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Suplemento Pedagógico APASE “... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão semrpre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.” (João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas) Ensino Médio: formação para a cidadania ou submissão ao mercado de trabalho? A Editorial Ano XII nº 27 - Abril de 2011 Comissão organizadora: . Albino Astolfi Neto . Eliene Bonetti . Irene Machado Pantelidakis . Maria Antonia de Oliveira Vedovato . Maria Cecília Mello Sarno . Maria Clara Paes Tobo . Maria José Antunes Rocha R. da Costa . Maria Lúcia Morrone . Rosângela Aparecida Ferini V. Chede s constantes reformas aplicadas nos processos de ensino e aprendiza- gem por meio das políti- cas educacionais de cada governo de plantão nos últimos anos, resultam em dificuldades e incoerências neste importante nível de escolaridade: o Ensino Médio. Protagonista de um dos principais embates da atualida- de - ensino técnico versus cidadania - ou seja, a formação profissional em confronto com a educação geral. Para aprofundar a discussão des- sa ambiguidade conceitual, a Comis- são deste Suplemento Pedagógico convidou renomados especialistas, nesta área de estudos, para elabo- rar artigos sobre o Ensino Médio, suas peculiaridades, conceitos, políticas aplicadas e as implicações da violên- cia no currículo, com o intuito de que sejam utilizados pelos supervisores de ensino, como recurso para o seu melhor desempenho no trabalho de acompanhamento, orientação das escolas e, sobretudo, um estímulo à reflexão e ao diálogo diante das polí- ticas adotadas, com os ajustes pro- postos e as suas eventuais consequências. A Professora Acácia Zeneida Kuenzer, doutora em educação, atu- ando no Programa de Pós-Gradua- ção em Educação pela Universidade Federal do Paraná, em seu artigo “Ensino Médio: formação para a ci- dadania ou submissão ao mercado de trabalho?” faz uma interessante aná- lise dessa dicotomia de expectativas frente ao processo de ensino-apren- dizagem, aos programas públicos e de política social. Rozana Gomes de Abreu, Pro- fessora Doutora do Colégio de Apli- cação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Alice Casimiro Lopes, Professora Doutora do Pro- grama de Pós-graduação em Edu- cação da Universidade do Rio de Ja- neiro, no artigo “A contextualização nas políticas curriculares nacionais para o ensino médio brasileiro”, fa- zem uma análise sobre a legislação, as diretrizes e os parâmetros curriculares nacionais e demais do- cumentos do Ensino Médio, tendo por base a reflexão de diversos autores. O artigo “Implica- ções da Prevenção da Violência para o Currí- culo do Ensino Médio”, da Professora Doutora em Educação, Maria Auxiliadora Elias , tem sua estrutura fun- damental articulada com: Aproximação ao Conceito da Violência; Violência Escolar; Tipos de violência que podem ser ob- jeto de atenção da escola; Situando o conceito de Cur- rículo Escolar; e Implicações para o Currículo. O quarto artigo do Su- plemento, intitulado ”O En- sino Médio: diferentes olha- res, desafios comuns”, de autoria de Celso João Ferretti, Professor Doutor, atualmente colaborador do CEDES, enfoca os aspectos da academia e dos educadores que enfatizam a necessidade da forma- ção geral para consolidação dos co- nhecimentos que propicie uma atua- ção cidadã da sociedade e popula- ção, que demandam uma educação profissionalizante. Na seção Depoimento, duas es- colas da região de Bragança Paulista apresentam exemplos práticos de ações positivas, na área artística e de novas mídias, para essa exigente cli- entela do Ensino Médio. Completando este Suplemento, encontram-se, também, resenhas e indicações de obras que po- dem contribuir para o estudo aprofundado do tema. A primeira resenha, elabo- rada pela Supervisora de En- sino, Clarete Paranhos da Silva, é sobre o livro “Ensino técnico e globalização: cida- dania ou submissão?” , de Marcos Francisco Martins. A seguinte, foi realizada pela Supervisora de Ensino, Maria Antonia de Olivei- ra Vedovato, do livro “Trabalho e Conhecimento: dilemas na educação do trabalhador” , de Carlos M. Gomez, Gaudêncio Frigotto, Marcos Arruda, Miguel Arroyo e Paolo Nosella. Finalmente, a Diretora de Comu- nicação APASE, Maria José Antunes Rocha Rodrigues da Costa, fez a resenha da obra “A Ci- dadania Negada: política de exclusão na educação e no trabalho”?, de Gaudêncio Frigotto e Pablo Gentili. Boa leitura!

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Suplemento Pedagógico APASE

“... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão semrpremudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.” (João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas)

Ensino Médio: formação para a cidadania ousubmissão ao mercado de trabalho?

A

Editorial

Ano XII nº 27 - Abril de 2011

Comissão organizadora:

. Albino Astolfi Neto

. Eliene Bonetti

. Irene Machado Pantelidakis

. Maria Antonia de Oliveira Vedovato

. Maria Cecília Mello Sarno

. Maria Clara Paes Tobo

. Maria José Antunes Rocha R. da Costa

. Maria Lúcia Morrone

. Rosângela Aparecida Ferini V. Chede

s constantes reformas

aplicadas nos processosde ensino e aprendiza-

gem por meio das políti-

cas educacionais de cada governo deplantão nos últimos anos, resultam

em dificuldades e incoerências neste

importante nível de escolaridade: oEnsino Médio. Protagonista de um

dos principais embates da atualida-

de - ensino técnico versus cidadania- ou seja, a formação profissional em

confronto com a educação geral.

Para aprofundar a discussão des-

sa ambiguidade conceitual, a Comis-são deste Suplemento Pedagógico

convidou renomados especialistas,

nesta área de estudos, para elabo-rar artigos sobre o Ensino Médio, suas

peculiaridades, conceitos, políticas

aplicadas e as implicações da violên-cia no currículo, com o intuito de que

sejam utilizados pelos supervisores de

ensino, como recurso para o seumelhor desempenho no trabalho de

acompanhamento, orientação das

escolas e, sobretudo, um estímulo àreflexão e ao diálogo diante das polí-

ticas adotadas, com os ajustes pro-

postos e as suas eventuaisconsequências.

A Professora Acácia Zeneida

Kuenzer, doutora em educação, atu-ando no Programa de Pós-Gradua-ção em Educação pela UniversidadeFederal do Paraná, em seu artigo“Ensino Médio: formação para a ci-dadania ou submissão ao mercado detrabalho?” faz uma interessante aná-lise dessa dicotomia de expectativasfrente ao processo de ensino-apren-dizagem, aos programas públicos ede política social.

Rozana Gomes de Abreu, Pro-

fessora Doutora do Colégio de Apli-cação da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, e Alice Casimiro

Lopes, Professora Doutora do Pro-grama de Pós-graduação em Edu-

cação da Universidade do Rio de Ja-

neiro, no artigo “A contextualizaçãonas políticas curriculares nacionais

para o ensino médio brasileiro”, fa-

zem uma análise sobre a legislação,as diretrizes e os parâmetros

curriculares nacionais e demais do-

cumentos do EnsinoMédio, tendo por base

a reflexão de diversos

autores.

