeses não é a mesma coisa que falar a uma igreja de

universitários. Se a maioria é de agricultores, é melhor usar exemplos de semea­

dura e colheita, cultivo da terra e irrigação, do que fazer ilustrações com compu­

tadores, Internete multimídia. Um pastor peruano contou-me que precisou traduzir

um visitante americano que tinha ido pregar a um grupo de índios de uma região

do Peru. Durante todo o sermão, o americano usou exemplos de automóveis,

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152. o comunicaçõo

contas bancárias e alimentos, como tortas e pão com geléia, coisas que os índios

não usam. O intérprete confidenciou-me que, a partir de certa altura, começou a

pregar outro sermão que sabia de cor, porque os índios não estavam entendendo

nada que o americano dizia. De vez em quando os índios riam e o americano não

entendia o porquê. Às vezes o americano dizia algo engraçado e os índios perma­

neciam sérios. Mas, no final, os índios agradeceram ao americano o excelente

sermão! É preciso adaptar o sermão ao ambiente cultural dos ouvintes. Uma igreja

do centro da cidade, por exemplo, sempre vai exigir um tipo de pregação diferente

da pregação para uma igreja de periferia, sem nenhum demérito para um ou para

outro tipo de igreja. São apenas ambientes diferentes.

Tempos atrás pastoreei uma grande igreja que pertencia ao campus de uma

universidade, em que também havia um seminário teológico. A maioria da con­

gregação era composta de universitários, professores e membros da comunidade

adjacente, muitos dos quais eram profissionais liberais, funcionários públicos e

empresários. Havia também um grande número de operários e pessoas mais sim­

ples,o que tomava a congregação altamente heterogênea e, por issomesmo, extrema­

mente exigente. A escolha de temas apropriados para esse tipo de público requeria

um cuidado especial para satisfazer diferentes necessidades. No primeiro ano, eu

não tinha muita informação sobre as necessidades dos membros, por isso precisei

me basear em informações de membros mais antigos e experientes. Como havia

cinco ex-pastores dessa igreja que continuavam na congregação, alguns já aposen­

tados e outros atuando como professores da universidade, encontrei neles uma

boa fonte de apoio e informação. Ao longo de cinco anos, porém, pouco a pouco

passei a conhecer bem o contexto da congregação, facilitando assim a escolha de

temas e mensagens. Por causa do ambiente universitário, percebi que a congrega­

ção estava mais habituada a ouvir sermões teológicos e intelectuais, ficando um

pouco carente em outras áreas. Por isso, aos poucos fui mudando o enfoque e

julguei necessário pregar mais sobre temas práticos que eram comuns a todos os

tipos de pessoas, tais como perdão, arrependimento, amor ao próximo e missão da

igreja. Percebendo que o efeito foi positivo, procurei diversificar os temas com o

passar do tempo, mas o critério básico era buscar temas que atendessem às neces­

sidades comuns de diferentes grupos socioculturais. Com freqüência, a informa­

ção de membros mais experientes da congregação é uma boa fonte auxílio na

escolha dos temas.

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como escolher um tema atraente _ 153

Fatores espirituais

Para pregar temas espirituais interessantes, você precisa conhecer a experiência

espiritual e as necessidades da congregação. É preciso analisar quais os principais

problemas enfrentados por aquelas pessoas, se a maioria é composta de cristãos

maduros ou de recém-convertidos, se elas têm muito ou pouco conhecimento

doutrinário, se há tendências legalistas ou liberais, se há conflito entre jovens e

adultos, se são na maioria fervorosos ou acomodados, se revelam atuação missio­

nária ou não.

Durante quatro anos fui pastor de uma igreja que havia sido fruto de grande

evangelização, em São Luís, Maranhão, no bairro de Monte Castelo, para ser mais

específico. Era uma igreja de quatrocentos membros, e fui praticamente o pri­

meiro pastor após o período de evangelização. Ao chegar, comecei a conhecer as

necessidades da igreja. Por influência da evangelização, era uma igreja que gostava

de doutrinas, e eu, ainda com o entusiasmo do seminário, aproveitei para pregar

sermões teológicos. Os membros gostavam, mas aos poucos fui percebendo que,

mais que de doutrina e teologia, eles precisavam de confirmação e estabilidade

espiritual. Embora se empolgassem com debates doutrinários, muitos não tinham

tanta firmeza em pontos fundamentais e não tinham suficiente vivência eclesiás­

tica. Passo a passo, comecei a introduzir temas como religião na família, educação

cristã e relacionamento cristão. Logo percebi que esses temas eram novidade para

muitos deles, despertando interesse imediato. Outra ocasião fui pastor de uma

igreja em que, na maioria, os membros eram nascidos na igreja e, portanto, meio

acomodados. Então senti necessidade de pregar temas que lhes trouxessem moti­

vação missionária e espiritual. É fundamental conhecer a experiência da igreja

para poder apresentar temas interessantes e necessários.

Se você quer pregar aquilo que realmente interessa aos ouvintes, coloque-se

nas mãos de Deus e conheça a experiência espiritual dos ouvintes.

Conheça seu assunto

Como pregador, seu assunto é a Bíblia. Portanto, conheça a Bíblia. Se puder

conhecer a respeito de muitos outros assuntos, melhor, pois isso o ajudará a desen­

volver temas especializados para determinados tipos de auditório.Todavia, se você

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154. a comunicaçõo

conhecer somente a Bíblia, mas conhecê-la bem, estará apto a ser um pregador.

Tão-somente seja discreto e não se atreva a introduzir assuntos dos quais você

não tem conhecimento. Certa ocasião, ouvi um pregador usar o resfriado como

ilustração, dizendo que há um nervo que sai do pé e vai até o nariz, por isso,

quando se pisa em água fria, fica-se resfriado. Um amigo médico que estava

presente disse-me: "Esse nervo eu não conhecia!" Cuidado, a pregação não deve

ser levada ao ridículo.

Mesmo sobre a Bíblia, é bom ser humilde e reconhecer os temas nos quais

você sente limitações. Se deseja pregar sobre profecias, então estude bastante

Daniel, Apocalipse e história universal, para dominar o assunto. Não diga que a

Revolução Francesa ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial, sendo que mais

de um século separa os dois conflitos, ou que Alexandre, o Grande, foi imperador

romano (isso ofenderia os gregos). Você pode ter um professor de História na

congregação, e mesmo que não tenha, o orador deve dominar seu assunto, ou

então falar sobre outro assunto. Da mesma forma, se deseja falar sobre justificação

pela fé, estude o assunto até ter certeza de conhecê-lo bem.

Desnecessário é dizer que o orador deve conhecer bem a língua materna. Isso

também significa conhecer o assunto, pois o idioma faz parte de qualquer assunto.

O pregador tem o dever de dominar o idioma, pronunciar as palavras correta­

mente, usar os verbos na conjugação adequada e ter muito cuidado com o singular

e o plural, tão traiçoeiros para os menos esclarecidos ..

Se o pregador tem dificuldades com a língua, ou com conhecimentos gerais,

ou mesmo com as técnicas da boa oratória, Deus aceita o melhor de cada um. Mas

lembre-se: o pregador tem de buscar aprimorar-se em todas essas áreas; do con­

trário sua influência será sempre reduzida.

Escolher temas atraentes e pregar sermões do interesse dos ouvintes é

uma arte que se aprende com o tempo, e um dos recursos mais poderosos para

tornar o sermão atraente é o uso sábio de ilustrações, que será discutido no

próximo capítulo.

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Capítulo 12

Sermões visíveis e invisíveis

"Omelhororador é aquele quetransformaosouvidosem olhos. "

PROVÉRBIO ÁRABE

'51 mente nuncapensasemuma imagem. "

ARISTÓTELES

Oouvinte pós-moderno aprende por meio de histórias, que iluminam

as idéias e as tornam visíveis. Na realidade, em todos os tempos, as

pessoas sempre aprenderam com ilustrações, e os ouvintes pós-moder­

nos apenas se tornaram mais exigentes e autênticos nesse assunto. Com tantas

opções disputando sua atenção, eles simplesmente a sintonizam naquilo que é

mais ilustrado e mais visível. Ou seja, as ilustrações tornam o sermão visível, e

um sermão sem ilustrações é um sermão "invisível",no sentido de que você pode

ouvir as idéias, mas não vai visualizar o seu brilho. Cristo conhecia esse princí­

pio muito bem, e é por isso que suas mensagens são riquíssimas em ilustrações

e parábolas. Freqüentemente ele dizia: "Olhai as aves...", "Observai os lírios ...",

e assim por diante.

Em outras palavras, os sermões podem ser claros e luminosos ou escuros e

sombrios. A diferença está num único fator: o uso ou não de ilustrações. Quanto

mais e melhores ilustrações, maior quantidade de luz é lançada dentro do sermão,

tornando-o "visível"em vez de apenas audível. Na era do vídeo e do computador,

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156 • a comunicação

as pessoas não aceitam mais aprender sem ver, e o pregador precisa criar quadros

mentais vivos, para que as pessoas possam "ver" o sermão, e não apenas ouvi-lo. O

pregador que não ilustra seus sermões prega no escuro, e o efeito do sermão será

empobrecido por falta de luz.

Os psicólogos informam que adquirimos o conhecimento por meio dos cinco

sentidos, aproximadamente nas seguintes proporções:

85% por meio da visão

10% por meio da audição

2% por meio do tato

1,5% por meio do olfato

1,5% por meio do paladar'

Diante disso, quanto mais visível se tornar o sermão, mais ele será um veículo

eficiente para a transmissão de conhecimentos. Vale a pena, portanto, iluminar os

sermões com boas ilustrações.

A necessidade de ilustrar

É fácil perceber que existe uma crescente onda de desinteresse e insatisfação inva­

dindo as igrejas em geral. Mais e mais jovens e adultos parecem descontentes com

o estilo abstrato e cansativo de muitas pregações. Vários estudos têm sido feitos

para entender qual a causa de tanto desinteresse. Chapelf refere-se a uma pes­

quisa feita por Clyde Reid, que entrevistou diferentes profissionais religiosos acerca

das causas dessa apatia, apresentando a seguinte conclusão do estudo:

1. Os pregadores tendem a usar uma linguagem arcaica e complexa que

pessoas de formação mais simples não entendem.

2. A maioria dos sermões hoje é monótona, tediosa e desinteressante.

1 James D. Crane, O sermão eficaz, p. 129.

2 Bryan Chapel1, Christ-centered preaching: redimindo o sermão expositivo, p.180.

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sermões visíveis e invisíveis • 157

3. A maioria das pregações é irrelevante para a época atual.

4. A pregação de hoje não é uma pregação corajosa.

5. Muitas pregações não comunicam.

6. A pregação hoje não muda a vida das pessoas.

Outro estudo feito por Reuel Howe com pessoas leigas chegou a uma con­

clusão bem semelhante:

1. Os sermões geralmente contêm muitas idéias complexas.

2. Os sermões apresentam muita análise e poucas respostas.

3. A maioria dos sermões é formal e impessoal.

4. Os sermões usam muitos jargões teológicos.

5. Muitos sermões são autoritários sem ilustração suficiente.

6. Muitos sermões não dão orientação sobre um compromisso espiritual.

Parece haver um sentimento geral de que muitos sermões não têm nenhuma

conexão com a vida reaL Comentando sobre o valor das ilustrações, ChapelP

menciona que vivemos numa época de aprendizagem visual. O adulto médio

que passa cerca de cinqüenta horas por ano num banco de igreja geralmente

gasta em média duas mil horas assistindo à televisão. Ao concluir o Ensino

Médio, a maioria dos alunos terá investido em média mais tempo assistindo à

TV (cerca de 15 mil horas) do que assistindo aula (cerca de 12 mil horas).

Alguns estudos estimam que a maioria das crianças gastará mais tempo assis­

tindo à TV antes de entrar na escola do que escutando orientação do pai durante

a vida inteira. Essa mesma criança terá assistido a cerca de 350 mil comerciais

quando se formar no Ensino Médio. Isso tudo sem falar na influência de fil­

mes, vídeogames, e Internet. A conclusão é óbvia: vivemos na era da ilustração,

uma época em que as pessoas pensam através de imagens. É aí que entra a

necessidade de ilustrações para tornar os sermões mais vivos e reais.

3 Idem, p.181.

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158 • a comunicaçõo

o efeito das ilustrações

A ilustração ilumina porque transforma o sermão, multiplicando muito o seu

efeito positivo. Veja os principais efeitos do uso de ilustrações no sermão:

1. Motiva o interesse. A capacidade de atenção do ouvinte é limitada. Nin­

guém consegue concentrar-se por muito tempo numa linha de raciocínio. A ilus­

tração dá uma espécie de descanso mental para que o ouvinte seja motivado a

permanecer concentrado e atento. Ela também desafiaa mente do ouvinte a enten­

der o assunto, porque liga a mensagem a algo que ele gosta.

2. Confere clareza. Por tornar o sermão visível, a ilustração dá-lhe clareza ao

formar uma imagem mental do assunto. Os pontos difíceis tornam-se simples e

fáceis de ser entendidos.

3. Confereforça ebeleza. Muitas vezes, a ilustração é a única parte do sermão

que se guarda na memória, porque ela reforça as idéias dele. Se for boa, a ilustra­

ção resume em si o principal conteúdo do sermão.

4. Amplia a idéia. Um quadro visual inclui mais idéias do que o que pode ser

expresso em palavras, como diz o provérbio: "Um quadro vale por mil palavras".

5. Corifere emoção. O argumento tem lógica, a ilustração tem emoção. A lógica

convence, a emoção conquista. Assim, a ilustração prepara o caminho para a per­

suasão, deixando o ouvinte sensível à força e à lógica das idéias e dos argumentos.

Fontes de ilustração

As ilustrações não surgem de improviso ou num passe de mágica. É preciso culti­

var o hábito de colecioná-las. Aliás, colecionar é bem melhor do que simples­

mente copiar de livros, alguns dos quais já tão conhecidos que perdem a novidade.

Vejamos algumas maneiras de colecionar ilustrações:

1.A observação. Os fatos da vida real oferecem as ilustrações mais práticas

e interessantes, porque sempre estarão relacionadas com o que é comum aos

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sermões visíveis e invisíveis • 159

ouvintes. Aliás, era a observação que tanto enriquecia as mensagens de Jesus, pois

ele estava sempre observando as flores, os pássaros, as ovelhas, a dona de casa, os

pastores, o semeador e assim por diante. É por isso que suas mensagens têm sabor

realista até hoje.

2.A natureza. Cristo usava a videira, os lírios, as aves, a semente e a figueira.

O pregador moderno também pode enriquecer seus sermões conhecendo e explo­

rando os fenômenos da natureza como, por exemplo, a migração dos pássaros, a

astronomia, a operosidade das formigas e a engenhosidade das abelhas.

3. A experiênciapessoal. Alguns têm facilidade de colecionar suas experiên­

cias. Se você não a tem, pode desenvolver essa habilidade. Sempre que vivenciar ou

recordar um fato significativo de sua vida, acostume-se a tomar nota. Você pode

escrever na agenda ou em qualquer papel, mas tenha um lugar no escritório para

arquivar o que anotou.

Dois lembretes são importantes: primeiro, nunca seja o herói da experiência

pessoal, para não se tornar antipático. Segundo, não embarace sua família, con­

tando incidentes que exponham a esposa e os filhos a qualquer tipo de vexame.

Nunca humilhe sua família no púlpito. 4

Também respeite os filhos. Certa ocasião ilustrei um sermão dizendo que

minha filha tinha o defeito de falar muito rápido. Qpando cheguei em casa, ela

reclamou que não gostou. Fiquei com remorso e pedi perdão. Felizmente ela me

perdoou, e eu aprendi a dura lição.

A experiência pessoal é tão enriquecedora que alguém enunciou uma regri­

nha: Um ouvinte atento deve ser capaz de escrever a biografia do pregador após

um ano de sermões!

4. A experiência da congregação. Fatos e incidentes extraídos da experiência

dos ouvintes são uma grande fonte de ilustrações. O pregador pode até entrevistar

pessoas que passaram por situações singulares, ou simplesmente anotar fatos que

4 John Killinger, FundamentaIs ofpreaching, p.1l8-1l9.

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160• o comunicação

percebe ao visitar e conversar com as pessoas. Mas tenha cuidado para não perder

a confiança dos ouvintes. Jamais mencione fatos sigilosos ou íntimos, nem mesmo

ocultando o nome das personagens. Os ouvintes se conhecem entre si e não que­

rem que seus problemas sejam comentados publicamente, para não correrem o

risco de ser identificados.

5. A Bíblia. "As melhores ilustrações para o Novo Testamento estão no

Antigo Testamento" e vice-versa! As parábolas, os milagres e as narrativas da

Bíblia são ilustrações riquíssimas e podem ser explorados por um ângulo dife­

rente do comum. Basta apresentá-los de maneira atraente, após uma pesquisa

que revele curiosidades sobre os incidentes bíblicos. Também há na Bíblia his­

tórias pouco conhecidas, que serão novidade para muitos.

Características da boa ilustração

Para ser eficiente, a ilustração precisa seguir uma linha equilibrada e conservar

certas características básicas. Vamos registrar algumas dessas qualidades.

1.Apropriada. Um pré-requisito para uma boa ilustração é a harmonia com

o assunto apresentado; caso contrário não terá sentido utilizá-la. Às vezes uma

ilustração é tão bonita que o pregador deseja utilizá-la mesmo fora de sintonia

com o assunto. Isso não ilustra nada, ou seja, a ilustração torna-se um fim em si

mesma e, na prática, perde a razão de ser. Como dizia Grady Davis, ilustrar é um

verbo transitivo, isto é, quem ilustra tem de ilustrar alguma coisa, pois o verbo

pede complemento, e não se pode simplesmente ilustrar nada.i

2. Clara. Se sua função é esclarecer, a ilustração tem de ser clara e lançar luz

sobre o sermão. Evite o uso de dados complexos ou a menção de detalhes insigni­

ficantes e irrelevantes, que comprometem a lucidez. O grande desafio no uso de

histórias é saber selecionar os fatos que atingem um objetivo específico. Alguns

pregadores têm dificuldade com esse ponto porque querem relatar a história na

5 Henry Grady Davis, DesignfOrpreaching, p.255.

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sermões visíveis e invisíveis • 161

íntegra, incluindo detalhes sem relevância, que desviam a atenção do objetivo

principal. A clareza está diretamente relacionada com a capacidade de síntese.

3. Realista. Evite fatos exagerados, difíceis de acreditar. Não exijados ouvin­

tes mais fé que a necessária para a salvação, esperando que eles acreditem em

fatos incríveis. Mesmo que esses fatos sejam reais, se não puder comprová-los

deixe-os de lado, para não expor o sermão ao descrédito. Histórias relacionadas

com a aparição de anjos ou vozes sobrenaturais, por exemplo, podem até ser

verdadeiras, mas o ouvinte poderá ficar desconfiado. É bom usar com muita

cautela esse tipo de ilustração.

4. Breve. A ilustração não deve ser a maior parte do sermão. Caso contrário,

em vez de iluminar, ela vai ofuscar o sermão, tornando-se um fim em si mesma.

Em casos muito especiais, porém, o uso de uma ilustração mais longa pode ser

apropriado de acordo com a ocasião. Essa regra pode ser flexíveldependendo da

experiência do pregador. Em alguns casos, histórias de profundo impacto espiri­

tual podem até ser usadas como o corpo e a base de um sermão inteiro. Nesse caso,

é importante que a história tenha um foco único e esteja relacionada ou faça

alusão a um texto bíblico específico como fonte da mensagem.

Tipos de ilustração

Embora as histórias sejam o tipo mais usado de ilustração, a história é apenas um

tipo de ilustração. Na realidade, até mesmo a maneira de construir um pensa­

mento ou uma frase pode ser uma ilustração. O uso de inúmeros recursos literá­

rios pode constituir pequenas e poderosas ilustrações espalhadas ao longo do texto

do sermão. Vejamos, portanto, alguns desses tipos de ilustração.

Figuras de linguagem

Por incrível que pareça, uma simples figura de linguagem, construída com apenas

duas ou três frases, funciona como uma ilustração que pode iluminar e fazer

brilhar uma idéia ou uma parte do sermão. Aliás, qualquer tipo de ilustração

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162• a comunicaçõo

desempenha no sermão o mesmo papel que a figura de linguagem numa frase. O

processo é o mesmo: clarear e embelezar. E a grande maioria das ilustrações utiliza

o efeito de basicamente três tipos de figura de linguagem: símile, metáfora e siné­

doque, que são, portanto, os três tipos básicos de ilustração." Vamos conhecê-los.

Símile

O símile nada mais é do que uma comparação, ou seja, dizer que uma coisa é

semelhante a outra. Jesus usou e abusou de símiles para iluminar seus ensinos.

Para Cristo, sempre havia um símile para o reino dos céus, ou seja, ele sempre

encontrava algo semelhante a que compará-lo. SegundoJesus, o reino dos céus

é semelhante a um grão de mostarda, ao fermento, a um tesouro oculto, ao

negociante de pérolas, a uma rede de pescar e a muitas outras coisas do dia-a­

dia das pessoas.

Outro símile poderoso de Jesus é este: "Sede simples como as pombas, e

prudentes como as serpentes" (Mt 10.16). Veja que estoque de idéias existe em

cada uma dessas figuras. Cada comparação dessas, acrescida de suas características

e detalhes, constitui uma brilhante ilustração de sermão. E o processo do símile é

aplicado em muitas histórias e outros tipos de ilustração.

Metáfora

Enquanto o símile é uma comparação, a metáfora é uma equivalência. O símile é

semelhante a outra coisa, a metáfora é a outra coisa. O símile coloca uma idéia ao

lado de um objeto, a metáfora coloca uma idéia dentro de um objeto. O símile é

a ferramenta dos professores, a metáfora, o instrumento dos poetas.

Em outras palavras, a metáfora toma um objeto ou pessoa e inesperadamente

lhe atribui um significado que não existia antes, que é o significado da idéia a ser

ilustrada. Essa figura brilha como fogos de artifício na tela mental do ouvinte. Por

exemplo: se em vez de dizer que nenhum homem é auto-suficiente, você diz que

6 Thomas C. Long, The witness oipreaching, p.160.

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sermões visíveis e invisíveis _ 163

"nenhum homem é uma ilha". Você fez a idéia tornar-se cinqüenta vezes mais

clara. A ilha adquiriu o significado que ela não possuía, o de auto-suficiência.?

Cristo foi um verdadeiro artista no uso de metáforas. Um livro inteiro talvez

não transmitisse a idéia que Cristo comunicou com uma frase: "Vós sois o sal da

terra"! O mesmo efeito acontece quando ele diz: "Vós sois a luz do mundo".

Outra metáfora de Cristo que brilha como um holofote é o sermão em que ele

diz: "Eu sou a videira, vós os ramos". Várias outras metáforas que poderiam ser

citadas são as do Bom Pastor, do Pão do céu, da Porta das ovelhas, e assim por

diante. O princípio da metáfora também é seguido em grande parte nas histórias

e noutros tipos de ilustração.

Sinédoque

Sinédoque é a figura de linguagem que usa uma parte de algo para significar o

todo. Quando se diz, por exemplo, "o navio desliza sobre as ondas", estamos na

realidade querendo dizer que o navio desliza sobre o mar. As ondas são uma parte

do mar que poeticamente evocam o todo. Diferentemente do símile, a sinédoque

não faz comparações, isto é, as ondas não são semelhantes ao mar. Elas são uma

parte do mar",

Cristo também usou com habilidade a sinédoque. Com simplicidade e elo­

qüência, ele disse: "O Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça". Ele não

estava dizendo que não tinha um travesseiro, e sim que não possuía casa própria

nem riquezas para oferecer aos seguidores interesseiros. O suposto travesseiro era

apenas uma parte da riqueza que Cristo não tinha.

Até para enfrentar Satanás, Cristo usava figuras de linguagem, e no deserto da

tentação declarou: "Nem só de pão viverá o homem". O pão é apenas uma parte da

alimentação humana e foi usado por Cristo para representar o todo dos bens mate­

riais. Convém ressaltar que Satanás usou o pão no sentido literal, e Cristo respon­

deu no sentido figurado (a diferença estavatambém no grau de inteligência e sabedoria

entre os dois). O princípio da sinédoque rege muitos outros tipos de ilustração.

7 Donald E. Demaray, An introduction to Homiletics, p.147-148.

8 Thomas G. Long, The witness oipreaching, p. 165-167.

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164 • o comunicaçõo

Biografias e exemplos humanos

As pessoas se identificam com pessoas, aprendem com outras pessoas e são ávidas

por saber algo sobre a vida de outras pessoas. Aliás, é por isso que a vida alheia cria

tanto problema de relacionamento, porque muitos gostam de vasculhar a vida

particular dos outros. Mas é por isso também que essa tendência humana pode

ser usada como um poderoso recurso de ilustração. Se você quer conquistar a

atenção imediata de alguém, comece a falar sobre alguém!

A mente humana tende mais a concentrar-se em coisas e pessoas do que em

idéias menos concretas. Por isso é que as ilustrações que falam de coisas e pessoas

fazem um efeito extraordinário na iluminação das idéias, já que a grande maioria

das mentes é menos predisposta a raciocínios abstratos.

Essa é uma das muitas razões pelas quais as biografias e exemplos humanos

têm tanto peso e interesse como ilustração. O uso de fatos biográficos de persona­

gens históricos ou bíblicos é um poderoso recurso de ilustração, e a história humana

oferece um número infinito de opções. A vida de governantes como Nelson Man­

dela, compositores como Bethoven, inventores como Thomas Edison, filantropos

como MadreTeresa, e tantos outros são uma fonte inesgotável de ilustrações.

Em suma, falar de gente inspira sonhos e ideais e mexe com aquilo que as

pessoas estão vivendo no dia-a-dia, com o que estão pensando, falando e fazendo,

assuntos com que elas se identificam de uma maneira ou de outra. Por isso, é

muito importante iluminar o sermão com fatos e incidentes, quer biografias, quer

experiências próximas da congregação.

Além das ilustrações, um estilo refinado enriquece e embeleza o sermão,

conforme veremos no capítulo seguinte.

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Capítulo 13

Uma questão de estilo

"Na boacomunicação, há uma razão não sópara cadapalavra,

maspara aposição de cada palavra. "

SAMlJEL TAYLOR COLERIDGE

Oque mais determina o estilo do sermão: a linguagem ou o conteúdo? A

resposta certa é: nenhum dos dois! Buffon, o grande estilista francês,

surpreendeu ao dizer: "O estilo é o próprio homem".' Assim como "o

todo é mais que a soma das partes", o estilo é mais que a soma de forma e con­

teúdo de um sermão: é a própria pessoa em si. Gostamos mais de um ou de outro

estilo da mesma maneira que gostamos mais de uma ou de outra pessoa.

Segundo Killinger, o estilo é a assinatura do pregador no sermão. É a combi­

nação de ritmo, metáfora, dicção, voz, pausa e tudo mais que coloca a estampa

individual do pregador no sermão. Na realidade, o estilo expressa a própria perso­

nalidade do pregador. Isso significa que o estilo é uma propriedade individual tão

íntima e peculiar que não pode ser imitado. Você pode até aprender com o estilo

de outro pregador, mas nunca copiá-lo. É impossível tentar copiar o estilo de

outro sem se tornar artificial. O público vai perceber que o pregador não passa de

um ator no palco.

