ki-zerbo,joseph - para quando a africa
TRANSCRIPT
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8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa
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Joseph Ki-Zerbo
Para quando a
Africa?
ntrevista com Renê Holenstein
Tradução
de arlos
Aboím
de
Brito
Rio de Janewo
2 9
-
8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa
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Edição
ristina Fcmmuies Warth
Produção editonal
Clmstiue Dicguez
Femanda Barreto
Silwa
Rebello
Preparação
de ongmais
Eueida Duarte
Copynght© 2006
_losepl1 K i ~ Z e r b o
Revtsão
Dioga Heunques
Diagramação
Ligm Barreto Go11çalws
Projeto gráfico de
mtolo
e capa
Femanda
Barreto
Foto
de capa
Acen•o
pessoal de
Josepll
Ki-Zerbo C.E.D.A. 01
BP
606 Ouagadougou 01. BURKINA F
ASSO.
Todos
os
direitos reservados â Palias Editora e Distribuidora Ltda.
E
etada a repro·
dução por qualquer meio
mecâniCo, eletrômco, xerográfico etc., sem a permJSSão
por escrito da editora, de parte ou totalidade do matenal escrito.
A edição dessa obra
fOI
possiveJ graças ao
apoto
da Aliança dos Editores
l n d e p e n ~
dentes W \ V \ v . a l l i a n c e ~ e d i t e u r s . o r g J ,
assocração
cnada na
França
em
2002.
com
o
objetívo
de agrupar profissiOnaiS
do
livro em vários paises. mdependentes dos
grandes grupos, que se dispõem a promover acordos comerciais solidános entre St
suscttando
e
desenvolvendo
em
particular,
alguns
processos
de
co-edição.
E
caso
deste livro.
que, tendo
sido editado
em
língua francesa
por
editoras
da
Europa,
Àfrica e Canadá, é agora editado na língua portuguesa, simultaneamente em Por
tugal ([email protected]), Brasil (www.pallaseditora.com.br), Angola
(chacaxmde@'ebonet.neu e
G u m é ~ B i s s a l
([email protected]), sob a chancela
de
editoras
nac10nms
envolvidas
no proJeto da Aliança
dos
Editores Independentes.
KS7p
Ki-Zcrbo,Jmcph.
/l?
P cd. Para
quando
a África?: entrevista
com
Rcné HoJenstem I
1' rcimpr.
joscph
Ki-Zcrbo : traduçjo Carlos Ab01m de Brito. - Riode
janeiro: Palias, 2009.
06-30: 9.
Traduçáo de:
A qmm l A(riqm•
: mtretieu mw Rt•né
Hoknstem
SfiK
978-85-347-0399-4
L Ki-Zcrbo ,joscph - Entrc'llstas. 2. H i ~ t o n a d o n . • s - Burkina
Faso- Entrcvtstas. 3. Áfnca, Sub-Saara -l'olítica cconómu:a.
4. Africa, Sub-Saara- História. 5. Afnca, Sub-Saara- Condições
sociais. L Holcnstcin, Rcné. 11 Título.
DD
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AGRADECIMENTOS
O utor agradece vivamente a René Holenstem sem quem
esta obra talvez
não
tívesse nascido.
Expnme igualmente sua gratidão
á
Senhora Camélia Gauts
chi HoJenstem bem como a todas e todos os
que
contribuiram
para a realização deste projeto com o seu mteresse e s suas
sugestões: Lolc Barbedette jacqueline Ki-Zerbo. Lazare Ki-Zerbo
Jean-Claude Naba Olivier Pavillon Françms
de
Ravígnan Pascal
ThiOmbmn o Alam Ectouard Traore. lsabelle Zango
Esta obra fO escrita a partir de entrevistas realizadas entre
2000 e 2002 em Uagadugu G enebra Pádua e outros Iocats.
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SUMÁRIO
Introdução: A memória
trampolim
para o futuro
Globalizadores e globalizados
2
Guerra e paz
45
DemocraCia e gove rno 61
Ciência sem consciênCia é a ruina da alma e do corpo. 85
Direitos do homem direitos das mulheres? 97
Se nos dettamos estamo s mortos 113
O desenvolvimento não é uma corrida olímpiCa 131
A
Áfnca:
como
renascer?.
155
Nota biOgráfica 163
Bibliografia 171
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L
INTRODUÇÃO
memória trampolim
para
o
futuro
No
decurso destas entrevistas, gostaria que o senhor
me
falasse
sabre as questões e os desafios que o
século
que começou representa
para
a África. Dirijo-me
ao
senhorporque é
urn
llistonador
célebre
e
porque foi uma testetmmlw privilegiada de grande parte da lzistóna
africana do sécuio passado. Além
disso.
sempre foz um
personagem
contemporâneo politicamente engajado que representou e defendeu
os
mteresses e
os
pontos
de
vista
do
continente africano
em
nu
merosas conferênctas e em comissões mtemactonais
de
alto nível.
Comprometeu-se
como
político
de renome
com o
futuro
do seu país
pagando muitas vezes
com
o seu próprio
corpo.
Como historiador.
através
de
seus
livros
e conferências. contribuiu
para
dar a conhecer
a histón a mundial a partir de uma perspectiva africana. No decurso
das
nossas
conversas.
pedirei
ao
senhor que comente
os
aconteci
mentos lnstóncos ahwis de um ponto
de
vista africano. Vemos llo1e
a África mergulhada
no
caos. envolvida
em
conflitos étmcos embo
ra essas imagens sejam encaradas como coisa nomzal. Quais são as
grandes
questões que
se
colocam Jw;e na Africa?
Entre
as
grandes questões está
em
pnmeiro lugar a do
Es-
tado. O Estado mal consegue se formar e já é pressiOnado
por
mstitulções como o Banco MundiaL Elas
ex gem
que exista
uma estrutura estatal cada vez menor. e a mfluênoa das em
presas multinaciona1s Impõe-se cada vez mats. Serâ que a Ãfnca
terá tempo de cnar um tipo de Estado semelhante ao europeu?
Hoje
os
dingentes a fncanos fazem do Estado
um
Estado patn-
momal ou étmco. que não eum verda deuo Estado que trans
cenda os particulansmos pelo bem c omum. Que tipo de Estado
acabará por satr dele?
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12
Nascido em 1923.
no
Sene
tal, Chcik Anta Diop cnou
1ma nova escola
de
estudos
11stóncos
c
antropológtcos so
nc a Africa
e,
em particular,
' Egito anugo em sua relação
·om a
Africa negra. De 1981
ttê sua morte, lcnonou
na
·acuidade de Letras e Ciênc1as
iumanas de
Oacar (capital
do
.enegan. (N.E.l
Joseph Ki Zerbo
A segun,
hei
a questão da unidade e da fragmentação da
África. Minha idéia, como você sabe, é que a Àfnca deve cons
titUir-se através da mtegração, que
não
existe verdadeiramente
hoje. E pelo seu ser que a África poderá rea lmen te vtr a tê
la; mas
ê
preciso um ter autêntico, não um ter de esmola, de
mendicidade. Trata-se do problema da id entidade e do papel a
desempenhar
no
mundo. Sem identidade, somos um obJeto da
lnstôna, um Instrumento utilizado pelos outros, um utensílio.
E a tdentídade ê o papel assumído; é como numa peça de tea
tro, em que cada
um
recebe
um
papel para desempenhar.
Na identidade, a língua conta muito. O século que co
meçou assistirá ã decadêncm das línguas afncanas? Sua lenta
asfixia seria dramática, sena a descida aos mfemos para a iden
tidade africana. Porque os africanos
não
podem contentar-se
com elementos culturaiS que recebem do ex tenor. Somos fotJa
dos, moldados, formados e transformados através dos objetos
manufaturados
que
nos vêm dos países índustnalizados do
Norte, com o que eles têm de carga culturaL Em contrapartida,
enviamos para o Norte objetos
que não
têm
qualquer men
sagem cultural a dar aos nossos parcelfos. A troca cultural ê
muito ma1s des1gual do que a troca dos bens matena1s. Tudo
o que é valor agregado é vetor de cultura. Quando utilizamos
esses bens, entramos na cultura daquele que os produziu. So-
mos transformados pelo vestuáno europeu
que
usamos, pelo
Clmento com o qual construimos as nossas casas, pelos comM
putadores que recebemos. Tudo Isso nos molda, enquanto nós
envmmos para os países do Norte algodão. café e cacau bruto.
que não contêm valor agregado específico. Em outras palavras,
estamos confinados a setores onde produzimos e ganhamos o
menos possivel, e a nossa cultura tem poucas possibilidades
de se difundir, de participar da cultura mundial.
É
por Isso que
um dos grandes problemas da Àfnca
e
a luta pela troca cultural
equltativa. Para tsso. enecess
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14
1
Sobre este assunto, ver as
obras de Herbert Marcuse.
; Nascido na Martlmca,
em
. 1913,
Aimé Césmrc
f o r m o u ~
se na Escola Nonnal Supenor
de
Pans.
Quando
estudava na
França,
começou
a escrever e
fundou, jUnto com Senghor
(ver nota 6l e outros, a rev1sta
L Étudiant Nmr. Voltou
ã
Marti
nlca
como
professor. Fm eleito
prcfe o de Fort de France
em
1945 e
deputado na
Assem·
bléia Nac10nal Francesa em
1946. Em 1957,
criou
o
Parti
do Progressista Martíniquês,
com a proposta de m d e p e n ~
déncta por uma
VIa
comunista
de mspnação pan-africantsta.
Sua vasta obra mclm poesta,
ensaiOS c
peças
teatrais.
N.E.)
Léopold·Sédar Senghor nas
t.:eu
em 1906, no Senegal.
Li·
cenctou-se em Letras em Pans,
onde conheceu Aimé Césmre
(ver nota
5),
com quem es
tabeleceu os
fundamentos
da
negritude. Tomou-se professor
e,
durante
a Segunda Guerra
Mundial, quando
lutou
no
Ext rc1to francês, partiCipou da
Frente Nactonal Umversitána.
Em 1945, fm eleito
deputado
pelo Senegal, em 1955, Secrc
tánode Estado e, em
1960.
tor
nou-se o pnme1ro ]Jresidente
do Senegal, car go que ocupou
atl>
lqRo,
quando 5e
retirou
da
vida política, passando a viver
na França, onde morreu em
2001. (N.E.)