O artigo “Implica-ções da Prevenção daViolência para o Currí-culo do Ensino Médio”,da Professora Doutoraem Educação, Maria

Auxiliadora Elias,

tem sua estrutura fun-damental articulada

com: Aproximação ao

Conceito da Violência;

Violência Escolar; Tipos de

violência que podem ser ob-jeto de atenção da escola;

Situando o conceito de Cur-

rículo Escolar; e Implicaçõespara o Currículo.

O quarto artigo do Su-

plemento, intitulado ”O En-

sino Médio: diferentes olha-

res, desafios comuns”, de

autoria de Celso João

Ferretti, Professor Doutor,

atualmente colaborador do

CEDES, enfoca os aspectos

da academia e dos educadores que

enfatizam a necessidade da forma-

ção geral para consolidação dos co-

nhecimentos que propicie uma atua-

ção cidadã da sociedade e popula-

ção, que demandam uma educação

profissionalizante.

Na seção Depoimento, duas es-colas da região de Bragança Paulistaapresentam exemplos práticos deações positivas, na área artística e denovas mídias, para essa exigente cli-entela do Ensino Médio.

Completando este Suplemento,encontram-se, também, resenhas eindicações de obras que po-dem contribuir para o estudoaprofundado do tema.

A primeira resenha, elabo-rada pela Supervisora de En-sino, Clarete Paranhos da

Silva, é sobre o livro “Ensinotécnico e globalização: cida-dania ou submissão?”, de

Marcos Francisco Martins.

A seguinte, foi realizada

pela Supervisora de Ensino,Maria Antonia de Olivei-

ra Vedovato, do livro “Trabalho e

Conhecimento: dilemas na educaçãodo trabalhador”, de Carlos M.

Gomez, Gaudêncio Frigotto, Marcos

Arruda, Miguel Arroyo e PaoloNosella.

Finalmente, a Diretora de Comu-

nicação APASE, Maria José

Antunes Rocha Rodrigues da

Costa, fez a resenha da obra “A Ci-

dadania Negada: política de exclusão

na educação e no trabalho”?, deGaudêncio Frigotto e Pablo Gentili.

Boa leitura!

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Ensino Médio: formação para a cidadania ousubmissão ao mercado de trabalho?

Acacia Zeneida Kuenzer (*)

1. Introdução

Ensino Médio no Brasil temse constituído ao longo da

história da educação brasileiracomo a etapa de mais difícil

enfrentamento, em termos de suaconcepção, estrutura e formas deorganização, em decorrência de suaprópria natureza de mediação entre aeducação fundamental e a formaçãoprofissional stricto sensu, obtida noscursos superiores, incluindo os deformação de tecnólogos, em que peseconstituir-se, após a LDB de 1996, emsegunda etapa da Educação Básica.

Como resultado, a marca de suaidentidade continua a ser a ofertadiferenciada e desigual, revelada pelasinúmeras possibilidades de organizaçãoque oscilam entre a profissionalização, nasmodalidades articulada ou subsequente,e a educação geral de caráter prope-dêutico; a modalidade articulada pode serintegrada ou concomitante, e ainda, aintegrada também pode ocorrer nasmodalidades regular e PROEJA.

Em tese, a diversificação demodalidades não é um problema em si,dadas as características diferenciadas deseu público alvo, que inclui desde jovensque frequentam o curso na faixa etáriade 14 a 17 anos, até profissionais queretornam à escola, após anos deexperiência, para sistematizar oconhecimento adquirido com aexperiência ou apenas para obtercertificação que melhore suas condiçõesde trabalho; entre os jovens, há aquelesque, por sua condição de classe,demandam um ensino médiopropedêutico que lhes assegure acesso àsboas universidades, e os que, filhos daclasse trabalhadora, buscam melhoresoportunidades para inserir-se no mundodo trabalho, condição necessária paraque continuem estudando. O problema

da diversidade de modalidades é que elasse destinam a alunos com diferentesorigens de classe, com o que fica reforçadaa inclusão dos incluídos; são, portanto,desiguais, e não apenas diversas.

É esta dupla função — preparar paraa continuidade de estudos e para omundo do trabalho — que lhe confereambiguidade, uma vez que essa não é umaquestão apenas pedagógica, mas política,determinada pelas mudanças nas basesmateriais de produção, a partir do quese define a cada época, uma relaçãopeculiar entre trabalho e educação.

Como as funções essenciais domundo da produção originam classessociais diferenciadas com necessidadesespecíficas, essas mesmas classes criampara si uma camada de intelectuais queserá responsável pela sua homogeneidade,consciência e função, nos camposeconômico, social e político.

Formar esses intelectuais é função daescola, com base nas demandas de cadaclasse e das funções que lhes cabedesempenhar na divisão social e técnicado trabalho. O exercício dessas funçõesnão se restringe apenas ao campoprodutivo em si, mas abrange todas asdimensões comportamentais, ideológicase normativas que lhe são próprias, o queexige, portanto, da escola em todos osníveis, a elaboração de suas propostassegundo essas exigências.

Não é diferente com o Ensino Médio;apenas, nesse nível, por seu caráterintermediário, a elaboração da propostapedagógica para cada fase de desen-volvimento das forças produtivas, exigeo enfrentamento adequado da tensãoentre educação geral e educaçãoespecífica, em busca da síntese histo-ricamente possível de múltiplas deter-minações infraestruturais e políticas quecaracterizam cada momento.

A história do Ensino Médio no Brasil

é a história do enfrentamento dessatensão, que tem levado, antes do que àsíntese, à polarização, fazendo dadualidade estrutural a categoria de análisepor excelência para a compreensão daspropostas que vêm se desenvolvendo apartir dos anos 40.

Após o fracasso do modelo estabe-lecido em 1971, com a lei nº 5692, ecom a acomodação do “caos” pela lei nº7044/82 através de uma saída con-servadora e nociva à classe trabalhadora,a quem não interessa um “propedêutico”equivocadamente apresentado como“geral”, mas sem ser básico, voltadoexclusivamente para a preparação doingresso dos mais “competentes” nauniversidade, a discussão do ensinomédio, que vinha sendo desenvolvidalenta, mas seriamente, no período dedebate nacional da LDB, foi atropeladapela elaboração da proposta desubstitutivo do senador Darcy Ribeiro epela apresentação do PL 1603/96 pelaSecretaria de Educação Média eTecnológica do MEC/SEMTEC, cujoconteúdo, dada a rejeição pelo CongressoNacional, foi aprovado por Decreto (nº2208/97) e incorporado recentemente àLDB, junto à retomada da integraçãoentre ensino médio e educaçãoprofissional1.