1 James W. Cox, Preaching, p.218.

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166. o comunicação

Partindo dessa premissa, melhorar o estilo nada mais é do que melhorar o

pregador. Aprimorar o estilo pessoal nada mais é do que aprimorar-se como pre­

gador. Portanto, as técnicas sugeridas abaixo para o aprimoramento do estilo não

são outra coisa senão sugestões para o desenvolvimento do pregador como pessoa

e como profissional.

Segredos de um bom estilo

Há alguns segredos que engrandecem o pregador, dando-lhe um estilo atraente e

poderoso. Fundamentalmente, os segredos de um bom estilo escondem-se atrás das

palavras. São elas que vão mostrar a "carà' do estilo. Por isso, devem ser bem escolhi­

das. MarkTwain dizia que "a diferença entre a palavra certa e a palavra quase certa

é a diferença entre o relâmpago e o vaga-lume". Essa é a diferença de brilho que as

palavras produzem na mente dos ouvintes. Segundo Haddon Robinson, nossa esco­

lha das palavras é chamada estilo, a vestimenta do pensamento. Afinal, o estilo

reflete como pensamos e como vemos a vida. Robinson diz que as palavras podem

ser lustrosas ou insípidas, duras como um soco ou fracas e débeis, confortáveis como

um travesseiro ou frias como o aço, e podem fazer o ouvinte se sentir no céu ou no

esgoto.' Veja quão grande é a responsabilidade do pregador no uso das palavras.

O sábio Salomão conhecia muito bem o segredo de um estilo por trás das

palavras. Foi por isso que disse: "Procurou o pregador achar palavras agradáveis, e

escrever com retidão palavras de verdade" (Ec 12.10). Se a escolha das palavras é tão

decisiva para o efeito do sermão, vale a pena encontrar a melhor maneira de escolher

as palavras. Vejamos, portanto, alguns desses segredos por trás das palavras.

Prefira palavras simples e claras

Procure usar palavras comumente entendidas por todos os grupos de pessoas.

"Enquanto não penetrar na mente, uma palavra é apenas um sopro ou uma camada

de tinta", dizia EdwardThorndike. Palavras que não nos são familiares revelam-se

mais áridas que um deserto e totalmente inúteis para a maioria dos ouvintes.

2 Haddon W. Robinson, A Pregação Bíblica, p.118.

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uma questão de estilo • 167

Após ouvir um pregador pedante, desses que gostam de exibir vocabulário,

um membro da igreja comentou: ''Acho que eu trouxe o livro errado para a igreja

hoje. Da próxima vez, em lugar da Bíblia, vou trazer o dicionário". Jamais deveria

ser esse o sentimento do ouvinte após o sermão.'

Lutero dizia que ninguém pode ser bom pregador se não conseguir falar na

linguagem das crianças. Wesley, antes de pregar lia seu sermão para a empregada

doméstica. O que ela não entendia, ele riscava. Pregar assuntos profundos em

linguagem simples ou infantil é coisa de gênio.

Spurgeon comparava a clareza de estilo a um poço: quanto mais água, mais

raso ele parece; quanto mais vazio, mais o poço tem aparência de profundidade.

E acrescenta com o seu estilo peculiar: "Creio que muitos pregadores 'profun­

dos' são assim apenas porque são como poços secos, sem nada dentro, exceto

folhas podres, algumas pedras, e talvez um ou dois gatos mortos. Se houver

águas vivas em sua pregação, esta pode ser muito profunda, mas a luz da verda­

de lhe dará clareza". 4

Floyd Bresee, em uma aula de Homilética, apresentou um artigo de jornal

que publicava a seguinte carta de um pedreiro a seu patrão, como exemplo de

clareza de estilo:

Respeitável senhor: quando cheguei à construção, percebi que um furacão

tinha derrubado alguns tijolos de uma das paredes do alto do edifício. Assim,

pus uma viga com uma polia no topo do edifício, e, com um barril amarrado

numa corda, puxei os tijolos para cima. Depois de haver consertado a parede,

notei que haviam sobrado vários tijolos lá em cima. Assim, subi o barril, amarrei

a corda lá embaixo, e subi para colocar os tijolos no barril. Então desci e desa­

marrei a corda.

Infelizmente, o barril de tijolos estava mais pesado do que eu, e, antes que eu

imaginasse, o barril começou a descer. Como eu não quis soltar a corda, come­

cei a subir. Na metade do caminho, encontrei-me com o barril que ia descendo,

e recebi uma pancada no ombro. Qpando cheguei lá em cima, bati com a cabeça

na viga, e meu dedo foi prensado na polia.

3 Ilion T. Jones, Principies and Practice oiPreaching, p.176-177.

4 C. H. Spurgeon, Lições aosMeus Alunos, p.32.

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168. o comunicaçõo

Quando o barril chegou ao chão, o fundo dele abriu-se, e todos os tijolos

caíram. Como eu era mais pesado que o barril vazio, comecei a descer. Na

metade do caminho, encontrei-me com o barril que subia e recebi uma terrível

pancada no queixo. Quando aterrissei em cima dos tijolos, tive vários cortes

provocados por suas pontas. Nesse instante, acho que perdi a cabeça, porque

deixei a corda escapar, e o barril caiu em cima de mim. Recebi uma enorme

pancada na cabeça e fui parar no hospital, razão pela qual não irei trabalhar hoje.

Perceba que a precisão dos fatos descritos com simplicidade e naturalidade

dá ao texto clareza e um estilo único, além de uma boa pitada de bom humor!

Prefiro poucos palavras

Nunca use duas palavras quando uma é suficiente. Eliminar as palavras supér­

fluas de um texto é uma arte muito mais difícil do que acrescentar palavras. Mas

essa arte pode ser desenvolvida, e a melhor maneira de fazê-lo é compreender a

função das palavras.

N a linguagem, existem várias classes de palavras. Duas delas são essenciais:

os substantivos, que dão nome aos seres, e os verbos que expressam ações. Ou seja,

os seres praticam ações. Qpanto mais substantivos e verbos, mais a linguagem tem

vida e movimento.

As outras classes de palavras poderiam ser chamadas de acessórios a serviço

do substantivo e do verbo, pois geralmente têm a função de qualificar ou identi­

ficar o tipo de substantivo ou verbo. Esses acessórios são adjetivos, advérbios, pro­

nomes, preposições e conjunções, úteis apenas quando são indispensáveis. Éexatamente aqui que reside a oportunidade de eliminar o supérfluo. Por falta de

conteúdo, enchemos a linguagem desses acessórios, tornando a comunicação can­

sativa e pobre.

Um bom estilo eliminará todos os adjetivos e pronomes possíveis, utili­

zando-os com raridade no momento certo e na posição exata. O adjetivo, por

exemplo, é como uma pedra preciosa. Um caminhão de pedras preciosas não des­

tacaria o valor de nenhuma delas. Mas uma pedra preciosa no meio de outros

objetos chama a atenção por seu brilho e beleza. Assim é o adjetivo no meio dos

substantivos: deve ser usado com bom gosto para dar brilho no lugar certo.

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uma questõo de estilo • 169

Em vez de dizer, por exemplo, "esta manhã ensolarada, encantadora e mara­

vilhosa", diga apenas "esta manhã". Assim você evitará dizer três adjetivos desne­

cessários. Eis uma boa regra: use o adjetivo apenas como recurso para trazer efeito.

Por exemplo: "Nesta manhã gelada, precisamos de calor espiritual". Nesse caso, o

adjetivo "gelada" tem o propósito de contrastar com o calor espiritual.

O mesmo ocorre com os outros acessórios da linguagem. A maioria dos pro­

nomes pode ser eliminada ou substituída por artigos, que são palavras leves. Em

vez de dizer, por exemplo, "precisamos de amor no nosso coração", diga: "precisa­

mos de amor no coração". Observe que ninguém pode ter amor no coração de

outros e sim no próprio coração. Portanto, o pronome "nosso", nesse caso, é vazio

e desnecessário, prejudicando o estilo. Evite também o uso de "seu" e "sua", quase

sempre desnecessários e às vezes ambíguos.

Também diminua ao máximo o uso dos advérbios "geralmente, especial­

mente, fundamentalmente, basicamente, propriamente" e tantos outros "mentes"

que não dizem "absolutamente" nada. Note que o "absolutamente" foi usado de

propósito para dar ênfase ao "nada", como exemplo de um uso apropriado do

advérbio. De vez em quando, e usado economicamente, o advérbio faz bem. O

problema está no abuso.

Além de cortar do texto esses acessórios, você pode cortar também os detalhes

irrelevantes. Se vai contar uma ilustração, mencione só os fatos que servem ao pro­

pósito da mensagem, deixando de lado os detalhes insignificantes que não acrescen­

tam nada ao assunto principal. Com isso o sermão ficará enxuto, e o estilo, agradável.

Prefira palavras vivas

Algumas palavras expressam mais do que outras, tornando-se, portanto, mais vi­

vas. As palavras vivas possuem as seguintes características:

1.Especificas econcretas. As palavras específicas criam muito mais imagens na

mente dos ouvintes que as palavras gerais e, por isso, expressam mais idéias. Em

vez de dizer "frutas", diga "banana, melão e maçã". Em lugar de "colorido", prefira

"azul, verde ou vermelho". No lugar de "roupa", prefira "vestido, paletó e gravata".

Em vez de dizer: "Cristo salva do pecado", diga "Cristo salva do vício, da inveja e

da desonestidade".

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170. o comunicaçõo

Como as palavras específicas, as concretas também têm maior expressividade

que as abstratas, e os substantivos concretos são mais fortes que os abstratos. Pro­

cure usar palavras panorâmicas que pintem quadros na mente dos ouvintes. Fale

de sons, de coisas que podem ser vistas e apalpadas. Em vez de falar de distância,

prefira metros ou quilômetros. Em vez de dizer "muito tempo" ou "pouco tem­

po", prefira meses, semanas ou horas. Em vez de "bens materiais", prefira compu­

tador, videocassete, carro ou apartamento.

O estilo de Cristo seguia esse princípio. Quando queria falar de crescimento

físico, ele dizia "acrescentar um côvado à estatura". Em lugar de "ansiedade", refe­

ria-se à preocupação com "o que haveis de comer ou beber", e o "que haveis de

vestir" (Mt 6.25-29).

2. Pessoais. O tratamento pessoal é muito poderoso na comunicação porque

aproxima as pessoas. Às vezes é pouco usado no púlpito. Tradicionalmente, a

linguagem eclesiástica tende a distanciar o pregador do ouvinte. O uso do prono­

me "você", por exemplo, é mais íntimo e informal. Aliás, parece que alguns prega­

dores têm medo de usar "você", como se fosse uma forma inferior de tratamento.

Mas é exatamente o contrário. Segundo Haddon Robinson, a forma de tratamen­

to vocês dá ao ministro e ao auditório um senso de união.ê Tudo que se usa numa

conversa educada é apropriado e deve ser usado na pregação.

3. Enérgicas. Algumas palavras têm mais energia do que outras. Energia é a

qualidade que dá força ao estilo e faz com que a mente do ouvinte seja tocada e

atingida." Especialmente as palavras figuradas são carregadas de energia, porque

criam várias imagens na mente do ouvinte. Uma metáfora é uma corrente elétrica na

imaginação do ouvinte, porque faz a mente vibrar com a beleza da idéia. Observe

que nessa frase a metáfora foi definida com outra metáfora: "corrente elétrica". Esta

expressão pinta o quadro de transmissão de energia. Quando Cristo disse "eu sou a

videira, e meu pai é o agricultor", ele deu energia ao discurso.

5 Haddon W. Robinson, op.cit., p.122.

6 James D. Crane, O Sermão Eficaz, p.139.

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umo questão de estilo • 171

É bom lembrar que não se deve confundir energia com barulho. Energia não

significa que o pregador deve gritar, esmurrar o púlpito ou sapatear de um lado

para o outro. Spurgeon já dizia que "rugir não melhora uma tolice"," ou seja, a

tolice não deixa de ser tolice por ser dita aos berros. A energia deve estar no

sentido das palavras e não no som que produzem.

Prefira frases curtas e diretas

Orações simples, construídas com sujeito e predicado soam como conversa e são

agradáveis de ouvir. Evite os períodos longos, com amontoado de palavras que não

acrescentam nada e obscurecem o pensamento. Use orações breves. Use e abuse da

vírgula e do ponto. Seja objetivo e direto. Simplifique. Agrade. Comunique.

Observe que uma única palavra, um verbo, pode ser uma frase completa cheia de

significado. Falando assim, você será entendido. E será ouvido!

Também dê preferência às orações construídas na ordem direta: sujeito, verbo

e complemento. Em vez de dizer: ''Andava pela praça uma simpática moça", diga:

"Uma moça simpática andava pela praça". Nos verbos, prefira a voz ativa sempre

que possível. Em vez de dizer "somos esmagados pelo peso do pecado", há melhor

efeito em dizer "o peso do pecado nos esmaga". De vez em quando, pode-se usar

a frase na ordem indireta ou a voz passiva para dar efeito, mas na maioria dos casos

prefira a ordem direta e a voz ativa.

o treinamento do estilo

Uma boa maneira de desenvolver o estilo é escrever o sermão por extenso. Mas

atenção: escrever em estilo oral, e não em estilo editorial. Aliás, o melhor estilo

editorial também é escrito como se fosse oral, como se fosse uma conversa com o

leitor. No caso da pregação, o texto será de fato uma conversa com o ouvinte.

Imagine-se dialogando com o auditório.

Ao escrever, você escolhe bem as palavras e pode encontrar a forma mais

atraente de expressar as idéias. Só assim consegue colocar muitas idéias em poucas

7 C. H. Spurgeon, op. cit., p.32.

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172. o comunicaçõo

palavras. "O escrever raspa o mofo do pensamento, dispõe as idéias em ordem, e

sublinha as idéias importantes. 'Escrever... faz com que um homem seja exato no

pensamento e na fala'."?

Como veremos adiante, você não precisa ler o sermão escrito, mas o hábito de

escrever aprimora o estilo.

o estilo e a forma literária

Existem várias formas de apresentar um texto escrito ou falado, uma redação ou

um discurso. O conhecimento dessas formas ajuda o pregador a enriquecer o

estilo, habilitando-o a colocar as idéias no formato que melhor se adapta ao pro­

pósito que ele tem em mente.

São quatro as formas literárias básicas: diálogo, narração, descrição e disser­

tação. Essas quatro formas podem alternar-se dentro do mesmo discurso, propor­

cionando variedade e beleza. O diálogo é mais utilizado no texto escrito, em que

dois interlocutores se revezam à medida que o autor narra o diálogo. As outras

três formas se aplicam igualmente ao discurso escrito e ao falado. Por isso vamos

comentá-las rapidamente.

Narração

A narração é a exposição de um fato mediante o relato de circunstâncias que o

precederam, o acompanharam e o seguiram. Os elementos principais da narração

são: tempo, espaço e personagens. Portanto, num texto narrativo deve haver dados

como datas e nomes de personagens e de lugares, por exemplo. Quanto mais

informação a respeito dos fatos, mais rica a narração. Sua ferramenta básica, por­

tanto, é a informação.

A Bíblia é plena de narrativas, no Antigo e Novo Testamentos. Episódios

como a cova dos leões, a fornalha ardente, a destruição dos filhos de Jó ou os

milagres de Jesus são exemplos autênticos das ricas narrações bíblicas. No mila­

gre do cego de Jericó, por exemplo, observe a riqueza de detalhes informativos,

8 Haddon W. Robinson, op.cit., p.1l?

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uma questão de estilo • 173

como: o nome da cidade; o nome do cego e de seu pai - Bartimeu, filho de

Timeu; o desprezo da multidão; o desespero do cego; e o detalhe de ele deixar

a capa ao se dirigir aJesus.

Na pregação, a narração pode contribuir para um estilo rico e agradável.

Você pode narrar fatos bíblicos explorando ao máximo essa riqueza de detalhes.

Descrição

A descrição é a exposição de uma cena, enumerando os aspectos visuais. É a utili­

zação das palavras para pintar um quadro na imaginação do leitor. É a reprodução

de imagens por meio de palavras, mencionando elementos como formas, cores,

posições ou objetos para a composição de um cenário. A ferramenta básica da

descrição é a observação. Quanto mais imagens observadas ou imaginadas, mais

rica a descrição.

A descrição é o discurso em que o orador se vale de determinada estrutura

fraseológica para transmitir ao receptor a sensação de uma fotografia. Ele procura,

mediante atitude contemplativa, captar e transmitir uma cena, um momento, um

ambiente. Em geral, as descrições exploram os substantivos e os adjetivos. Uma

característica desse tipo de discurso é a frase nominal, ou seja, frase sem verbo.

Quando usado, o verbo muitas vezes se limita ao serou ao estar.9

A Bíblia está cheia de literatura descritiva, tanto em forma de prosa como de

poesia. O profeta Isaías descreve o trono de Deus como alto e sublime, com sera­

fins por cima dele (Is 6.1-2). Êxodo 25 traz uma descrição detalhada dos móveis

e compartimentos do santuário.

O salmo 23 é um bom exemplo bíblico de descrição. O salmista "fotografa"

os pastos verdejantes, as águas tranqüilas, a mesa farta de alimentos e o cálice trans­

bordando. Outro exemplo de "fotografia" descritiva é o versículo 3 do salmo 8:

"Quando contemplo os teus céus, e a lua e as estrelas ...". Apocalipse também é

rico em textos descritivos. Veja como João descreve a aparência do Rio da Vida:

"Então me mostrou o rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai do trono

de Deus e do Cordeiro. No meio de sua praça, de uma e outra margem do rio, está

a árvore da vida..." (Ap 22.1-2).

9 João Bosco Medeiros, Comunicação Escrita, p.227.

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174. o comunicoçõo

N a pregação, a descrição é um poderoso recurso para as ilustrações, pois

pinta imagens coloridas na imaginação dos ouvintes.

Dissertação

A dissertação é a exposição de uma idéia, utilizando como recursos a lógica, o

raciocínio e a evidência. Seus principais elementos são o fato, a opinião e a argu­

mentação. A ferramenta básica da dissertação é o argumento, que visa provar a

idéia para convencer o ouvinte. É a defesa de um ponto de vista, o desenvolvimento

de um assunto, a composição de um tema.

Na Bíblia, a dissertação é abundante, por exemplo, na mensagem dos profe­

tas, no Sermão do Monte, no discurso de Jesus sobre o Consolador e nas epístolas.

Um exemplo clássico de dissertação bíblica é os discursos de Paulo sobre a justi­

ficação pela fé, em Romanos 3 e 7. Paulo defende o ponto de vista de que a

salvação não depende das obras da lei e usa uma poderosa argumentação para

convencer osjudeus, defensores da lei, de que a lei não salva.A argumentação dele

é convincente. Veja a força do argumento de Paulo ao resumir a conclusão de sua

dissertação: "Concluímos, pois, que o homem éjustificado pela fé, independente­

mente das obras da lei" (Romanos 3:28).

Outros exemplos são as poesias dissertativas, como, por exemplo, o salmo 1:

"Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios...".

Muitos sermões seguem o estilo dissertativo, defendendo um ponto de vista

bíblico, uma doutrina, uma exortação.

o estilo no púlpito

Existem diferentes formas de apresentar um sermão ou de enunciá-lo do púlpito,

assim como existem diferentes maneiras de prepará-lo. Vejamos as três formas

mais comuns de apresentar um sermão.

Sermões lidos

O discurso lido é aceitável nas cerimônias oficiais, como formaturas e eventos

políticos ou cívicos. No púlpito, o sermão lido pode ter a vantagem de ter o texto

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o milagre do pregaçõo • 181

tristeza, motivação ou depressão, pensamentos positivos ou negativos. Imagine,

por exemplo, o efeito das palavras românticas proferidas entre um casal de namo­

rados ou de noivos. Elas são capazes de gerar um campo afetivo cujo desfecho é o

casamento. Agora imagine o efeito de palavrassarcásticas,agressivas e desrespeitosas

proferidas num momento de desentendimento entre marido e mulher. Elas são

capazes de gerar um campo de hostilidade cujo desenlace pode ser o divórcio. Tal

é o poder das palavras.

As palavras, portanto, são polivalentes, podendo ajudar ou atrapalhar. Podem

encorajar, inspirar e tranqüilizar, mas também podem decepcionar, desunir e opri­

mir. Foram as palavras que preservaram a verdade bíblica até os nossos dias, bem

como preservaram a história da humanidade e as descobertas da ciência. Mas da

mesma forma elas contribuíram para desencadear guerras, homicídios e torturas.'

Hitler, por exemplo, manipulou uma nação e torturou o mundo com o uso tenden­

cioso das palavras.Jesus Cristo, por outro lado, estabeleceu o cristianismo e o evan­

gelho com o uso do mesmo recurso: palavras.

As palavras podem fazer ou deixar de fazer milagres na vida das pessoas. E

aí está o poder a ser utilizado como ferramenta do pregador. Cada pregador tem

a oportunidade e a responsabilidade de escolher e combinar as palavras de tal

maneira que produzam o melhor efeito na vida espiritual das pessoas.

A própria Bíblia diz: "Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro

que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade"

(2Tm 2.15). Talvez, parafraseando, pudéssemos dizer que o pregador só será apro­

vado por Deus se manejar bem a Verdade e manejar bem as palavras. Ser prega­

dor, portanto, é ter o poder do Espírito para usar o milagre das palavras no

milagre da pregação. O próximo capítulo amplia essa idéia do milagre ao abor­

dar a teologia da pregação.

2 Raymond W. McLaughlin, Communication for the Church, p. 51.

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180. a mensagem

Moisés algo mais: o milagre! Foi esse milagre que Deus lhe ofereceu quando disse:

"Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca, e te ensinarei o que hás de falar" (4.12).

Mesmo com relutância, Moisés aceitou o milagre e tornou-se pregador e líder.

Ao contemplar a santidade de Deus, Isaías sentiu-se um inútil pecador e

exclamou: "Ai de mim... porque sou homem de lábios impuros" (Is 6.5). Ele

sentiu que seus lábios impuros o desqualificavam para qualquer contato com a

Divindade, principalmente para ser-lhe um porta-voz. Faltava a Isaías um mila­

gre. Finalmente, um anjo tocou-lhe os lábios com a brasa viva do altar de Deus, e, só

após esse milagre, Isaías sentiu-se em condições de ser um porta-voz de Deus e

aceitou o desafio: "Eis-me aqui, envia-me a mim" (6.8). Da mesma forma, o prega­

dor de hoje também é homem de impuros lábios, mas que, tocado pela brasa viva do

altar, pode tornar-se um porta-voz de Deus e ser usado no milagre da pregação.

Por incrível que pareça, é essa mistura do humano com o divino que dá

poder à pregação. Segundo Phillips Brooks, a pregação é a "apresentação da

verdade através da personalidade'". Foi Deus quem escolheu essa combinação da

verdade perfeita com a personalidade imperfeita para dar poder à pregação. Em

outras palavras, o pregador usa as características de sua personalidade, como conhe­

cimento, habilidade, voz, pensamento, e a sua vida para transmitir a verdade divina.

Essa união do divino com o humano tem o poder de alcançar outros seres huma­

nos e transformá-los.

Isto é pregação: um poderoso milagre de Deus, o infinito fluindo por via

finita, o perfeito chegando até nós por meio do imperfeito, a santidade sendo trans­

mitida através de pecadores. Isso tem o poder de transformar outros pecadores.

Com essa visão da pregação como um milagre de Deus, podemos entender o

papel divino no conteúdo e na forma da mensagem bíblica.

o milagre das palavras

No sentido humano, as palavras também fazem milagres. Deus colocou na comuni­

cação um poder quase infinito. As palavras têm o poder de produzir sentimentos,

pensamentos e ações. Uma única palavra pode produzir amor ou ódio, alegria ou

1 Andrew Watterson Black:wood, A Preparação de Sermões, p. 15.

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Capítulo 14

o milagre da pregação

"Como maçãsde ouroem salvas deprata, assim é a

palavra dita a seutempo.»

SALOMÃO

Apregação bíblica é um milagre duplo. O primeiro milagre é Deus usar

um homem imperfeito, pecador e cheio de defeitos para transmitir a

perfeita e infalível Palavra de Deus. Trata-se de um Ser perfeito usando

um ser imperfeito como seu porta-voz. Só um milagre pode tornar isso possí­

vel. O segundo milagre é Deus fazer que os ouvintes aceitem o porta-voz imper­

feito, escutem a mensagem por intermédio do pecador e finalmente sejam

transformados por essa mensagem. Esse é o grande milagre da pregação!

As técnicas de pregação são indispensáveis, até porque foram pesquisadas

por diversos autores considerados especialistas no assunto e são comprovadas

pela experiência de pregadores bem-sucedidos. Contudo, uma coisa precisa

ficar muito clara: todas as técnicas reunidas e colocadas em prática não fazem

de alguém um pregador. Para ser um bom pregador, é preciso ter técnica e algo

mais. Esse algo mais é o milagre do Espírito Santo.

Aos quarenta anos de idade, Moisés conhecia todas as técnicas dos mais varia­

dos ramos do conhecimento humano, inclusive a arte de falar em público em dife­

rentes línguas.Anos depois, quando Deus o desafiou a tornar-se pregador, o erudito

Moisés respondeu: ''Ah! Senhor! Eu nunca fui eloqüente..." (Êx 4.10). Faltava a

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quarta parte

a mensagem

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176. o comunicoçõo

Sermões espontâneos

Esse método também é chamado enunciação livre,ou pregação sem anotações. Embora

esses termos tenham diferentes conotações, o método consiste em ter um esboço, ou

mesmo todo o sermão escrito, mas não ficar preso ao manuscrito no púlpito. O

pregador familiariza-se com o esboço e retém as principais idéias, apresentando o

sermão de maneira livre, informal, usando as palavras nas quais pensou, mas que não

decorou. Outras palavras e idéias podem até surgir na hora da apresentação, mas

nunca fugindo do rumo preparado no esboço. O esboço fica sobre o púlpito e pode

ser consultado esporadicamente, sem que o pregador dependa completamente dele.

Esse método deixa o pregador comunicar-se com naturalidade, utilizando a

fisionomia e os olhos para manter contato com o ouvinte. Sem dúvida, esse é o

método mais popular entre os pregadores mais conhecidos. A pregação espontâ­

nea combina a vantagem de preparar um bom manuscrito com a liberdade máxima

na hora da apresentação.

N o púlpito, o pregador precisa experimentar liberdade e independência.

As anotações, que providenciaram a necessária disciplina de pensamento e lingua­

gem, não devem controlar o pregador.John Redhead, ministro presbiteriano, cos­

tumava escrever integralmente todos os seus sermões. Depois se familiarizava

com o esboço sem decorá-lo e não o levava ao púlpito, pois dizia que "o papel é

um péssimo condutor de energia". No púlpito, ele queria concentrar-se inteira­

mente nos ouvintes."