Joseph KI Zerbo
Não, e. aliás, a história africana era desconhecida. Fiz todos
os meus estudos
no
âmbito francês,
com
manuais franceses.
Não havia nada no programa que tratasse da Áfnca. Ainda
pequenos, tínhamos de utilizar
um
livro
de
Históna francês
que
começ a assim: "Nossos antepassados, os gauleses .. " Asstm,
no miCio da nossa formação. houve deformação. Repetimos
maqumalmente o que quenam inculcar-nos. Mais tarde, na
umversidade. fiz todos os meus estudos sem
uma
referência
a
históna
da África, salvo de
modo
superfiCial.
em
relação á
htstória européia, para assmalar o papel da Áfnca
durante
o
tráfico dos negros, por exemplo. Posso citar-lhe
amda
os assun
tos do
doutoramento:
"Florença no século XV", A Alemanha
de Wetmar" .. Mas nada sobre a África Pouco a pouco, essa
exclusão fot-me parecendo uma monstruosidade.
Ao
estudar a
Idade Média européia e o período contemporâneo, tive vontade
de conhecer a htstóna afncana. Começava a mteressar-me,
preCisamente porque a sua ausência nos doía e nos deixava
sequiosos. O desejo de exumã-la, de
me
envolver nela. nasceu
dessa contradição.
Optei pela Históna, inicialmente,
porque
meu pai teve
uma
VI
da longa. Ele era um homem de Histôna.
Era portador
de uma
parte da nossa históna local. dado que fora o pnmeuo cnstão
do Alto
Volta. e gostava de contar os aconteCimentos. Assim,
fm preparado para o oficiO de htstonador por essa educação.
Considero também que a Históna e "mestra de vida"
(Histona
magistra vitae). E
uma disciplina formadora
do
espirito. porque
nos ensma a racioCinar pela consciênCia,
dentro
da lógtea e
além
da
ciência. Pouco a pouco, foqou-se em mim uma dupla
atitude. Uma consistia em dizer: "quero regressar às mmhas
raizes", o que eum movtmento capital para a constituição de
uma personalidade madura e autêntica. A outra constatava os
múltiplos elos que ligam este
continente
a todas as regiões do
mundo, no tecido da história. Foi asstm que a mmha personali
dade "situou-se por oposição",
como
dizem os filósofos. Consi
dero que
eum
pnvilégto beneficiar-me de uma "personalidade
multidimensiOnal"
4
Além disso, o que despertou meu mteresse pela
htstóna
afri
cana fm o fato de os nossos colegas mats velhos na Sorbonne.
como os poetas AimC Césaue-', Léopold-Sédar Seng hor
6
, Renê
Para qu ndo a África?
Depestré e outros,
nos
terem apresentado um olhar alternati
vo sobre a África. um
olhar
sem complexos, que respondia ao
desprezo com um desafio. Eles própnos tinham ficado trauma
tizados
com
essa educação capenga, míope, que desprezava e
ocultava os valores da cultura afncana, desde as línguas
ate
a
CIVilização material; e responderam, juntamente
com
Alioune
Diop
8
,
com uma
"presença africana".
uma
mensagem de renas
cimento.
Nós, os historiadores africanos, realizam_os a
~ m ~ d a n ç a
mdo
~ 4 ~ . mais
_IOiige.
A J i ~ ~ C ? - ~ · ~ ~ C e ~ s i d a d e
de
refundar. His
tóna a p ~ ~ E ~ ~ ~ ~ ~ i ? ~ ~ ~ ~ ~ ~ O Sistema colonial prolonga
va-se atê a esfera da mvestigação. Todas as pesqmsas em agro
nomia, geografia e economia eram feitas em grandes mstitutos
no estrangeuo. A pesqmsa era
um
dos mstrumentos da colom
zação, a tal ponto
que
a mvestígação
histónca
tinha decidido
que
não
havia htstória afncana e que os africanos colomzados
~ ~ m
pura e stmplesmente
condenados
a endossar a htstó
r l ã ' d o C ô l O ~ í ~ â - d ô f . ·pO por esta razão que nos dissemos que
t ~ m o s
de partir de
nós
própnos
para chegar a
nós
própnos.
Você sabe_ que procuramos novas fontes da h1stóna africana,
~ ~ ; m e n t e a tradição oraL Provei que a expressão
11
pré
históna1'--efã ~ n - a d C ( i ~ ã d 3 . . N ã O V e , ~ ~ ~ q ~ _ : _ ~ ~ ~ ~ õ - à s ·
p r ~ f f i e ; ; o s
lmrnancis;que-inVe·ntaiam a posição ereta, a palavra._ a arte, a
r e í i g l ã ó ~ O - f O g o , os
p n f f i e i r õ S . U t e ~ ~ Í Ü o ? , ~ · p ~ ~ ~ ; ~ ~ ~
; ; : ; ~ ; t ; t s
as p n m e l r a S . C U i t u r ~ ~ - . ~ ~ ~ ' : ~ ~ ~ :
i ~ ~ r J ~ ~ < : t .
- ~ ~ s - ~ ? n a Ninguêm
me contradisse. Onde
_ ~ ~ g g ç _ J J < I i a _ p _ u m a n p s _ há. ? - : _ : ; ~ ~ ~ a ,
com ou sem escrita Você vê que havm cmsas a endireítar. De
qUaiê}üCr··mocto. reConstruimos a Históna sobre bases que, em
bora não
sendo
especificamente africanas. são essenCialmente
africanas. Pode-se dizer
que
nôs. histonadores, fizemos um
enorme esforço. Não digo
que
fizemos tudo, mas partimos da
metodologra, da problemática, da heuristica da nossa discipli
na
para renovã-Ia, também a semço do
continente
afncano,
mas em pnmeiro lugar a serviço da ciênCia, como gostava de
repetir Cheik Anta Diop.
Na Sorbonne, tancet-me de corpo e alma aos estudos, com
paixão, aproveitando ao
máxtmo
a oportunidade
muito
rara.
que nos
era oferecida, de sermos discipulos de grandes mestres
da ciênCia histónca e polítíca,
como
Pierre Renouvm, AndrC
15
7
René Depestre nasceu em
1926. no Haiti. Em 1945, so·
mente com o curso secundâ
no completo, publicou sua
pnmeira coletânea de poemas
e fundou o JOrnal La
RuciJC
um
espaço para os
mtcledu·
ms haitianos que lutavam pela
identidade
naaonal.
Apos
uma msurre1ção fracassada em
1946,
fm
exilado. Na França,
estudou
Letras e ligou-se ao
-DlOVlllli IltO
_ anticoloma-IIsta.
Expulso em 1952, passou por
vános
paises (inclussvc Haiti,
de
onde foi novamente ex
pulso), até fixar-se em Cuba,
onde
trabalhou no Mimsterto
das Relações Extenores e no
Conselho Naaonal da Cultu
ra, além de
fundar
a editora
Casa e las Américas Em 1978
fo1
trabalhar na UNESCO, em
Pans. (N.E.l
11
Alíoune Diop (1910-1980)
nasceu no Senegal e bachare
lou-se em Filosofia
na
Umver
sidade de Argel (capital da Ar·
gélia). Após a Segunda Guerra
Mundial, passou a trabalhar
na admmtstração colomal. Em
1947, fundou
o jOrnal Presença
Africana, que atuou como um
pólo de concentraçâo df ..t?O·
vtmento anticolomalista afri·
·
CariO o-qu-ãiP-rõii-iOveU--o-Pri·
meuo Congresso de A r t 1 s t a ~
c Escritores Negros
(1956)
(
cnou
a Soc1edade de Cultura
Africana, de que Alioune Díop
fo1
secretàno-gera ate sun
morte. N.E.)
-
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6 joseph KI Zerbo
Aymard, Femand Braude , Raymond Aron e outros. Durante
esse período, vivi num mero
onde
a ideologia marxtsta preva
leCia
mtidamente. Os estudantes afncanos da época estavam
mats menos marcados por essa ideotog1a. devido
á
Guerra
Fna. Eram os "súditos co1omats".
com uma
superestrutura
intelectual mcompatível
com
esta condição. O marxismo des
mascarava as realidades camufladas e decodificava os discursos
alienantes das justificativas. e também apresentava um volun
tansmo
capaz de fazer a htstôria,
de
transfor mar as soctedades
e de caminhar para a cnação de um homem novo"; assim, ha
vía Simultaneamente a luta concreta, a rejeição radical do status
quo. Era
o tipo de compromisso exigido pela nossa condição
de africanos naquele
momento.
Ao mesmo tempo. ftu muito
marcado por Ernmanuei Moumer,
um
filósofo cnstão, que re
teve muitos elementos da tradição européia
do
espírito crítico
e de luta para libertar a pessoa
humana de
todas as forças de
opressão e obscurantismo. Ernmanuel Moumer sublinhava que
o comb ate peta
JUStiça não
deve abafar a liberdade, mas a liber
dade humana, longe de ser uma condição. era sempre
uma
li
berdade sob condições.
Obviamente. os comumstas afncanos se autoproclama
vam "verdadeuos progressistas" e se recusavam a renunCiar â
plataforma do "socta1ismo Científico". Para eles, nós. os cns
~ ~ r e s s t s t a s
éramos suspeitos
de c o m p l a c ê ; ~ ~ - ~ s
ocidentais porque. considerando a Juta de ctasses como uma
constatação htstónca, recusamo-nos a vê-la
como
uma opção
teónca e uma estratégia mequivoca. Para nós, a revolução
não
consistia necessanamente
numa
fratura VIolenta. mas na
transformação estrutural mscrita
no
tempo, preocupada com
a ma10na dos despoJados, mas, simultaneamente. recusando
transfenr para as
mmonas
os custos
humanos
mcompatívets
com
um
minimo de direitos e recusando o reformtsmo ctim
plice da vwlêncta estrutural do status quo. Os cnstãos afncanos
demonstraram. na realidade, que eram tão naciOnalistas
como
quaisquer outros.
Em
reVIstas
como Tam Tam por
exemplo. to
maram a dianteua no debate sobre a "descolomzação" e sobre
um_ s?c;Jalismo democrático
a d a p t a ~ ? ~ s
r ~ ~ ~ 9 ~ ~ e s . m t ~ ~ ~ ~ s e s
e valores da África.