Essas propostas, que se sucedem aolongo dos anos, são justificadas pordiferentes discursos, que vão desde asnecessidades do desenvolvimento eco-nômico em face do “milagre brasileiro”da década de 70, passando por umapretensa proposta unitária para todos,genérica, justificada pela afirmação “oensino médio agora é para a vida” emmeados dos anos 90, até a necessidadede formação de profissionais flexíveis quecontinua caracterizando os anos 2000.

Como já se afirmou em texto anterior,“compreender as diferentes propostas que

têm caracterizado as reformas do EnsinoMédio exige que se elucidem asconcepções, preenchendo o discursolacunar típico das ideologias, para que asintencionalidades decorrentes de in-teresses e visões particulares de mundo,próprias das diferentes posições de classe,venham à tona, e assim se possa exercero direito de escolha por possíveishistóricos que são necessariamentecontraditórios, dentro dos limites dademocracia possível”2.

Para tanto, é necessário que se analisea materialidade desta etapa da EducaçãoBásica para que se possa, não apenas fazera crítica ao discurso ideológico, mastambém perceber, nos espaçoscontraditórios das relações entre capitale trabalho, os avanços possíveis. Comeste intuito, serão analisados a seguir, osdados referentes ao acesso e à per-manência, dado o reiterado discursooficial sobre a ampliação progressiva dasoportunidades, e a relação entre es-colaridade média e inserção no mundodo trabalho, com vistas a analisar apropriedade do discurso sobre a am-pliação da empregabilidade.

2. O acesso e a permanência:compromisso com a democratizaçãoda oferta?

Em recente artigo redigido com afinalidade de avaliar os resultados do IPNE (2001-2010) e propor metas para operíodo que se inicia (II PNE – 2011-2020), o estudo dos dados disponíveisacerca do acesso e da permanência noEnsino Médio, consideradas todas as suasmodalidades, revelou-se extremamentepreocupante, em que pesem os limitesdos dados disponíveis, pouco desa-gregados e descontinuados, que nãopermitiram a elaboração de análiseshistóricas, dificultando a elaboração deum diagnóstico mais preciso3. Contudo,

1Lei nº 11.741 de 16 de julho de 2008, art. 34.2Kuenzer, Acacia. O ensino médio agora é para a vida: entre o pretendido, o dito e o feito. Campinas, Cedes, Educação e Sociedade, ano XXI, n. 70, abril de 2000, p. 16.3Os dados aqui apresentados, neste e no próximo ítem, em sua versão original foram publicados em Kuenzer, Acacia. O Ensino Médio no Plano Nacional de Educação 2011/2020: superando a década perdida? Campinas,

Cedes, Educação e Sociedade, set de 2010, vol 31, nº 112, p. 851-873.

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é preciso considerar que esta dificuldadeem si já é uma demonstração da políticaem curso. Mesmo assim, com os dadosdisponíveis, na maioria brutos, é possívelconfigurar uma realidade bastanteperversa. Senão, vejamos.

A pr imeira conclusão que seimpõe é que as matrículas no EnsinoMédio sofreram crescente retraçãona década 2001/2010, quandocomparadas à evolução das matrículasocorridas entre 1991 e 2001 e aomovimento ocorr ido no Ens inoFundamental entre 2000 e 2008.

Assim é que, se as matrículas noEnsino Médio cresceram 32,1% entre1996 e 2001, passando de aproxi-madamente 5,7 milhões para 8,4 milhões,no quinquênio seguinte cresceram apenas5,6 %, passando a decrescer a partir de2007, de modo a configurar crescimentonegativo de -8,4% de 2000 a 2008,segundo os dados do INEPi. Esta retraçãose acentua entre 2008 e 2009, atingindoum percentual de – 3,2, sendo que, em2008, foram 8.369.389 matrículas contra8.337.160 em 2009; ou seja, em apenasum ano, uma diferença de 32.229matrículas a menos. Verifica-se, portanto,que na década passada, o acesso ao EnsinoMédio não apenas não se ampliou, comodiminuiu aproximadamente 8,5%,considerados os dados disponíveis até2008. Mantida esta tendência, a retraçãopode ter sido ainda maior, se consideradoo ano seguinte.

Esses dados, contudo, precisam serdesagregados para permitir uma melhoranálise, embora se disponha apenas dedados descontinuados. Das matriculas em2008, apenas 252.661 se localizaram nocampo, ou seja, aproximadamente 3%.Dos matriculados, apenas 48% têm entre15 e 17 anos; esta taxa era de 45,3 em2005. A distorção idade série cresceu de0,38 para 0,54 entre 2000 e 2007ii.

Em 2006, do total dos matriculadosno ensino médio nesta faixa etária,58,4% eram brancos e 37,4 % eramnegros.

Em 2007, 41,3% das matrículas foramfeitas no turno noturno; comoaproximadamente a metade dosmatriculados têm 18 anos e mais, elasprovavelmente referem-se, em suaexpressiva maioria, a alunos quetrabalham ou procuram trabalhoiii.

Quanto ao vínculo administrativo, oesforço é majoritariamente públicoestadual, responsável por aproxi-madamente 85,8% das matriculas m

2008, as quais, acrescidas às federais,representam aproximadamente 87%;ressalte-se que estes percentuais têm semantido relativamente estáveis nosúltimos anosiv.

Os dados referentes ao fluxo, queindicam o grau de eficácia desta etapa deensino, mostram o crescimento da taxade repetência de 18,65 em 2000 para22,6% em 2005; de evasão, de 8,0% em2000, para 10,0% em 2005; do tempomédio de conclusão de 3,7% para 3.8%no mesmo períodov.

Os dados elencados, mesmodescontinuados e sem a necessáriasistematização de modo a permitir análisemais qualificada, permitem inferir que,quanto à expansão do acesso,permanência e sucesso, não houvemudanças significativas no Ensino Médio,na vigência do Plano Nacional deEducação 2000/2010.

Pode-se afirmar, portanto, que para oEnsino Médio, apesar do discurso oficialprofessar a ampliação da oferta, esta foiuma década perdida. Evidencia-se, destaforma, o caráter ideológico de talproposição. A prioridade na aplicaçãodos recursos ocorreu no EnsinoFundamental, primeira etapa daEducação Básica, que praticamenteatingiu a universalização. Emboralouvável o atingimento desta meta, é dese lamentar que tenha ocorrido a partirda retração do acesso ao Ensino Médio,que não foi adequadamente contempladocom os investimentos públicos.

Quando são analisadas outrasdimensões, como por exemplo, a infra-estrutura, as conclusões não são muitodiferentes; no período de 2001 a 2007,passou-se de 46 para 47,4 as escolasque tinham biblioteca, telefone ecopiadora. Já com os computadores,houve elevação do indicador; de 78,4% das escolas que tinham esteequipamento em 2000, passou-se para94,1 em 2007, porém apenas 70% delasfizeram uso pedagógico em 2007vi.Registre-se, também, que não háinformações sobre o número e aqualidade destes equipamentos, o quetorna o dado pouco expressivo.