Além de ser o método que mais agrada e atinge os ouvintes, a enunciação

livre ou espontânea contribui muito para o desenvolvimento do pregador, porque

o ajuda a preparar-se bem e comunicar-se melhor. Acima de tudo, é o método

que permite mais intensamente a atuação do Espírito no preparo e na apresenta­

ção do sermão.

Um estilo refinado é um recurso riquíssimo para a apresentação de um

bom sermão. Contudo, nenhum recurso substitui o conteúdo da mensagem. A

pregação é muito mais que estilo. Acima de tudo, é a transmissão de um con­

teúdo de origem divina. É por isso que o restante do livro se dedica ao conteúdo

e forma da mensagem.

11 ]ohn Killinger, Fundamentais of Preaching, p.153-154.

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umo questão de estilo • 175

bem escrito, com frases bem pensadas, mas é uma tragédia no que se refere à

comunicação ou ao contato com o ouvinte. Embora sejam comuns os sermões

lidos, convém ressaltar que o ouvinte de hoje está cada vez mais exigente e acostu­

mado a ver programas bem produzidos pela televisão, o que o indispõe para ouvir

a leitura de sermões.

A principal objeção ao sermão lido é que as anotações se tornam uma

barreira, roubando a atenção do pregador quando ele deveria colocar os olhos

em contato com os olhos do ouvinte. Spurgeon comparava os pregadores que

lêem sermões a uma ave bebendo água: passam o tempo todo abaixando e levan­

tando a cabeça. 10

O sermão lido inibe a liberdade mental do pregador, privando-o da simpatia

para com o auditório e tornando-se, portanto, monótono e cansativo. Embora

alguns tenham desenvolvido o hábito de ler sermões, vale a pena um esforço para

experimentar outro estilo.

Sermões decorados

Poucos pregadores são dotados de uma memória privilegiada que os torna capa­

zes de decorar o sermão por completo. Esse método tem a vantagem de deixar o

pregador livre de qualquer dependência de anotações. Contudo, mesmo para os

privilegiados, esse método não é considerado o mais eficiente, ou o mais comu­

nicativo. John Killinger lembra que, nesse método, as anotações são invisíveis,

mas tornam-se evidentes pela falta de naturalidade do pregador. Dá a impressão

de que o pregador está lendo na parede do fundo do auditório, e a comunicação

torna-se artificial.

Maurício Góis afirma que "o discurso decorado desafia o fracasso, porque sai

da mente, e não do coração". O ouvinte percebe que a mensagem não está saindo

do coração. Além disso, há o risco de esquecimento, o que levaria o pregador ao

improviso ou ao pânico. Em virtude disso, não compensa o tempo e o esforço

gastos na memorização.

10 John Killinger, Fundamentais rf Preaching, p.15ü-151.

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Capítulo 15

Teologia da pregação

"Apregação é a manifestação do Verbo encarnado,

apartir doverboescrito.por meiodoverbo/alado."

BERNARD MANNING

/I Deus falou!" Esse é o fundamento da pregação bíblica. E a linguagem

humana foi escolhida para expressar a verdade divina. O Deus criador

do universo, onipotente, onisciente e onipresente condescendeu em nos

falar e em se revelar a nós. A pregação não é uma especulação a respeito da natureza

ou da vontade de Deus, mas o testemunho daquilo que o próprio Deus falou a

respeito de si.A pregação não consiste em especulação, mas em exposição.

A Bíblia testifica de si mesma como a palavra escrita de Deus. Só no Antigo

'T' fi " S h di "" S h f: I " ". I dí estamento, rases como o en or isse , o en or a ou e vero a pa avra o

Senhor" aparecem pelo menos 3808 vezes. A pregação é, acima de tudo, o teste­

munho do Deus que fala, do Filho que salva e do Espírito que ilumina.'

A palavra: essência da pregação

A palavra é a expressão e o veículo do poder de Deus. Expressão porque Deus se

revela por meio dela; veículo porque Deus age por meio dela. Na natureza de

1 Michael Duduit, org., Handbook ofcontemporary preaching, p.14-15.

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184. a mensagem

Deus, a palavra é mais do que um meio de comunicação: é um meio de ação.

Vejamos como a Bíblia descreve a força da palavra.

A palavra no Antigo Testamento

o termo hebraico traduzido por palavra é dabar, e esse termo concentra em si toda

a dimensão do poder de Deus. Tem os significados de "palavra, mandamento,

coisa, evento e ação'?

Na Bíblia, ao mesmo tempo que a palavra aparece como expressão, ela apa­

rece como ação. Desde os primeiros versículos de Gênesis, manifesta-se a palavra

em ação. Todo o poder criador de Deus está concentrado na palavra, pois o pri­

meiro ato criativo de Deus foi: "Disse Deus: Haja luz; e houve luz" (Gn 1.3). Em

outras palavras, para Deus não há diferença entre o dizer e o acontecer, entre a

expressão e a ação.

Os autores bíblicos tinham essa consciência da ação da palavra, como

disse o salmista: "Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a

existir" (SI 33.9). Ao longo da história bíblica, a palavra foi o instrumento divino

para ressuscitar mortos, abrir o mar Vermelho e o rio Jordão, produzir pão do céu,

extrair água da rocha, derrubar os muros de Jericó, e assim por diante. Os muros

de Jericó não caíram por causa do som da trombeta, mas sim porque Deus tinha

dito que haveriam de cair.

Não somente o ato inicial da criação é efetuado pela palavra, mas Deus

também fala por meio das forças da natureza, mantendo a criação. Além disso, a

própria história da humanidade é controlada e predita pela palavra da profecia,

como diz Isaías 40.6-8: "... seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso

Deus permanece eternamente'l.:'

Convém ressaltar, porém, que não deve ser atribuído nenhum poder mágico ou

misteriosoà palavraem si,como seelaagisse de maneira automática. É Deus, o Autor

da palavra,que a leva ao cumprimento e a usa como instrumento do seu poder,"

2 Trent C. Butler, Holman biblical dictionary, p.1417.

3 Geoffrey W. Bromiley, The international standard Bible encyclopedia, v. 4, p.l102-1104.

4 David Noel Freedman, The anchor Bible dictionary, v. 6, p.962-963.

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teologia da pregação • 185

Além de instrumento de poder, a palavra é um documento de autoridade.

Qualquer profecia ou mensagem tinha de ser autenticada com a expressão: "Veio

a mim a palavra do Senhor" (Ez 17.1). No momento em que recebia a palavra, o

portador humano tornava-se responsável por ela. E ai dele se negligenciasse ou

vulgarizasse o uso da palavra. Deus disse: "Filho do homem: Eu te dei por atalaia

sobre a casa de Israel; da minha boca ouvirás apalavra, e os avisarás da minha

parte... Da tua mão o requererei". (Ez 3.17-18).

Aqui se delineia toda a teologia da pregação. O pregador recebe a autori­

dade de Deus pela palavra e faz-se responsável pela palavra. Por isso, ele não

tem o direito de pregar nada que não seja a palavra de Deus. E ai dele se

negligenciar ou vulgarizar o uso da palavra!

A palavra no Novo Testamento

O Novo Testamento amplia a visão e a dimensão do poder da palavra. O termo

grego usado é logos, e que poder tem o logos! Além de ter as mesmas funções de

dabar, logos é a própria pessoa da Divindade, o próprio Deus, Jesus Cristo. O

apóstolo João diz que o logos estava com Deus, era Deus, todas as coisas foram

feitas por ele, e a própria vida estava nele, ou seja, ele é a fonte da vida (]o 1.1-4).

Aqui aparece não só o poder da palavra, mas a onipotência divina na palavra viva

que éJesus Cristo!'

O Novo Testamento, portanto, apresenta a palavra onipotente em ação.

Foi com a onipotência divina que Jesus usou a palavra para ressuscitar mortos,

curar doentes, multiplicar pães e fazer inúmeros milagres.

A palavra era também o documento de autoridade de Cristo, pois era com ela

queJesus expressavasua autoridade sobre a natureza, ao acalmar o mar (Mt 8.27),

sobre Satanás e os demônios (Lc 9.42), bem como sobre o pecado (Mt 9.6).

Descrito como o logos preexistente, ou seja, como a expressão máxima da

palavra de Deus, Cristo é o eterno veículoda comunicação entre Deus e o homem.

Cristo é a palavra divina em dois sentidos básicos. Primeiro, ele é a ação de Deus,

o agente ativo na criação (]o 1.3 e CI1.16) e na salvação (]o 3.16). Em segundo

lugar, ele é o veículo máximo da comunicação entre Deus e o homem (Hb 1.1-2).

5 George Arthur Buttrick, The interpreter's dictionary of the Bible, v. 4, p.869-87ü.

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186. a mensagem

Como portador da eterna palavra de Deus, o pregador torna-se também o

portador do poder e da autoridade de Deus, pois a pregação é o meio pelo qual a

poderosa palavra de Deus transforma a vida dos ouvintes. Daí a responsabilidade

do pregador. Ele se une à expressão máxima da comunicação de Deus - Cristo ­

e se torna um com Cristo na comunicação dessa mensagem. a pregador hoje faz

o papel dos profetas do passado, no sentido de ser um porta-voz de Deus e de

falar em nome de Deus.

a Novo Testamento usa várias palavras para designar o ato de pregar. As

duas principais são euaggelion, com o sentido de anúncio de boas novas, e

kerygma, com o sentido de proclamação pública. A palavra kerygma passou a

designar a principal atividade dos apóstolos no primeiro século, ou seja, a pre­

gação. Além disso, o Novo Testamento também usa a palavra didache, com o

sentido de ensino, indicando a instrução que era dada aos que já eram cristãos,

em contraste com kerygma, que era a proclamação principalmente aos não­

cristãos. Essas três palavras são inseparáveis no Novo Testamento, ou seja, com

as boas novas, a pregação constitui o fundamento sobre o qual é construído o

ensino do evangelho. 6

o imperativo da pregação

A pregação não é opcional. Foi ordenada por Deus e oficializada por Cristo na

Grande Comissão quando disse: "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho"

(Mc 16.15). Para o apóstolo Paulo, esse senso do imperativo da pregação era

tão claro que ele chegou a exclamar com veemência: ''Ai de mim se não pregar

o evangelho" OCo 9.16), com absoluta consciência de que a pregação é uma

tarefa para ser desempenhada por alguém, e esse alguém é o pregador.

Além de imperativa, a pregação é também urgente e constante. Paulo

conjurou o jovem Timóteo a pregar com insistência, "a tempo e fora de tempo"

(2Tm 4.2). Mesmo que a mente secular não visse sentido no conteúdo ou na

forma da pregação, Paulo estava convicto de que "aprouve a Deus salvar os que

crêem pela loucura da pregação" (lCo 1.21).

6 Ilian T. Janes, Principies and practice oipreaching, p.16.

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teologia da pregaçõo _ 187

No plano da salvação, a pregação ocupa posição de primazia. Tão prioritária

ela é que Cristo disse que o fim só virá quando o evangelho for pregado a todo o

mundo (Mt 24.14). Em outras palavras, a pregação é a primeira condição para o

encerramento da obra de Cristo neste mundo.

Mesmo comparando com outros deveres do ministério, a pregação destaca­

se como prioridade. Por isso Paulo disse que, para ele, era mais importante pregar

do que até mesmo batizar (1Co 1.17). Isso quer dizer que a pregação tem prima­

zia sobre os deveres do ministério. Quando Jesus escolheu e enviou os doze após­

tolos, designou-lhes a pregação como função principal e primeiro dever.As outras

funções vinham depois (Me 3.14-15).

Até mesmo os gentios viam nos apóstolos a figura de um pregador, quan­

do estes perambulavam de cidade em cidade. Ao ouvirem Paulo debater com

os filósofos, os atenienses viram nele não a figura de um filósofo, mas disse­

ram: "Parece pregador..." (At 17.18).

Assim como a pregação foi imperativa e prioritária nos tempos bíblicos,

hoje, mais do que nunca, permanece como prioridade no plano de Deus. "A

mais urgente necessidade da igreja cristã hoje é a verdadeira pregação. E como

ela é a maior necessidade da igreja, obviamente é a maior necessidade do mundo

também"."

Pregação e missão ao longo da história

Nunca houve missão espiritual sem pregação, bem como nunca houve pregação

sem missão específica para ser cumprida. A pregação não é um fim em si mesma,

mas sempre um meio para o cumprimento de uma missão.

No plano de Deus, a pregação é indispensável ao cumprimento da mis­

são. Sempre que Deus precisou cumprir uma missão especial, chamou um pre­

gador. Faz parte da estratégia de Deus atuar usando o homem como profeta ou

como pregador, pois diz a Bíblia que "Deus não fará coisa alguma sem primeiro

revelar o seu segredo aos seus servos, os profetas" (Am 3.7).

7 D. Martin Lloyd-jones, Preaching and preachers, p.9.

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188. a mensagem

A missão aos hebreus

Ao longo da história sagrada, para cada missão especial,Deus teve um pregador.Já

nas primeiras gerações de patriarcas, Enoque desponta como pregador evangélico,

ao profetizar sobre a volta de Jesus (Jd 14). Antes de destruir a terra com as águas

do dilúvio, Deus precisou de um pregador para cumprir a missão de advertir o

mundo sobre a destruição vindoura. Foi a primeira grande missão evangélica, e

por isso Noé se impõe na história bíblica como um dos grandes pregadores do

evangelho, reconhecido como "pregador da justiça" (2Pe 2.5).

Quando precisou libertar o povo de Israel do Egito, Deus foi em busca de

Moisés e Arão para cumprir a missão de falar a mensagem de Deus ao faraó e

ao povo de Israel (Êx 4.29-5.1). A partir de então, durante toda a história do

povo hebreu, Deus não cessou de enviar os profetas como pregadores e anun­

ciadores da vontade divina para o povo (jr 7.25).

Mesmo quando o povo rejeitou o plano de Deus e foi destruído pelos ini­

migos e levado para o exílio em terra estranha por causa de seus pecados, Deus

precisou de homens que cumprissem a delicada missão de tentar salvar os exila­

dos e convocou como pregadores os profetas Jeremias, Ezequiel e Daniel.

A missão aos cristãos

A missão cristã começa com a pregação. O papel desempenhado pelos profetas

do Antigo Testamento é continuado pelos pregadores do evangelho. Logo no

início do Novo Testamento, aparece João Batista pregando no deserto para

cumprir a missão de preparar o mundo para a chegada do Messias (Mt 3.1-2).

Jesus Cristo também começa a cumprir sua missão como pregador. Logo após

o batismo e a tentação no deserto, diz a Bíblia que "daí por diante passou Jesus a

pregar..." (Mt 4.17). O Salvador da humanidade não inventou um método mais

sofisticadopara cumprir a missão de salvaro mundo, mas utilizou o mesmo método

que ele instituíra para os profetas do passado e tornou-se um pregador.

Os apóstolos também não tiveram dúvidas nem questionaram o método da

pregação. Tinham aprendido com o próprio Cristo que a missão evangélica devia

ser cumprida com a pregação e, mesmo sob perseguição, "iam por toda parte

pregando a palavra" (At 8.4).

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teologia da pregação _ 189

Após a era apostólica, ainda nos primórdios do cristianismo, os pais da

igreja deram continuidade à pregação como forma de cumprimento da missão.

Muitos deles usaram a pregação como defesa da fé e da doutrina contra as

heresias dos primeiros séculos e também como defesa do cristianismo perante

as autoridades. Tertuliano, Cipriano, Justino Mártir, Clemente de Alexan­

dria, Orígenes e Jerônimo estão entre os que cumpriram a missão por meio da

pregação. O mesmo fizeram Ambrósio, Agostinho, João Crisóstomo e outros a

partir do quarto século da era cristã."

A Reforma protestante tornou-se o palco de verdadeiros heróis da pregação

bíblica, em diferentes países do continente europeu. João Wycliffcumpriu a missão

de pregador da Reforma na Inglaterra, Martinho Lutero pregou a Reforma na

Alemanha,João Huss eJerônimo, na Boêmia, hoje RepúblicaTcheca,João Calvino,

na Suíça, e muitos outros.

No despertamento religioso dos séculos XVIII e XIX, o evangelho foi exal­

tado pela boca de vários expoentes da pregação bíblica. Entre eles figuram João

Wesley (1703-1791), que deu origem ao metodismo, Charles Spurgeon (1834­

1892), pregador batista da Inglaterra, considerado o "príncipe dos pregadores", e

Dwight Moody (1837-1899), que deu origem a uma nova ênfase evangelística e

de avivamento nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Para citar um exemplo contemporâneo já apresentado anteriormente em

minha experiência, Billy Graham, da Igreja Batista, é o pregador evangélico que

tem falado ao maior número de ouvintes em toda a história da humanidade, por

meio de suas cruzadas evangelísticas." Por mais de cinqüenta anos, Billy Graham

pregou o evangelho face a face para mais de cem milhões de pessoas em todos os

continentes, de acordo com estatísticas de sua equipe. Acrescentando as pessoas

alcançadaspor rádio, televisãoe satélite, essenúmero sobe para cercade dois bilhões

de pessoas que o ouviram ao longo de sua vida.

Em maior ou menor escala, inúmeros outros pregadores mantiveram acesa

a chama da pregação bíblica ao longo da História. Com essa visão da prioridade

da pregação, vejamos no próximo capítulo diferentes métodos de extrair a men­

sagem do texto bíblico.

8 Michael Duduit, org., op. cit., p. 21-24.

9 Idem, p. 44-46.

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Capítulo 16

Tipos de sermão

"ODeus Todo-Poderoso tinha apenas um Filho,

eeste tornou-sepregador."

ANÔNIMO

OS sermões podem ser classificados de diversas maneiras. Algumas dessas

classificaçõessão mais comuns, outras são pouco usadas na prática. Para

efeito didático, consideremos asprincipais formas de classificação.

Primeiro, os sermões podem ser classificados quanto ao assunto ou quanto ao

conteúdo geral. Mesmo nessa classificação, os itens variam de um autor para ou­

tro, mas há uma classificação mais clássica, segundo a qual os sermões podem ser:

1. Interpretativos

2. Éticos

3. Devocionais

4. Doutrinários

5. Filosóficos ou apologéticos

6. Sociais (família, educação, etc.)

7. Evangelísticos

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192. a mensagem

Quanto ao tipo de estrutura, os sermões podem ter a forma de:

1. Exposição (um texto, uma passagem, um livro, uma biografia ou uma

cena)

2. Argumento (dedutivo ou indutivo)

3. Enfoque múltiplo (diferentes ângulos de um assunto)

4. Analogia (comparação, parábola, etc.)

Quanto ao método psicológico, os sermões podem ser:

1. N ormativos (visam levar à obediência)

2. Persuasivos (visam levar à convicção)

3. Cooperativos (visam à busca de soluções para os problemas mútuos, do

pregador e da congregação)

4. Interrogativos (levantam uma dúvida e procuram esclarecê-Ia)"

Além dessa classificação mais elaborada, outras formas simples de classi­

ficar também poderiam ser acrescentadas como, por exemplo, a classificação

quanto à finalidade, em que os sermões podem ser pastorais, evangelísticos,

cerimoniais, missionários ou ocasionais.

A preocupação com a classificação em si não é muito relevante. O impor­

tante é ter um método de construir o sermão com base na Bíblia. Dentre os

vários métodos propostos, o menos complicado e o mais prático de todos é o

método que divide os sermões em: temáticos, textuais e expositivos. O temático

é aquele cujas idéias básicas se originam de um tema, independentemente do

texto. No textual, as idéias básicas originam-se de um breve texto da Bíblia. No

expositivo, as idéias básicas originam-se numa passagem ou num texto mais

longo, que é interpretado em relação a um assunto. Conheçamos agora o sermãotemático.ê

1 W. E. Sangster, The craft ofsermon construction, p.29-1ÜS.

2 James Braga, Como preparar mensagens bíblicas, p.17.

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tipos de sermão • 193

o sermão temático

No sermão temático, o pregador determina o assunto que deseja e então busca os

textos bíblicos para formar as divisões principais que vão apoiar o assunto escolhido.

Em outras palavras, primeiro vem o tema, depois vêm os textos bíblicos. É o método

mais usado por ser o de mais fácil preparo. É muito útil para os sermões doutriná­

rios e evangelísticos, que precisam basear-se em diferentes temas da Bíblia.

Vantagens do método

Há várias vantagens nos sermões temáticos, o que faz com que o método seja um

dos mais utilizados na pregação em geral. Vejamos as principais vantagens:

1. Variedade de assuntos. A critério do pregador, qualquer assunto pode ser

desenvolvido. O pregador não precisa se prender a uma porção única da Bíblia,

mas pode aplicar diversos textos que falam sobre um mesmo assunto.

2. Facilidade depreparo. Permite liberdade para o pregador organizar e entre­

laçar as idéias como achar melhor. Ele pode estabelecer as divisões principais a

seu critério, escolher os argumentos que quiser e apenas buscar os textos bíbli­

cos para apoiar as idéias que escolheu. Por essa facilidade, é o método mais

usado pelos principiantes.

3. Facilidadepara alcançar osobjetivos. O tema serve de bússola na busca das

metas estabelecidas. Se o pregador deseja provar uma idéia, por exemplo, todos os

argumentos podem ser dirigidos para essa idéia escolhida.

4. Favorecimento da unidade. Uma vez escolhido o assunto do sermão, não há

por que misturá-lo com outros assuntos. O pregador pode ser fiel ao assunto que

ele mesmo escolheu. Mesmo assim é preciso ter muito cuidado para que os textos

escolhidos não tragam outros assuntos que quebrem a unidade.

5. Favorecimento do estilo literário. O pregador pode parafrasear temas lite­

rários e aplicá-los à Bíblia. Pode, por exemplo, usar os versos de uma poesia, as

estrofes de um hino, e assim por diante.

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194. a mensagem

6. Favorecimento da seqüência lógica eda harmonia daspartes. É possível divi­

dir o assunto em partes diferentes e seguir a linha de raciocínio mais desejada.

Desvantogens do método

o sermão temático também tem algumas desvantagens, que devem ser levadas em

conta para que o pregador tome os cuidados necessários. Vejamos algumas delas:

1. Risco desecularismo. O pregador corre o risco de prender-se tanto ao assunto

e às suas implicações que pode acabar ficando distante da Bíblia, principalmente

se o assunto tiver conotação social.

2. Riscode intelectualismo. A preocupação excessiva de expor determinado

assunto e de explorá-lo ao máximo pode fazer que o pregador fique só no

plano das idéias e distante das necessidades humanas. É preciso cuidar para

que o sermão não fique só na teoria, mas chegue ao dia-a-dia das pessoas.

3. Risco de indolência. Por ser um método fácil, há o risco de o pregador

negligenciar o estudo mais profundo. É mais cômodo reunir vários versículos

da Bíblia sobre determinado assunto sem se aprofundar em nenhum deles do

que estudar profundamente o significado de um único texto. Ao utilizar o

sermão temático, deve-se estar alerta contra essa tendência.'

Seja qual for a desvantagem, porém, é bom lembrar que a responsabilidade

não é do método em si, mas do pregador, que deve utilizá-lo corretamente e com

o melhor aproveitamento possível.

Como orgonizar o sermão temático

Uma vez escolhido o assunto, o pregador deve então estudá-lo bem, selecionar o

tema específico dentro do assunto geral e definir a idéia central do sermão. A

3 Andrew W. Blackwood, A preparação de sermões, p.112-117.

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tipos de sermão • 195

partir daí, pode usar diferentes maneiras de organizar, distribuir e dispor as divi­

sões e subdivisões. O pregador devedeterminar a seqüência das divisõesde acordo

com o objetivo que deseja atingir. Há uma variedade enorme de opções de deter­

minar a ordem e a seqüência das idéias. Vejamos alguns exemplos:

Ordem cronológica

IDÉIA CENTRAL: Os juízos de Deus são reais

A. Perdoou a Davi

B. Atuaram em Sodoma e Comorra

C. Atuarão nas últimas pragas

Estudo de casos ou fatos bíblicos

IDÉIA CENTRAL: Deus perdoa a todos

A. Perdoou a DaviB. Perdoou a Maria Madalena

C. Perdoou a Pedro

Análise de um tema ou de uma doutrina em seus diferentes aspectos

IDÉIA CENTRAL: Sinais da volta deJesus

A. Os sinais na natureza

B. Os sinais político-sociais

C. Os sinais religiosos

Estudo de afirmações ou expressões da Bíblia

IDÉIA CENTRAL: Cristo é o grande Eu Sou

A. Eu Sou o Bom Pastor

B. Eu Sou a Videira

C. Eu Sou o Pão do Céu

Argumentação por comparaçãoIDÉIA CENTRAL: Devemos obedecer à Bíblia

A. Os profetas obedeceram

B. Os apóstolos obedeceram

C. Jesus obedeceu

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196. a mensagem

Estudo de conceitos bíblicos

IDÉIA CENTRAL: Devemos crescer no amor

A. O amor sentimental- eros

B. O amor fraternal-fileo

C. O amor incondicional - agape

Comparação de analogias e metáforas bíblicas

IDÉIA CENTRAL: O cristão deve exercer influência

A. Como o sal da terra

B. Como a luz do mundo

C. Como cartas abertas

Para que o sermão seja bíblico e coerente, cada divisão principal deve estar

apoiada num texto bíblico. Com base nos exemplos citados, podem desenvolver-se

inúmeras outras formas de dar seqüência às idéias dentro de determinado tema.

Esboço de sermão temático

L INTRODUÇÃO

A. Ilustração

B. Transição

II. DEUS PERDOA

A. Perdoou a Davi - SI 51.1

1. O crime

2. O adultério

B. Perdoou a Pedro - Lc 22.62

1. A negação de Cristo

2. A blasfêmia

C. Perdoa avocê

1. Os pecados passados

2. Os pecados presentes

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tipos de sermõo • 197

IH. CONCLUSÃO

A. Resumo aplicativo

B. Apelo

o sermõo textual

O sermão textual é aquele cujo assunto é tirado de um texto bíblico pequeno,

geralmente de um só versículo, de onde vêm a idéia central e as divisões principais.

Difere radicalmente do sermão temático no que diz respeito à origem do assunto.

Enquanto no temático o assunto sai da cabeça do pregador, no textual o assunto

sai do próprio texto bíblico. Ou seja, primeiro vem o texto, depois, o tema. Vamos

conhecê-lo melhor.

Vantagens do método

1. Fixa a atenção num trecho daBíblia. Esse método tem a conveniência de manter a

Bíblia aberta num ponto só, sem precisar procurar outros textos. Evita confusão na

mente do ouvinte, que não precisa movimentar-se pelas várias partes da Bíblia.

2. Éfácil depreparar. As idéias estão visíveis no texto. Normalmente os textos

utilizados no sermão textual são os que têm afirmações bem diretas, que produ­

zem idéias nítidas.

3. Ajuda oouvinte a acompanhar a idéia. As várias partes da mensagem estão

próximas, dentro do texto, o que facilita o acompanhamento pelo ouvinte.

4. Leva o ouvinte à Bíblia. Em vez de a Bíblia apoiar o assunto, o próprio

assunto sai da Bíblia, diminuindo, portanto, o risco de secularismo ou de assuntos

não-bíblicos.