· -
Para
quando
a África?
Tradicwnalmente. a História ocupa se de questões reiativas ao pas-
sado. Gostaria de convidá lo a
preczsar
a sua concepção
da
História.
O desenrolar
dos processos
lustóricos é um produto do acaso ou os
desenvolvimentos históncos estão submetidos a leis? Como llistona-
dor.
como o senhor apreende o futuro?
A históna
anda
sobre
dOis
pés: o da liberdade e o da neces
sidade. Se considerarmos a
históna
na sua duração e
na
sua
totalidade, compreenderemos
que
há, stmultaneamente,
con
tinuidade e ruptura. Há períodos em que as mvenções se atro
pelam: são as fases da ~ e c n a ~ E há
momentos
em
que. porque as contradições
não
foram resolvidas, as rupturas
se
impõem: são as fases
da
necessidade.
Na mmha
compreen
são da htstóna, os dois aspectos estão ligados. A liberdade re
presenta a capacidade do ser
humano
para mventar, para se
projetar para
diante
rumo a novas opções, adições, descober
tas. E a necessidade representa as estruturas sooais, econômi
cas e culturats que, pouco a pouco, vão se instalando,
por
vezes
de forma subterrânea, até se Imporem, desembocando
à
luz do
dia numa configuração nova. De uma certa
maneua.
a parte
da necessidade da história escapa-nos. mas pode-se dizer que,
mats cedo ou maiS tarde, ela h
-
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18 oseph
KI Zerbo
u sala do Jogo de
Bola
era a
quadra de esportes do
paláao
de Versalhes, residênda ofi
Cial do
rei francês.
Em
maio
de
1789,
Luis
XVI
convocou a
Assembléia dos Estados Gerats
{representantes
da
nobreza, do
clero e da burguesia). Os repre
sentantes da burguesia reru
saram-se a seguu regras dis
crtminatónas, e o
re1
mandou
fechar a sala do palácio onde
eles se reumam. No dia 20 de
junho, tendo--se proclamado
deputados e formado a
As-
sembléia NaCional, invadiram
a sala do Jogo de Bola e jura
ram não sair dali até que fosse
promulgada a Constituição,
sendo apoiados por alguns
membros
do
clero e da nobre
za. No dia 9 de julho, orgam
zaram a Assembléia NacJOnai
Constituinte que,
na
noite de
4 de agosto, proclamou a ex
tinção dos direitos feudais na
França. A ún1ca exceçã o
na
eli
mmação das antigas regras de
desigualdade fot a escravidão
dos negros nas colõmas, que
permaneceu. (N.E.)
via nele uma mspuação. urna visão e urna vontade política que
puseram em marcha os JOvens universitános que éramos na
época. Éo que eu chamo o pé da liberdade.
Mas
o presidente
da
Costa do Marfim. Houphouet-Bmgny,
não
quena a unidade
africana nessa época.
FOI
o que ele expnmm ao afirmar que a
Costa do Marfim não devia ser a vaca leíteua da Federação dos
Estados da África OcidentaL No entanto, a necessidade impôs
se a ele. Quando crmu mdústrias na Costa do Marfim, percebeu
que era necessáno que outros países enVIassem trabalhadores
para as pJantações
ou
para a construção
dvil
da Costa do Mar
fim. Também necessitava dos países vizinhos como compra
dores. Assim. foi o própno Houphouet-Boigny quem cnou o
Conselho do acordo que agrupa
os
Estados da África Ocidental
francófona.Eum caso muito prectso em que vemos que há. de
tempos em tempos, grandes personalidades
CUJa
imagmação
provoca saltos para diante. Mas. por vezes, fica-se sob o pé da
necessidade subterrânea durante muito tempo, até o dia em
que as pessoas dizem que é absolutamente necessãno mudar
de
direção.
Qual
é
o lugar da revolução na sua concepção
da
Históna?
revolução é o processo estrutural que, de forma
mVIsível.
faz as coisas avançarem até o
momento
em que a potencJalida
de dessas estruturas é tal que torna-se absolutamente necessã
no dar um saJto qualitativo. MenciOno mats uma vez o caso da
unidade africana. Suponhamos que continuamos sem unidade
durante mais cinqüenta anos e que os problemas se agravam,
do ponto de vista das epidemtas. do analfabetismo, do empre
go etc. Estou certo
de que
grupos cada vez
maiS
numerosos da
SOCiedade CIVil dirãO um dia:
"JSSO
não é pOSSÍVel, basta,
e eM
mats ", e cnarão os Estados Gerai
-
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2 oseph
i ~ Z e r b o
mana correta, talvez esteíam reunidas as condições para desco
bnr finalmente uma solução específica: para mstatar uma nova
decoração. mventar um novo
cenáno
e fazer
uma
nova escolha
de atores para uma nova peça, mats digna do ser humano.
GLOB LIZ DORES
E
GLOB LIZ DOS
O processo de globalização registrou, nos anos noventa. uma acele
ração extraordinária. A economia m rede é ompresente. a aldeia
planetána
tomou- se proverbiaL Mas. ao mes mo tempo. desenvol
ve-se a resistência contra o neoliberalismo. Nos países industrla
lizados. mui tas pessoas consideram-se mms como vítimas do que
como beneficiárias da giobalização. Aparentemente. os capitães da
ecorwmia mundial estão cheios de compreensão reiativamente aos
motivos d oposição. Alau Greenspan, presidente do Banco Central
dos Estados Unidos. reconhece o recew legí timo que os alterglo
balistas13 têm
de perder,
no nível local, o controle político
do
seu
destino. Klaus Sclnvab. fundador do Fómm Econômico Mundial de
Davos
14
• declara que os temores expressos nos mot•tmentos de pro
testo são compreensíveis. Michel Camd essus. antigo diretor-geral do
Fundo Monetário Intemacíonal FMI), pensa que a globalização.
por aproximar os povos. pode ser um avanço para a unidade
do
mund o . Segundo ele, não se deve nem sacralizá-Ta. nem demomzá
la, mas tentar lwmanizá- la em nom
da
dignidade da pessoa''. Qual
é a sua apreciação da globalização? Do que se trata exatamente?
Quazs são os desafios para os pafses africanos?
Do ponto
de
VISta afncano, a globalização é o desenvolvi
~ ~ - ~ ~ } § ~ i ~ ~ i o
si:tema
c a p i t a l i ~ . a _
?.:_e _< _dução. Este atingm
um patamar a partir do qual deve necessanamente adqumr di
mensões
planetánas
ou desaparecer. Os conceitos de compe
tittvidade e rentabilidade levam a uma espéCie de danvtmsmo
15
econômiCo. Resultado: só os ma1s aptos - tlle {ittest, como
dizem os mgleses
sobreviverão.
Atraves da globalização. o
13
Chamado
onginalmen
"antlglobalismo". o altergl
balismo surgtu como um m
vtmento de reststenaa cont
o mo delo económ CO neo
beraL
Aos
poucos, incluiu n
vas bandeiras fora
do
ãmbi
econômico, como a presen
ção de identidades cultur<
e direitos humanos. Passe
asstm, de uma contestação
tra.ad denta l a um moVJmen
mundial. voltado para a
bm
de modelos alternattvos de {
senvolvimento.
(N.E.)
H O Fórum Económtco Mu
dia
World Econmmc Fonl
WEF) é uma fundação cria
em 1971.
com
sede em Ger
bra (Suiça), cujos membros s
escolhidos por sua postçãu •
ramo de negócios
ou
no s
pms
de
ongem, e pela dim{
são global de suas att\idad
Esses membros. as aproxm
damente mil maiores emp
sas do mundo, pagam m
anuidade
de
S12.500; os p
ceuos são cerca de 100 me:
bras com direito de
deas;
que pagam uma anuidade
S250.000. Sua reunião anu
para a qual são convi.dac
alguns írleres políticos, m
lectuats e JOrnalistas, é
re ·
zada em Davos, na Sulça.
WEF
ê visto, por seus membr·
como um lugar pnvilegta
para o debate dos pr:inctp
problemas económtcos do p
neta, e, por seus críticos, cot
um fórum empres.anal
que as grandes corporaç<
mternacmnats negoctam en
r:
-
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Joseph KI Zerbo
SI e _cnam mecamsmos para
pressmnar os governos para
que,
aceitem seus planos de
negoaos. (N.E.)
15
Charles Darwin (1809-1882)
mêdico mglês, formulou
teonada
evolução das espéaes,
que contranava totalmente o
pensamento
oentífico
oficial
da época, fundamentado na
doutrina bíblica da cnação. ao
afirmar que as es{lédes atual
mente existentes resultam de
um processo evolutivo, sendo
que a direção da evolução
é
dada pela sobrevtvênda dos
indivíduos maiS capazes de
cada geração.
Essa
teona
foi
mdevidamente aplicada ao
estudo das sooedades huma
nas, dando uma base pseudo
dentífica a idéia de que o topo
da evolução humana consiste
no indivíduo do gênero mas
culino, branco, VJvendo num
me1o urbano. No campo da
economia, a idéia
de
luta pela
sobrevJvênaa é usada para
justificar a ação de empresas
e conglomerados sobre outras
empresas e a té paises. (N.E.)
16
Conferênoa Monetána e
Financeua das Nações Unidas,
realizada em Bretton Woods
EUA),
em 1944, a fim de fazer
planos econõm1cos para o pós
guerra. í foram {lfOJetados o
Banco Intemadonal de Re
construção e Desenvolvimen
to
BIRD)
e o Fundo Monetáno
intemaoonal FMI).
N.E.)
capitalismo sai do quadro puramente nacional para adotar di
mensões planetánas.
ou
mesmo cósmicas. prop nedade bem
localizada no
tempo
está prestes a voar
em
estilhaços,
como
resultado dos movimen tos de capitaís especulativos. econo
mta baseada na oferta ímposta. se for prectso, pelo monopólio
a mercados cativos, substitui a economia
da demanda
solven
te, proposta por john M. Keynes para estimular as economias
naciOnais e mundial. Tudo Isso produz, necessariamente,
um
quadro mundial extremamente fluido da distribUição do con
trole econômtco,
que não
funciOna a favor dos consumid ores.