Um dado relevante, e que explica emgrande parte o descompromisso doEstado, diz respeito ao custo do aluno doEnsino Médio. Enquanto na Organizaçãopara a Cooperação e DesenvolvimentoEconômico - OCDE, em 2004, este custoequivalia a R$ 13.000,00, na Argentinae no Chile a R$ 2.000,00; no Brasil em

2008 era de apenas R$1.500,00vii.Reiteram-se, portanto, as indicações

já feitas na Introdução deste texto: osproblemas continuam os mesmos, adécada foi perdida para o Ensino Médio,e as soluções possíveis passam pelamaterialização da concepção de EducaçãoBásica que, efetivamente, integre EnsinoFundamental e Médio, assegurandocontinuidade mediante o estabelecimentode mecanismos de financiamentocompatíveis com a dimensão dademanda. Isto só será possível com oestabelecimento de um novo pactofederativo que integre os esforços das trêsesferas do Poder Público, de modo apermitir a reversão deste histórico quadrode desrespeito aos direitos dos que vivemdo trabalho. Isto porque os dados,embora não permitam relaçõesconsistentes, são suficientes para mostrarque a oferta é majoritariamente pública,urbana e para os brancos; osindicadores de acesso, sucesso epermanência apresentam evoluçãonegativa, os fluxos apresentamrepresamento e a distorção idade/série atinge a metade das matrículas.E, de quebra, pelo menos a metadedas matrículas é noturna, atendendoa alunos trabalhadores.

Com relação à qualidade, os dadosdisponíveis são os do ENEM e doIDEB, e, embora possam serdiscutíveis do ponto de vista daconcepção de avaliação adotada pelosdocentes e especialistas compro-metidos com a qualidade da educaçãopara os que vivem do trabalho,reforçam os matizes da desqua-lificação da oferta e do descaso dosetor público com o Ensino Médio,como já evidenciaram os dadosacima analisados.

Os dados do Índice deDesenvolvimento da Educação Brasileira– IDEB, disponibilizados pelo INEPviii,mostram que, em 2007, no EnsinoMédio, as escolas privadas alcançarammédia de 5,6, enquanto as escolas públicasatingiram a média de 3,2. Em face dapriorização da expansão e melhoria daqualidade do Ensino Fundamental peloPNE 2000/2010, a estagnação do EnsinoMédio também no que diz respeito àqualidade, era previsível.

Já os dados do ENEM para o ano de2009 mostram que os 1000 pioresresultados foram obtidos por escolaspúblicas, sendo 97,8% estaduais.(ENEM 2009)

Estes dados, embora apresentemlimites em face da concepção dosmodelos de avaliação utilizados, apontama necessidade de discutir que qualidadese pretende para o Ensino Médio, naperspectiva dos que vivem do trabalho.

3. A relação com o trabalho: aescolarização média aumenta aspossibilidades de inserção nomundo do trabalho?

Analisado o caráter ideológico dodiscurso acerca da ampliação de acessoe da permanência no Ensino Médio,torna-se necessário analisar a consistênciado discurso dominante relativo àampliação da empregabilidade a partir daampliação da escolarização.

Para esta análise contribui o estudorealizado por Ribeiro e Neder (2009), queanalisa a desocupação entre os jovens

pobres e não pobres, tomando comoreferência desvantagens relativas àescolaridade.

O estudo foi realizado com jovens apartir dos 18 anos, para os quais ainserção no mundo do trabalho prevalecesobre a frequência à escola. Em 2006,segundo os dados da Pesquisa Nacionalde Amostra Domiciliar (PNAD),aproximadamente 52% dos jovensinseridos na População EconomicamenteAtiva-PEA, não estudavam, percentualque cai para 31% para os jovens de 17anos. Ou seja, o ingresso no mercado detrabalho se dá com a desistência do direitoà escolarização, para muitotrabalhadores. Para fins de estudo, os

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jovens foram separados entre pobres enão pobres, e em faixas etárias. Merecedestaque que os autores tomam acategoria juventude de forma concreta,admitindo a sua imensa heterogeneidadeem decorrência de vários indicadores,contemplando, entre eles a precarizaçãocultural e econômica; por isso, falam em“juventudes”. Consideram, contudo, anecessidade de estudar a relação entreescolaridade e trabalho principalmenteentre os mais fragilizados economi-camente, posto que demandam açõespúblicas mais imediatas (Ribeiro e Neder,2009, p. 478).

As conclusões relativas às taxas dedesocupação são as esperadas: entre osjovens mais pobres, a taxa de deso-cupação é maior. O que causa surpresa éo que os dados revelam a partir da relaçãoentre anos de escolaridade e desocupação(p. 485).

Não obstante as taxas de escolaridadeentre os mais pobres terem aumentadocomo resposta à complexificação dotrabalho e à elevação dos requisitos deescolaridade para acesso a emprego,apontando os autores como característicadeste segmento na atualidade “a vivênciacom maior intensidade, da simul-taneidade de várias fases que marcam suatransição para a vida adulta”, (p. 493)ainda prevalece a saída antecipada daescola, como mostram os indicadoresapresentados no item anterior.

Ao tratar da relação entre escolaridadee desocupação, a hipótese que prevaleceé que a baixa escolaridade é um dosfatores que dificulta a inserção no mundodo trabalho, a par da diminuição dospostos de trabalho e da disponibilidade,no mercado de trabalho, de trabalhadoresdesempregados mais velhos e experientes.Contudo, os resultados obtidos peloestudo mostram que a taxa de desocu-pação dos jovens mais pobres que têmentre 11 a 14 de anos de estudos, o quecorresponderia ao Ensino Médio, pelomenos incompleto, não se reduziu; aocontrário, se elevou, mostrando que oesforço educacional deste segmento nãodiminui suas dificuldades de obtenção deocupação. Assim, são os jovens pobres,mesmo escolarizados, os que têm maisdificuldade de acesso a trabalho (Ribeiroe Neder, 2009, p. 505).

Apontam os autores algumas variáveisque podem contribuir para as maiorestaxas de desocupação dos jovens pobresmais escolarizados: “background familiare qualidade da educação” (Ribeiro eNeder, 2009, p.505).

Em que pese a necessidade darealização de outros estudos para melhorcompreender essas relações, entre eles acomparação da taxa de desocupação dosjovens pobres que concluem o EnsinoMédio nas modalidades educação geral,educação profissional integrada ao EnsinoMédio (regular e PROEJA), e ensinotécnico, as conclusões apresentadas peloestudo permitem fortalecer o poderexplicativo da hipótese que tem sidolevantada por Zibas (1993 e 2002) eKuenzer (2006 e 2007): se a modalidadedisponível para os jovens trabalhadores éo Ensino Médio de educação geral,preferencialmente noturno, de fato passaa ser essa “a escola para os filhos dos

outros”, revestida antes de carátercertificatório do que da qualidade socialnecessária para favorecer uma inclusãomenos subordinada, como já apontamosem outros estudos. Ou, quando se“disponibiliza” a versão média deeducação geral para os trabalhadores, issose faz via oferta precarizada.