Desvantagens do método

1. O método nãopodeseraplicado a todos os textos. Nem todos os textos da Bíblia trazem

afirmações diretas que o dividam em idéias claras. Por se tratar de textos curtos, nem

sempre é possível encontrar todas as idéias necessárias para um bom sermão.

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198. a mensagem

2. O textopodecontermais idéias. Alguns textos podem até conter mais idéias

do que as que convém ao pregador. Isso não chega a ser um problema grave,

porque o pregador pode escolher as idéias que interessam ao assunto, mas exige

um pouco mais de cuidado e habilidade.

3. Risco de artificialismo. Se o texto não tem as idéias bem divididas, há o

perigo de o pregador tirar lições que a passagem não ensina. A tentativa de aplicar

o método a qualquer texto pode forçar o texto a dizer algo diferente do propósito

por que o autor bíblico o escreveu.

4. Riscodedesinteresse. Se as idéias não forem fortes, o sermão pode tornar-se

mecânico, repetitivo e ficar dentro do que é óbvio e evidente no texto. Se o prega­

dor não conseguir revestir as idéias de uma roupagem atraente, o sermão se tornará

cansativo e redundante.

5. Difícil aplicação prática. Como o texto é pequeno, pode limitar muito o

espaço para aplicação das idéias na vida prática."

o método textual talvez seja o método menos usado pelos pregadores pelo

fato de o temático e o expositivo serem mais ricos e pródigos no fornecimento de

idéias. Contudo, usado com sabedoria, com alguns textos especiais, pode produ­

zir excelentes sermões. Tudo depende da preferência e da habilidade do pregador.

Como organizar o sermão textual

o primeiro passo para preparar um sermão a partir de um versículo da Bíblia é

definir a idéia central do texto, mesmo porque alguns textos podem fornecer mais

de um tema diferente. Tendo a idéia central, o passo seguinte é definir a seqüência

das divisões principais, que podem vir na ordem em que aparecem no texto ou em

outra que o pregador achar conveniente, sempre dirigindo para o clímax do sermão.

Vejamos algumas maneiras diferentes de construir um sermão textual.

4 Andrew W. Blackwood, A preparação de sermões, p. 61-67.

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tipos de sermõo • 199

Ordem simples conforme o texto

IDÉIA CENTRAL: Cristo é tudo para o crente (]o 14.6)

A. Cristo é o caminho para o céu

B. Cristo é a verdade que orienta

C. Cristo é a vida que salva

Troca da ordem para atingir um clímax

IDÉIA CENTRAL: O propósito dos dons (Ef 4.11-12)

A. Propósito individual: aperfeiçoar os santos

B. Propósito coletivo:edificar a igreja

C. Propósito missionário: servir a Deus

Classificação das idéias atribuindo um enfoque a cada uma

IDÉIA CENTRAL: O dever do cristão (Mq 6.8)

A. Para consigo:justiça

B. Para com os outros: misericórdia

C. Para com Deus: humildade

Exploração de causa e efeito

IDÉIA CENTRAL: A missão do Salvador (Lc 19.10)

A. Veioao mundo

B. Buscou o perdido

C. Salvou os que crêem

Exploração de contrastes e comparações

IDÉIA CENTRAL: Os critérios de Jesus (Lc 5.32)

A. Os justos rejeitados por Jesus

B. Os pecadores convidados por Jesus

C. Os arrependidos transformados por Jesus

Esboço de sermão textual1. INTRODUÇÃO

A. Ilustração

B. Transição

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200. a mensagem

lI. CRISTO É TUDO PARA O CRISTÃO (Jo 14.6)

A. Cristo é o caminho

1. Caminho para o céu

2. Caminho estreito

B. Cristo é a verdade

1. Verdade que ensina

2. Verdade que liberta

C. Cristo é a vida

1. Vida que restaura

2. Vida que salva

IlI. CONCLUSÃO

A. Resumo aplicativo

B. Apelo

o sermão expositivo

No sermão expositivo, todas as idéias saem do texto e do contexto. A idéia central,

as divisões principais e todas as subdivisões originam-se de uma passagem maior

da Bíblia e são interpretadas à luz do contexto, o qual fornece o tema e as aplica­

ções do sermão. O texto escolhido pode ser um milagre de Cristo, uma parábola,

um episódio, uma cena bíblica, um salmo, ou mesmo um capítulo qualquer da

Bíblia. É a exposição do texto propriamente dita.

Para ser analisado com um pouco mais de detalhes, o sermão expositivo será

discutido separadamente como assunto exclusivo do próximo capítulo.

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Capítulo 17

o poder do sermão expositivo

"Pregação: trinta minutos capazes deressuscitar mortos. "

RUSKIN

Exposição é o contrário de imposição. Essa simples declaração diz quase

tudo sobre o sermão expositivo. Significa que, no sermão expositivo, você

não "impõe", ou seja, não "põe" nada no texto nem determina nada sobre

o texto. Ao contrário, você "expõe" ou extrai do texto a informação, deixando

que o texto determine o conteúdo e "ponha' a mensagem na vida do pregador

e dos ouvintes. É aqui que está o poder do sermão expositivo e o grande desa­

fio para o pregador, ou seja, explorar o conteúdo do texto e permitir que o

poder do texto alcance o ouvinte.

Uma das grandes dificuldades do sermão expositivo é fazer com que o

contexto antigo da Bíblia se torne atraente para o ouvinte de hoje, em plena

Era Pós-Moderna. Ou seja, o que o ouvinte do terceiro milênio tem em co­

mum com fatos e personagens que viveram há vários milênios? É exatamente

aqui que entra uma premissa básica do sermão expositivo. Existe um fator que

os seres humanos de todas as épocas possuem em comum. Ou seja, cada um de

nós partilha com toda a humanidade de qualquer época uma característica em

comum: somos todos seres caídos em pecado e carentes de restauração. Essa

necessidade comum nos coloca em contato direto com os ouvintes de todas as

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202. a mensagem

épocas. E aqui está o desafio da pregação expositiva, ou seja, explorar ao máximo

o caráter redentor do texto bíblico, pois é esse fator que tornará o texto bíblico

relevante para todas as pessoas de qualquer tempo e de qualquer lugar.

Apesar de ser o mais difícil de preparar, o sermão expositivo é o que pene­

tra na alma com mais poder, porque é o que possui maior volume de conteúdo

bíblico. Esse tipo de sermão extrai do texto bíblico não apenas a idéia central, as

divisões e as subdivisões, mas o próprio espírito do texto, fazendo o ouvinte revi­

ver as circunstâncias e os sentimentos que produziram aquele texto.

Diferenças entre o textual e o expositivo

Numa visão superficial, pode parecer que o sermão textual e o expositivo são bem

semelhantes, pelo fato de ambos se originarem no texto bíblico. Mas a diferença

vai além do tamanho do texto. Vejamos as principais diferenças:

1. O sermão textual extrai as divisões principais do texto, mas as subdivi­

sões são construídas conforme a argumentação do pregador, enquanto o ser­

mão expositivo constrói as subdivisões a partir das circunstâncias do texto.

2. O sermão textual limita-se a um ou dois versículos da Bíblia, enquanto

o expositivo pode usar uma narrativa ou um conceito de um ou mais capítulos,

ou até de um livro inteiro da Bíblia. Um sermão expositivo pode abordar, por

exemplo, a vida do profeta Jonas, utilizando todo o livro para extrair as divisões

e subdivisões da idéia central.

3. No sermão textual, o estudo do contexto é importante; no expositivo, é

indispensável, pois, do contrário, o sermão deixa de ser expositivo.

Vantagens do método expositivo

1. Garantea mensagem deDeus. Por estar baseado e estruturado num texto bíblico,

não há o risco de se pregar um assunto supérfluo, já que o próprio texto é a

mensagem cujas idéias serão apresentadas no sermão.

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o poder do sermóo expositivo _ 203

2. Honra a Bíblia. Pelo fato de tratar a Bíblia tal como foi escrita, o sermão

expositivo caracteriza-se pelo respeito ao texto bíblico e a seu sentido original.

Além disso, coloca a Bíblia acima de qualquer outra fonte.

3.Alimenta a igrda. No sermão expositivo, o ouvinte é levado a ter um con­

tato mais profundo com a Bíblia, o que resulta em alimento espiritual mais sólido.

Isso também aumenta a familiaridade do ouvinte com o texto sagrado e desenvolve

nele o desejo de conhecer mais a Bíblia.

4.Alimenta edesenvolve opregador. Ao preparar-se para alimentar os outros,

o pregador alimenta sua própria alma, tornando-se ele mesmo mais convicto da

mensagem que deseja apresentar.

Desvantagens do método

Como todo método, o sermão expositivo também apresenta algumas desvanta­

gens, especialmente as relacionadas com a forma de prepará-lo. Conhecer essas

desvantagens ajuda o pregador a esforçar-se por compensá-las. Vejamos as princi­

pais desvantagens.

1.É maisdifícildepreparar. Muitos pregadores não sabem preparar um bom

sermão expositivo e às vezes, ao tentar, acabam preparando mensagens cansativas e

monótonas, por falta de prática de explorar a beleza e a riqueza do texto bíblico.

2. Exige mais tempodepreparação. Exatamente por ser mais difícil, o sermão

expositivo exige muito mais tempo dedicado ao estudo, à pesquisa do contexto

histórico e cultural, bem como meditação e reflexão sobre a relevância da mensa­

gem a ser aplicada ao momento presente.

3. É mais difícil de aplicarà atualidade. O ouvinte de hoje, com raras exce­

ções, não sente atração natural pelos eventos do passado distante. Os meios de

comunicação lançam constantemente uma avalanche de atrações que disputam

o interesse imediato do ouvinte, tornando-o menos suscetível a tudo que pareça

distante. Por isso, o pregador precisa dar uma roupagem atual ao texto bíblico,

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204. a mensagem

de tal maneira que o revista de interesse presente e imediato, e isso exige dele

esforço e habilidade.

4. Sefor malpreparado, afasta o ouvinte da Bíblia. Uma simples repetição do

texto sem a beleza de um sermão bem-preparado não constitui um sermão expo­

sitivo. Isso faz com que o ouvinte não goste do sermão e que a Bíblia se torne

antipática e insípida.

A importância da pregação expositiva

''A pregação expositiva é a comunicação de um conceito bíblico, derivado e trans­

mitido por meio de um estudo histórico, gramatical e literário de uma passagem

no seu contexto, que o Espírito Santo primeiro aplica à personalidade e experiên­

cia do pregador, e depois, por meio dele, aos seus ouvintes."!

Essa definição de pregação expositiva tem sido aceita como uma das mais

completas. Em vários aspectos, o sermão expositivo reveste-se de importância

especial em relação aos outros métodos, pela força de sua influência. Vejamos,

a seguir, por que a pregação expositiva é tão importante.

1. Em primeiro lugar, o sermão expositivo é o que mais de perto reflete o

pensamento do texto bíblico. Qpanto mais nos ativermos à palavra revelada de

Deus, menos suscetíveis seremos ao erro.

2. A pregação expositiva ensina a Palavra de Deus no contexto escolhido

pelo Espírito Santo. O risco de colocá-la no contexto errado torna-se menor, até

porque deixaria de ser expositiva.

3. Por ser essencialmente bíblica, ela vai ao encontro das necessidades huma­

nas. Em outras palavras, a Bíblia vai preencher as carências humanas muito mais

do que qualquer idéia brilhante, que o pregador possa ter, ou do que qualquer

conhecimento geral, que, embora útil, não pode substituir o conteúdo da mensa­

gem bíblica.

1 Haddon W. Robinson, A pregação bíblica, p. 15.

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o poder do sermão expositivo • 205

4. Finalmente, a pregação expositiva pode funcionar como poderosa prote­

ção contra a interpretação imprópria das Escrituras. Ao respeitar o contexto, o

pregador está protegido contra a tendência de "espiritualizar" ou alegorizar o texto

bíblico, criando uma espécie de fantasia espiritual, o que, aliás, tem estado meio

em moda ultimamente.?

o falso sermão expositivo

Antes de comentar as características da verdadeira pregação expositiva, vamos

falar um pouquinho sobre o falso sermão expositivo, ou seja, aquele que se diz

expositivo, mas na realidade não faz jus a esse nome por não possuir as caracte­

rísticas de um verdadeiro sermão expositivo, fazendo-se cansativo e antipático.

Certa ocasião eu assistia a uma aula do curso de mestrado em Teologia em que

o professor falava sobre as vantagens do sermão expositivo. Num dado momento,

um dos colegas fez uma pergunta crucial. Ele disse:"Professor, como fazer para que

o sermão expositivo não se torne cansativo? Porque todas as vezes que ouço um

sermão expositivo, tenho a sensação de estar ouvindo uma leitura bíblica versículo­

por-versículo." O tipo de sermão a que o colega se referia, com certeza cairia na

categoria de "falso sermão expositivo." Ele tinha razão, muitos pretensos sermões

expositivos podem fazer mais mal do que bem aos ouvintes.

Portanto, na tentativa de corrigir algumas idéias simplórias e errôneas a res­

peito da pregação expositiva, vejamos o que a pregação expositiva não é:

1.Exegese. Em primeiro lugar, a pregação expositiva não é exegese versículo­

por-versículo, ao contrário do que alguns pregadores supõem. Não se trata de

apresentar a interpretação de cada versículo do texto com base em informações

lingüísticas, como se fosse um dicionário a traduzir palavra-por-palavra.

Tudo que esse tipo de pregação consegue é cansar o ouvinte, que é obrigado

a ficar meia hora ou mais agüentando um discurso árido. Diga-se de passagem

que a exegese é indispensável para o pregador compreender o texto, mas não para

recitá-la para o ouvinte. Sermão expositivo não é exegese.

2 Walter L. Liefeld, Exposição do Novo Testamento, p. 15-17.

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206. a mensagem

2. Comentário bíblico. Em segundo lugar, o sermão expositivo não é um comen­

tário bíblico, uma explicação contínua ou uma seqüência de pensamentos sem

nenhum vínculo entre si.A mera repetição do texto para os ouvintes, ou comentários

amontoados sem linha precisa de pensamento, não é sermão expositivo. O prega­

dor deve estudar bem o contexto histórico, literário e cultural da passagem bíbli­

ca, mas não basta explicá-lo ao ouvinte. Essa informação deve apenas formar o

cenário em que a mensagem vai desfilar perante o ouvinte.

3. Esboço temáticoftrçado. Finalmente, o sermão expositivo não é um esboço

temático baseado em um texto único. Ou seja, é preciso que o assunto provenha

do texto, e não que o texto seja arranjado para adaptar-se ao assunto que o prega­

dor tem na cabeça. Nesse caso, quando o texto não fala por si, ele tira a força e a

beleza da mensagem. Se o pregador deseja apresentar um assunto específico, que

o faça com um bom sermão temático. Afinal, um bom sermão temático é infini­

tamente melhor que um péssimo sermão expositivo.

Características do sermão expositivo

Agora que conhecemos o falso sermão expositivo, vamos tentar conhecer um pouco

da verdadeira mensagem expositiva. Algumas características distinguem a prega­

ção expositiva genuína das demais formas de pregação. Vejamos quais são as prin­

cipais características:

1.Textoúnico. Idealmente, o sermão expositivo deve tratar de uma só passagem

básica das Escrituras. Aliás, um sermão é pouco para explorar tudo que há de beleza

e mensagem num texto bíblico. Por isso, é preferível evitar referências a outros

textos. Em casos excepcionais, pode haver alguma referência a outro texto apenas

para ilustrar ou confirmar o texto básico. Isso não descaracteriza o sermão exposi­

tivo. Contudo, se não houver cuidado, pode-se diminuir a força do texto principal.

2. Fidelidadeaotexto. O sermão tem de respeitar o texto e jamais violentá-lo.

Isso é o que em teologia se chama integridade hermenêutica, ou seja, respeito às

regras de interpretação bíblica. Qualquer tentativa de melhorar o texto, ou forçá-lo

a dizer o que na realidade não diz, constitui violência à mensagem bíblica.

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o poder do sermõo expositivo • 207

Você não é obrigado a abordar todos os aspectos do texto e pode concentrar­

se apenas nos elementos que apóiam a idéia central. Silenciar sobre pontos não

essenciais do texto não constitui infidelidade ao texto. Infidelidade é dizer o que

o texto não diz.

3. Coesão. As diferentes partes da mensagem devem estar ligadas e unidas

entre si. As idéias precisam estar relacionadas umas com as outras para promo­

ver a unidade do todo e dar à mensagem um tema único. Procure no texto as

idéias que reforçam o mesmo pensamento.

4. Movimento. Para ser atraente, o sermão tem de ter movimento, e o ouvinte

deve ser conduzido de um ponto de partida a um ponto de chegada. Se o prega­

dor descreveJesus saindo de Jericó, por exemplo, o ouvinte precisa acompanhá-lo

nessa trajetória.

A seqüência das idéias também deve fazer uma trajetória em direção ao

clímax do sermão. Para isso, nada melhor que observar as palavras ou expressões

repetidas no texto. A repetição de palavras-chave ou expressões de emoção ajuda

a dar movimento na direção que o pregador deseja. Nenhuma palavra é repetida

por acaso. Palavras repetidas são palavras-chave e encerram idéias importantes.

5.Aplicação. Exposição sem aplicação não é pregação expositiva. Seria apenas

uma informação sem utilidade prática. É preciso que os eventos do passado se

reflitam nas coisas que acontecem hoje, no dia-a-dia dos ouvintes.'

Enfrentando a dificuldade do texto

Como mencionado acima, a pregação expositiva apresenta algumas dificuldades

inerentes, e o pregador precisa estar disposto a enfrentá-las, se quiser utilizar esse

método de sermão. Bryan Chapell" apresenta uma lista de perguntas aparente­

mente óbvias, mas que precisam ser respondidas em cada mensagem expositiva.

3 Walter L. Liefeld, Exposição do Novo Testamento, p. 13-14.

4 Bryan Chapell, Christ-centered preaching: Redimindo o sermão expositivo, 2005.

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208. a mensagem

Segundo ele, essas perguntas não precisam seguir uma ordem rígida, mas inde­

pendente da ordem, elas precisam ser respondidas para que o pregador decida o

rumo e a abordagem que vai seguir. As perguntas são as seguintes:

1. O que o texto significa?

2. Como posso saber o que o texto significa?

3. Quais as circunstâncias que levaram o texto a ser escrito?

4. O que nós temos em comum com as personagens do texto?

5. Como as pessoas de hoje deveriam reagir à verdade do texto?

6. Qual a maneira mais eficiente de comunicar a mensagem do texto?

A resposta a essas perguntas exige uma pesquisa por parte do pregador

para descobrir o contexto do texto, o que naturalmente exige tempo e esforço.

Mas esse é exatamente o preço de um bom sermão expositivo. De fato, não dá

para preparar um sermão expositivo em cinco minutos ou meia hora. Pode até

ser que um sermão temático consiga sair de improviso, mas você jamais vai

conseguir fazer um sermão expositivo de improviso. É preciso buscar uma com­

preensão da passagem toda, e isso exige tempo para um estudo profundo.

Referindo-se à explanação do texto, Chapell" resume o processo de estudo do

texto em três passos principais:

1. Observação. Use a observação para determinar o que está presente no

texto. A regra é simples: leia, leia, leia! Leia amplamente e várias vezes para

visualizar o contexto. Leia atentamente para identificar palavras-chave e cer­

tas expressões que sejam únicas e peculiares ao texto. Procure em um dicioná­

rio bíblico o significado de palavras desconhecidas e busque informações sobre

nomes e lugares mencionados no texto. A mensagem do texto bíblico está

diretamente relacionada com fatos ocorridos e com as circunstâncias ligadas a eles.

Conhecer essas circunstâncias ajuda a esclarecer dúvidas e a acrescentar sentido e

beleza ao texto. Por isso, o pregador tem de respeitar o contexto imediato, os

5 Bryan Chapell, Christ-centered preaching: Redimindo o sermão expositivo.

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o poder do sermóo expositivo • 209

textos adjacentes e, às vezes, o contexto de todo o livro. Procure ouvir o texto e

absorvê-lo, refletindo com oração na mensagem espiritual. No próximo capítulo,

esse tópico é desenvolvido com mais detalhes.

2. Interrogação. O segundo passo é você fazer perguntas ao texto tendo em

mente as perguntas que os ouvintes gostariam de ver respondidas. Uma boa sugestão

é utilizar o método jornalístico de obter informações, composto de seis pergun­

tas-chave: Quem? O quê? Quando? Onde? Por quê? Como? Esse é o método

mais prático de descobrir a informação do texto. Pergunte ao texto quais são os

fatos principais, quem são os personagens envolvidos, quando e onde os eventos

ocorreram, por que e como as cenas se desenrolaram. Uma vez obtidas as informa­

ções, use o método da comparação, avaliando o número de vezes e os diferentes

significados em que uma mesma palavra ou expressão aparece no texto.

3. Organização. O passo seguinte é organizar as idéias de acordo com uma

seqüência lógica com base na ênfase que o pregador deseja apresentar. A seqüên­

cia pode ser cronológica, como está no texto, ou ideológica, em que o pregador

desenvolve o tema da idéia menor para a idéia maior, independente da ordem em

que essas idéias aparecem no texto. Esse ponto da organização será abordado com

mais detalhes a seguir.

Como organizar o sermão expositivo

A organização das idéias num sermão expositivo segue princípios semelhantes a

outros métodos de sermão. Após estudar bem o texto e seu contexto, você pode

enumerar os pontos altos e as idéias mais fortes do texto. Descubra então o pen­

samento principal do texto, que vai determinar a idéia central, e verifique as idéias

que ensinam a mesma lição ou afirmam a mesma verdade da idéia central. As

idéias mais fortes vão formar as divisões da idéia central.

Depois é só escolher a seqüência das divisões de acordo com o clímax que

deseja atingir. Geralmente se usa a mesma ordem em que as idéias aparecem

no texto, mas essa ordem pode ser alterada se isso contribuir para levar ao clímax

do sermão. Vejamos algumas formas diferentes de organizar as divisões principais,

explorando diferentes pensamentos do texto.

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21 O. a mensagem

Explorar as qualidades de um personagem bíblicoIDÉIA CENTRAL: O cristianismo prático do centurião (Lc 7.1-9)

A. A reputação do centurião (v. 4)

B. A humildade do centurião (v. 6)

C. A fé do centurião (v.7)

Explorar a natureza dos fatos

IDÉIA CENTRAL: Em Cristo podemos vencer a tentação (Mt 4.1-11)

A. Primeira tentação: tentação física (v. 3-4)

B. Segunda tentação: tentação psicológica (v. 5-7)

C. Terceira tentação: tentação espiritual (v. 8-10)

Explorar as razões

IDÉIA CENTRAL: A urgência do preparo espiritual (Mt 24.29-36)

A. Porque os sinais se cumprem (v. 33)

B. Porque ninguém sabe o dia nem a hora (v. 36)

C. Porque Deus nos quer entre os escolhidos (v. 31)

Explorar os meiosIDÉIA CENTRAL: Como alcançar a resposta da oração (Mt 7.7-12)

A. Pedindo com fé

B. Buscando com sinceridade

C. Batendo com insistência

Explorar o conteúdo doutrinário do texto

IDÉIA CENTRAL: O cristão e o novo nascimento (Jo 3.1-15)A. A necessidade do novo nascimento (v. 3-5)

B. O mistério do novo nascimento (v. 6-10)

C. A recompensa do novo nascimento (v. 15)

Explorar as metáforas e outras figuras de linguagem

IDÉIA CENTRAL: Jesus sacia a sede da alma (Jo 4.9-15)A. Uma fonte que sacia (v. 13-14)

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o poder do sermõo expositivo • 211

B. Uma fonte inesgotável (v. 14)

C. Uma fonte de vida (v. 10)

Explorar os conceitos opostos

IDÉIA CENTRAL: As duas faces da justiça (Lc 18.9-14)

A. A justiça do orgulhoso fariseu (v.11-12)

B. A justiça do humilde publicano (v. 13)

C. A justiça do pecador arrependido (v.14)

Explorar os elementos informativos do texto

IDÉIA CENTRAL: Deus e a plenitude dos tempos (Gl4.4-5)

A. O tempo certo: o Império Romano

B. O acontecimento certo: Cristo

C. O propósito certo: salvar

Extrair os ensinamentos do texto

IDÉIA CENTRAL: A forma da volta de Jesus (Mt 24)

A. Uma volta visível (v. 27)

B. Uma volta repentina (v. 42-44)

C. Uma volta gloriosa (v. 30-31)

Em vez de apenas apresentar as idéias do texto, faz um bom efeito destacar

os tópicos de cada idéia e valorizar o sentido oculto da idéia. No esboço da oração

citado acima (Mt 7.7-12), por exemplo, veja como cada divisãovaloriza o sentido

oculto da idéia ao atribuir uma atitude a cada ação:

A. Pedindo com fé

B. Buscando com sinceridade

C. Batendo com insistência

Por meio do estudo, da reflexão e da oração, o Espírito Santo ilumina a

mente, trazendo beleza e sentido a cada idéia.

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212 • a mensagem

Esboço de sermão expositivo

I. INTRODUÇÃO

A. Ilustração

R Transição

lI. A CONVERSÃO DO CENTURIÃO (Lc 7.1-9)

A A reputação do centurião

1. "Ele é digno"

2. Edificou a sinagoga

R A humildade do centurião

1. "Não sou digno"

2. Não queria incomodar o Mestre

C. A fé do centurião

1. Pediu apenas "uma palavra"

2. Tinha certeza da cura

IH. CONCLUSÃO

A. Resumo aplicativo

R Apelo

Esse exemplo é apenas um esboço simples. Cada idéia apresentada aqui pode

ser enriquecida com informações e aplicações do texto. Cada divisão pode ter

mais subdivisões, as quais também podem ser subdivididas.

A estrutura do sermão expositivo tem a ver com a forma da mensagem. O

poder do sermão, contudo, está em explorar a riqueza do texto. O próximo capí­

tulo discute a exploração do texto bíblico, tanto para o sermão expositivo como

para os demais métodos de sermão.

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Capítulo 18

o tesouro escondido no texto

"Opregadornãoapenaspossuiuma mensagem,

masépossuídopela mensagem. "

Rov ALLAN ANDERsoN

(

ada texto bíblico encerra um tesouro de idéias. Quando foram escritos

ou falados, esses textos estavam cheios de sentimentos, intenções e preo­

cupações. O texto bíblico não foi escrito por acaso. Ao escrever, muitas

vezes o autor estava rodeado de problemas, sofrendo pressões psicológicas e

espirituais ou enfrentando objeções e dificuldades.

Para comunicar a mensagem, o autor bíblico escolhia a melhor linguagem

possível, as palavras mais fortes para expressar seus sentimentos, as figuras de

linguagem mais conhecidas de então, com ilustrações carregadas de sentido práti­

co. Além disso, escolhia ainda argumentos que iam atingir, em cheio, a sensibili­

dade dos ouvintes da época, porque se baseavam em idéias importantes para o

povo daquele tempo.