Outrora, o capitalismo funcionava segundo
uma
palavra
de
or
dem bem conhecida: 0 client e ê rei." HoJe, já quase não ex1ste
esta referênCia; o sistema funciOna. quase exclusivamente, em
função das trocas. Vendem-se e compram-se ações, e os atores
deste jogo do dinheiro nas bolsas mternac10nais
ganham
dez
ou
vmte vezes
ma1s. por
dia, do que aqueles que mvestem o
seu
dinheuo
na produção. Voltamos ao capitalismo mercantil,
mas num sistema ainda mais
desumano
que o capitalismo do
século XIX.
Diante de um modelo econômico desta natureza,
na
au
sêncta
de
uma verdadeira burguesia naciOnal. o capitalismo
africano
não tem
qualquer chance. salvo como parte de
um
SiStema crmdo a partir do sêculo XVI e hoje domina do pela tria
de Estados Unidos-Europa-pólo asiático. O capitalismo
mun-
dial está dotado de tecnotog1as de comumcação extremamente
sofisticadas, que estão longe do contr ole dos africanos, mesmo
parCialmente. O mercado da mformâtíca.
no
nível
da
produ
ção, ê-nos quase estranho . economia mundial tornou-se
uma
economia
de
mte1igênc1a e de mformação; baseia-se cada vez
menos nas maténa s-pnma s dos países do Sul. Já
nem
quer con
sumu os
produtos brutos que a África fOI obrigada a
produzu
e a extrau da sua terra durante o período colonial. VeJa-se, por
exemplo. a substituição do cobre pelas fibras ópticas.
que
arrUI
nou
Zâmbia.
As
palavras de ordem exibidas por alguns parcei
ros
da
Áfnca. segundo as quais a Áfnca
não
deveria perder
o
trem do terce1ro milênio", são estúpidas.
É
verdadeuamente o
que se
chama
o ópiO do povo. para abusar das pessoas e lançà
Jas
numa corrida para a frente,
quando
se sabe que elas nunca
Para quando a Ã.frica? 3
conseguirão atingu a meta enquanto certas condições prévias
não
estiverem preenchidas.
Com
o fim da Guerra Fria, todo o planeta se tornou o ta
buleuo
de
JOgo do capitalismo. É
como uma
espécie de arena,
onde
só se
enfrentam
gladiadores de pnme1ra categona. A Áfri
ca tornou-se
ainda
mais vulnerável
diante
de um capitalismo
deste gênero. Já
nem
sequer pode desempenhar o papel que
os colomzadores franceses
ou
mgleses
lhe
atribuíram. Durante
o período antenor, sob a capa das nações européias, podia-se
ter
esperança de avançar. Agora. o capitalismo desembaraçou
se das escónas
de
tipo nacional. Os dirigentes africanos,
que
foram formados
na
escola das mstitUições de Bretton Woods
16
e
que
são impelidos a tornarem-se chefes d;Estâdo na
Á f r i ~ â
deiXaram
de
ter esta referência
naoonal,
quer colomal.
quer
neocolonial.
Em__Q.u_t_r;:ts _ ~ l a v r a s _
~ ã _ o _ . _ ~ e globaliza .mocent emente. Pen
so que dificilmente poderemos
ter
um lugar na globalização,
porque fomos desestruturados e deixamos
de contar como
seres coletivos.
Se
você comparar o papel
da
África com o dos
Estados Unidos, verá os dms pólos
da
situação
na
globalização:
os gtobalizadores,
que
são os Estados Unidos, e os globalizados.
que
são os afrtcanos. Não sei de
que
lado você se situa:
quanto
a
mim,
eu sei
que
sou
um
globalizado. A África,
como
conti
nente, situa-se mais nesta categoria, porque é uma questão de
relação de forças. Ê a questão de saber se somos sujeitos da hiS :
tóna,
Se
estainOS aqui para desempenhar
um
papel
na
peça de
teatro. Na realidade.
não hã
peça onde só
hà
atores principais.
Também deve haver figurantes, e nós. afriCanos, fomos clas
sificados como figurantes, Isto
é como
utensílios e segundas
figuras para
pôr
em destaque os papéis dos protagomstas.
Como
o
senhor
v li
giobalização
de um
ponto de l lSta histónco
O papel
da
África
nunca
mudou a partir do século
XVI.
é este o--nosso problema: Aígu-nSESt-;-d;s-nactOOãlS--ctesempe
nham a· papel ·de· IOCoffiotiva e outros desempenham,
hà
á
alguns séculos, o papel de vagões. Mesmo
que
a locomotiva
aumentasse a sua velocidade,
1sso nada
mudana
na
pos1ção dos
vagões:
nunca
se vtram vagões ultrapassando a locomotiva
-
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24
11
Termo cr1ado na Rússia
cw -
nsta, que designa uma elite
intelectual constituída como
classe SOCial. (N.E.)
Joseph KI Zerbo
Mas sabemos que são estruturalmente complementares, pelo
menos enquanto os vagões aceitarem sua posição.
A Áfnca evoluiu, com o todos os outros povos do mundo, de
mane1ra progressiva, desde os pnmetros agrupamentos huma
nos da Antígüidade egipcta até o século XVI, a raves das chefa
turas, dos remos. dos ímpenos cada vez mats importantes, tsto
apesar da dificuldade r e p r e s ~ n t a Q i l peio Saara. que ocupa _quase
---
---·
: ' E : - ~ - ~ f . Ç Q _ d o . _ c _ Q P J D ~ D ~ ~
- ~ ~
~ . l m d e ~ e n v o l V I m e n t ? ~ _ 9 t á -
veí. ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ _ 9 _ p e l ç ? Cientistas e viajantes da época, tinha íntc:gra
do a escrita com o saber e o poder da Civilização
a u t ó c t o ~ ~ ~ ? S
seculos XIII e XIV, a cidade de Tombuctu era mais escolarizada
· qüe
ã
~ I ~ r i ~ - d a s ~ Í d a d ~ ; - ; n ~ I o g a s na E u r ~ p - a . ~ ~ ? ~ ~ ~ ~ ~ d a
~ r a b e . - bem entendido, mas, por vezes.
a_s
línguas subsaarianas
E t m ~ ~ l . - ~ ~ ~ . 1 - . ~ P r : s s a s na escrita árabe. Aí lecionavam cientis
tas e professores do ensmo s upenor que eram tão estimados
no
mundo da tntellige11tsia
7
- tanto da Áfrtca quanto do mundo
árabe e da Europa - que
os
discípulos atravessavam o Saara
para ouvir
os
mestres de Tombuctu, Djenne e Gao.
~ ~
_
: : ; c ; u _ I ~
~ V I .
começou a invasão
vmda
do extenor:
uma
g : ~ _ : : : J e i n i ~ l · u s s ã o ,
c o ~
as " g r a n d ~ s descobertas" da Áfnca ao
-sul
do
Saara e da Aménca Latina. Essas descobertas í m p l i ~ ~ - ~ a m ,
como você sabe, o tráfico dos negr_os. Depms do genocídio dos
í n ~ i ~ ~
na
Aménca, o tráfico custou a vida de dezenas de .mt
~ - ~ - e ~ - ~ e africanos, que foram arrancados a este conti nente e ex
pedidos, em condições atrozes, para além do ~ e ~ ~ _ 9 Atlântico.
Nenhuma coletividade humana fOI ma1s inferiorizada do que
os negros depOIS
do
século XV. Foram encomendados escravos
negros aos milhões; utilizaram-se
os
negros como reprodutores
de outros negros,
em
"coudelanas" constituídas para produ
Zir novos negnnhos para o trabalho nas plantações. Quantas
crianças africanas foram
JOgadas
dos navtos, ou abandonadas
nos mercados de escravos. longe das mães que eram Jevadas,
porque era preoso muito tempo para alimentei-las até que fos
sem exploráveis? Os escravos eram comprados às toneladas.
Amputava-se e esquartejava-se como carne bruta
os
rebeldes
ditos "negros castanhos" Durante esse tempo. na Europa.
os
teólogos debatiam doutamente a questão de saber se os negros
tinham
aJma.
F01
uma pergunta
que
não se
fez
a propósito de
outros grupos humanos. Tudo
1sso
é conhecido. mnguem pode
Para qu ndo a Ãfrlca
negá-lo. Mas como se pode o n s ~ g u i ~ _não.
~ ~ C Q ~ t i . e c e r
que toda
a espécie huffiaiiã. f Ó i i n f f - r ~ ~ ~ - ; z ~ d a , . h u m i l h a d a , c r u ~ Ú i c 3 c t a por
esse tratamento? O tráfico dos negros foi o
ponto
de partida de
uma desaceleração, um arrastamento. uma paragem da htstóna
afncana. Não falo da história na Áfnca, mas de uma mversão,
urna revuavoita da história africana.
Se
ignorarmos o que se
passou com o tráfico dos negros, não compreenderemos n a ? ~
SObre
a África.
A ê:Otõó.iiãção realizou uma segunda forma de economia
global. Primeiro, através do tráfico dos negros e da escravatura,
a África tinha contribuído para Impulsionar a Europa para a
industnalização. A colonização fot muito mais curta do que o
tráfico dos negros, mas
fm
mais determinante. O colomalismo
substitUIU mteiramente o Sistema afncano. Fomos alienados,
tsto
e,
substituídos por outros. mdusrve no nosso passado.
Os
colomzadores prepararam um assalto a nossa htstóna. O "pacto
colomal"
quena
que os paises africanos produzissem apenas
produtos em bruto, matérias-primas a envmr para o Norte, para
a mdústr1a européia. A
própna
África
foi
apnswnada, dividida,
esquarteJada, sendo-lhe imposto esse papel: fornecer maténas
pnmas. Esse pacto coJomaJ dura até ho1e. Se a n a l ~ : J - ~ ~ - ~ ª :
lança comerCial dos
p a i s ~ ~ a ~ ~ a _ : : ? : : v e _ ~ . : _ r r : ~ ~ - - q ~ e _ § Q ~ ) - - ~ ~ S _ Q : ? : o
OõVaiõr das suas exportações são matérias-primas. Para alguns
deles;-é
o
Cobre; para OiifiOS é ~ d j á l i x i i ã : O
~ r ã ~ ~ ~
o algodão.