Segundo as autoras, o que estáocorrendo é a inversão da proposta dualque, até os primeiros anos da década de1990 ofertava a escola média de educaçãogeral para a burguesia e a escolaprofissional para os trabalhadores. E,dadas as condições de precarização queas escolas médias públicas que atendemos que vivem do trabalho têmapresentado, as autoras trabalham com a

hipótese de que a educação geral, antesreservada à elite, quando disponibilizadaaos trabalhadores, banalizou-se edesqualificou-se. Ou seja, o EnsinoMédio se caracteriza, a partir de meadosda década de 90, pela dualidade invertida(Kuenzer, 2010)4.

Segundo a autora, esse modelocomeçou a ser invertido desde a metadedos anos 90, na esteira das políticas doBanco Mundial para os países pobres,que propunha a oferta de educação geralpara os jovens, que não deveriam seprofissionalizar precocemente. Assim éque, no Brasil, o Decreto 2208/97separou a educação profissional etecnológica do ensino médio, inter-rompendo uma trajetória históricaconstruída desde os anos 40 pelasEscolas Técnicas Federais, que secaracterizavam por ofertar educaçãoprofissional pública de qualidade e comisso permitindo aos jovens o acesso ao

emprego e ao ensino superior.Para os filhos da burguesia e pequena

burguesia, as escolas médias de educaçãogeral, ofertadas pela iniciativa privada,continuam a atender às suas demandasde acesso ao ensino superior; para osestratos médios e para parcela menosprecarizada da classe trabalhadora, oscursos de educação profissional etecnológica ofertados pelo setor público,embora de reduzida oferta, atendem ànecessidade de inserção no mercado detrabalho, com o que viabilizam seu acessoao ensino superior, na busca por as-censão social. Para os segmentos da classetrabalhadora mais precarizados econo-micamente, a dualidade invertida: aescola de educação geral desqualificada.

AbordagemDesnuda-se, desta forma, o discurso

do Banco Mundial nos anos 90, queimpactou significativamente a decisãoacerca da ruptura entre educação pro-fissional e tecnológica e educação geral,no Brasil e na América Latina (Zibas,1993, Kuenzer, 1997).

Do ponto de vista das políticaspúblicas para o Ensino Médio, esta é aquestão crucial a ser enfrentada: a meraampliação do acesso em propostas quenão atendem às necessidades departicipação social e produtiva dos quevivem do trabalho não é suficiente,embora se tenha claro que estaampliação é urgente e necessária, coma qualidade possível.

A busca de uma nova qualidade nãopode justificar inércia na expansão daoferta. Há metas, contudo, que precisamser priorizadas, para cuja efetivação torna-se necessário vultoso financiamento, a serequacionado por estratégias de cola-

boração entre as esferas doPoder Público.

Dentre elas, a mais im-portante, é a disponibilizaçãoampliada da oferta de edu-cação profissional integradaao ensino médio para os quevivem do trabalho, comoestratégia de enfrentamentodos efeitos perversos dadualidade invertida. Emborao Governo tenha investidosignificativamente nestaampliação, as vagas ainda sãoreduzidas.

Contudo, há ainda outro ponto aenfrentar, em que pese a seletividade quecontinua caracterizando, por diversosmecanismos, entre eles a avaliação paraingresso e a mera transposição da versãotradicional do ensino técnico, que acabapor gerar índices elevados de evasão erepetência, indicadores que se acentuamna versão PROEJA, onde a evasão temestado próxima de 50%: a ampliação daoferta da modalidade integrada nãoresolve de todo o problema. Há queconstruir uma proposta de ensino médiointegrado que supere a mera justaposiçãodos componentes geral e específico doscurrículos, sem cair no engodo de projetoscom reduzida sistematização do co-nhecimento a negar a necessidade de

4Kuenzer, Acacia. O Ensino Médio no Plano Nacional de Educação 2011/2020: superando a década perdida? Campinas, Cedes, Educação e Sociedade, set 2010, vol. 31, nº 112, p. 851-873.

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(*) Doutora em Educação, Professora Titular aposentada, atuando no Programa de Pós-graduaçãoem Educação da Universidade Federal do Paraná, Pesquisadora 1ª do CNPq.

Abordagemformação teórica para os trabalhadores,mediante uma rigorosa articulação entreteoria e prática a partir da prática sociale dos processos de trabalho. Ou seja, háque investir em um rigoroso trabalho deorganização curricular para esta moda-lidade, o que se associa à meta de quali-ficar os docentes, mediante formaçãoinicial e continuada.

Outra questão a considerar é que amera expansão das vagas públicas comqualidade, embora absolutamente neces-sária, pode não ser suficiente, pois ostrabalhadores mais precarizados econo-micamente podem não ter condiçõesmateriais efetivas para frequentar a escolamédia, ou porque trabalham (os dadosmostram que a evasão aumenta a partirdo 18 anos), ou porque não dispõem derecursos suficientes ou mesmo demotivação para estar em curso distantede sua realidade e de suas necessidades,ou tudo isso ao mesmo tempo. Assim,além da oferta de vagas, e da reorga-nização curricular, são necessários osprogramas de assistência ao estudante,que promovam a gratuidade assistidamediante bolsas de estudo, auxílioalimentação, vale transporte, materialdidático gratuito ou outras modalidadesde apoio que possam assegurar o acessoe a permanência.

4. A qualidade que queremos

Em estudos anteriores, temosmostrado que, no regime de acumulaçãoflexível, a relação entre o mercado detrabalho e a escola se dá mediante umprocesso que articula dialeticamenteexclusão e inclusão; a exclusão includentepelo mercado, que expulsa os traba-lhadores para inseri-los em pontos maisprecarizados das cadeias produtivas, ondesua força de trabalho seja consumidapredatoriamente. Já a escola articula-se aeste movimento pela inclusão excludente,ou seja, inclui em propostas precarizadasque não detêm a qualidade necessária paraampliar as possibilidades de inclusão nomundo do trabalho de forma melhorqualificada. Como resultado, muitasvezes o certificado não é suficiente paraassegurar a inclusão.

A dualidade invertida é uma dasmuitas mediações pelas quais estadialética ocorre, uma vez que atende àsnecessidades de exercício de trabalhoprecarizado em vários pontos das cadeiasprodutivas, como imperativo decompressão do custo final dos produtos

com vistas à competitividade, para o quea redução dos custos da força de trabalhocontribui decisivamente. E, se for possívelculpar a vítima pela sua própria explo-ração, melhor.

Para tanto, contribui decisivamente aoferta de Ensino Médio de educação geralprecarizado que, sem preparar efeti-vamente para o mundo do trabalho, pelomenos reforça o desenvolvimento dealgumas competências cognitivas básicas,acompanhado de disciplinamento ideo-lógico, nos termos das demandas de ummercado cada vez mais polarizado edesumano.