Assim foi construído o texto bíblico, com toda essariqueza de influências. Só

que, com o passar dos milênios, a beleza do texto foi ficando oculta sob a poeira

dos anos. Ou seja, as palavras fortes daquele tempo passaram a não fazer muito

sentido hoje, as ricas figuras de linguagem perderam o brilho, porque os objetos

que as ilustravam não existem mais, e os argumentos perderam o peso, porque se

baseavam em fatos desconhecidos para nós.

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214 • a mensagem

Muito bem. É aqui que entra o grande desafio para o bom pregador: recu­

perar o sentido e os sentimentos do texto! Ao remover a poeira do tempo, o

pregador pode redescobrir o brilho de cada idéia, as emoções, frustrações, alegrias

e angústias de cada pensamento, bem como a eloqüência de cada frase. Pode

também desenterrar os motivos que estão por trás de cada afirmação, a sutileza de

cada pergunta e a inteligência de cada resposta.

Com essa pesquisa, o pregador pode fazer desfilar um verdadeiro espetáculo

verbal perante os ouvintes, deixando-os fascinados com a beleza do texto. Com

tanta riqueza e beleza no texto bíblico, é um crime fazer a Bíblia parecer árida e

insípida, com idéias sombrias e sem brilho, como tantas vezes ocorre em muitos

sermões. Tudo depende do esforço e da habilidade do pregador sob a iluminação

do Espírito Santo.

De fato, não é tarefa fácil. Embora a pesquisa do texto bíblico seja um

trabalho árduo e muitas vezes exaustivo, ela traz um novo sabor a cada desco­

berta. Apesar dessa dificuldade, tudo se baseia num processo muito simples:

entender os pensamentos e sentimentos da época e traduzi-los em idéias e pala­

vras conhecidas do ouvinte, reproduzindo ao máximo o conteúdo sentimental

do passado.

A razão de muitos sermões bíblicos serem áridos, apesar de bem pesquisa­

dos, é que o pregador se aprofunda no passado e traz a riqueza do texto ainda com

a poeira do passado, limitando-se a dar informações sobre o texto bíblico. Falta a

tradução para as idéias e os sentimentos de hoje.

Em síntese, poderíamos dizer que todo o processo de recuperar a beleza

do texto se resume em dois passos básicos:

1. Pesquisa do passado: recupera a informação do texto.

2. Tradução para a linguagem do presente: recupera os sentimentos

do texto.

Quer queiramos, quer não, comunicação é emoção e sentimento. Quanto

mais o ouvinte sentir a mensagem, mais absorverá a informação dela. Conteúdo

informativo sem conteúdo emocional é frio, árido e sem sabor. O problema é que

muitos pregadores acham que conteúdo emocional se restringe a chorar no púl­

pito, o que muitas vezes se torna um recurso artificial, desgastado pelo uso.

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o tesouro escondido no texto • 215

Conteúdo emocional é muito mais que chorar. Transmitir o conteúdo emo­

cional é fazer, à medida que se desenrolam as cenas do sermão, o ouvinte sentir

alegria ou tristeza, amor ou ódio, paz ou desespero, etc. Por exemplo: se você

prega sobre o cego deJericó, o ouvinte tem de sentir o desespero do cego gritando

para não perder a única oportunidade de ser curado e revoltar-se contra a multi­

dão que o desprezava.

Se a mensagem for sobre a conversão de Saulo no caminho de Damasco,

o ouvinte tem de sofrer ao ver Saulo atirado no chão e humilhado perante os

companheiros. O ouvinte precisa viver o suspense de Saulo ao ouvir a reclamação

de Jesus: "... por que me persegues?". Só que o conteúdo emocional não chega

ao ouvinte em expressões como "recalcitrar contra os aguilhões" (At 26.14).

Não! O ouvinte tem de saber e sentir que Jesus usou uma expressão conhecida de

Saulo, em tom de ironia, como quem diz: "Saulo, até quando você vai dar murro

em ponta de faca?".

Ferramentas de trabalho

Para traduzir os sentimentos do texto, o pregador tem de equipar-se com algu­

mas ferramentas indispensáveis, que o ajudarão a descobrir fatos e circunstân­

cias dos tempos bíblicos. Dentre essas ferramentas, as principais são:

1. um bom comentário bíblico para esclarecer os pontos obscuros do texto;

2. um bom dicionário bíblico para descrever personagens, lugares e con-

ceitos;

3. uma enciclopédia bíblica, se possível, para descrições mais detalhadas;

4. concordância bíblica para localizar os textos desejados;

5. mapas bíblicos para visualizar lugares e rotas;

6. diferentes traduções da Bíblia para comparar a linguagem;

7. livros sobre a história e a cultura do Antigo e do Novo Testamentos.

Aos poucos dá para formar uma minibiblioteca com o mínimo de material

necessário. Hoje não é tão difícil equipar-se, pois as livrarias evangélicas têm

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216 • a mensagem

abundância de literatura bíblica que pode ser adquirida com facilidade. Além

disso, há uma infinidade de recursos on-Iine e programas de computador com

diferentes dicionários e comentários bíblicos, bem como inúmeras versões da

Bíblia. Falta de material hoje não é problema, pois a internet coloca à disposição

as mais variadas opções. Como falamos na introdução, hoje é possível acessar a

Bíblia on-Iine em qualquer idioma e pesquisar via Internet diferentes concor­

dâncias bíblicas, comentários bíblicos, dicionários e enciclopédias bíblicas, bem

como ter acesso on-line a inúmeros exemplos de esboços de sermões, ilustrações,

estudos bíblicos e muitos outros recursos disponíveis gratuitamente. 1

Não se esqueça, porém, de que, além do equipamento, você precisa meditar,

refletir e orar pela iluminação do Espírito Santo. Esse é o fator mais importante

no preparo do sermão.

Princípios de interpretação

Além de utilizar as ferramentas necessárias na busca das informações e sentimen­

tos do passado, a pesquisa bíblica segue alguns princípios básicos que, respeita­

dos, darão diretriz ao pesquisador e o pouparão de cometer erros e distorções no

significado do texto bíblico. Você não precisa ser especialista em hermenêutica,

mas deve ter uma noção clara dos princípios corretos de interpretação da Bíblia

para não cometer erros de interpretação ou tirar conclusões impróprias ou estra­

nhas ao pensamento do texto. Um breve estudo dessa matéria não é difícil e traz

inúmeras recompensas ao pregador.

Muito se tem escrito sobre os princípios de interpretação da Bíblia, e exis­

tem diferentes métodos e correntes de interpretação. Considerando a perspectiva

mais aceita no meio evangélico, poderíamos resumir os princípios da seguinte

maneirar'

1 Alguns websites de Bíblia on-Iine em português são os seguintes: http://

www.bibliaonline.net/ http://www.bibliaworldnet-util.locaweb.com.brlbiblia/; http://

www.pregador.com.brlonline.htm.

2 Bernard L. Ramm, Hermeneutics, p.11-28.

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o tesouro escondido no texto • 217

1. Ofator espiritual. A Bíblia é, acima de tudo, um livro espiritual e tem de

ser entendida espiritualmente. Não adianta querer interpretá-la à luz da filosofia

ou da ciência, ou mesmo de mero raciocínio intelectual. Ela tem de ser entendida

de maneira espiritual e com propósitos espirituais. Não adianta querer explicar os

milagres de maneira natural, pois eles são sobrenaturais e espirituais.

2. A unidade da Bíblia. A Bíblia ensina uma única teologia, não uma varie­

dade de teologias, o que significa que todas as partes guardam harmonia entre si.

Se algum texto dá margem para diferentes significados, deve ser interpretado à

luz do conjunto de toda a Bíblia. O mesmo Espírito guiou todos os escritores

bíblicos. Se Paulo defende a fé, e Tiago, as obras, os dois falam de diferentes

perspectivas da mesma doutrina.

3. A Bíblia é suaprópria intérprete. Esse princípio vem da Reforma Protes­

tante e significa que o critério último para determinar o significado de uma por­

ção das Escrituras é o testemunho de outra passagem das próprias Escrituras que

trate do mesmo assunto. Os reformadores enunciaram o princípio SolaScriptura

- a Bíblia somente -, que coloca a Bíblia como autoridade final, absoluta e sufi­

ciente sobre a interpretação de si mesma.

4. Deve-se considerar osignificado originaldaspalavras. O intérprete precisa

fazer uma ponte entre o significado original e a compreensão atual. O pregador

precisa ter segurança de que as palavras e orações usadas numa interpretação trans­

mitem a mesma idéia que o escritor bíblico tinha em mente. Qgalquer tradução

ou paráfrase precisa ser avaliada à luz desse critério.

5. Deve-se considerar ocontexto histórico eliterário. O intérprete deve respeitar

a unidade literária em que o texto se encontra. A correta interpretação exige saber

quem é o autor, as circunstâncias em que ele escreveu, o tempo e o lugar da

redação do texto e as razões por que o escreveu.

6. Todo texto deve serinterpretadoliteralmente,a menosqueocontextoindique

o contrário. Como premissa fundamental, o texto diz exatamente o que está

escrito, e não se deve espiritualizar ou atribuir simbolismo aos elementos do

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218 • a mensagem

texto. Quando o texto é simbólico, o contexto o indica, como fezJesus na Pará­

bola do Semeador, explicando o significado de cada tipo de solo. Aliás, parábolas

e profecias são exemplos de textos simbólicos indicados pelo contexto. Esse prin­

cípio descarta o método alegórico de interpretação da Bíblia.

Como escolher um texto

Todos os textos da Bíblia são ricos de significado e beleza, mesmo aqueles que

parecem menos atraentes. Praticamente todos os textos proporcionam material

para bons sermões. Contudo, é natural que o pregador se sinta atraído por deter­

minados textos, e é evidente que alguns textos parecem mais fáceis, por oferecer

mais campo para uma aplicação homilética, isto é, para o preparo de um sermão.

Por isso, o uso de alguns critérios pode ajudar na escolha de um bom texto, espe­

cialmente para sermões expositivos. Vejamos alguns deles.

1. Escolha um texto que enchao coração. O primeiro critério para escolher o

texto do sermão é entusiasmar-se com ele. Alguns textos enchem os olhos e o

coração à primeira vista e deixam o pregador motivado para o preparo do sermão.

Essa motivação é meio caminho andado para a pesquisa do sermão. Afinal, se o

pregador não vibrar com o texto, a congregação também não vibrará.

2. Procure um texto queatinja uma necessidade da igreja. À medida que conhe­

cer as necessidades da congregação, você saberá as principais carências que preci­

sam ser satisfeitas, e a própria necessidade pode sugerir o texto. Se, por exemplo,

a congregação precisa de uma mensagem sobre o amor ao próximo, você pode

escolher o texto do Bom Samaritano, ou da vida de Dorcas, entre outros.

3. Prefira textosdesentido claro e relevante. Alguns textos falam mais direta­

mente sobre temas que são mais relevantes e de interesse imediato para o ouvinte.

Um sermão, por exemplo, sobre genealogias ou sobre as leis levíticas pode até

tornar-se interessante, mas vai exigir muito mais esforço e habilidade no preparo,

por não serem esses assuntos de interesse imediato.

Da mesma forma, você pode pregar excelentes sermões sobre Cântico dos

Cânticos, mas é recomendável usar com sabedoria as expressões de excessiva

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o tesouro escondido no texto • 219

intimidade, uma vez que o universo cultural do Ocidente é diferente do universo

cultural dos orientais. Para eles as expressões íntimas são naturais. Para nós, prin­

cipalmente no púlpito, podem aparentar um sentido duplo, portanto é prudente

apresentar o texto com naturalidade e bom senso.

4. Prefira textos com enfoque positivo. Isso não é uma regra absoluta, mas o

enfoque positivo geralmente é mais atraente para ouvir. Eventualmente você pode

pregar sobre o Decálogo, por exemplo, com suas expressões negativas, mas será

um pouco difícil torná-lo mais atraente do que as Bem-aventuranças, que já tra­

zem em si o enfoque positivo e confortador. Mas é bom não esquecer que o

enfoque negativo também é didático e tem o seu valor.

5. Prefira textos que apelam à imaginação. Uma lei da comunicação é que os

ouvintes preferem ver a ter de pensar. Portanto, pinte um quadro na mente deles

e dê-lhes algo para ver, sentir e fazer. Quando perguntaram a Jesus quem era o

próximo, ele pintou o quadro do Bom Samaritano, com cenas de atividade, con­

flitos e pessoas. As parábolas e milagres podem ser mais fáceis de pregar do que as

epístolas, por exemplo. Por outro lado, quando for pregar sobre as epístolas, você

precisa enriquecer o sermão com mais ilustrações e aplicações.

6. Prefira textos curtos. Os textos menores concentram melhor as idéias do

que os maiores, e isso ajuda a prender a atenção do ouvinte. Além disso, a

multiplicidade de idéias dificulta a unidade, e o sermão corre o risco de derivar

para mais de um assunto. Quando for pregar sobre um texto longo, você tem

de selecionar bem as idéias principais e concentrar-se somente nelas.

7. Concentre-se num só texto. O risco de ferir a unidade e a concentração das

idéias é maior quando se utiliza mais de um texto no sermão expositivo. Somente

em casos excepcionais deve-se usar mais de um texto na exposição. É claro que

esse critério não se aplica ao sermão temático.

8. Explore a variedade dos textos bíblicos. Não pregue só sobre parábolas ou

apenas sobre milagres, por exemplo. A variedade enriquece a congregação e satis­

faz melhor as necessidades do ouvinte. Por isso, você deve alternar os textos e

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220 • a mensagem

incluir sermões sobre salmos, epístolas, profecias, narrativas do livro de Atos e do

Antigo Testamento, e assim por diante.'

Passos na interpretação do texto

Familiarize-se com o texto

Primeiro leia o texto várias vezes, com reflexãoe oração. Procure observar as expres­

sões paralelas, as idéias repetidas e o destaque de algumas palavras-chave. Pense

nos objetivos do texto e na razão por que foi escrito. Procure descobrir que inten­

ção tinha o autor ao escrever e veja que lições relevantes o texto ensina para o

ouvinte de hoje e para você pessoalmente. Leia também os versículos anteriores e

posteriores ao texto para ter uma idéia do conjunto que forma o contexto.

Se preferir, um bom exercício é fazer uma paráfrase e reescrever o texto com

suas próprias palavras. Esse primeiro passo é feito diretamente com a Bíblia, antes

de pesquisar outros materiais. Às vezes, nesse primeiro passo você já encontra a

idéia central e as divisões principais. Se ainda não tiver a idéia central, não se

preocupe. Ela poderá vir depois com a pesquisa e com outras informações que

você vai adquirir.

Faça uma exegese do texto

A exegese consiste num estudo minucioso e detalhado das várias partes do texto,

em seus diferentes aspectos. Pode ser completa, se você analisar palavra por pala­

vra, ou parcial, se tomar apenas os pontos principais do texto. Quanto mais com­

pleta a exegese, maior o número de informações que se obtêm. Se preferir, pode

ater-se apenas às expressões mais importantes do texto.

Se tiver conhecimento e material disponível, você pode estudar o significado

das palavras na língua original, seja grego, seja hebraico. Se não, é bom ler pelo

menos um bom comentário bíblico. Geralmente comentários trazem o significado

original das palavras mais importantes, e na maioria dos casos isso é suficiente.

A exegese abrange diferentes aspectos. Observe os principais.

3 Andrew W. Blackwood, A preparação de sermões, p.53-56.

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o tesouro escondido no texto • 221

1. Relacione as informações históricas. Agora você vai conferir as conclusões

que tirou na primeira leitura do texto. Descubra a intenção do autor, a quem se

destinava a mensagem, a data e o lugar, como viviam as pessoas nesse tempo e o

que significava a mensagem para elas. Veja se o texto traz alguma curiosidade

interessante, algum fato diferente do comum. Note os lugares que o texto men­

ciona e os costumes que porventura apareçam no texto. Tudo isso vai enriquecer

o seu repertório de informações.

2. Identifique oselementos literários. Observe o gênero literário a que o texto

pertence, se narrativo, poético ou histórico. Veja também o significado das princi­

pais palavras e os recursos literários que a Bíblia possui: as figuras de linguagem,

perguntas importantes, elementos poéticos, etc.

3. Destaqueoscomponentes ativosdotexto. Procure detectar os elementos que

dão vida e movimento ao texto. Em outras palavras,quem são as personagens prin­

cipais, quais os eventos importantes e quais as idéias que mais se destacam no texto.

4. Relacione osensinamentos do texto. Em seguida, veja: o tipo de ensina­

mento que o texto traz; os conceitos que foram apresentados; as doutrinas que

aparecem ou estão subentendidas; os ensinos éticos e exortações que são feitas.

Finalmente, observe as lições espirituais que podem ser extraídas."

Determine o título, a idéia central e a proposição

Se até essa altura você não definiu a idéia central, agora é a hora de fazê-lo. Por

falar nisso, é bom entender a diferença entre esses elementos:

o título

O título é o nome que você vai dar ao sermão, uma espécie de marketing para

vender a idéia e chamar a atenção. Deve ser atraente, ousado e criativo, para causar

impacto ao ser divulgado. Deve estar relacionado com coisas bem conhecidas e do

4 Karl Lachler, Prega a Palavra, p. 82-112.

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222 • a mensagem

interesse do público. Certa ocasião, preguei um sermão missionário e usei o título

"Os Clientes da Igreja" para enfatizar a necessidade de tratar bem os membros e

visitantes da igreja.

A idéio centrol

A idéia central é o tema específico e único dentro do assunto geral. É o trilho

sobre o qual o sermão vai correr, sem se desviar para um lado nem para outro.

É o eixo em torno de que o sermão vai girar e do qual derivam todas as outras

idéias do sermão. Muitas vezes a idéia central pode ser o próprio título do

sermão. No exemplo citado acima, usei o título "Os Clientes da Igreja" tam­

bém como idéia central.

Aproposição

A proposição é a verdade específica que você se propõe ensinar em forma de frase

de efeito. Está diretamente relacionada com o propósito do sermão, ou seja, com

os objetivos que você deseja alcançar. É o resumo do sermão numa só frase bem

redigida, de tal maneira que fique coerente, eloqüente e poderosa. Deve ser curta,

afirmativa e vibrante.

A proposição é a expressão que vai dar o alicerce do sermão. Ela deve

estar tão relacionada com o propósito geral a fim de que possa ser repetida em

qualquer parte do sermão. Quando repetida nas divisões principais, tem um

efeito poderoso. Um sermão sobre a salvação pela fé poderia ter a seguinte

proposição: ''A salvação depende não do que você faz, mas do que Deus faz por

você". Essa frase pode ser repetida várias vezes durante o sermão, dando beleza,

força e unidade ao sermão.

A proposição pode ser usada na transição da introdução para o corpo do

sermão e repetida na transição das divisões principais. Algumas vezes pode ser

usada na expressão final do sermão. Se for uma boa frase, essa repetição causará

um efeito poderoso. Num sermão cuja idéia central era ''A Promessa Inexplicá­

vel", usei a seguinte proposição repetida em todas as transições do sermão: ''As

promessas de Deus não foram feitas para dar explicações, mas para dar conforto e

esperança". Essa proposição foi também a sentença final do sermão. No exemplo

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o tesouro escondido no texto • 223

"Os Clientes da Igreja", usei a seguinte proposição também repetida nas transi­

ções: "Cada pecador é um cliente que precisa ser bem atendido pela igreja".

Faça aplicação prática

O passo seguinte é a aplicação. Imagine o conteúdo do texto na vida das pessoas

de hoje, no lugar em que estamos e em situações familiares ao ouvinte. Descreva as

soluções e as respostas que o texto traz para os problemas de hoje. Esse tópico da

aplicação será analisado com mais detalhes no último capítulo.

Uma vez que o texto foi profundamente explanado e aplicado no corpo

do sermão, é hora de pensar na introdução e na conclusão. O próximo capítulo

analisa a introdução.

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Capítulo 19

Os primeiros cinco minutosdo sermão

"Você nunca tem uma segunda chance de causar

umaprimeira impressão!"

DUANE LITFIN

Dizem que a primeira impressão é a que permanece. Q1ler isso seja ver­

dade ou não em outras áreas, no sermão, a primeira impressão exerce

um papel decisivo, e geralmente irreversível. Ou seja, se não aproveitar

bem os primeiros minutos do sermão, você não terá uma nova chance de começar

de novo! O título desse capítulo fala dos primeiros cinco minutos, referindo-se à

introdução como um todo. Mas na realidade, o desafio inicia nos primeiros se­

gundos do sermão, assim que você começa a falar. Geralmente, a chegada ao púl­

pito é o único momento do sermão em que o pregador tem quase cem por cento

de atenção, pois todos querem avaliar o pregador e o sermão. Esse é um momento

de ouro, que pode ser aproveitado ou desperdiçado para sempre. Infelizmente

muitos pregadores não percebem o potencial desse momento e literalmente jo­

gam fora esses minutos de ouro falando coisas comuns, óbvias, irrelevantes, desin­

teressantes, monótonas ou desnecessárias.

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226. a mensagem

Portanto, um bom sermão deve abrir o apetite mental do ouvinte nas pri­

meiras palavras. Assim que começa a mensagem, o bom pregador deve lançar

palavras aperitivas, que deixam o ouvinte com "água na boca" para ouvir o sermão.

São essaspalavras aperitivas que vão cativar a atenção do ouvinte e criar expecta­

tiva quanto ao sabor do sermão. Por isso, a introdução é tão importante. Se não for

bem-feita, o sermão pode parecer seco e sem sabor, e fazer que o ouvinte perca o

apetite no primeiro momento.

Em outras palavras, em todo sermão, só há uma oportunidade de fazer uma

boa introdução. Se errar o primeiro tiro, a caça está perdida. Ou seja, se errar as

primeiras palavras, é muito difícil consertar a introdução. Como diz o pensamen­

to acima: "Você nunca tem uma segunda chance de causar uma primeira impres­

são!". Há alguns recursos que podem tornar a introdução um saboroso aperitivo.

Vamos conhecer os segredos que abrem o apetite para o sermão.

Características da boa introdução

Todos os objetivos da introdução resumem-se numa só frase: conquistar o audi­

tório. Para isso, a introdução deve ganhar a simpatia dos ouvintes e despertar

interesse pelo tema, desafiando o pensamento do ouvinte. Se o pregador não con­

seguir isso na introdução, é quase impossível consegui-lo depois. Ou como dizia

Sangster: "O pregador deve certificar-se de que as sentenças iniciais do sermão

possuam 'garras de ferro' para prenderem de imediato a mente de seus ouvintes".'

Meu professor dizia que a introdução deve "assaltar" a atenção dos ouvintes,

de maneira tal que os deixe eletrizados para o sermão. Fazer isso com eficiência e

sem exageros inconvenientes é uma arte que poucos conseguem dominar. Anali­

semos as características de uma boa introdução.

Atratividade

Por tudo que já foi dito, a introdução tem obrigação de ser atraente e interessante

para despertar a atenção do público. Se não for interessante, é melhor não haver

1 James Braga, Como preparar mensagens bíblicas, p. 92.

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os primeiros cinco minutos do sermõo • 227

introdução, porque ela com toda certeza vai fazer exatamente o efeito contrário.

Ou o ouvinte se interessa pelo assunto, ou se desinteressa. Não há meio termo.

Ouvintes meio interessados são ouvintes desinteressados.

Por isso, a introdução é considerada o ponto estratégico do sermão, para não

dizer o ponto mais importante. Não adianta o sermão ser poderoso, se o ouvinte

não for conquistado para ouvi-lo. Aliás, diga-se de passagem que não existe

sermão poderoso sem introdução poderosa! Ou a introdução torna o sermão

simpático ou o torna antipático. Ou o ouvinte pensa consigo: "Quero ouvir esse

assunto", ou diz: "Isso não me interessa".

Objetividade

A introdução não tem de explicar o sermão, mas precisa, pelo menos, explicar-se

a si mesma, ou seja, ter uma razão de ser. Para isso, tem de ser objetiva e vincular­

se ao tema do sermão, para servir de ponte entre a atenção do auditório e o assunto

do sermão.

Quando fiz o curso de oratória no seminário, cada aluno deveria fazer um

sermão de cinco minutos, aplicando todas as técnicas aprendidas. Lembro-me de

um colega que se dirigiu ao púlpito com uma caixa embrulhada em papel de

presente. Imediatamente, atraiu a atenção de todos. Nota dez para o impacto da

introdução. Mas ele começou o sermão e não falou na caixa de presente. Por

algum tempo conseguiu manter a expectativa dos ouvintes, pois todos queriam

saber o que havia dentro da caixa. Ele continuou no corpo do sermão e desenvol­

veu suas idéias sem falar sobre o pacote em cima do púlpito. Finalmente, termi­

nou o sermão, fez o apelo, pegou o presente e sentou, sem fazer nenhuma referência

sequer ao pacote de presente. No meio da pregação, alguns colegas já estavam

distraídos, prestando mais atenção ao presente que ao sermão, e vários outros já

começavam a rir e olhar uns para os outros. Diga-se de passagem que nós éramos

o pior tipo de auditório que qualquer orador pode ter: um grupo de estudantes

de Oratória com um papel e uma caneta na mão, prontos para criticar cada erro

do orador! Naturalmente o fato se tornou motivo de brincadeira entre os colegas.

Mas esse incidente ilustra a necessidade de objetividade na introdução. Nesse

caso, faltou sentido, explicação ou ligação com o tema do sermão.

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228. a mensagem

Concisão

Aqui entra a capacidade de síntese como qualidade do orador. Se há um ponto do

sermão em que o pregador não pode ser prolixo, é a introdução. Se em todo o

sermão ele deve ser objetivo e conciso, na introdução ainda mais, porque se não for

direto ao ponto, o ouvinte percebe que ele rodeia e perde o interesse. Portanto,

não deve haver nenhum elemento supérfluo, ou seja, deve ficar fora tudo que não

for indispensáveL Isso é válido mesmo para uma história interessante, que, aliás,

para ser interessante não pode conter detalhes irrelevantes ou que não estejam

relacionados com o objetivo principaL Como disse Voltaire: "O segredo para a

gente ser enfadonha é contar tudo".2

Brevidade

Mesmo sendo interessante e concisa, a introdução não deve ser longa, pois o ouvinte

pode ficar sem saber aonde o pregador quer chegar. Talvez pudéssemos comparar

a introdução a uma pedrada, que, em poucos segundos, chama a atenção, causa

impacto, quebra a vidraça, mostra o que há no interior do aposento e desaparece.

Ninguém vê mais a pedra, todos ficam olhando para o aposento!

Note que uma pedrada na vidraça tem o poder de acordar todos os que

estiverem dormindo nas proximidades e fazer que todos olhem na sua direção.

Assim deve ser a introdução: tem de acordar os dorminhocos. Agora, se você ficar

meia hora atirando pedras na parede sem acertar a vidraça, todo mundo se acostu­

ma com as pedradas, e elas já não causam mais impacto (e ainda há o perigo de

você acabar acertando o ouvinte). Em outras palavras, a introdução deve durar só

o suficiente para conquistar a atenção e introduzir o assunto.