Quando, JUntamente com Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral'
8
e
outros, nos batíamos pela independência africana. replicavam
nos: "Vocês nem podem produzir urna agulha, como querem
ser mdependentes?" Mas por que razão os nossos países não
podiam produzir uma agulha? Porque. durante cem anos de
colonização, tinham- nos r emetido para esse papel preCisO: não
produzir
nem
sequer
uma
agulha. mas rnaténas-primas. Isto
e, despojar todo o continente. No plano político,
os
africanos
foram mobilizados para "lutas nobres" Não faia das guerras
sujaS
colomais onde
se
utilizavam uns contra
os
outros - no
Vietnã, na Argélia, em Madagascar e em outros locais. Durante
a Pnmeua e a Segunda Guerras Mundiais, os nossos umãos. as
n O s S 3 i . i i D ; ' â ~ ; - ~ ; · ~ o s s o s pais p a r t i ~ 1 P a r ~ ~ - i ~ i a - c ? ~ t r ~ _ f _ ~ ã - ~
ztsmo e o fascísrno. Contribuimos, como seres humanos, para
defender os prmcípws sagrados da dignidade humana.
25
em
Em
1932,
fm
pariJeltJõ Verde,
onde começou a trabalhar na
imprensa Nac10nal. Estudou
agronom1a em Lisboa, e em
1952 passou a trabalhar nos
Sernços Agrico as e Floresta1s
da Gumé. ~ . . Q . . . . P i l i s _ e m
1955, foi para Angola, ligando:
se ao Movung_r)_t_q_{:Qp_u ar
de
L ~ ã o S l e ~ . Q g 9 J . l
Mf:LA .
Em
1955,
foi mado
o Partido
Africano· ~ I O º e p _ ~ ~ d _ ê l c t a · da
Gulrtê
. ~ C a b o
Verde (PAIGQ
n ã G ~ ê P ô ~ g U C i à : Em
1960,
o partido abriu uma delegação
em Conacn, de onde Amíl·
car Cabral passou a
dingu
a
luta pela independência
_ae
'Bissau.
Em
1973, Cabral fm
assassinado por um comando
da Guiné Portuguesa, apoiado
pelo governo de Conacri, que
realizou
uma
operação para
prender e eliminar os dirigen
tes
do PAIGC
sediados nesse
pais. Sobre Nkrumah, ver nota
9. (N.E.l
-
8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa
13/86
6 Joseph KI Zerbo
Hoje, quando nos falam de globalízação, você pode com
preender as hesitações dos africanos. Bem entendido. há afri
canos de postção sooal mais elevada que vão morder essa tsca.
Pelo seu nivel de vida ou por seu papel nas organizações mter
nactonms
ou nacmnats. fazem parte dos globalizadores, como
seus parceuos. Mas a matona consciente. que já sofre os efeitos
negativos, desconfia da tsca, porque não e a pnmerra vez que
lhe
falam de econorrua global. Os movimentos e mobilizações
dos smdicatos contra as pnvatizações são significativos. Porque
os
~ ç i q _ r ~ s ~ ~ ª - ~ - ~ f l que
a lógica Implacável
do
lucro,
émpresários privados, ê ; ; ; c t & ã - ~ a custa.
Qums são os pontos
comu1lS
das três fases da globalização?
Há
elementos de continuidade, pelo menos no próprio
principio da economta capitalista. espeCialmente o lucro. É a
Idéia de manter o mercado livre e de fazer crer que todos se
aproveitarão dele ao máximo e do melhor modo. Mas, com
as
novas
tecnologtas da comunicação, estamos perante
um
mer
cado novo, que deu uma nova forma ao capitalismo. O Estado
nacronal é ultrapassado
e
mats do
que
nunca, estamos perante
uma
economia de oferta: produz-se em ~ a n t i d a d e , procuran-
.,?o-se fabricar consumid?res. adaptá-los à _ p r ~ c ~ ç ª - º · Creio
que
este é o centro
do
sistema capitalista atual. E a África
mais
uma
vez, neste domímo, está muito mal dotada.
Desde as independênaas dos Estados africanos nunca se
procedeu
a tantas refonnas nos
domàzíos
político e sociai
como
durante a
última década Apesar de tudo a maíor parte dos Estados africanos
ao sul do Saara
faz
parte dos perdedores da globalização. Qual é a
problema?
Esse
tercerro episódio da globalização e
O
estágiO supremo
e último da domesticação. Evoquemo-lo rapidamente, come
çando pelos aspectos ambtentais.
Como
você sabe, estamos em
vias de despovoar
os
mares africanos. Os recursos pesqueuos
são verdadeuamente saqueados. A desertificação avança, as
flo
restas troptcais e equatonais estão em processo de regressão. A
Costa do Marfim perdeu dOis terços da sua floresta
no
decurso
Para quando a África
7
do secuto XX. Como queremos não cammhar para o deserto?
Outro aspecto
da
destrUição ambiental são o ~ _ ~ e s _ í d u ~ s _ t ~ ~ ~
que as empresas do Norte transfenram para a África, por vezes
com a cumplicidade dos nossos dingentes. Um chefe de Estado
fOI
acusado de ter concedido espaços do seu país para enterra r
resíduos, cuja natureza e tox1cidade nem sequer eram conhe
cidas.
No plano econômico. as conseqüências são desastrosas.
Ainda
no
tempo c o l ~ m a l , havia uma complementaridade de
produtores. Uns estavam espeCializados na indústna, outros
limitados à produção
de
maténas-primas. Mas essa produção
de matérias-primas reduz-se cada vez mais porque temos cada
vez menos necessidade de matérias-pnmas naturais. TodaVIa
o Banco Mundial empurra os países africanos para a produção
comerGaL Por quê? Porque a produção comerctal é paga em
dólares que servem para reembolsar a dívida. Conseqüênoa:
quarenta anos depots da mdependênc1a, não produztmos nem
uma
esferográfica. A nossa balança comercial sofre com tsto e
os povos, além de enfr entarem a msegurança ambiental
( q u a n ~
to â biOdiversidade), sofrem co; ta s e ~ : < : ? s a _ alimentar, que
era menos grave no tempo colomal e pré-colomaL
O Banco Mundial e o FMI pressiOnam os paises africanos a
fazer pnvatizações baseadas no prmcípiO do lucro mdividual.
A polítíca de pnvatizações alterou t otalmente o nosso ststema
de saúde. Mendono o caso dos médicos do hospital pnnàpal de
Uagadugu
19
• Enquanto o sistema era estatal, os médicos con
sagravam todo o seu tempo aos doentes. O Estado dotava o
orçamento
soaal
de
meiOs
financeiros sufictentes para cnar
condições de trabalho que pudessem mteressar aos médicos.
Mas. a partir do momento
em
que o Banco Mundial propôs
ao governo a pnvatização
do
srstema de
saUde
era necessário
tomá-lo rentável. O governo compnrmu os orçamentos da
~ ~ a ú d ~ -Por
~ ~ d ~ - ~
do Banco MundiaL A pnvatízação consistiu
em onentar-se para uma transferênoa dos hospítats públicos
para a hospitalização pnvada, embora tivesse havido uma cor
rida para constitUir clímcas.
HoJe os
médicos remetem pura e
simplesmente os doentes para as suas própnas clímcas quando
os consultam no hospitaL Mas as clímcas são totalmente ma
cessiveis aos pobres, dado que os cuidados de saúde são muito
19
Capital de Burkina Fass1
(N.E.l
-
8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa
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8 Joseph KI Zerbo
=o Zona de transição entre o
Saara c a região de clima equa
tonal Umido ao sul do deserto.
(1 -E.)
mais caros nelas. Quando se entra num hospital, tud o
e
pago.
aliás. tanto para entrar
quanto
para Sair. Uma vez termmados
os tratamentos, quem não pagar
não
sat do hospitaL
Em
breve,
a saúde será
um
bem reservado exclusivamente aos ncos: um
bem privatizado.
A pobreza nacional nos países
do Sahef °
é acompanhada
por uma
grande desigualdade na distribuíção dos rendimentos. Na maíona
dos países. maJS de metade do rendimento nadonal está concen-
trado
nas
mãos dos
20
maís ricos. enquanto os
20
maiS pobres
dispõem apenas de cerca de
5
do rendimento nacional. Qual é
a
lógrc
deste sistema? Quais são as conseqüêndas sociais desta
situação?
Na Europa, o capitalismo fm constr uído sobre a exploração.
_ ~ ~ u r n u l ç ã o f o t · ~ ~ ~ t ~ · cios trabalhadores. a faVor de
outras categonas sociais. a tal
ponto que
a Europa· se
tornou
um modelo umversal.
A
lógica do ststema.exige a acumulação
do
capital
à
custa de certos fatores
de
produção,
e s p e c i a l m e n t ~
os custos humanos.
É aqUI
que o
c a p i t a l i s m ~ · g e r a l m e r t e
se·
. desdassifica: para promover
um
ser
humano, é
preciso esmagar
do1s ou
três. Os ocidentais querem
que
os países africanos fa-
çam corno a Europa, mas no mtervalo de algumas décadas, não
em
alguns séculos
como
fot lá. A exploração. então, e muito
mais dura, porque é
compnmida num
lapso
de tempo
mut
to curto.
É
a corrida às taxas
de
crescimento. e
não
à promoção
humana. O
SIStema
gera. por tanto, a pobreza. e desemboca
na
paupenzação. Não se deve considerar
que
a pobreza é a causa
do
subdesenvolVimento-
ela
eum produto
do sistema atuaL
Mas atua-se
como
se a pobreza fosse uma entidade metafísica
que
afeta, por mfelicidade, certos grupos da espécie
humana,
por razões que têm a ver só com eles. A pobreza é tratada a
postenon
sem levar em consideração as forças e estruturas do
sistema. Habitualmente, essa contradição fundamental
não
e
esclarecida.