Enfrentar esta re lação supõe aconstrução de um Ensino Médio comoutra qualidade para a classe traba-lhadora: não a qualidade requeridapelo mercado, mas a qual idadedemandada pela inclusão na vida sociale produtiva, em respeito aos direitosde cidadania.

Isto implica em muitos movimentosa serem deflagrados pela sociedade civilorganizada. Sem a preocupação deordená-los por ordem de importância,merecem destaque o investimento naconstrução coletiva de uma nova propostapedagógica que, contemplando a diver-sidade, articule formação científica esócio-histórica à formação tecnológica,promovendo autonomia intelectual e éticamediante o domínio teórico-metodológicodo conhecimento socialmente produzidoe acumulado, de modo a preparar osjovens para atender e superar asrevoluções na base técnica de produçãocom seus perversos impactos sobre a vidaindividual e coletiva. Seja mediante umamodalidade politécnica ou profissional,esta proposta deverá integrar, neces-sariamente, ciência, tecnologia, trabalhoe cultura. Isto significa dizer que aunitariedade da escola média seráassegurada pela garantia do acesso, dapermanência e do sucesso em escolas dequalidade, independentemente da origemde classe de seus alunos; a modalidade,se integrada ou de educação geral, desdeque assegurada a qualidade, devecontemplar os interesses e necessidadesdos seus alunos.

Há, contudo, que ressalvar a neces-sidade tanto de ampliar a oferta damodalidade integrada quanto de investirmaciçamente na qualidade da modalidadede educação geral, com a finalidade dereverter os efeitos perversos da dualidadeinvertida.

Para tanto, a discussão acerca da

necessidade do estabelecimento depadrões mínimos de qualidade precisaavançar, de modo a subsidiar a for-mulação de metas relativas à infraes-trutura física e pedagógica; temas antigosprecisam ser retomados, tais comoconstruções escolares apropriadas aoEnsino Médio, considerando as carac-terísticas das “juventudes” que asfrequentam; equipamentos, laboratórios,bibliotecas e outros espaços culturais edesportivos precisam ser disponi-bilizados, pois não há como terqualidade em espaços precários.

Por outro lado, há novas dimensões acontemplar, com destaque para aspolíticas de assistência ao estudante epara a constituição de espaços e projetospedagógicos que atendam à diversidadecultural, étnica e de gênero, que asseguremacessibilidade e que sejam inclusivas; eque ofereçam segurança.

Finalmente, a sociedade civil precisaexercer efetivamente controle sobre aspolíticas e programas públicos, exigindoampliação dos investimentos, realizandodiagnósticos e acompanhando a execuçãodas metas físico-financeiras, o que exigemobilização e organização.

Para concluir, não é demaisrelembrar que a elaboração desta novasíntese não é um problema pedagógico,mas um problema político, uma vezque a dualidade estrutural, na versãoatual de dualidade invertida, tem suasraízes na forma de organização dasociedade, expressando as relaçõesentre capital e trabalho; em que pesemos avanços que possam ocorrer com aampliação da oferta e com a melhoriada qual idade mediante pol í t icaspúblicas, é preciso compreender quenão é possível superar a dualidadeestrutural a partir da escola, senão apartir de transformações na própriasociedade.

i Dados da Sinopse Estatística da EducaçãoBásica, INEP/MECii Dados da Avaliação do Plano Nacionalde Educação 2001-2008iii Dados da Avaliação do Plano Nacional

de Educação 2001-2008iv Dados do IBGE/PNAD, sistematizadospelo INEP/DTDIEv Dados da Avaliação do plano Nacionalde Educação 2001-2008vi Idemvii Idem, p.vii sistemaideb.inep.gov.br, consulta em01/08/2010.

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Siteswww.inep.gov.brsistemaideb.inep.gov.br

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A contextualização nas políticas curricularesnacionais para o ensino médio brasileiro

Rozana Gomes de Abreu e Alice Casimiro Lopes (*)

A s políticas curriculares na-cionais, nas duas últimas

décadas, enfocaram concei-tos considerados importantes

por diversos setores da sociedade. Con-ceitos como interdisciplinaridade, contex-tualização, competências, cidadania etecnologia são centrais em todos os do-cumentos curriculares oficiais desde en-tão. Inicialmente introduzidos pela Leide Diretrizes e Bases da Educação, essesconceitos são contemplados nas Diretri-zes Curriculares Nacionais (DCNem),nos Parâmetros Curriculares Nacionais(PCNem), nas Orientações CurricularesNacionais (OCNem), no Exame Nacio-nal do Ensino Médio (ENEM), configu-rando algumas das políticas curricularesestabelecidas para o ensino médio noBrasil, no período citado.

Tais políticas promovem a difusão desentidos, práticas e recursos que orien-tam as mudanças propostas pelo campooficial. É por isso que os discursos queapresentam esses conceitos devem seranalisados no sentido de entendermos asressignificações ocorridas quando diferen-tes sujeitos precisam se articular e esta-belecer um discurso, que servirá de basepara outras ações políticas e promoveráa legitimação de um determinado senti-do. Não devemos menosprezar a forçaque as políticas curriculares oficiais pos-suem, mesmo com os diversos mecanis-mos de resistência que a prática pedagó-gica desenvolve.

O discurso sobre a contextualizaçãoé interessante porque, antes mesmo dasua circulação nos documentos oficiais,ele já era defendido pelo contexto esco-lar. Podemos dizer que tal fato colaborapara que os discursos oficiais tenham umaaceitação melhor perante o contexto so-cial. No entanto, isso não significa afir-mar que os sentidos que prevalecem nadefinição desses documentos são os mes-mos que se destacam no contexto escolarou acadêmico.

A transferência ou a prevalência dedeterminado significado está sujeito aoque Basil Bernstein (1981, 1996) deno-mina de processo de recontextualização.Nesse processo, diferentes discursos sãoretirados de seus contextos de “origem”e são recolocados em um novo contexto,no qual novas relações de poder e con-trole, interesses e finalidades sociais são

estabelecidas. O novo foco e ordena-mento, segundo Bernstein, leva em con-ta as lutas e os interesses predominantesdos grupos envolvidos no processo e podeproduzir novos significados. A recon-textualização deve ser entendida assumin-do o caráter híbrido da cultura (Ball,1998), na medida em que cada contextonão possui uma hierarquia a priori, as-sim como as relações de poder e contro-le não apresentam somente relações ver-ticais, elas podem se entrecruzar.

Nesse sentido, é preciso entender aspolíticas curriculares como resultados dedisputas, internas e externas, às quais vi-sam a produzir e a instituir determina-das identidades, utilizando para isso re-cursos humanos, materiais e simbólicos.As políticas curriculares são produçõeshíbridas de diferentes discursos, curri-culares ou não, na tentativa de estabele-cer a legitimação de determinada relaçãoou finalidade social.