Modéstia

Cuidado para não fazer promessa de alguns políticos na introdução, ou seja, pro­

meter o que não vai falar. Em vez de exagerar e dar a impressão de arrogância, seja

modesto, deixe que o conteúdo fale por si mesmo e demonstre consistência. Não

2 Leon Fletcher, Comofalar como um profissional, p.31.

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os primeiros cinco minutos do serrnóo • 229

diga, por exemplo: "Hoje vou falar tudo que vocês precisam saber sobre as profe­

cias"ou "hoje vamos esgotar a doutrina do novo nascimento". Em vez disso, diga:

"Hoje vamos abordar alguns aspectos da profecia bíblica" ou: "o novo nascimento

tem três pontos fundamentais", e assim por diante.

Bom senso

A introdução tem de ser coerente com o tema, com a congregação e com o espírito

cristão. Não fica bem numa igreja usar na introdução elementos seculares incon­

venientes. Certa ocasião, ouvi um pregador introduzir um sermão sobre Apoca­

lipse, colocando no serviço de som da igreja a música ''Apocalipse'', do cantor

secular Roberto Carlos. Embora tenha conseguido o efeito de atrair a atenção,

causou desconforto em vários membros mais tradicionais por usar música popular

no sermão, ferindo assim a sensibilidade espiritual da maioria da congregação.

Por outro lado, ouvi um pregador usar o mesmo recurso de maneira apro­

priada. Era um acampamento de jovens num local neutro, não religioso, e ele

introduziu a mensagem usando a música "Tema da Saudade", em memória do

piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna, para falar sobre a brevidade da vida. O efeito

foi positivo. Tudo depende do bom senso e da sensibilidade espiritual.

Clareza

O ouvinte não tem de fazer força para entender a introdução. Afinal de contas, é

a introdução que deve conquistá-lo, não ele conquistar a introdução. Não é con­

veniente usar argumentos difíceis nem uma complicada linha de raciocí­

nio. Também não se devem usar palavras difíceis, que façam o ouvinte precisar

de um dicionário para entender. A introdução tem de ser clara nas palavras,

clara nas idéias e clara nas intenções. Não use ilustrações com objetos desco­

nhecidos ou alguma lei científica difícil de entender. Seja claro e simples.

Planejamento

Mais uma vez o preparo é fundamental. Alguns pregadores têm a ingenuidade de

preparar o corpo do sermão e deixar a introdução para o improviso. Não faça isso

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230. a mensagem

nunca. Recomenda-se de fato preparar a introdução por último, quando já tiver

pronto o sermão, para saber que rumo dar à introdução, mas ela precisa estar bem

preparada, pois é a parte do sermão em que você precisa demonstrar a maior

segurança possível, para ganhar a confiança do ouvinte.

Haddon Robinson afirma que o pregador "deve aproveitar ao máximo suas

primeiras vinte e cinco palavras para prender a atenção'", porque elas decidem o

sucesso ou o fracasso do sermão. Isso significa que não sobra espaço para agra­

decimentos nem homenagens, porque as primeiras 25 palavras devem ser a "pe­

drada" que vai "assaltar" a atenção do ouvinte. Ou como dizia meu professor: "Se

não obtém a atenção dos ouvintes nos primeiros 60 segundos, você pode não

conseguir mais". Por isso, planeje bem as suas primeiras 25 palavras!

o que evitar no introdução

Pedir desculpas

Se você não se preparou bem, então não fale. Se falar, não peça desculpas. Essa

história de dizer que recebeu o convite de última hora ou que houve um impre­

visto e não deu tempo de preparar-se é desculpa esfarrapada que surte efeito

negativo. No fundo, o auditório percebe que você não o considera suficiente­

mente importante para tirar tempo e preparar-se.

O pior é que alguns pregadores ainda cometem um erro duplo ao dize­

rem: "Segundo os especialistas em oratória, não se deve pedir desculpas. Mas

vou abrir uma exceção e pedir que os irmãos me perdoem...". Além de cometer

um erro grave, ainda informa ao auditório que o erro é premeditado.

Pedir desculpas pode até fazer que o auditório tenha dó de você, mas não

consegue a atenção dele. Pelo contrário, é um aviso ao auditório de que o ser­

mão não vai prestar, porque não está preparado, e o que não se prepara não é

bom. É um convite ao desvio de atenção imediato. Se você não está preparado,

deixe que o auditório descubra por si mesmo. Se houver conteúdo, pode até ser

que o ouvinte não fique sabendo do seu despreparo.

3 Haddon W. Robinson, A Pregação Bíblica, p.lOS.

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os primeiros cinco minutos do sermõo • 231

Sensacionalismo

Alguns pregadores parecem sentir necessidade de referir-se às últimas manchetes

dos jornais ou a personalidades famosas como artistas de televisãoe líderes políticos,

a fim de tomar sensacional a mensagem. Isso não passa de uma tentativa de preen­

cher um conteúdo vazio, e a pregação não precisa disso. Às vezes dá a impressão

de que o orador quer usar a fama de alguém para dar prestígio ao sermão ou para

exibir o próprio prestígio. Lembre-se de que o prestígio do sermão vem da Bíblia.

Referências a celebridades podem ser úteis se envolvem fatos que realmente ilus­

tram o tema do sermão, e não pelo simples fato de serem celebridades.

Piadas

o humor refinado é um excelente recurso na comunicação e pode ser usado com

eficiência pelo pregador. Fatos bem-humorados a respeito do próprio pregador

ou do auditório surtem bom resultado, mas esse humor deve ser equilibrado. O

púlpito nunca deve ser usado para piadas vulgares ou anedotas, ou qualquer tipo

de vulgaridade que comprometa o bom nível de um ambiente sagrado.

Falsa humildade

No passado, a falsa humildade era uma técnica da boa oratória. Silveira Bueno,

por exemplo, cita como modelo de boa introdução um discurso de Coelho

Neto que começa assim: "Mui piedosamente iniciaste a vossa obra de miseri­

córdia, escolhendo-me para seu pregoeiro... Outros exporiam com mais

eloqüência..."Tsso fez muito sucesso no tempo de Coelho Neto, hoje não.

Infelizmente, alguns pregadores ainda estão nesse tempo e começam seus

sermões dizendo: "Diante de tantas pessoas capazes, não sei por que fui o escolhido

para falar" ou "eu, o mais humilde e sem preparo de todos os presentes...". Hoje,

esse tipo de colocação soa como pedantismo e falsidade. Portanto, seja humilde,

mas não precisa anunciar isso. Quando a humildade realmente existe, ela aparece

naturalmente. Se a humildade precisa ser anunciada, é porque não existe.

4 Silveira Bueno, A arte defalar em público, p.66.

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232. a mensagem

Jargões e expressões rotineiras

Se quiser matar a introdução e perder toda a atenção do ouvinte, comece usando

as mesmas frases surradas que todo mundo já usou um milhão de vezes. Veja

alguns exemplos de frases destruidoras da atenção: "Não tenho palavras para ex­

pressar a minha satisfação..." - todo mundo sabe que não é verdade e que você diz

isso porque não tem palavras para expressar coisa nenhuma -; "sinto-me honrado

em poder ocupar esse púlpito..." - mesmo que seja verdade, o povo já não acredita

mais, porque todo mundo diz a mesma coisa, e o povo já percebeu que isso serve

só para preencher espaço.

Da mesma forma, evite ditados populares excessivamente comuns, que só

causaram impacto na primeira vez que foram ditos. Por exemplo: "Quem não

comunica se trumbica" ou ''A união faz a força", e assim por diante.

Dogmatismo

No momento em que você se posiciona, definindo sua opinião sobre um assunto

polêmico, instantaneamente divide o auditório. Por isso, deve deixar a tomada de

posição, se for necessária, para a conclusão do sermão ou discurso, depois de uma

sólida argumentação que justifique sua posição. Na introdução, isso cria um cli­

ma desfavorável para a argumentação.

Se, por exemplo, você vai mostrar o ponto de vista da igreja sobre o divór­

cio, não comece dizendo que a igreja é contra o divórcio. Introduza o assunto

de maneira discreta e depois argumente com equilíbrio, sem radicalismo, apre­

sentando o princípio bíblico. A mesma coisa sobre aborto, jugo desigual, casa­

mento com descrentes, e assim por diante.

Tipos e formas de introdução

Existem basicamente dois tipos de introdução: a direta e a indireta. A direta é aquela

que declara sem rodeios o objetivo do discurso ou do sermão. A indireta é aquela que

utiliza alguma ilustração ou outro recurso para servir de ponte para o tema a ser

abordado.5Analisemos alguns exemplos de introdução direta e de indireta.

5 Ignez B. C. D'Araújo, Oratória eficiente de hoje, p.77.

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os primeiros cinco minutos do serrnóo • 233

Tipos de introdução direta

Introdução ousado

o pregador entra diretamente na idéia central, sem preparação, mas com ousadia,

de maneira que surpreende o auditório. É um tipo difícil de prender a atenção

porque o assunto precisa ser realmente interessante, ou ser dito de maneira inte­

ressante para poder causar impacto. Por exemplo, o pregador poderia começar

assim: "Hoje vou falar sobre a doutrina mais importante da Bíblia". Essa afirma­

ção causa impacto, porque desperta curiosidade imediata. Todo mundo quer sa­

ber qual é a doutrina mais importante. Antes de dizer qual é a doutrina, ele pode

começar a citar argumentos atraentes para provar que ela é realmente a doutrina

mais importante. Certamente uma introdução assim serviria bem para um sermão

sobre a doutrina da salvação.

Introdução temótica

Essa já começa explicando a importância do tema. Para ficar interessante, não

basta se referir ao assunto, mas precisa usar frases de efeito para tornar o assunto

atraente. Por exemplo, para um sermão sobre a honestidade, o pregador poderia

introduzir assim: ''A honestidade é a marca do cristão. É impossível ser cristão e

desonesto ao mesmo tempo". Isso pode soar como uma agressão ao auditório e,

por isso mesmo, vai chamar a atenção, mas o pregador tem de ser habilidoso

para aliviar a tensão, talvez provando isso com argumentos atraentes.

Introdução textual

o pregador inicia direto com a leitura de um texto bíblico. Essa introdução pare­

ce não ser atraente. Contudo, é bom lembrar que uma leitura bíblica bem-feita,

com boa voz e entonação, possui um elemento de poder por ser a Palavra de Deus.

Esta por si só é respeitada como a voz de Deus. Essa leitura tem de ser seguida de

um comentário interessante e diferente sobre o texto lido, para manter presa a

atenção/Essa introdução também pode começar com uma citação, pensamento

ou provérbio, mas é preciso que seja algo realmente interessante.

6 Horne P. Silva, Oratória sacra, p.117-118.

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234. a mensagem

Tipos de introdução indireta

Introdução circunstancial

Essa introdução se dirige às circunstâncias em que o sermão é proferido, como o

local, as pessoas ou a própria ocasião da reunião. Por exemplo: ''Alguns anos atrás

eu fazia parte deste auditório". Essa é uma referência ao local e pode ser comple­

tada com possíveis comparações entre o momento atual e a época anterior.

Um exemplo de referência à data ou à ocasião poderia ser: "Hoje se comemora

a independência do Brasil".Essa afirmação pode ser completada com algum tipo de

comparação entre a independência e o tema a ser apresentado. Uma referência dire­

ta às pessoas do auditório poderia vir em forma de pergunta: "Quantos aqui são

alunos desta escola?"ou "quantos pertencem a esta igreja há mais de cinco anos?".

Em ambos os casos, um discreto elogio pode servir de transição para o tema.

Introdução histórico

Essa introdução poderia ser uma referência à época ou à região em que foi escrito

o texto a ser usado. Difere da introdução textual pelo fato de a história vir antes

do texto. É preciso ter cuidado porque temas históricos tendem a ser meio cansa­

tivos. Para ficar interessante, deve haver elementos de comparação entre a história

e o presente. Por exemplo: antes de falar das bodas de Caná, você pode contar

como era o casamento na Palestina daquela época. Só que, para ficar interessante,

procure inserir termos como marcha nupcial, véu e grinalda, etc., para estabelecer

uma relação entre o passado e o presente, a fim de que o ouvinte não perca o

interesse. Lembre-se de que o propósito supremo da introdução é conquistar o

auditório, e, para isso, você precisa utilizar todos os recursos da comunicação.

Introdução com suspense

Aqui o pregador usa números e informações incomuns para causar impacto e

suspense na congregação. O objetivo é fazer afirmações diferentes que surpreen­

dam como, por exemplo: "Cada minuto, cinco crianças morrem de fome no

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os primeiros cinco minutos do sermõo • 235

Brasil". Ou: "De cada dois casamentos hoje, um termina em divórcio". Tenha o

cuidado de usar fontes fidedignas para não cair no ridículo. Como no Brasil não

existem muitas estatísticas, esse tipo de introdução depende muito de dados do

exterior, o que pode não ser muito interessante.

Killinger relata a introdução de um pregador que começou dizendo assim:

''A igreja deve ir para o inferno! Isso mesmo: para o inferno!" Depois acrescenta:

''A igreja deve ir para o inferno do sofrimento humano, da fome, da miséria e da

marginalidade a fim de levar o conforto e a esperança do evangelho!" A partir daí,

pregou um poderoso sermão missionário. Esse tipo de suspense, ou de choque,

cristaliza a atenção dos ouvintes,"

Introdução centralizado num problema

Você pode começar o sermão levantando um problema, ou alguns problemas,

para então falar de possíveis soluções. Se usar problemas comuns à maioria das

pessoas, certamente vai prender a atenção de todos. Você poderia começar, por

exemplo, dizendo assim: "Ontem recebi meu salário, e hoje o dinheiro acabou". E

com um pouco de bom humor, você poderia acrescentar: "Isso já aconteceu com

vocês alguma vez na vida?". Esse tipo de comentário tem uma vantagem adicional,

pois, quando o orador brinca com si mesmo, demonstra uma abertura pessoal que

tende a conquistar a confiança do auditório. O ouvinte sente que o orador não

está num pedestal de superioridade, mas sofre os mesmos problemas que qual­

quer outra pessoa, sendo, portanto, igual a todos.

Outro exemplo pode ser: "Uma das doenças mais comuns hoje é a "depres­

são", e então descrever os sintomas ou conseqüências de um estado depressivo,

para depois entrar no tema bíblico que ofereça possíveis soluções. O pregador

também pode começar dizendo: "Na semana passada, recebi um telefonema comu­

nicando a morte de um grande amigo", depois descrever o sofrimento dos familia­

res e em seguida apresentar o conforto bíblico. 8

7 John Killinger, Fundamentais oipreaching, p. 87.

8 Idem, p.90.

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236. a mensagem

Introdução ilustrativo

Em certo sentido, toda introdução é ilustrativa. Mas aqui diz respeito à ilustração

como história, incidente ou experiência. Há livros e livros que contêm centenas e

até milhares de ilustrações para sermões. Essas ilustrações publicadas são úteis

para o principiante, mas é preciso ter cuidado por vários motivos. Primeiro, por­

que as melhores ilustrações desses livros, todo mundo já conhece. Segundo, por­

que histórias contadas por terceiros muitas vezes ficam distantes do interesse

imediato das pessoas. Contudo, é possível encontrar boas histórias que podem dar

excelentes ilustrações para a introdução.

Introdução com entrevisto

Começar um sermão entrevistando alguém pode ser uma maneira poderosa de

atrair a atenção. Pessoalmente, gosto de usar esse método e acho que o resultado

é positivo. As pessoas gostam de ouvir sobre outras pessoas, e uma entrevista

funciona como uma ilustração ao vivo. Se for um sermão missionário, por exem­

plo, você pode entrevistar uma pessoa sobre a experiência da conversão dela. Um

sermão sobre educação cristã pode começar com a entrevista de uma criança. Se

for sobre a volta de Jesus, o sermão pode começar com a entrevista de um idoso,

perguntando há quanto tempo ele aguarda a volta de Jesus, e assim por diante.

Introdução com pergunto

Uma boa maneira de introduzir o sermão é fazer perguntas direcionadas ao audi­

tório, buscando respostas relacionadas com o tema do sermão. Alguns autores

tradicionais condenam essa forma de introdução, mas a comunicação é dinâmica

e muda com o tempo. Hoje as pessoas gostam de participar das palestras e ser­

mões, e isso traz um efeito positivo no aproveitamento da mensagem.

É claro que as perguntas devem ser planejadas e bem-feitas para evitar res­

postas inconvenientes e embaraçosas. As melhores perguntas são aquelas que já

oferecem as opções de resposta, a fim de prevenir surpresas desagradáveis. Um

sermão sobre ajustificação pela fé, por exemplo, poderia começar com a pergunta:

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os primeiros cinco minutos do sermõo • 237

"Seremos salvos no futuro ou já estamos salvos?". Embora poucos respondam,

toda a igreja tende a pensar no assunto, e o pregador tem a atenção imediata para

apresentar a realidade da salvação já no tempo presente.

Em suma, saber começar bem o sermão é uma arte rara. A outra arte rara é

saber terminar bem o sermão, e esse é o tópico do próximo capítulo.

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Capítulo 20

Os últimos minutos do sermão

"Qualquer coisa cujapresença ouausência

nãofaça diferença não é essencial. "

ARISTÓTELES

O que é mais difícil: começar bem ou terminar bem? Duro de respon­

der, pois tanto a introdução como a conclusão exigem arte e habili­

dade. Mas, supondo que você conseguiu começar bem o sermão, fica

mais fácil terminar, pois você estará com o auditório na mão e tem todas as ferra­

mentas para conduzi-lo a um "final feliz". Ao contrário, se começou mal, quanto

mais cedo terminar será melhor e mais fácil, pois você não vai conseguir corrigir a

introdução ou todo o sermão com a conclusão.

Se os primeiros minutos do sermão devem ser de impacto, os últimos devem

ser de reflexão. Se os primeiros minutos devem atrair a atenção do ouvinte, os

últimos devem atrair a decisão do ouvinte. Se a introdução deve levar o ouvinte ao

sermão, a conclusão deve fazer que o ouvinte leve o sermão consigo! Por isso, os

últimos minutos do sermão são tão importantes e cruciais como os primeiros.

A conclusão do sermão funciona como uma sobremesa. Um bom almoço sem­

pre vem acompanhado de uma boa sobremesa, e quanto melhor o almoço geral­

mente melhor é a sobremesa. A sobremesa não é um acréscimo ao almoço, como se

o alimento tivesse sido insuficiente. Pelo contrário, após todos estarem servidos,

ela vem como um saboroso encerramento do almoço, apenas para os convidados

saírem com aquele gostinho doce na boca.

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240. a mensagem

Mas para que os ouvintes saiam sentindo o sabor doce da refeição espiri­

tual, a sobremesa precisa ser saudável e deve ser ingerida em pequena quanti­

dade, pois o excesso traz sensação de mal-estar. Da mesma forma, a conclusão

deve ser curta, pois, se for prolongada, o ouvinte vai experimentar literalmente a

sensação de mal-estar.

Assim como a introdução, a conclusão deve ser bem planejada. O pregador

deve pensar exatamente em qual reação espera do auditório, e então escolher expres­

sões fortes que impressionem °ouvinte. Às vezes, o pregador prepara o sermão e,

por falta de tempo, deixa a conclusão para o improviso. Isso põe a perder todo o

efeito do sermão.

Partes da conclusão

O homem mais sábio que o mundo já conheceu deu um show na conclusão de um

de seus livros. Veja como Salomão encerrou o livro de Eclesiastes: "De tudo o que

se tem ouvido, a suma é:Teme a Deus e guarda os seus mandamentos porque isto

é o dever de todo homem" (Ec 12.13). Salomão utilizou as duas partes essenciais

da conclusão: resumo e apelo. A conclusão não deve passar disto: concentrar tudo

que foi dito em uma ou duas sentenças marcantes e desafiar o ouvinte para a ação.

A exemplo do que fez Salomão, a conclusão divide-se em duas partes, ambas

expressas em frases breves e curtas, ou curtíssimas, de preferência. Em alguns

casos, as duas partes podem ser apenas duas frases, se forem frases de efeito bem

escolhidas. Seja como for, são só duas partes, ou melhor, no máximo duas partes,

porque eventualmente uma delas pode ser omitida. Vejamos.

Resumo aplicativo

O resumo é faca de dois gumes. Se não estiver bem-feito, pode dar a impressão de

repetição, o que fica cansativo. Algumas vezes, pode até ser omitido, dependendo

da força do sermão. Contudo, didaticamente é recomendável o resumo porque

ajuda a organizar na mente do ouvinte as idéias apresentadas no sermão.

Não é bom repetir as idéias do sermão com as mesmas palavras, a menos que

seja um sermão doutrinário, em que se pretende fixar na memória os pontos

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os últimos minutos do sermõo • 241

principais. A melhor maneira de tornar o resumo eficaz é misturá-lo com uma

aplicação. É o que chamamos de resumo aplicativo.

Por exemplo: num sermão cujo tema é "A fé remove montanhas", em que

o pregador apresentou exemplos bíblicos de orações atendidas na vida de Ester,

Pedro e Paulo, o resumo aplicativo poderia ser assim: "As montanhas removidas

na vida de Ester, Pedro e Paulo lhe dizem que Deus também deseja remover as

montanhas da sua vida!". Numa só frase, você resumiu e aplicou. Também faria

um bom efeito mencionar especificamente alguns problemas do auditório, os

quais Deus pode remover.

Apelo

Após um bom resumo aplicativo, só falta uma coisa: um bom e curto apelo.

Nenhum sermão deve terminar sem apelo, ainda que seja um apelo à reflexão.

Apelo não significa necessariamente convidar todos para vir à frente, mas sim

convidar todos para agir. O objetivo de todo sermão é levar o ouvinte à ação;

por isso o sermão precisa terminar desafiando-o a uma tomada de atitude.

No exemplo da fé citado acima, um apelo breve poderia ser este: "Não se

deixe esmagar sob o peso das montanhas de problemas. Deus sabe o que fazer

com elas. Dê a Deus uma chance de resolver o seu problema. Amém". E após

o "amém", não diga mais nenhuma palavra. Feche a Bíblia e sente-se. Qual­quer coisa a mais que disser destruirá o impacto do apelo.

Diga-se de passagem que a primeira e a última frase do sermão são as de

maior impacto. Devem ser bem planejadas e estar na ponta da língua, e você

deve proferi-las sem olhar no papel.

Cuidados na conclusão

Muitos dos princípios da boa introdução aplicam-se também à conclusão. Os

cuidados com a brevidade, concisão, clareza e bom senso empregam-se da mesma

maneira na introdução e na conclusão. Também não se deve pedir desculpas nem

usar expressõesrotineiras. Contudo, alguns detalhes adicionais são especificamente

apropriados à conclusão e não devem ser esquecidos. Vejamos alguns deles.

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242. a mensagem

Não anuncie a conclusão

Uma vez ouvi um pregador repetir seis vezes a expressão: "Para terminar..." Da

terceira vez em diante, os ouvintes já se entreolhavam e perguntavam: "Será que

agora ele termina mesmo?" Alguns pregadores ficam olhando para o relógio e

prometendo que vão terminar. Nunca faça isso. Anunciar a conclusão destrói

qualquer efeito que ela poderia ter sobre o auditório. O ouvinte imediatamente

desliga a atenção, porque pensa ou sente que o conteúdo do sermão já terminou.

Alguns pregadores parecem sentir-se frustrados porque não conseguiram alcan­

çar o objetivo durante o sermão e começam a querer salvar a situação na conclusão.

Não adianta mais. Qualquer demora aumenta o fracasso. Alguns anunciam que vão

concluir e se perdem em repetições. Não resolve: se os ouvintes não absorveram

durante o sermão, muito menos agora que estão cansados.

Conclua na hora certa

Vocêjá ouviu algum sermão em que os ouvintes começam a dizer "amém" para ver

se o pregador desconfia que está na hora de terminar? Pois é, alguns pregadores

ficam "rodeandoJericó sete vezes" e não conseguem derrubar o muro. Sabem por

que isso acontece? Porque terminar é tão difícil quanto começar. Terminar é uma

verdadeira arte, e poucos conseguem aprendê-la bem. Quando chegar ao clímax

do sermão, não fale mais do que poucas frases de encerramento. Mas de encerra­

mento mesmo, não de passatempo!

Por falar nisso, quanto tempo deve durar um sermão? A extensão do sermão

depende do tipo de reunião, do conforto do ambiente e da habilidade do pregador.

O problema é que todo pregador acha que é habilidoso! Portanto, uma recomenda­

ção segura é a seguinte: para os pregadores mais habilidosos e os ambientes mais

confortáveis, um bom sermão não deveria passar de 30 minutos. Qualquer tempo

além disso é um risco que o pregador decide se quer correr ou não. Só que o risco é

tanto para o pregador como para os ouvintes, que são os que pagam o preço quando

o sermão se toma cansativo e enfadonho.

Agora, há sermões curtos que parecem longos e há sermões longos que pare­

cem curtos. Os sermões que parecem curtos têm movimento e variedade. Eles

variam da razão para a emoção, do argumento para a ilustração, do íntimo para o

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os últimos minutos do sermõo .243

entusiasmo. De acordo com john Stott, a regra ideal seria: todo sermão deveria

dar a sensação de que não passou de 20 minutos, mesmo que ele seja bem mais

longo! Por isso, o pregador precisa ter sensibilidade e autocrítica para planejar os

seus sermões de maneira que eles façam o efeito mais positivo no ouvinte.

O ouvir obedece a uma curva ascendente: a curva da atenção. O aproveita­

mento cresce até o ponto mais alto da curva. A partir desse ponto, o beneficio se

transforma em prejuízo, ou seja, à medida que a curva desce vai destruindo o efeito

do que foi dito até o ponto mais alto. Para os bons sermões, o ponto alto da curva é

atingido entre 25 e 30 minutos! Como disse Floyd Bresee, Ph.D. em Pregação

Bíblica: "Se o sermão se prolongar demais, os adoradores vão deixar a igreja em

piores condições do que quando entraram, isto é, zangados! A regra final é: Pare

enquanto os ouvintes desejam que haja mais, e não quando desejarem que tivesse

havido menos. Pare de pregar antes que as pessoas parem de ouvir!"

Não inclua matéria estranha

Qualquer idéia nova, que não foi apresentada no sermão, é matéria estranha e

não deve ser apresentada na conclusão. Você pode até usar uma ilustração ou

pensamento, mas tudo deve estar ligado ao assunto apresentado. Às vezes, o

pregador sente que o sermão não alcançou o objetivo e tenta pregar um novo

sermão na conclusão, acrescentando assuntos diferentes. Em vez de um, serão

dois fracassos.

Jamais faça agradecimentos, anúncios, elogios ou qualquer outro comentá­

rio na conclusão. Nada de fazer promoções, campanhas ou divulgar novos pla­

nos e metas. Também não faça referência a nenhum visitante ilustre. Todo o

sermão, e especialmente a conclusão, deve ser exclusivamente para motivação e

crescimento espirituaL

Sugestões sobre a forma de concluir

Ilustrações

Alguns recursos ou idéias ajudam a variar a forma de conclusão de um sermão

para outro. É bom que se cultive essa variedade. Uma ilustração marcante e breve

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244. a mensagem

pode ser uma boa forma de aplicar o sermão à vida das pessoas e então partir para

o apelo. O poder da ilustração dispensa comentários, mas, na conclusão, ela pre­

cisa ser viva, curta e objetiva.