No decurso da sua hJstóna, o capitalismo produziu muitas
mvenções e Impeliu os povos para novas realizações. Mas, ao
mesmo tempo, sempre produz1u a pobreza. No tempo pré-co
lama , e mesmo d urant e a colomzação. as soCJedades afncanas
- - ~ ~
i
I
I
I
I
Para quando a África 9
eram marcadas por um certo equilíbno dos rendimentos, do
nivel de vida e
do poder de
compra dos diferentes segmentos
da
população. Isso devta-se, em grande parte_, à industnaliza
ção
defiaente,
estando 90% da população voltada
à
agncultu
ra, com equipamentos
pouco
diferencíados entre as unidades
de exploração. A mawna dos agncultores
ou
chefes de família
não dispunha
de
um número
de trabalhadores
supenor
ao dos
seus pares, a ponto de este ser
um
fator diferenCial decisivo: o
trabalho assalariado quase
não
existia. Nessa época,
quando
eram organizadas JOrnadas de trabalho coletivo, falava-se de
um
"convite
11
de uma
família ou
de
urna aldeia para VIr ajudar
no trabalho do campo. Esse trabalho não era remunerado: era
uma economia
de donativos e contra-donativos,
de
prestígio e
de
partilha.
A partir das mdependênCias, esses fatores IniCiaiS foram
cada vez mais alterados.
Ho1e há
a possibilidade de alugar
ou pagar mão-de-obra,
de
ser proprietáno de terrenos ou de
mvestir no setor terciáno, nos centros urbanos. Tudo isso
cnou uma
nova categona de trabalhadores
que não
eXIStia
na
África tradiciOnaL Construiram-se fortunas com a aJuda dessa
mercantilização progressiva e da gestão corrupta
o u
mesmo
mafiosa- dos bens do Estado. Essas acumulações de fortunas
marcam a
entrada
do século
XXI na
África. Chega-se mesmo a
dizer que não se pode ennquecer um país sem empobrecer cer
tos grupos sociaiS.
É
a doutnna
do
capitalismo danv1msta. A lei
da selva pretende
que
aqueles
que
sobrevivem, conseguem-no
porque devoram os outros. Isso faz parte do
que
se
chama
"os
custos
humanos do
crescimento. Mas aqm,
contranamente á
burguesia ocidental imCial. praticam ente
não
se correm riscos.
O Estado é pnvatizado no nível patnmomaJ e,
em
vez de acu
mular, na África, transferem-se os bens para os bancos-refúgiOs
do
Norte e para os paraisos fiscais.
Os resultados dessa política de paupenzação são terríveis.
Burkma Fasso continua a ser
um
dos paises maiS pobres
do
mundo,
embora o seu governo aplique as diretnzes do Banco
Mundial e do FMI. O
rendimento
per capita
na
Áfnca,
como
você sabe, e
cmqüenta
vezes
mfenor
ao
rendimento
de
um
suiço francês
ou
canadense. A esperança de vida dimmulll
drasticamente
em
muitos paises africanos, fixando-se em
VJ nte
-
8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa
15/86
3 Joseph K ·Zerbo
e cinco anos menos do que nos paises mdustrializados.
Em
outras palavras. um afncano médio viVe
uma
geração menos
do que um europeu. Há mats contrastes agudos da mesma am
plitude
no mtenor
dos própnos países afncanos. de tal
modo
que
se
cna
uma distância explostva entre os pobres e os milio
nános. Os que sofrem mais com esta sítuação são as mulheres
e os JOVens, que funciOnam
como
fusivets
no
ststema: quando
há um
agravamento, são eles que mats sofrem. Citei
uma
vez as
palavras de
uma
jovem prostituta
de
Uagadugu.
que um
JOrna
lista entreVIstou
no local de trabalho com
outras amigas.
"Você
não
tem
medo
de contrair a AIDS?", perguntou ele. Uma dessas
garotas de 14 anos respondeu: "Eu prefiro morrer de
AIDS
a
morrer de fome." Éesta a verdadeira situação
da
miséna. A mt
séna
ê a anulação da escolha. E hoJe,
na ÁfriCa,
as pessoas têm
cada vez menos escolha.
A adaptação das estmturas econômicas e socims dos países pobres
ás exigências
do
mercado mundial é desde há alguns anos. a re-
ceita padrão
do
FMI e
do
Banco Mundial. Seu pais, Burkina Fasso,
é wn caso-tipo para a história passada e [Jresente
do
programa
de
mustamento estmturai. Após dez mws
de
terapia neoliberal
em
dose
cavalar, que balanço o senhor faz?
Quando falamos de aJuStamento estrutura , devemos fazer
as segumtes perguntas: aJustar o quê? Para quem?
As
verdadei
ras estruturas que decidem nosso futuro não
dependem do
fato
de
o nosso orçamento ter um desequiiíbno
de
alguns pontos.
Mas dependem, por exemplo, dos preços das maténas-prímas.
Obngam-nos, como acabei de dizer. a produzir algodão para
ganhar
dólares. No
entanto
o problema é que,
ao
longo
da
ca
deia produtiva
do
algodão, os cucuitos de produção, distribUI
ção e fixação dos preços nos escapam. Ninguém fala
em
mexer
na estrutura que fixa o preço do algodão,
do
cacau
ou do
café:
essa
ê
mtoc
-
8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa
16/86
3 Joseph K ~ Z e r b o
I Temendo que o
e m p o r e c i ~
mento p ó s ~ g u e r r a dos paises
europeus favorecesse o cres·
amento do comunismo, os
EUA realizaram um programa
de a1uda financetra para a
reconstrução da Europa, que
mobilíz.ou
12
bilhões
de
dóla·
res entre 1948 e 1952. {N.E.
abrir todo o mundo ao anommato do capitalismo globaL Essa
perspectiva é contrána
â
do capitalismo de hoje. que aspira a
quebrar todos os particulansmos a fim de abrir o mundo aos
fluxos de capitais. sem barreiras nem zonas protegidas. Assun,
os africanos não podem aparecer com um projeto integrado e
autônomo de produção.
Enquanto a reparação se tomou
um
prmcípw aceito para as vítimas
do holocausto europeu da Segunda Guerra Mundial. n nhum prin
cípio deste gênero foi adotado no que diz respeito desestabilização
sustentada e deliberada de que o continente africano foi vítima no
decurso dos iíltimos quinhentos anos, particulamzente através da
institwção da escravatura e do tráfico dos negros. Por que razão se
deven a
prever este princípio para a África subsaanána?
De fato. falou-se freqüentemente de um Plano Marshan:n
para a Áfnca. a fim de desenvolver a economia afncana e res-
tabelecer os povos afncanos nos seus direitos. Tudo o que
se
passou desde o século XVI merecena bem um pequeno Plano
Marshall, mas tsso nunca foi realizado. Todavm.
quando
falo
de reparações. não tenho como alvo sobretudo o aspecto e c o ~
nômico, o aspecto. dina, dos '
1
direitos de créditos especiaís
O que eu peço não
é
tanto o reconheCimento do erro que
fOI
cometido contra os negros corno negros. mas o erro cometido
contra a espécie humana através dos negros. Não ereto que haJa
grupos humanos que tenham sido mats mfenonzados do que
os negros. No dia em que se reconhecer tsso, seremos mtegra
dos na espécie humana. Não basta dizer Simplesmente: Sim,
são negros, fomos muito severos com eles, batemos demais
nesses pobres negros, temos de pedir desculpas .. A reparação
de que fato comporta várlas etapas. É prectso conhecer e
r e c o ~
nhecer o que
se
passou, assumtr a responsabilidade
que
se teve
no que se passou e levar em conta o fato de que nós própnos,
os negros, temos uma responsabilidade neste assunto.
Que peusa o senhor sobre o problema da dh,ida?
Sou daqueles que pensam que é necessáno anular a dívida.
A campanha mternac10nal para a anulação da dívida
é
válida,
pelo menos a curto prazo. Entre tanto, ela não ê válida a longo
Para
quando
a Àfrlca
33
prazo. porque
não
se dinge à causa do subdesenvolvimento,
mas a um efeito do sistema. E enquanto este mesmo sistema
exiStir, a dívida renascerá das dnzas. Basta ver a balança comerM
ciaJ
dos paises
africanos-
que é negativa- para compreender
ISSO
A dívida estã estrutura lmente incluída no pacto colomal,
em que uns têm todo o valor agregado dos produtos e os outros
não têm quase nada. A dívida
é
o filho natural deste tipo de
estrutura
e
pior amda, deste gênero de sistema.
Entre os pontos litigiosos no centro do debate sobre a globalização
encontram-se os conceitos de "mercado" e #Estado". Para aqueles
que o senhor chama de "globalizadores", o mercado é sinônimo
de modemidade e d{ lnocrada. Mas para os alterglobalistas. mais
mercado significa a desmontagem do Estado e uma concorrência
mdividual.
Serú
isso
realmente
tiío mau?
Penso que o que está em jogo
é
o projeto africano endógeno
ong:maL Arrastar toda a África para o mercado. sem prepara
ção,
e
querer a abolição da avilização e
da
cultura africanas.
É
um
suicídio planejado,
CUJO
programa está no computador
do mercado. Nós, africanos. não conhecemos o principiO do
tudo
é mercado , talvez porque o mercado, tal como está em
vtgor desde o século XVII na Europa, era limitado na África.
ExiStiam cucuitos comerciais, mas os povos v1vmm
numa
base
em que muitas coisas estavam situadas fora do mercado. para
garantir o mímmo a toda a gente. A água. por exemplo, não
era vendida ao preço
do
mercado. AconteceuMme muitas vezes,
no
mato de Burkina Fasso, quando tinha uma avana no carro,
que urna garota se aproximasse
de
m1m para
me
oferecer água.
Ninguém lhe tinha pedido a água, mas este é
um
direito para
aqueles que vêm de longe, ao ponto de um ditado dizer: O
estrangeuo
e
a água.
Sinceramente, o ser humano haveria de se ammalizar se
colocasse tudo no mercado. Outro ditado. que mostra bem este
humanismo africano, iz que o velho é melhor do que o seu
preço . Não se diz vaJe mais do que o seu preço porque, pre
Cisamente, o velho não está sujeito ao valor venat do mercado.
Se
disséssemos mats do que o seu preço , isso equivalena a
dizer que podia ser comprado, mesmo a um bom preço. A vida
-
8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa
17/86
4 oseph K ~ Z e r b o
é sagrada: é por Isso que, tal como a satide e o trabalho, não
podemos colocávla no mercado. Também se diz:
0
dinheiro
é bom, mas o homem é melhor, porque responde quando o
chamam."