Compreender quais os discursos hí-bridos envolvidos nesse processo de recon-textualização pode permitir identificar as“novas” relações de poder e controle queas reformas promovem. É preciso enten-der quais os discursos valorizados pelosdocumentos oficiais e como eles podemser reinterpretados dentro de novos con-textos por diferentes sujeitos, bem comoquais os seus desdobramentos sociais,políticos, culturais e educacionais.

Nos documentos oficiais da reformado ensino médio, o discurso da con-textualização aparece associado à ideia deintegração, considerada a principal metaa ser alcançada pelas mudanças preconi-zadas. Machado, um dos elaboradores econsultores do ENEM, argumenta que “acontextualização enriquece os canais decomunicação entre bagagem cultural, qua-se sempre tácita, e as formas explícitas ouexplicitáveis de manifestação do conheci-mento” (Machado, 1999: 20). Dessa for-ma, a contextualização é entendida comomeio de relacionar o conhecimento coma prática ou com a experiência do aluno,permitindo a construção de significadospara o processo de ensino e aprendizagem.As DCNem chamam a atenção de que acontextualização deve relacionar os conhe-cimentos escolares com as situações da vidacotidiana ou da vivência para contribuircom a leitura e compreensão do mundo(Brasil, 1998). De acordo com os PCNem,

“contextualizar o conteúdo que se queraprendido significa, em primeiro lugar, as-sumir que todo conhecimento envolveuma relação entre sujeito e objeto” (Bra-sil, 1999: 79), reforçando a relação entreteoria e prática. As OCNem reafirmam aimportância do ensino contextualizadopara a superação de um ensino exclusiva-mente disciplinar, reducionista e enciclo-pédico (Brasil, 2006). Os textos oficiaisapontam que os jovens não relacionam osconhecimentos escolares com suas vidaspessoais nem com as questões sociais epolíticas em geral. Afirmam ainda, que oensino atual está descontextualizado, poisos conhecimentos são transpostos do con-texto de sua produção original para o con-texto escolar sem que sejam feitas pontesentre contextos mais próximos e signifi-cativos para o aluno.

Os discursos oficiais respondem decerta forma às críticas sobre a disci-plinaridade e a fragmentação do conheci-mento, que tanto a academia quanto asociedade fazem. Defende-se que acontextualização possibilitaria uma visãomais integrada dos diferentes conhecimen-tos e um diálogo maior entre os camposdisciplinares. Entretanto, essa perspectivatende a desconsiderar os interesses e asrelações de poder que os diferentes cam-pos de conhecimento estabelecem na so-ciedade quando lutam por espaço, recur-sos e legitimação (Goodson, 1997).Desconsideram também as diversas prá-ticas pedagógicas realizadas nas diferentesescolas do nosso país, dentre as quais acontextualização é utilizada para contribuirpara o desenvolvimento do conhecimentoescolar, bem como para a discussão dasrelações sociais, políticas e econômicas denossa sociedade. Ressaltamos que a pers-pectiva oficial apresenta a contextualizaçãode forma neutra e técnica, uma vez que aintrodução de uma nova forma de organi-zar o currículo escolar e seus conhecimen-tos é vista como responsável principal pe-las mudanças das relações existentes nocontexto escolar, minimizando assim oprocesso político de constituição dessasrelações. Qualquer forma de organizar ocurrículo não pode ser vista como umaquestão técnica, pois ela altera as relaçõesde poder e controle que participam daconstituição do espaço escolar.

Pesquisadores como Gouvea e Macha-do (2006) sinalizam que os documentos

oficiais colaboram para uma visãoreducionista do termo, porque acontextualização parece ser algo exteriorque vem, com a finalidade de atrair osalunos, dar significado aos conteúdos es-colares. As teorias relacionadas à psico-logia da aprendizagem são muitas vezescitadas nos documentos com o intuito devalorizar os conhecimentos prévios dosalunos, fazendo com que esses se tornemparticipantes ativos do processo de apren-dizagem. Dessa forma, a contextualizaçãoapresenta-se mais como um recursometodológico, baseados em princípiosepistemológicos e psicológicos, na medi-da em que discutem como ensinar me-lhor os indivíduos para que estes possamcompreender o mundo em que vivem(Abreu, 2002; Abreu & Gomes, 2004;Lopes; 2008).

A contextualização como princípio deorganização curricular do ensino médiobrasileiro pretende facilitar a aplicação ea relação dos conhecimentos escolares nacompreensão das experiências pessoais,bem como facilitar o processo de cons-trução dos conhecimentos abstratos naescola a partir do aproveitamento das ex-periências pessoais. Baseados na concep-ção de aprendizagem situada de DavidStein (Brasil, 1999), os documentos ofi-ciais valorizam a vivência de situaçõescotidianas dos alunos para a construçãodo conhecimento, e como esse tipo deaprendizagem pode ser utilizada em ou-tras situações. Nessa perspectiva, acontextualização valoriza os saberes pré-vios dos alunos, recuperando de certaforma ideias do progressivismo deDewey, que hoje aparecemressignificados nos documentos oficiais(Lopes, 2008).

A valorização dos saberes cotidianos,dos saberes prévios dos alunos e das teo-rias de aprendizagem significativa é de-fendida por diversos campos disciplina-res, que os utilizam como forma de me-lhorar o processo de ensino e aprendiza-gem. Dessa maneira, não é uma surpre-sa ver tais concepções presentes nos do-cumentos oficiais, já que a elaboraçãodestes contou com a participação diretade integrantes da comunidade de ensinodisciplinar, com grande experiência napesquisa sobre o ensino disciplinar espe-cífico, e sobre a formação inicial e conti-nuada de professores. No entanto, as pers-

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pectivas teóricas desses pesquisadorestendem a assumir um viés mais crítico erelacionado à defesa de uma educaçãodemocrática, pois

“não se trata de apenas inserir oaluno no mundo e, para tal fazer oaluno compreender esse mundo.Trata-se do entendimento de quehá um projeto de mudança a serdesenvolvido no mundo, de formademocrática, e diferentes conheci-mentos precisam ser construídospara que esse projeto se desenvol-va” (Lopes et al, 2001: 4).

Como exemplo, podemos citar a pre-ocupação por parte das principais lide-ranças da comunidade disciplinar de en-sino de química em possibilitar construiruma sociedade mais justa e igualitária porintermédio de uma cidadania responsá-vel, desenvolvendo para isso questio-namentos que contribuam para a trans-formação dos modelos dominantes nosdiversos contextos da sociedade (Santos,2006; Maldaner, 2008). Muitos dessesdiscursos encontram consonância com osdiscursos de teóricos da educação, comoPaulo Freire, que defendem uma educa-ção libertadora e emancipatória comoforma de se contrapor aos processos deopressão e de desigualdade social.

Enquanto essas perspectivas visamamplamente à relação dos alunos com omundo que os cerca de forma crítica, aconcepção de contextualização nos docu-mentos oficiais aparece associada aomercado de trabalho e ao mundo produ-tivo. Ou seja, os discursos defensores dossaberes cotidianos e das experiências dosalunos perdem seu potencial crítico etransformador quando são retirados deseus contextos disciplinares e recolocadosem um contexto oficial, onde passam aestabelecer novas relações com o enfoquevoltado para a inserção social no mundoprodutivo, como é o caso da valorizaçãodo trabalho e da tecnologia.