Testemunhos

Outra forma interessante pode ser o uso de um testemunho pessoal, ou do prega­

dor ou de alguém da congregação cuja experiência se relacione com o tema do

sermão. Aqui é preciso bastante cuidado. Jamais entregue o microfone a outra

pessoa na conclusão do sermão. Você mesmo deve relatar a experiência da pessoa

e então apresentá-la como um testemunho vivo do poder de Deus.

Numa semana de oração, certa vez, cometi esse erro. Na hora do apelo,

relatei a experiência da conversão de uma pessoa, apresentei-a à congregação e

dei-lhe o microfone para que dissesse umas poucas palavras. As poucas pala­

vras demoraram 15 minutos, com histórias sem sentido, algumas em tom de

comédia, provocando gargalhadas no auditório. Eu tentava recuperar o micro­

fone, mas ela pedia licença, criando uma situação constrangedora. Resultado:

destruiu todo o efeito do apelo e do sermão. Saiu caro, mas aprendi a lição.

Orações

Algumas vezes você pode terminar com uma oração de consagração ou pedir

que aspessoas façam uma oração silenciosa.Outras vezes pode convidar as pessoas

a vir à frente ou pedir que se ajoelhem onde estão. Uma oração intercessória

pela congregação ou pelas famílias da igreja causa um impacto positivo na

vida dos ouvintes.

Músicas

Um hino de apelo, cantado com solenidade, em harmonia com o tema, é uma das

formas mais tocantes de concluir um sermão. Vocêpode convidar a congregação a

uma reflexão enquanto se ouve a melodia de um hino. A música tem um poder de

penetração muito forte, e esse recurso deve ser usado para comunicar a mensagem

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os últimos minutos do sermõo .245

e para ajudar o ouvinte a aceitá-la. Uma boa melodia sensibiliza o ouvinte e o

predispõe a tomar uma decisão.

Eventualmente você pode convidar os ouvintes a tomarem uma decisão e

se levantarem durante a música, ou mesmo a se ajoelharem enquanto a música

é cantada. Após a música, não convém multiplicar palavras. Geralmente uma

frase final de apelo ou mesmo uma pequena oração são suficientes para com­

pletar a conclusão.

Frases de efeito

Finalmente, uma frase de efeito para motivar o ouvinte surte excelente resultado.

Aliás, todo sermão deveria terminar com uma sentença final marcante que impres­

sione e faça pensar, pois "qualquer que seja o conteúdo dos últimos parágrafos, o

sermão no seu conjunto tem que conduzir à sentença final, que deve sobressair

mais clara e poderosamente do que toda e qualquer outra sentença do texto". 1

Às vezes, a frase final pode ser o próprio tema numa proposição que resume

todo o pensamento do sermão. E após a frasefinal, nenhuma palavradeve ser profe­

rida. Nada de cumprimentos ou agradecimentos. Qualquer coisa que se diga nesse

momento destrói a força do apelo. Deixe o ouvinte sair pensando na mensagem.

Um elemento da conclusão que permeia também o corpo do sermão é a

aplicação prática da mensagem. Esse é um ponto delicado do sermão, conforme

veremos no próximo capítulo.

1 Andrew W. Blackwood, A preparação de sermões, p.179.

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Capítulo 21

Como aplicar sem complicar

"Se algunspregadoresftssem condenados a ouvir

seuspróprios sermões, diriam como Caim:

'Meu castigo é maiordoqueposso suportar'."

SPURGEON

Alguém disse que a explanação da mensagem prepara a mente, a ilustra­

ção prepara o coração, e a aplicação prepara a vontade para obedecer a

Deus. Por isso, o sermão precisa desses três elementos e deve ter um

equilíbrio entre eles.

A aplicação é o meio de cumprir o objetivo do sermão, ou seja, torná-lo

relevante para o ouvinte. Contudo, se não for bem aplicado, o sermão pode

acabar complicando a vida do ouvinte. Um exemplo de aplicação complicada é

aquela em que o pregador faz o ouvinte se sentir condenado ao atirar-lhe uma

série de acusações "homiléticas", censurando o comportamento sem oferecer o

remédio espiritual. O próprio Jesus Cristo adverte contra esse erro ao dizer:

"Porque Deus enviou seu filho ao mundo, não para que condenasse o mundo,

mas para que o mundo fosse salvo por ele" (João 3:17).

O sermão tem duas dimensões: a divina e a humana. A dimensão divina é

a mensagem em si; a dimensão humana é a aplicação da mensagem. Na práti­

ca, as duas dimensões se fundem numa só, ou seja, num processo pelo qual a

mensagem penetra no ouvinte e o leva à ação.

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248. a mensagem

As pessoas sempre estão interessadas em si mesmas, e se o sermão for voltado

para elas e para suas necessidades, elas ouvirão com certeza. Aí está o poder da

aplicação: lidar com a necessidade imediata das pessoas, isto é, aproveitar o inte­

resse que elas têm em si para levá-las a agir por si e pelos outros.

Todavia, não é fácil fazer boas aplicações. O excesso de aplicação pode tornar o

sermão óbvio. Nenhuma aplicação, por outro lado, pode deixar o sermão distante das

pessoas. Dependendo do auditório, a aplicação pode ser até subentendida, e o prega­

dor precisa ter sensibilidade para adaptar a aplicação à receptividade do auditório.

Características da boa aplicação

Quando a aplicação não é bem-feita, o pregador corre o risco de dar ao sermão um

rumo irrelevante ou de falar coisas que não atinjam a necessidade das pessoas,

respondendo ao que não foi perguntado, ensinando o óbvio, ou evangelizando os

evangelizados. Portanto, vamos fazer algumas reflexões sobre as características que

ajudam a aplicação a ser eficiente.

1. Linguagem atual. A primeira qualidade da boa aplicação é a linguagem

atualizada. O texto bíblico encerra uma mensagem poderosa em linguagem anti­

ga, que deve ser traduzida em linguagem atual, sobretudo na aplicação. Ao apli­

car, por exemplo, o texto em que Jesus diz "vinde a mim todos os que estais

cansados e sobrecarregados", o pregador pode aplicar essa idéia com palavras como:

"Jesus convida você a levar a ele o seu estresse, a sua depressão, a sensação de culpa

e a ansiedade". Não só o vocabulário deve ser contemporâneo, mas a idéia tam­

bém, ou seja, o vocabulário deve referir-se a coisas com as quais as pessoas estejam

convivendo no dia-a-dia.

2. Realismo e natureza prática. A aplicação deve ser realista, não idealista;

prática, não teórica. Alguns sermões fazem propostas que exigem o impossível do

ouvinte, causando frustração em vez de motivação. Ao fazer um sermão missioná­

rio, por exemplo, não diga: "Você precisa dedicar três dias por semana à pregação

do evangelho!". Uma vez que os ouvintes têm seus compromissos profissionais,

essa proposta torna-se irreal, teórica e frustrante. Pior ainda: não tem nenhum

fundamento bíblico.

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como aplicar sem complicar • 249

3. Coerência. A aplicação correta depende da interpretação correta e precisa

ser coerente com o texto bíblico. O pregador precisa ter o cuidado de aplicar

exatamente a idéia apresentada pelo texto, não criar aplicações paralelas total­

mente incoerentes com o pensamento do texto.

Certa ocasião, ouvi um sermão em que o pregador descrevia o episódio de

Maria em Betânia, ungindo os pés de Jesus e enxugando-os com os cabelos.

Dando lugar ao próprio preconceito, o pregador fez uma aplicação incoerente,

dizendo: "Se Jesus estivesse aqui hoje, poucas mulheres teriam o privilégio de

enxugar-lhe os pés, porque a maioria está de cabelos curtos"! Aplicação desse

tipo não faz justiça ao pensamento do texto, pois foi forçada para defender um

preconceito pessoal.

4. Objetividade. A aplicação não deve ser vaga e indefinida, mas objetiva e

específica. Em vez de falar sobre o perdão dos pecados em geral, especifique

alguns pecados. Isso alcança diretamente a necessidade de alguns ouvintes. Ao

pregar sobre o amor cristão, em vez de fazer uma aplicação óbvia, do tipo:

"Devemos desenvolver o amor cristão", seja específico e diga: "O amor nos leva

a tolerar e suportar uns aos outros".

Ouvi um pregador falar num acampamento de jovens sobre "auto-estima em

Cristo". Ele desenvolveu a idéia de que uma palavra de elogio e apreciação faz

bem e desenvolve a auto-estima. Na aplicação final, distribuiu etiquetas adesivas

e pediu que cada jovem escrevesseali algo de bom que apreciava em algum amigo

presente. Foi uma aplicação específica e fortíssima. Depois, num apelo bem des­

contraído, pediu que osjovens se levantassem e colassem asetiquetas na camisa do

amigo a quem o elogio se referia. Com descontração e alegria, os jovens trocaram

elogios entre si. Lembro-me até de um "elogio" bem-humorado que recebi. Um

jovem brincalhão colou em minha camisa uma etiqueta que dizia: "Pastor, apre­

cio muito a sua filha!".

5. Baseada emprincípios. A aplicação não é uma oportunidade para nos tor­

narmos moralistas e dar lições de moral para a congregação. Ela também não se

deve prender a uma mera avaliaçãode usos e costumes. O sermão pode e deve dar

orientação sobre bons costumes, mas não deve degenerar em ataques, principal­

mente quando isso se baseia em pontos de vista pessoais.

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250. a mensagem

Em vez de falar de moda, por exemplo, e atacar o mau uso da moda, é

preferível fazer uma aplicação sobre o princípio da decência cristã, focalizando

comportamentos e atitudes que enobrecem o cristão. Em vez de destruir o

negativo, a aplicação deve construir o positivo.

6. Imaginação. A imaginação é útil em todas as partes do sermão, até na

aplicação. O pregador pode fortalecer a aplicação ao comparar cenas e concei­

tos bíblicos com necessidades atuais. Um sermão sobre José do Egito, por exem­

plo, poderia fazer a seguinte aplicação sobre o perdão: "Você já perdoou tanto

quanto José perdoou aos irmãos dele?". No momento em que imagina a cena

bíblica no contexto de uma situação atual, você dá força e direção à aplicação.

Passos para uma boa aplicação

Alguns autores sugerem uma lista grande de etapas ou passos no preparo da apli­

cação. Para descomplicar um pouco, vamos resumir o preparo da aplicação em três

passos básicos.

1. Classifique otexto deftrma sintética. Ao refletir sobre o texto, tente sinteti­

zá-lo em uma única palavra, ou no máximo em uma frase, classificando-o de

acordo com o propósito a que ele pode servir. O texto das Bem-aventuranças, por

exemplo, pode ser classificado como texto motivador. A maior parte do sermão da

montanha pode ser classificadacomo texto ético. Os Dez Mandamentos também

podem ser classificados como texto ético. O primeiro capítulo do evangelho de

João sobre o Verbo eterno pode ser classificado como texto doutrinário ou teoló­

gico. O salmo 23, sobre o Pastor divino, pode ser chamado texto confortador. A

Grande Comissão, em Mateus 28.19-20, pode ser chamada texto missionário, e

assim por diante.

2. Identifique asnecessidades da congregação. Tendo o propósito do texto, falta

só definir que necessidades esse texto poderá satisfazer. A melhor maneira de

identificar essasnecessidades é refletir sobre diferentes pessoas da congregação, de

diferentes níveis sociais, tentando lembrar os problemas que enfrentam. Essa re­

flexão levará o pregador a diferentes tipos de necessidade.

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como aplicar sem complicar • 2S1

Nas necessidades emocionais, por exemplo, o pregador encontrará problemas

como solidão, tristeza ou sofrimento por alguma tragédia, ansiedade ou depressão.

As necessidades materiais poderão envolver desemprego, pessoas desabrigadas ou

outros problemas financeiros. As necessidades sociaisevidenciam-se em decorrência

de relacionamentos rompidos, conflitos entre pessoas ou grupos, maledicência e

falta de comunidade ou intercâmbio social, e assim por diante.

3. Misture otexto com asnecessidades. Tendo o propósito do texto e a necessi­

dade da congregação, tente juntar os dois, ou seja, procure ver o que o texto pode

dizer para atender àquela necessidade específica, levando em consideração a lin­

guagem e as demais características da boa aplicação. Com oração e reflexão, você

pode planejar as reações que deseja produzir no ouvinte e buscar os pensamentos

e as palavras adequadas para produzir o efeito desejado.

Tipos de aplicação

o tipo de aplicação dependerá da sensibilidade e da habilidade de cada pregador.

Basicamente há dois tipos de aplicação: a direta e a indireta.

Aplicação direta

A aplicação direta é aquela que solicita uma resposta do ouvinte por meio de uma

proposta espiritual definida e feita pelo pregador. Jesus usou com freqüência esse

tipo de aplicação, demandando uma atitude definida de seus ouvintes. Ele dizia:

"Segue-me", "levanta-te e anda" ou "ide". A aplicação direta pode ter diferentes

formas. Vejamos algumas delas.

Elucidação

Esse tipo de aplicação é uma exortação explícita, que não dá margem para ambi­

güidade nem deixa o ouvinte com dúvida quanto à resposta que se espera dele.

João Batista usava esse tipo de aplicação. Após seus sermões, as multidões pergun­

tavam: "Que havemos de fazer?", ao que ele respondia: "Qyem tiver duas túnicas

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252. . a mensagem

reparta com quem não tem; e quem tiver comida faça o mesmo... não cobreis mais

do que o estipulado... a ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa, e contentai­

vos com o vosso soldo" (Lc 3.10-14).

O sermão de Pedro no Pentecostes também terminou com uma aplicação

elucidativa: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus

Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito San­

to" (At 2.38). Esse é o melhor tipo de aplicação para sermões evangelísticos, a

fim de desafiar os ouvintes a seguir uma nova doutrina.

Interrogaçõo

Uma pergunta proposta pelo pregador aos ouvintes torna-se uma forma direta de

aplicação. O pregador pode perguntar, por exemplo: "Qual é a sua resposta? Oque você vai fazer a partir de agora?". Em certo sentido, a pergunta é indireta

porque permite ao ouvinte escolher, mas não diz especificamente o que ele deve

fazer ou decidir. Mas é uma aplicação direta: primeiro, porque a resposta está

implícita e, segundo, porque o ouvinte é desafiado a tomar uma decisão e respon­

der ao apelo.

Jesus gostava de aplicar com uma interrogação. Ao concluir a Parábola do

Bom Samaritano, perguntou: "Qual destes três te parece ter sido o próximo do

homem que caiu nas mãos dos salteadores? [...] Vai e procede tu de igual modo"

(Lc 10.36-37).

Hipérbole

Essa aplicação é uma espécie de exagero que visa a sacudir o ouvinte e despertá-lo

da letargia para uma resposta ou atividade especial. Jesus usou com freqüência

hipérboles. No sermão do monte, por exemplo, ele disse: "Se o teu olho direito te

faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti... Se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a

e lança-a de ti ..." (Mt 5.29-30). Jesus estava enunciando a natureza absoluta do

discipulado. Em nenhum momento, quis que essa afirmação fosse aplicada lite­

ralmente. Da mesma forma quando disse: "Vai, vende tudo que tens, e dá-o aos

pobres..." (Mc 10.21).

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como aplicar sem complicar • 253

o pregador pode usar esse tipo de exagero retórico, por exemplo, ao dizer:

"Você não quer ajudar a incendiar esta igreja?" ou "vamos bombardear esta cidade

com o evangelho..." (só precisa ter cuidado para não falar isso em tempo de guerra,

a fim de não se complicar perante as autoridades). Essas aplicações visam a arran­

car as pessoas da inatividade para a atividade, não sendo o objetivo levá-las à

obediência literal.'

Aplicação indireta

A aplicação direta especifica o que deve ser feito. Em contraste, a aplicação indi­

reta sugere uma direção a ser seguida, mas deixa ao ouvinte a responsabilidade de

escolher a decisão específica a ser tomada.

A essa altura, convém fazer uma reflexão profunda sobre a aplicação. O prega­

dor precisa ter muita sensibilidade para escolher a melhor aplicação de acordo com

o assunto e com o tipo de ouvinte. Alguns estudiosos do assunto defendem a idéia

de que o Espírito Santo é quem deve completar o efeito do sermão, levando o

ouvinte a fazer a própria aplicação, detalhando-a em sua vida pessoal.

Frank Dance, por exemplo, sustenta que a coisa mais persuasiva no mundo é

a participação. Ou seja, se queremos mudar o comportamento, devemos envolver

o ouvinte e levá-lo a participar na decisão de mudar o próprio comportamento,

em vez de dizer o que e como deve fazer. Dessa forma, as pessoas comprometem­

se no processo de persuadir a si mesmas.

Carl Rogers, por sua vez, afirma que comportamentos autodescobertos e

automotivados são, a longo prazo, os únicos capazes de produzir mudanças

significativas. Mervin Ziegler coordenou um interessante estudo que buscava

responder à pergunta: "Por que alguns sermões não fazem efeito?". Observe

algumas conclusões:

Um dos resultados do estudo de Ziegler foi que os sermões que continham

aplicações para a vida diária dos ouvintes eram os que foram unanimemente

rejeitados pela congregação. A freqüência e a intensidade da rejeição eram

1]. Daniel Baumann, An introduction to contemporarypreaching, p.247-254.

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254. a mensagem

diretamente proporcionais à quantidade de aplicações diárias contidas no ser­

mão. A conclusão sugere que as pessoas se tornam cada vez mais relutantes

em aceitar uma espécie de aplicação religiosa, moralista ou outra qualquer

para sua vida pessoal. Parece que o fato de o pregador prescrever uma aplica­

ção implica que ele se coloca na posição de dizer e determinar o que os outros

devem fazer com a própria vida.?

Acredito que esse estudo não desfaz o valor da aplicação direta, até porque

Jesus a usou, e os apóstolos também a usaram abundantemente na Bíblia, confor­

me já se viu. Contudo, esse estudo traz uma contribuição: o pregador deve ser

sensível e cauteloso para fazer aplicações sábias, que não invadam a intimidade

das pessoas, e para não ostentar ar de superioridade nem se colocar na posição de

juiz do comportamento dos outros. Especialmente os ouvintes mais esclarecidos

tendem a ser um pouco mais reservados e mais reflexivos em relação ao próprio

comportamento. Embora essesouvintes tenham as mesmas necessidades de todos

os pecadores, poderão ser ajudados de maneira mais efetiva se descobrirmos uma

forma de envolvê-los no processo de tomar as próprias decisões.

Para completar essa reflexão, vale a pena ponderar o comentário de Gary

Cronkhite, estudioso do comportamento na comunicação: ''A maior mudança

de atitude pode ser obtida dando ao ouvinte apenaso suficientepara justificar a

necessidade da mudança e reduzir a área de resistência a essa necessidade"."

Com isso em mente, vejamos alguns tipos de aplicação indireta.

Ilustração

Um exemplo concreto tirado da vida contemporânea faz uma ponte entre o mun­

do bíblico e o atual, induzindo o ouvinte a fazer uma série de aplicações sem que

estas precisem ser expressas diretamente. Uma ilustração bem-apresentada dis­

pensa explicação. Se precisar de explicação adicional, não é uma boa ilustração.

Uma boa ilustração é uma aplicação em si, sem precisar de pormenores.

Para isso, é importante que a ilustração seja crível, e não incrível ou fictícia, e

de natureza prática, em vez de apenas teórica.

2 J. Daniel Baumann, An introduction to contemporary preaching, p.249-25Ü.

3 Idem.

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como aplicar sem complicar • 255

Múltiplo escolho

Essa aplicação é poderosa porque compromete o ouvinte no processo de participar

da decisão. Ou seja, o pregador enumera as opções possíveis e encoraja o ouvinte a

fazer a própria escolha. Elias usou esse método no monte Carmelo: ''Até quando

coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o; se é Baal, segui-o"

(lRs 18.21). josué faz a mesma coisa ao enumerar três opções possíveis: "Escolhei

hoje a quem sirvais: se aos deuses a quem serviram vossos pais [...] ou aos deuses dos

amorreus, em cuja terra habitais. Eu e a minha casa serviremos ao Senhor" Os 24.15).

Agora observe a eloqüência de Jesus ao usar a aplicação de múltipla esco­

lha: "É lícito nos sábados fazer o bem ou fazer o mal? salvar a vida ou tirá-la?"

(Me 3.4). A aplicação que Jesus fez calou literalmente a acusação contra a cura no

sábado, pois diz o texto que "eles ficaram em silêncio".

Narraçõo

O sermão narrativo ou biográfico, ao descrever os fatos da narração, já subentende

uma aplicação automática, sugerindo ao ouvinte que ele precisa aprender com os

elementos da narrativa. Com isso, não precisa cansar o ouvinte com aplicações

redundantes ou repetições do que foi narrado. Um sermão sobre Zaqueu, por

exemplo, já traz embutida a aplicação quando ele diz que iria restituir tudo aqui­

lo em que fora desonesto. O pregador pode, se quiser, destacar a aplicação intro­

duzindo uma terminologia moderna na experiência de Zaqueu, dizendo, por

exemplo, que o publicano calculou os juros da caderneta de poupança, ou que foi

a uma imobiliária e avaliou o preço de suas propriedades, ou ainda que fez uma

doação aos meninos carentes das ruas de Jericó. Expressões assim fortalecem a

aplicação sem precisar repeti-las de forma moralista e cansativa.

Testemunho pessoal

Uma forma também poderosa de fazer aplicação indireta é o pregador dar um

testemunho de sua própria decisão a respeito do assunto e dizer o que aquele

tema significa para ele. Isso faz efeito porque as pessoas vêem que a mensagem é

importante para a própria vida do pregador. Deve-se, porém, ter cuidado para não

dar a impressão de estar esnobando santidade pessoal, o que seria antipático ao

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256. a mensagem

ouvinte. O testemunho pessoal deve descrever o pregador mais como quem rece­

beu uma bênção do que como alguém que realizou uma façanha.

O exemplo de josué, citado acima, também ilustra esse tipo de aplicação. Ao

dizer "Eu e a minha casa serviremos ao Senhor",Josué estava dando um testemu­

nho de como ele, como líder, encarava o compromisso com Deus. Note a força e a

humildade do testemunho pessoal de Paulo, ao dizer: ''A mim, o menor de todos

os santos, me foi dada essa graça de pregar..." (Ef3.8). O testemunho de como

você se sente em relação a uma mensagem é uma aplicação indireta da mensagem.

o momento da aplicação

Às vezes, o pregador fica em dúvida sobre o ponto do sermão em que deve colocar

a aplicação - se durante o sermão ou só no finaL É difícil estabelecer uma regra

fixa, até porque as regras em excesso prejudicam a criatividade. O pregador deve

conhecer as regras da boa homilética, mas não se tornar escravo delas, podendo ter

uma boa flexibilidade dentro do bom senso.

Quanto à aplicação, também não há regra absoluta. Mais uma vez, o pre­

gador deve usar a sensibilidade. Dependendo da mensagem, a aplicação pode

ser feita ao longo de todo o sermão, após as divisões principais ou mesmo em

qualquer momento que o pregador julgar necessário. No sermão do monte,

Jesus intercalou mensagem e aplicação ao longo de todo o discurso como, por

exemplo, ao dizer: "Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo:

Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já adul­

terou com ela" (Mt 5.27-28).

Outras vezes o pregador pode deixar para fazer uma única aplicação na con­

clusão do sermão, a fim de causar expectativa e impacto, comoJesus fez na Parábola

do Semeador, por exemplo. Em casos especiais, a aplicação pode estar implícita na

mensagem e dispensar qualquer comentário adicional, conforme abordado acima,

atuando como uma espécie de motivação natural para o ouvinte seguir a mensagem.

Raramente se deve fazer a aplicação antes da explanação da mensagem," até

para ter o que aplicar. Contudo, mesmo aqui o Mestre dos pregadores mostra que

4 ]ames Braga, Como preparar mensagens bíblicas, p.186.

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como aplicar sem complicar • 257

pode haver exceções. Certa ocasião,Jesus usou a aplicação como palavras de efeito

para introduzir um sermão. Entrou na sinagoga, levantou-se, tomou a Bíblia e leu

o profeta Isaías. Em seguida fechou a Bíblia, e suas primeiras palavras foram:

"Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir" (Lc 4.21). É a sintonia com o

Espírito Santo que indica ao pregador o momento da aplicação.

Qualquer que seja o formato, a aplicação deve fluir naturalmente do texto

bíblico, por meio da riqueza escondida em cada texto. Essa riqueza preciosa do

texto é o tema do último capítulo do livro, delineado nas páginas seguintes.

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Epílogo

/

Edifícil terminar um livro porque sempre temos a sensação de que muita

coisa importante deixou de ser dita. E lógico que é impossível dizer tudo

que é importante sobre qualquer assunto. Mas o final do livro não é o final

do tema. Pelo contrário, um livro é apenas um estímulo para levar o leitor a pensar

mais amplamente sobre o tema em pauta.

Ao terminar este livro, algumas perguntas me vêm à mente: Se tivéssemos que

escolher um modelo de pregação, qual seria esse modelo? E se tivéssemos que

escolher um modelo de pregador quem seria esse modelo? Essas perguntas podem

ter duas respostas contraditórias. A primeira é: não existe modelo de pregação e

nem de pregador, porque num certo sentido o pregador em si é a própria pre­

gação! Em outras palavras, a pregação é a mensagem bíblica transmitida pelo

pregador como um todo, não apenas por suas técnicas ou habilidades, mas por

quem ele é como pessoa. Portanto, se a pregação está atrelada à pessoa e ao próprio

estilo do pregador, não existem dois pregadores iguais assim como não existem

duas pessoas iguais! Todos nós podemos e devemos aprender com grandes prega­

dores comoBi11y Graham, Spurgeon, Moody, Wesley ou Lutero, citando apenas

alguns clássicos. No entanto, nenhum de nós pode ser igual a nenhum deles, pois

cada pessoa será um modelo único e exclusivo de pregador com: estilo único,

personalidade única, voz única, compreensão única da mensagem, experiência

única com Deus e vida pessoal única. Todos podemos desenvolver grandes quali­

dades, mas a maior qualidade é ser um pregador autêntico, deixando a mensagem

fluirpor meio de sua vivência e comunhão com Deus. Grandes pregadores podem

ser bons exemplos, mas nenhum deles pode substituir a personalidade e experiência

pessoal do pregador com o seu Salvador.

A segunda resposta é o oposto da primeira, ou seja, existe sim um modelo de

pregador, o único digno de imitação cujo nome é Jesus Cristo, cujo púlpito podia

ser igualmente uma mesa da sinagoga, uma canoa, ou a mureta de um poço, e cujo

auditório podia ser uma praia, uma montanha, um templo, ou uma rua apinhada

de gente. Onde ele estava, um auditório se formava ao seu redor, porque o que faz

um pregador não é o lugar, e sim a vida do pregador! Ele preferiu ser chamado de

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260. o arte de pregar

mestre a ser chamado de pregador, talvez para destacar o verdadeiro objetivo da

pregação, que é o ensino da Palavra. Ele é o único modelo imitável, embora ina­

tingível, pois sempre teremos mais e mais a aprender a seus pés. Ele dominava

todas as técnicas e estava acima de todas elas, pois falava diretamente à mente e ao

coração de cada ouvinte.