No ststema africano, a propnedade sempre fm mímma. A
produção ficou confinada, duran te muito mais tempo. no nivel
familiar, clâmco - num contexto em que
não
havia escassez
de terras.
Asstm,
a corrida
á
propnedade, nas relações
de
pro
dução, não fo1 um dos grandes motores do processo de desen
volvímento econômico
na
África. Além disso, nesse sistema,
foram tomadas precauções para evitar que alguns se apoderas
sem do capital terra. No modelo
de
base dessa orgamzação, a
comunidade e os indivíduos tinham direitos sobre a terra. Ha
via proprietános emmentes, no meadamente a família, a aldeia
ou a coletiVidade da chefatura tradicional. E a propriedade real
era, de fato. um usufruto. Não era uma propnedade à romana,
usus
fructr.lS
abLISllS
isto
é,
o uso, o fruto e a propnedade atn
buída a uma única pessoa até ao abuso.
Posso ilustrar esta relação com a propnedade
dando um
exemplo muíto pessoal. Meu pa1 era o proprietáno usufru
tuáno dos nossos campos. A grande família tinha um grande
campo, e cada membro da família tinha um pequeno campo
no espaço pertencente à grande família. Minha mãe, por exem
plo. ttnha um campo de amendoins e também alguns lotes em
volta da casa, para a horticultura. com uma policultura muito
característica de legumes e frutas. Recordo-me de que, quando
entrava na horta tratada peta
mmha
mãe, ficava radiante: era
fresco, úmido e repleto de COisas boas para comer O grande
campo tinha o nome de
wu ulé
(em língua san), o que sigm
fi:ca o grande campo, o bem público, isto
e,
o campo destinado
à
coletividade.
Aliás.
a mesma palavra designa tambem o Esta
do e todo o seu dom mo.
O sistema af ncano tradicwnal visava limitar os desperdícios
e evitar o açambarcamento da propnedade por alguns poucos.
garantíndo a cada mdivíduo a possibilidade de dispor de um
lote de terra, a fim de aplicar suas próprias capacidades pro
dutivas. Havta a idéia de que não se devta colocar a terra no
mercado detxando-a à mercê dos mais fortes. mas também a
de que não se devta detxar a terra à dispOSição do Estado. Nem
r
Para quando a África
5
o privado-pnvado. nem o Estado, era esse o lema. No ststema u
Não hâ alternativa.
(N.EJ
afncano tradiaonal podia haver setores reservados. Por exem-
plo. nas minas de ouro do 1mpéno de Mali, as pepitas de ouro
cabiam ao rei, e o pó de ouro, aos ganmpeuos. O sistema estava
orgamzado de tal manetra que era assegurado um
mlmmo
a
todos. Ao mesmo tempo. eVitava-se que
os
detentores de poder
monopolizassem a propnedade, o que
Iria
pre1udicar a ma ona
da
população. Asstm. os mossts, a etnta ma1oritána de Burkina
Fasso, continuam a ter seu sistema característico de separação
de poder entre o
n b
o chefe polít ico- e o
teng-soba,
o
propnetário da terra. A idéia subtacente a isto é evitar que uma
única pessoa
tenha
ao mesmo
tempo
o poder
da
propnedade e
o poder político, o po der sobre o ter e o poder sobre a força.
Não digo que se deva regressar pura e stmpiesrnente às
práticas anteríores á colomzação. Mas podem-se preservar
algumas idéias fundamentais. Resta saber se elas poderão
prevalecer
num
ambiente que está inteiramente entregue á
privatização globalista. No meu livro Compagnons du solei ,
citei
um
texto hebraico mtitulado
A
terra, propnedade e pro
pnetána ". Afinal, ea terra que é propnetána do homem Desde
a Antigüidade grega e romana, colocou-se um acento muito
pronunciado
na
propnedade e na pnvatização da propnedade.
Em contrapartida, no sistema afncano, a propnedade privada
foi
"desmtoxiCada" antes de ser entregue ao con sumo.
Se a África aínda apresenta algum mteresse para o Ocidente. é de
vido a sua demografia. No plano econômico. o continente ao sul do
Saara está fora do fogo: 1% do PIB mundial, 1% dos investimentos
estrangeiros diretos,
1.5%
do comércio mtemacíoual. Tendo em vis
ta este
fraco
peso econômico da África. o senhor vê
uma
altematíva
a globalização? Os países africanos poderão JOgar a carta do regwv
nalismo diante da globalização dos mercados?
Diante da globalização. somos tentados a utilizar as pa
lavras de Margaret Thatcher, quando diz1a: TINA -
tl1ere
zs
11
altemative."
22
É verdadeiramente o pensamento único, o
McDonald's tini co,
os
trens úmcos, o preservativo úmco .. Mas
1sso não significa que não se possa agtr.
De
qualquer modo, sou
daqueles que pensam que não se pode fazer nada sozmho. Na
-
8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa
18/86
36
Ahmed
Sékou
Tourt: (1922-
1984) fot militante smdicalista
na antiga Gumé Francesa e,
depois, secretáno-geral
do
Par
tido Democrático Gumecnse.
Em 1957, tomou-se prefeito
de
Conacn,
deputado c vtcc
presidentc do Conselho. Tra
balhou pelo não
no
referendo
de
1958,
que indilgava sobre a
adesão das colômas francesas
á
comunidade franco-africana.
Nesse ano, Gumé-Conacri tor
nou-se mdepcndente. Sékou
TourC fm eleito seu pnme1ro
presidente em
1959.
cargo
em que permaneceu até sua
morte, ligada mietalmente aos
paises soaalistas e, maiS tarde,
aos islâmicos. (N.E.)
••
Ver nota 9
N.E)
B
Thomas
Sankara nasceu em
1949, no
antigo Alto Volta,
e segmu carrctra militar. Em
1976, passou a fazer parte de
uma
orgamzação secreta de 10·
vens militares,
denominada
Grupo dos Ofktats
Comums
tas,
a
que
também
pertenaa
Blatse Compaore (ver nota
49).
Sankara tomou-se Secre
t.áno de Estado de informação
em
1982,
mas
renunaou
ao
cargo no ano segumtc. Após
o golpe de
1982, fot
nomea
do
pnmeuo-ministro, mas
fot
logo demitido. Em 1983, após
um golpe orgamzado por
Blatse Compaoré, tomou-se
presidente, trocando o nome
do pais
para
Burkina Fasso.
Governou com
uma onenta
ção soctalísta e antiimpenalis
ta,
lutando contra
a corrupção
e
promovendo
a educação,
a
agncultura
e os direitos da
mulher. Seu programa revo
luctonáno provocou forte
oposição por parte das lide
ranças tradiaonais. Sankara
fm deposto
c
assassmado em
1987.
{N.E.l
Joseph KI Zerbo
Àfnca, cada vez
que
se tentou fazer uma reforma miCronaclO
nal de um sistema. houve um fracasso. Todas as tentativas ml
cronacionais de libertação da
Áfnca-
Sékou Tourén na Guinê.
Kwame Nkrumah
24
em Gana. Thomas Sankara
25
em Burkina
Fas so fracassaram, em grande parte, por que foram solitárias
e não solidánas. Penso que se devena colocar como postulado
a fórmula segumte: a libertação da Áfnca será pan-africana. ou
não
serã.
A regiOnalização
já
está feita em alguns setores. Trata-se
de realizar um verdadeuo quadro
p n ~ f r i c n o de
diVIsão
do
trabalho, em função das vantagens comparativas mtemas à
própria África. Depots disso, poderemos voltar-nos para a com
petição mundial. Não ereto que os globalizadores estejam mm
to mteressados na regiOnalização. Pergunto-me se não estarão
mats mteressados
em
manter os SIStemas
miaonacwnats,
o r g ~
ntzando um espaço pan-afncano a seu bel-prazer, de acordo
com os seus mteresses e os seus valores. Talvez o modelo libe
ral
dos
globalizadores consista
em
delXar funcionar os sessen
ta Estados africanos. que mantêm as suas insigmas, pompas e
mãqumas formats. a fim de deixarem,
no
plano econômiCO, o
campo aberto às multinaclOnats. Na mmha opmião.
os
globali
zadores falam de globalização. com a alta roda dos quadros da
pseudoburguesta africana. para mascarar a necessidade de uma
verdadeira regionalização africana.
Asstm. somos obngaaos a const atar que a perspectiva regiO-
nal é radicalmente reJeitada pelas mstituições financeuas mter
naclOnats. Seu ObJetivo ê mcluu todo o mundo
no mesmo
es-
quema, dizendo que não convem Imagmar outr a cmsa, porque
e
o fim da hiStóna" 0 aspecto maiS horroroso da globaliza
Ção é quererem descer a cortina sobre a htstórla humana. Agem
como se o homem não pudesse mventar nada
de
diferente,
num
momento em
que este SIStema está
aumentando
o núme
ro
de excluidos. Ora, é exatamente o mverso: este ststema não
ê legítimo.
Como
remediar Isto, num
mundo
em que o poder
do dinheuo, o poder do saber e o poder militar estão concen
trados nas mãos da mesma mmona por todo o
mundo?
Ou se
e
cúmplice, ou
epreCISO
ser adversáno, ou mesmo Immtgo. De
qualquer modo,
quem
não entrar no JOgo será excluído. Ou
então, ser
-
8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa
19/86
8
Joseph KI Zerbo
assim, a burguesia afncana não mveste no setor produtivo.
mas no setor visível, tangivel e passageuo. Terceiro, porque
não há acumulação local, uma vez que os fundos acumulados
são transferidos para os paraisos fiscais no estrangeuo. Por con
segumte, apostar numa política de oferta atraves do ennque
ctmento de
uma
classe de poderosos, na Àfrica, é apostar um
pouco no vazto.
Em
contrapartida, a política que conta com
a demanda solvente,
que
consiste
em
aumentar
ao
máximo o
poder de compra
da
massa
da
população, é mais promissora.
O obletivo do desenvolvimento é dar a todos o mínimo ne
cessário para que as pessoas não morram
de
fome e
não
caiam
na mm ria. tomando-se assim inúteis para
si
própnas e para a
coletividade.
Insistirei mats uma vez no fato de que a dimensão microna
cíonal não é adequada ao desenvolvimento e ao crescimento.