Eu não vejo uma maneira melhor de concluir este livro do que convidar

você a aprender aos pés do Mestre dos pregadores, aquele de quem os próprios

inimigos confessaram: "Jamais alguém falou como este homem' 007.46). Quer

ser um grande e poderoso pregador? Olhe diariamente para Jesus, aprenda com

suas idéias, suas figuras de linguagem, suas ilustrações, suas histórias vivas, suas

aplicações, sua sensibilidade para com cada ouvinte, sua linguagem forte e doce,

sua autoridade bíblica, suas longas noites em oração e comunhão com Deus, seu

relacionamento com todos os tipos de pessoa, sua variedade infinita de métodos,

ao ponto de parecer que ele tinha um método diferente para cada ouvinte! A

prioridade suprema de Jesus era o ouvinte. Ele criava, adaptava, ou alterava o

método para atingir o ouvinte público ou individual.

Os grandes oradores e pregadores de todos os tempos marcaram a história,

encantaram multidões, fundaram igrejas e influenciaram nações, mas nenhum

deles se compara à grandeza de Jesus Cristo. Nenhum deles deixou uma marca

maior na História da humanidade do que Cristo, o Rei dos pregadores. Sua

pregação dividiu a História, fundou uma igreja universal e salvou a humanidade.

A pregação de Jesus Cristo é a única que transcende época e lugar e continua

relevante para todas as culturas de todos os tempos. Por isso, somente aos pés de

Jesus você vai aprender a verdadeira arte de pregar na Era Pós-Moderna e desen­

volver a sensibilidade necessária para alcançar realmente o difícil ouvinte do

terceiro milênio!

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Apêndice 1

Exemplo de sermãoexpositivo missionário

Tema: A missão da igreja é oferecer terapia

espiritual a cada pecador

TERAPIA ESPIRITUAL

Lucas 5.27-32

I. INTRODUÇÃO

A. Os hospitais e a terapia

1. Certa ocasião, visitei a enfermaria de um hospital. Poucas vezes na vida vi

tanto sofrimento. Num dos leitos, um homem gemia de dor, mas nenhum

remédio podia aliviar-lhe essa dor. No leito vizinho, um paciente terminal

lamentava a triste sorte, mergulhado em profundo desespero. No lado opos­

to, um jovem recuperava-se de várias fraturas sofridas num acidente de carro.

Qpanta dor!

Curioso: Não vi nenhuma pessoa saudável naquela enfermaria, o que me

fez lembrar as palavras de Jesus: "Os sãos não precisam de médico, e sim

os doentes".

Observei a atividade dos médicos e enfermeiros a oferecer uma terapia a

cada paciente.

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262 • a arte de pregar

2. Cada pecador que entra na igreja é um enfermo espiritual, machucado pelo

pecado, em busca de uma terapia espiritual.

3. Existem duas maneiras de encarar o pecador: como alguém que fere ou como

alguém que está ferido. Como agressor ou como vítima.

4. Em certo sentido, o pecador é as duas coisas: ele fere os princípios bíblicos e

ao mesmo tempo é ferido pelo pecado. Ele agride a si mesmo e a sua vida

espiritual, e ao mesmo tempo é uma vítima do pecado.

5. O grande problema é que sempre temos a tendência de olhar o pecador

como um agressor que fere, não como uma vítima ferida. E isso é um contra­

senso, porque nós mesmos somos pecadores feridos e geralmente não perce­

bemos nossa própria ferida espiritual.

B. Jesus e a terapia espiritual

1. Jesus Cristo olhava os pecadores não como agressores que ferem, mas como

vítimas feridas e maltratadas pelo pecado.

2. Por isso,precisamos aprender comoJesus tratava os seuspacientes espirituais.

3. Se a igreja quiser cumprir sua missão neste mundo, tem de mudar sua visão

do pecador e encará-lo como doente ferido no leito de dor, cujo único remé­

dio é o amor de Deus.

4. Como cristãos, precisamos mudar nossa ótica do pecador e da missão da

igreja. Precisamos entender que a missão da igreja éoferecer terapiaespirituala

cadapecador.

11. A IGREJA COMO CENTRO DE TERAPIA ESPIRITUALLucas 5.27-32

A. A terapia espiritual de Jesus Cristo

1. Jesus Cristo sentia a dor dos enfermos espirituais. Foi por isso que saiu em

busca de um único pecador, ansioso por ajudá-lo.

2. Não foi por acaso queJesus convidou Mateus. Ele queria submeter à terapia

os pecadores mais indiferentes para a sociedade: os cobradores de impostos.

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exemplo de sermõo expositivo missionário _ 263

Indiferentes por um lado e desprezados por outro, pois os judeus considera­

vam-nos traidores e perdidos, já que se haviam unido aos romanos para ex­

plorar os próprios conterrâneos. Jesus sabia que se restaurasse um, teria acesso

aos outros.

3. Um dia, quandoJesus ensinava, viu na multidão um coletor de impostos. No

brilho dos olhos dele,Jesus percebeu a sede de salvação. Pouco depois,Jesus

dirigiu-se ao escritório da coletoria, onde Levi Mateus estavacom vários outros

coletores. A coletoria era um salão onde vários coletores atendiam ao mesmo

tempo. Embora um bom judeu evitasse esse lugar, Jesus entrou lá, porque

sabia que Levi estava ferido pelo pecado, precisando de tratamento espiritual.

4. A alegria de Levi foi tão grande que, no seu entusiasmo, convidouJesus para

um banquete. Ao receber o convite, Jesus imaginou, em frações de segundo,

a complicação que isso iria trazer. Um judeu entrar na casa de um publicano

quebraria todas as regras da sociedade judaica. Mas se dissesse não, iria ferir

a sensibilidade de seu paciente.

E entre ferir uma regra e ferir um coração, Jesus preferiu ferir a regra.

ParaJesus, pessoas valem mais que regras ou coisas.

Para complicar a situação, Levi convidou "numerosos publicanos", ou

seja, todos os colegas da coletoria. Alguns comentaristas acham que Levi

fez uma festa de despedida do emprego.

Do outro lado da rua, um grupo de fariseus fazia o relatório. Em todo

lugar, há aqueles que ficam do outro lado da rua fazendo o relatório.

Esses são os que mais prejudicam a igreja.

5. Todavia, a resposta de Jesus aos fariseus constitui uma das mais lindas frases

da Bíblia: "Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Não vim

chamarjustos, e sim pecadores ao arrependimento". Assim como a missão de

Jesus Cristo, a missão da igrejaéoferecer terapiaespirituala cadapecador.

B. A terapia espiritual poro os de dentro da igreja

1. Com essa resposta, Jesus definiu o único propósito da igreja: restaurar peca­

dores. Você, pecador, seja qual for o seu pecado, é prioridade da igreja.

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264 • o arte de pregar

2. Como judeu pertencente ao povo de Deus, Levi Mateus simboliza os peca­

dores de dentro da igreja, que precisam de tratamento espiritual.

3. A igreja é o lugar onde o pecador é mais importante que os santos! A igreja

é o único lugar do mundo onde o pecador é importante. Não a despeito de

ser pecador, mas pelo fato de ser pecador, assim como num hospital os doen­

tes são mais importantes do que os sãos.

4. Meu querido irmão, se a sua vida está ferida pelo pecado, a igreja é o seu

lugar, porque é na igreja que Deus oferece a terapia de que você precisa.

5. O nosso maior problema é que às vezes o orgulho não nos deixa reconhecer

que somos pecadores, e entramos na igreja como santos e saímos sem rece­

ber a terapia destinada aos pecadores, como o fizeram os fariseus do tempo

deJesus.

6. Se sua vida está manchada, suja pelo pecado, não deixe de vir à igreja, porque

a igreja é o lugar do arrependimento e do perdão.

Traga toda sua sujeira, todos os pedaços da sua vida espiritual e troque­

os pelo perdão de Cristo. É aqui que ele quer limpá-lo.

N o dia em que a igreja deixar de restaurar pecadores, perderá a razão de

sua existência.

E no dia em que não houver mais pecadores para perdoar e restaurar, a

igreja deixará de existir, porque ela não foi feita para santos, assim como

um hospital não foi feito para os sãos.

7. Porque a missão da igrejaé ofirecer terapiaespirituala cadapecador.

C. A terapia espiritual para os de Fora da igreja

1. Como funcionário do Império Romano a serviço de uma nação estran­

geira, Levi Mateus também representa os pecadores de fora da igreja,

que se debatem no sofrimento do pecado, muitas vezes ansiando por

uma vida melhor.

2. Com que carinho deveríamos tratar as pessoas que estão mergulhadas numa

vida de pecado! Como deveríamos esforçar-nos para ajudá-las, seguindo o

exemplo de Cristo na maneira de tratar o pecador.

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exemplo de sermõo expositivo missionório • 265

3. Às vezes, somos tão frios, indiferentes e orgulhosos. Muitas vezes gosta­

mos de discriminar as pessoas: queremos comparar para ver quem é me­

lhor que quem.

4. Ilustração:

Conversei com umajovem que me contou o drama da sua conversão. Era

uma garota da alta sociedade, acostumada ao luxo, à moda e usava cigarro

e bebida alcoólica. Convidada por um amigo, veio visitar a igreja. Gos­

tou, voltou e começou a freqüentar. Aos poucos conheceu a Cristo e

começou a mudar de vida.

De repente passou a enfrentar o pior drama para um jovem: a solidão.

Seus velhos amigos a desprezaram porque estava ficando quadrada. Na

igreja, as pessoas se afastavam dela porque a consideravam pecadora de­

mais e rejeitavam o seu estilo de vida. Com lágrimas, ela contou que

aquele período foi quase insuportável. Por fim, sobreviveu espiritual­

mente porque o amigo da igreja tratou-a bem, dando-lhe o máximo de

atenção e companheirismo. Hoje ela é uma cristã.

S. Essa experiência fez-me pensar em como somos mesquinhos em nosso amor

ao próximo, como somos gelados em nosso atendimento cristão. Às vezes,

desprezamos algumas pessoas e tratamos outras como especiais. Muitas ve­

zes somos indiferentes para com os que não participam de nossa fé. Precisa­

mos aprender a tratar as pessoas comoJesus tratou Levi Mateus.

6. Quanto mais pecadora a pessoa, maior a responsabilidade da igreja para com

ela. Porque a missão da igreja éoferecer terapiaespirituala cadapecador.

11I. CONCLUSÃO

A. Resumo aplicativo

1. Como membro da igreja, você tem duas necessidades: receber uma boa tera­

pia e oferecer uma boa terapia.

2. Como pecador, você é um paciente de Jesus Cristo. Como cristão, você é

responsável por amar e ajudar os pecadores.

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266. a arte de pregar

B. Apelo

1. Seja qual for o seu pecado, jamais recuse o atendimento que Jesus Cristo

tem para você.

2. Seja qual for o motivo, jamais permita que um pecador seja mal-atendido na

sua igreja, porque a missãoda igrejaé oftrecer terapiaespirituala cadapecador.

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Apêndice 2

Exemplo de sermãoexpositivo biográfico

Tema:Jesus quer trocar o seu rótulo de pecador por

um rótulo de salvação.

o RÓTULO DA SALVAÇÃO

INTRODUÇÃO

A. Ilustraçõo

Certo dia eu estava no meu escritório, quando o telefone tocou. Quando atendi,

uma voz feminina me cumprimentou e contou a sua história:

"Eu pertenci a essa igreja durante muitos anos, mas me distanciei da igreja

porque experimentei alguns fracassos na minha vida espiritual e tenho vergonha

de voltar. Já tentei me reaproximar, mas tenho a impressão de que todos me con­

sideram pecadora demais para ser uma cristã. Todos conhecem a minha vida e

acho que não consigo me livrar do rótulo de pecadora."

Conversei um pouco com essa jovem e tentei mostrar que a graça de Cristo

nos restaura completamente do fracasso e do pecado, e a convidei para visitar a

igreja novamente. Ela relutou e levou bastante tempo para que tivesse coragem de

enfrentar o "rótulo" de pecadora que tanto a incomodava. Foipreciso que Deus

primeiro quebrasse a pressão do "rótulo", e só então ela conseguiu retornar e sentir

a alegria da vida cristã novamente.

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268. a arte de pregar

B. Transição

Todos nós temos um rótulo, que pode ser positivo ou negativo, verdadeiro ou

falso. Os rótulos são dolorosos e enganosos muitas vezes. Mas a Bíblia nos mostra

como Cristo quer substituir o nosso rótulo de pecador por um rótulo de salvação.

ASALVAÇÃO DE DOIS PECADORES

Lucas 7:36-47

A. A salvação e os rótulos (v. 39)

Os dois devedores da história de Jesus são Maria e Simão. Os dois eram igual­

mente pecadores. Por esse texto se deduz que os dois eram igualmente culpados

de adultério. Mas havia algumas diferenças entre os dois: Maria era uma peca­

dora assumida, Simão era um pecador disfarçado. Maria era conhecida como

pecadora, Simão era conhecido como santo, por ser fariseu. Todos conheciam o

pecado de Maria. Ninguém conhecia o pecado de Simão. Mas Jesus conhecia o

pecado dos dois.

Maria era uma menina atraente, mas que tinha sérios problemas. Com cer­

teza era uma pessoa muito carente como muitos jovens de hoje. Para chegar ao

ponto em que ela chegou, é provável que tenha havido algum problema de família

por trás. Eu li vários comentários para descobrir algo sobre a família de Maria.

Não encontrei muita informação concreta. Na realidade existe muita discussão

sobre a verdadeira identidade histórica de Maria Madalena. Alguns comentários

dizem que ela é a irmã de Lázaro e Marta e a mesma que ungiu os pés de Jesus.

Outros comentaristas defendem a idéia de que os quatro episódios - a adúltera, a

irmã de Lázaro, a que ungiu os pés de Jesus, e a que foi curada de sete demônios

- se referem a duas ou três pessoas diferentes. Ambas as correntes de pensamento

apresentam argumentos para apoiar as diferentes idéias, mas nenhuma das posi­

ções oferece provas ou evidências conclusivas.Por falta de provas, e seguindo o que

me parece mais evidente no contexto bíblico, vamos assumir a posição de que os

quatro episódios se referem à mesma pessoa, pois parece haver certa coerência

quando colocamos todos os fatos juntos.

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exemplo de sermõo expositivo biográfico • 269

De fato, o evangelho de João diz que "Esta Maria, cujo irmão Lázaro estava

enfermo, era a mesma que ungiu com bálsamo o Senhor e lhe enxugou os pés

com os seus cabelos" (]o 11.2). Marcos diz que esse incidente ocorreu em Betâ­

nia, na casa de Simão (Mc 14.3), e Lucas diz que o incidente na casa de Simão

foi com uma mulher pecadora (Lc 7.39,40). Qualquer que seja o caso, e inde­

pendente da identidade histórica de Maria Madalena, a lição espiritual dos

fatos bíblicos é muito poderosa. E é isso que queremos aprender com a mensa­

gem do texto.

A Bíblia não menciona os pais de Maria, o que pode indicar que provavel­

mente ela era órfã de pai e mãe. Isso combina com o fato de ela morar com os

irmãos Lázaro e Marta. Quando o pai e a mãe morrem, os filhos se viram como

podem, e cada um reage de maneira diferente. Assim, imagino o que aconteceu

naquele lar. Lázaro teve de trabalhar para sustentar as irmãs. Marta, muito auto­

ritária, tornou-se a dona de casa e mandava nos irmãos. Maria obedecia à Marta e,

quando sobrava um tempinho, ia passear na praça da cidade, escondida de Marta.

Havia um parente da família chamado Simão. A evidência de que eles

eram parentes é o fato de que Marta e Lázaro foram convidados para o ban­

quete, e Marta estava ajudando a servir (]o 12.2). Naquele tempo, somente os

familiares se encarregavam de organizar as festas da família e servir os convida­

dos, assim como geralmente ocorre ainda hoje. Simão era o parente influente da

família, e o contexto da parábola parece insinuar que havia algum tipo de pro­

blema entre Simão e Maria. De fato, mesmo sendo da família, ela não foi con­

vidada, e Simão reclamou da presença dela na festa (Lc 7.39). Alguns estudiosos

inferem que havia uma cumplicidade de Simão no pecado de Maria, e por isso

ele a evitava.

Podemos imaginar que, cada vez que Maria ia à igreja, Simão estava à frente,

dirigindo o culto. Como fariseu, ele era um dos líderes da religião. Maria deve ter

se decepcionado com o mau testemunho e hipocrisia de Simão e sentiu-se descon­

fortável na igreja. Provavelmente isso a levou a esfriar e abandonar a igreja.

Nesse tempo ela deve ter saído de casa. O nome Madalena vem de Magdala,

uma vila à beira do Mar da Galiléia. E foi para se manter fora de casa, que Mada­

lena mergulhou no mais profundo pecado. Desceu ao fundo do poço. Aquela

linda garota tornou-se um trapo humano, irreconhecíveL Diz a Bíblia que Sata­

nás passou a tomar conta da vida dela.

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270. a arte de pregar

B. A salvação de Maria (v. 47 e João 8: 1-11)

o rótulo de "pecadora" torturava o coração de Maria. Um dia Jesus estava no tem­

plo, quando foi interrompido por algumas pessoas. Quando os atendeu,]esus viu

vários homens e uma mulher no meio deles. Era Maria, morta de vergonha.

Eles disseram: "Mestre, essa mulher é pecadora, e a lei de Moisés manda

apedrejar!" É mais comum as pessoas quererem o sangue do que a salvação dos

pecadores. Mas o que eles não sabiam era que Jesus conhecia a lei de Moisés mais

do que eles:

• Primeiro, a lei exigia morte dos dois: adúltero e adúltera (Lv 20.10).

• Segundo, só o marido da adúltera tinha direito de mover uma ação judi­

cial contra os dois culpados.

• Jesus sabia que aquele que adulterara com Maria estava entre os acu­

sadores.

• Além disso, Jesus sabia que aquilo era uma armadilha: se condenasse,

seria acusado pelos romanos. Se absolvesse, seria condenado pelos judeus.

• Finalmente a lei dizia que as testemunhas deviam atirar as primeiras

pedras (Dt 17.7).

Foi por isso que Jesus começou a escrever os crimes e adultérios das testemu­

nhas. Enquanto isso, Maria pôs as mãos na cabeça e esperou as pedras. Para ela,

todos eles eram santos e iriam jogar pedras. De repente, eles desapareceram.

Aquela não era a primeira vez que Jesus e Maria se encontravam. Era pelo

menos a oitava vez, pois a Bíblia diz que Jesus havia livrado Maria dos demônios

sete vezes, segundo alguns interpretam a expressão "sete demônios" (Lc 8.2).O perdão judeu era limitado em até três vezes. Os mais liberais, como os

discípulos, permitiam até sete vezes. Maria estava consciente de que tinha esgo­

tado todas as suas chances de perdão. Jamais esperava que Jesus violasse os limi­

tes judeus para perdoá-la mais uma vez. Mas o que ela não sabia é que, em

matéria de perdão, Jesus era "ultraliberal", pois perdoava até setenta vezes sete

(Mt 18.21-22).Ela nunca esperava que Jesus dissesse: Eu não te condeno. Quando ele disse

isso, ela imaginou que Jesus tinha errado as contas, pois ela já havia passado de

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exemplo de sermõo expositivo biogrófico _ 271

sete pecados. MasJesus queria transformá-la pelo perdão e, por isso,disse:"Vai,e- . "nao peques mais .

Jesus queria ajudá-la a sair da fase de derrotas e entrar na fase de vitórias.

Queria ensinar que o cristão deve amadurecer, e não ficar se revolvendo na lama

do mesmo pecado. Vocêpode até se salpicar de lama na jornada, mas a vida espi­

ritual tem de crescer.

Meu irmão, sevocêjá caiu duas, três ou quatro vezes no mesmo pecado, não

tenha receio de chegar aJesus. Ele perdoa até setenta vezes sete e quer transfor­

má-lo pelo perdão. Ele quertrocar oseu rótulo depecadorpor um rótulo desalvação.

C. A salvaçõo de Simõo (v. 40-43)

Simão era fariseu e, por isso, tinha um rótulo de prestígio e "boa reputação".

Mas ao longo desse problema com Maria, Simão ficou leproso (Mt 26.6 e

Me 14.3). Um dia se encontrou com Jesus. E na sua misericórdia, Jesus amou

a Simão e o curou.

Como bom fariseu, Simão quis recompensarJesus com um banquete. Mes­

mo sem ser convidada, Maria foi àfesta. E foi naquele jantar que os dois pecado­

res se encontraram novamente: a pecadora assumida e o pecador disfarçado.

Como era noite, Maria esperou não ser notada na multidão. Mas esqueceu

que perfume bom não se esconde. Com vergonha, viu que tinha esquecido a

toalha. Soltou os cabelos e os usou como toalha (Naquele tempo, só as prostitutas

tinham o costume de soltar o cabelo em público).

Simão achou que Jesus não devia deixar que Maria o tocasse. O rótulo de

prostituta acompanhou Maria para o resto da vida. Onde quer que fosse, ela era

desprezada e criticada.

Mas Jesus conhece o que está por trás dos rótulos. Jesus sabia que por trás do

rótulo de prostituta havia um coração transformado. E que por trás do rótulo de

santo, de Simão, havia um coração podre pelo orgulho e pecado.

Quando Jesus começou a contar a parábola, Simão estremeceu, temendo

que Jesus revelasse sua vida oculta. Mas, quando viu que Jesus o amava tambéme disfarçou a admoestação numa parábola só para ele, Simão não resistiu ao

amor do Salvador. E no final da festa, o amor de Jesus tinha tocado o coração de

Maria e de Simão.

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272. o arte de pregar

Todos temos um rótulo. Mas não se iluda: Deus sabe o que está por trás do

seu rótulo. E por pior que seja o seu rótulo,]esus quertrocaroseurótulodepecador

por um rótulodesalvação.

Conclusão

Resumo

Simão e Maria representam dois tipos de pecadores dentro da igreja. Simão re­

presenta os que escondem o pecado por trás de uma aparência de santidade.

Maria representa os que não sabem fingir. Preferem assumir seu pecado e, às

vezes, saem da igreja.

Em toda a igreja existem "Simões e Marias". Em sua misericórdia, Deus tem

buscado salvar a ambos os tipos de pessoas.

Apelo

Se você é do tipo Simão e tem muita coisa escondida atrás da fachada, Deus o ama

e quer fazer o milagre da restauração na sua vida.

Se você é do tipo Maria e está longe de Deus, Ele o ama igualmente e quer

fazer o milagre da restauração na sua vida.

Lembre-se: Qualquer que seja o rótulo que expõe ou esconde o seu pecado,

Deus tem uma experiência superior para você, poisJesusquertrocaroseurótulode

pecadorpor um rótulode salvação. A escolha é sua.

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Sugestões de leitura

Palavra Viva - Extraindo e expondo a mensagem

Russell P. Shedd

112 p. 114 x 21 em

Confira dois admiráveis objetivos do Dr. Shedd neste livro: conscientizar a igreja

da centralidade da Palavra e equipar o povo de Deus com dicas práticas de como

extrair e expor eficazmente esta mensagem viva.

Perfil do Pregador, O

john R Stott

144 p.114x21 em

Como deve ser o perfil do Pregador? O autor de forma sábia e com experiência no

ministério responde esta pergunta crucial para o pregador do século XXI.

Português para Pregadores Evangélicos

Augusto Gotardelo

336 p. 114 x 21 em

Todo profissional tem uma ferramenta de trabalho. O seu bom desempenho é

proporcional ao cuidado dispensado à sua ferramenta de trabalho. No caso do

pregador da Palavra, sua ferramenta é a linguagem. Este livro é um excelente meio

para manter a ferramenta do pregador em boas condições de uso. É uma obra

singular adequada para o público evangélico brasileiro. Nela há noções de fonéti­

ca, morfologia, sintaxe e estilística. Há também exercícios e indicações bibliográ­

ficas, além de conter um índice de assuntos de muita utilidade. Sem dúvida, com

esta obra em sua biblioteca, você terá muito mais segurança quando for redigir

uma mensagem ou mesmo um simples folheto para a sua igreja.

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Pós-modernismo - Um guia para entender a filosofia do nosso tempo

StanleyJ. Grenz

256 p. 114 x 21cm

• Por que a mensagem do pastor, tão bem preparada, nem sempre conse­

gue chamar a atenção de sua comunidade?

• Por que os cristãos mais jovens, quando entram nas universidades, per-

dem o interesse pelas atividades da igreja?

Essas e muitas outras questões preocupam os pastores e líderes que querem dar

relevância à proclamação do evangelho em tempos pós-modernos. Muitos deles

não conseguem compreender o pós-modernismo e por isso têm dificuldade em

criar estratégias para falar de Deus nos dias de hoje. Foi para ajudar esses pastores

e líderes que StanleyJ. Grenz escreveu este livro. Nele você encontrará um estudo

que o ajudará a entender as razões que levaram ao esgotamento das promessas e

filosofias da modernidade e ao surgimento dessa nova maneira de ver o mundo.

Prega a Palavra - Passos para a pregação expositiva

Karl Lachler

136p.114x21 cm

É uma obra muito útil para seminaristas, àqueles que estão iniciando no ministé­

rio e para pregadores experientes que desejam rever toda a matéria estudada. Tam­

bém é de importância fundamental para pregadores que não tiveram a oportunidade

de estudar as línguas originais da Bíblia, mas que querem comunicar a Palavra de

Deus com excelência.

Pregação ao Alcance de Todos

Hans Ulrich Reifler

136 p. I 16 x 23 em

Eis um curso básico de homilética. Aqui, o estudante aprenderá como montar

um sermão fazendo uso de versões da Bíblia, chaves bíblicas, concordâncias,

dicionários, léxicos, comentários e outros recursos. Não perca mais esta oportuni­

dade para aprender a expor a palavra de Deus como fidelidade e clareza!

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Pregação Bíblica - O desenvolvimento e a entrega de sermões expositivos

Haddon W. Robinson

272p·114x21cm

Nenhum livro oferece uma opção melhor para cada passo do desenvolvimento e

da entrega de sermões expositivos. O autor apresenta um método simples, prático

e motivador para a preparação de sermões bíblicos. Pregação Bíblica é um livro de

texto para estudantes de teologia, e para os pastores, já na ativa, que querem

dominar os fundamentos da pregação. Seu estilo é agradável e fluente. Suas defi­

nições são exatas e seus conselhos úteis.

Supremacia de Deus na Pregação - Teologia, estratégia e espiritualidade

do ministério de púlpito

John Piper

112p·114x21cm

Pessoas estão morrendo famintas da grandeza de Deus, mas muitas delas não fariam

este diagnóstico de suasvidas perturbadas. A majestade de Deus é uma cura desco­

nhecida. Por isso,o desafio do autor é que a pregação focalize na grandeza de Deus

para tocar o clamor secreto da alma que clama "mostra-me a sua glória".

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