Não se pode fazer
uma
acumulação sufiCiente, mesmo pnvada,
em pequenos paises. Só numa grande escala é possível cobrar
os rmpostos necessãnos sobre os rendimentos que permitam,
por sua vez, desenvolver uma política sociaL A nqueza naciO
nal tomou-se. pots, uma realidade volátil.
Ho1e
o dinheuo já
não se acumula
no
íocai onde
fox
ganho.
já
não é como
no
século XIX europeu, quando o ststema financeiro estava con
centrado num mesmo pais.
Para conduu este assunto, penso que. em pnmetro lugar. é
necessãno assegurar o
mínimo
ãs populações, especmlmente às
matonas pobres: em segun do lugar, preparar a mtegração afri
cana dos Sistemas de produção, que estão na base da acumula
ção financeira necessána para desenvolver o aparelho pr oduti
vo e proporciOnar as possibilidades de lucro. Em terceiro lugar,
e preCISO defender o papel do Estado. evidente que
não
se
pode constnnr
uma
soCiedade com base
no
pnncipio
do tudo
pnvado". Não será necessáno um árbitro. mas sim um guardião
do bem comum que tente Impedir que a pequena mmoria de
ncos devore
mteuamente
a maiona
da
população.
s
migrações constituem
um
dos fenômenos mmS marcantes da
globalizaçüo. No passado. a mobilidade fm um fator essennal de
adaptaçüo das populações da África Ocidental às mudanças
do
seu
ambíente.
HoJe
essa fluidez do C011/ll1Ito regional tende a reduzir-se
Para qu ndo a África
devido. sobretudo à cn·se econômica nos países maís n·cas da região.
Qual foi do ponto de vista histón·co. a relação dos africanos com o
espaço natural?
Na África tradicional, como em todo o mundo, o espaço é
um elemento capital. O espaço africano atrasou a história afrt
cana. Era um espaço sempre disponível, para onde as pessoas
recuavam
em
busca de refúgio. Por causa da grande di mensão
do continente_, durante
muito tempo as
pessoas puderam
dispor do espaço como quenam. Evidentemente, abusaram,
embora o
ordenamento
do territóno africano
não tenha
obe
deddo
a uma regulamentação tão restritiva e rigorosa como
no
Ocidente. Convém
não
perder de VIsta que a propriedade fun
diána não era regulada pelo direito de tipo latino; a disponibi
lidade permanente do solo, em usufruto, facilitou a mstalação
dos grupos humanos . Mas o
habitat
africano sempre
fm
móvel.
com mcessantes partidas e chegadas. E preaso partir daqui
para compreender o caráter absurdo das fronteiras transpos
tas da Europa para a Áfnca - fronteiras rigidas, geométricas,
artificiaiS e
por
vezes Imagmánas. A contradição fundamentai
entre o metabolismo
básiCo
dos povos. por um lado, e os Im
pedimentos, as barreíras. as proibições que lhes são levantados
pela admmistração de diferentes países.
por
outro. explica em
parte o subdesenvolVImento africano.
Qums foram as conseqüêncws. a longo prazo da disponibilidade
do espaço?
A Áfnca foi uma terra de migração, de deslocamentos -
cessantes através de todos os obstáculos. Só Deus sabe que há,
neste continent e, obstáculos mal colocados, como o Saara, que
divide a África num
mau
sítio. O fato de o Saara separar o con
tinente em dois grandes subespaços foi um começo terrível,
mas nunca 1mpediu os movimentos da população através desse
deserto.
Essa
capacidade de partir sempre para outro lado é uma
das leis ma1s Importantes da evolução dos estabelecimentos
humanos na ÁfrJCa Mas
xsso
também trouxe mconvenientes
muito pesados: durante séculos, não havia vantagem em fazer
construções sólidas, porque as pessoas vtam-se sempre obn-
39
-
8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa
20/86
40
l l
No
fma
do século XIX, a
França dominava os atuaJs
Marrocos, Argêlia, Mauritânia ,
Senegal, Gãmbia, Mali, Gume,
Costa do Marfim, Burkina
Fasso, Bemm, Nígcr, parte do
Chade, República Centro-Afri
cana, Canga. Gabão, Djibuti
e Madagascar; Inglaterra, os
atuais Serra
Leoa,
Gana, Nigê
na, partes da Libia,
do
Chade e
da Somália, Egito, Sudão, Qu
ênia, Uganda, Malaui, Zãmbia,
Botsuana e África do Sul; Por
tugal, os atuais Guinê Bissau,
Cabo Verde, São Tomé e Prín
Cipe,
Angola e Moçambique:
Alemanha, os atuais Toga. Ca
marões, Tanzãnta e Namíbia;
Itália, os atuats Eritréia, norte
da
Líbia e oeste
da
Somália;
Espanha, o sul de Marrocos e
a Gumé Equatonal;
BélgiCa,
o
atual Zaue. Eram Independen
tes somente a atual Etiôpia, a
Ubéna, o Transvaal (incorpo
rado
à
África do Sul) e Orange
(atual LesotoJ. (N.E.l
Joseph KI Zerbo
gadas a partir para
outro
lugar. Os deslocamentos freqüentes
tmpediram que as mstitutções se fixassem e fossem favoráveis
ao
desenvolvimento da escrita.
O senhor podena explicitar a relação entre as migrações e a escrita?
A densidade da
(Jopulação
é uma condição
para
as inovações?
A escrita, como a geornetna do Antigo Egito. provém da
fixação da população. Enquanto as pessoas estiveram
no
Saara,
mnguem
se preocupou em anotar o
que
quer
que
fosse; havia
espaço em profusão. Mas a partir do momento em que a de
sertificação começou, as pessoas enfiaram-se no vale do Nilo.
A densidade aumentou e tornou-se necessána a organização,
para se saber quem estava mstaiado e em que sítio. A demar
cação levou a idéia da computação,
da
escrita e do desenho,
utilizados para preservar as marcas da propnedade.
O srstema p n : ~ c o l o m a l assentava fundamentalmente na
liberdade de deslocamento. A quase opacidade das fronteiras
é um fenômeno relativamente recente. que começou com a
colonização. Àssmalernos, de passagem, que, na realidade, os
colonos de que nos querxamos exploraram menos as fronteiras
do
que
o fazem os dingentes afncanos atuais. No quadro da
Áfnca Ocidental francesa. num espaço Imenso de oito paises
atuars. as pessoas podiam destacar-se como quenam. Os mem
bros de uma mesma etma não estavam separados, a não ser que
estivessem em territórios depend entes de d01s países europeus
diferentesz
_ Os
haussãs do Níger e da Nigena, por exemplo.
foram divididos em dors blocos.
Quars são os lados positivos e negativos das
migrações?
Extstem aspectos econômiCos e políticos, e ambos dificul
tam senamente o desenvolvimento e o desabrochar afncanos
hoje.
No
plano econômiCO. dou-lhe o exemplo dos rnrgrantes
mossis de Burkina Fasso. A liberdade de mstalação em diferen
tes partes do pais levou as pessoas do planalto mossr a ocupar
as porções do terrítório nacional me nos densam ente povoadas.
Por vezes, mfelizmente, essa dispersão dos rnossrs fez-se uregu
larrnente; as pessoas m s t a l a r a r n ~ s e com mentalidades. não de
Para qu ndo a África
bons pats de família, mas de gente de passagem. Ou se1a, uma
mentalidade de coleta, e não de acumulação e salvaguarda. No
plano político.
não
houve, da parte dos dingentes africanos,
em nenhum pais, urna estratégia de ordenamento do territóno
em função da ocupação das terras pela população. Isso facili
tou os conflitos mterétmcos ou mter-soctats. As frontenas são
bombas-relógiO. no sentido em que há conflitos em perspecti
va.
Os
desequilíbnos demográficos deven am ser compensados
e regulados. mas, em geral. rgnora-se em que bases tsso deverá
ser feíto. Também não
há
vontade de explicar às pessoas em
que direção se deve caminhar.
Quando se fala da política migratória há um paradoxo: déficit em
migração nos países ricos. excesso de mígrantes nos países pobres. O
que o senlzor pensa das políticas sobre migração na
Europa?
Na sua
opmião o que leva
as
pessoas a
migrar?
São atraídas
peJa
n queza
do
Norte?
Os paises do Sul não
lhes
oferecem perspectivas?
Os países do Norte fecharam-se
em
fortaiezas com torres
de vrgia, linhas de frontena semeadas de seterras. A maiona
dos paises dá pnoridade ao direito do solo , e alguns outros
recorrem aos direitos de sant,rue , para rmpedir que as pes
soas do extenor venham invadi-tos .
É
a defesa do nível de
vida. a recusa
de
partilhar e a re1e1ção
de um mundo
pluraL
Mas, ao mesmo tempo. os paises do Norte recorrem ás pessoas
do Sul
por
causa do
envelheomento
da sua população. Têm
necessidade de quadros e de técmcos de alta qualidade. Se a
redução da natalidade seg uu o seu curso atual, e os países ditos
desenvolvidos mantiverem essa política de reteição dos outros,
cammha rão para o despovoamento. Todas essas interferências
levam-me a pensar que a polítíca
da
repulsa dos condenados
da terra não poderá continuar eternamente.
As
pessoas
não
partem
de
casa
de
boa vontade.
Se
o fazem,
é porque são ma1s rejeitadas no seu pais do que atraídas pelo
Norte. O excesso de m1grantes nos paises pobres deve-se as
guerras e â pobreza. como na região dos Grandes Lagos
30
neste
momento
O superpovoamento relativo desses países vem do
fato de que o equipamento técmco e mtelectual não
e
ufiCien
te para absorver toda a população.
41
;u
Região da África Central qu e
abrange partes
deU
ganda, Quê
nia, Zaire, Tanzãma, Zâmbia,
Ruanda e Buru ndi. (N.E.)
-
8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa
21/86
4
Joseph KI Zerbo
Como se podem regular as tensões reiacronadas com as mzgrações
Que política
de integração
das popul ções
estrangeiras
será preciso
desenvolver
Como diminuir os preconceitos e dificuld des
ligados
ás
diferenças
culturazs e religiosas
No que diz respeito as migrações no SuL a pnmetra ta
refa é a