Os contextos do trabalho e da cida-dania são apresentados como forma de oindivíduo identificar a teoria na práticae vice-versa. Segundo os documentos, “ocotidiano e as relações estabelecidas como ambiente físico e social devem permi-tir dar significado a qualquer conteúdocurricular, fazendo a ponte entre o quese aprende na escola e o que se faz, vive eobserva no dia-a-dia” (Brasil, 1999: 82).

O contexto do trabalho é considera-do o mais importante da experiênciacurricular no ensino médio uma vez queé “imprescindível para a compreensãodos fundamentos científicos-tecnológicosdos processos produtivos” (Brasil, 1999:

81). Assim, a ideia de integração defen-dida passa também pela adaptação dossistemas escolares às mudanças globaiscada vez mais rápidas, sem que haja umquestionamento ou uma reflexão maiordessas mudanças. Ou seja, a ideia de in-tegrar pela contextualização aparece com-prometida com o novo significado do tra-balho no contexto da globalização e coma apropriação e a utilização dos conheci-mentos pelos indivíduos.

Se o contexto do trabalho é conside-rado o mais importante, a tecnologia éreconhecida como tema por excelência,pois permite contextualizar os conheci-mentos de todas as áreas e disciplinas nomundo do trabalho. Com esse viés, res-gata-se assim, pressupostos das teoriasdos eficientistas sociais nas quais a apren-dizagem está associada intimamente àinserção social do indivíduo no mundoprodutivo. Nessa lógica, a educação pre-cisa apenas formar o indivíduo, enquan-to trabalhador, de maneira que ele possase inserir na estrutura social e produtiva.

A contextualização pelas tecnologiasvisa mobilizar as competências do indi-víduo para solucionar problemas em con-textos apropriados, fazendo com que acapacidade de resolver problemas possaser transferida para outros contextos,como o contexto de produção (Lopes,2008). Dessa maneira, os contextos va-lorizados nas políticas curriculares doensino médio são aqueles que possuempotencial para aplicar e formar compe-tências e habilidades necessárias ao tra-balhador e ao cidadão que precisa acom-panhar as mudanças da sociedade. Acontextualização pelas tecnologias e pelotrabalho nos documentos oficiais mostracomo os discursos sobre a formação parao trabalho, a resolução de problemas e avalorização do conhecimento científicosão considerados de fundamental impor-tância para a vida social.

Nesse sentido, o discurso da contex-tualização nas políticas curriculares naci-onais é um discurso híbrido que associaconcepções e pressupostos mais instru-mentais e metodológicos, relacionados àresolução de problemas e melhoria daqualidade da educação, às concepções epressupostos mais críticos voltados parauma educação emancipadora e questio-nadora. Cabe ressaltar que não é o fatodo discurso da contextualização se cons-tituir como uma produção híbrida queisso lhe confira uma certa positividadeou negatividade a priori. É preciso anali-sar como os diferentes discursos se arti-culam entre si na construção de um dis-curso maior, no caso a contextualização,e quais as suas finalidades sociais.

No caso das políticas curriculares nacio-nais para o ensino médio no Brasil, o dis-curso da contextualização apresenta comopontos positivos a inserção de discursos jávalorizados nos contextos escolares e acadê-micos, fazendo com que estes discursos ad-quiram maior legitimação social, apesar deressignificados. Como pontos negativos,podemos destacar a redução e a submissãoda contextualização aos princípios do mun-do do trabalho, bem como a ausência dequestionamentos com relação a este tipo dediscurso hegemônico.

A fim de concluir este texto, e não definalizar nossa reflexão e análise sobre otema, chamamos a atenção para a impor-tância de superarmos a dicotomia das aná-lises políticas. Se procurarmos entenderquais discursos e articulações estão pre-sentes na constituição de determinado dis-curso político, estaremos superando as aná-lises que apresentam as políticas como re-sultado de um processo simples, sem arti-culações, e produtos de um discurso úni-co. Dessa forma, conseguiremos tambémpensar em outras articulações e discursosque promovam uma educação mais de-mocrática e responsável.

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(*) Rozana Gomes de Abreu - Professora Doutora do Colégio de Aplicação da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (CAp-UFRJ) e Pesquisadora dos Grupos de Pesquisa “Políticas decurrículo e cultura” e “Processos de articulação e produção de sentidos nas políticas curriculares deformação de professores”.Alice Casimiro Lopes - Professora Doutora do Programa de Pós-graduação em Educação (PROPEd)da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e coordenadora do Grupo de Pesquisa “Políticas decurrículo e cultura”, www.curriculo-uerj.pro.br

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Implicações da Prevenção da Violência para oCurrículo do Ensino Médio

Maria Auxiliadora Elias (*)

Introduçãopresente artigo tem a intençãode trazer algumas contribui-

ções para a discussão dopreocupante tema da violência e

as possíveis repercussões para o currí-culo do ensino médio. De uns tempospara cá, a questão da violência vemocupando a pauta de discussões de va-riadas reuniões pedagógicas em diver-sos níveis, mas frequentemente fica re-sumida às constatações de simples quei-xas das violências acontecidas, sejamprovenientes dos alunos, dos professo-res, ou dos funcionários. Estas têmsido, muitas vezes, deixadas de ladopela educação, sem a compreensão deque poderiam ser tratadas no âmbitopedagógico, por serem consideradasquestões estranhas ao currículo, que pa-reciam estar além do conjunto dos con-teúdos e das disciplinas a serem ensi-nadas e aprendidas. Por esse motivo, otratamento dos problemas da violênciacostumava ser remetido a agentes ex-ternos à escola.

Dentro de uma perspectiva que in-tegra a prevenção da violência e a edu-cação da convivência, tentar-se-á, doponto de vista teórico, recolher algu-mas contribuições que nos ajudem acompreender e conceituar algumas dasfaces da violência e seu tratamento noâmbito pedagógico. Esses conceitos pos-sibilitam estabelecer ligações e reflexosdiretos e, às vezes, indiretos ao traba-lho educativo no âmbito da escola, re-percutindo no currículo escolar. Espe-ra-se que estas reflexões possamexplicitar algumas questões que afligema todos/as, suscitando nos leitores/as anecessidade de problematizar a realida-de, por meio de debates e estudos paraa busca de pistas na direção da resolu-ção de problemas que se manifestamno cotidiano escolar.

Assim sendo, serão apresentados, emum primeiro momento, alguns concei-tos esclarecedores sobre a violência queencaminham para a necessidade de umtrabalho educativo na linha da preven-ção. Em um segundo momento, paraque possa haver a discussão articuladacom o currículo, será sinalizada a pers-

pectiva teórica adotada também desteconceito em particular. Por último, ecom base na pesquisa realizada pela au-tora intitulada Violência escolar e impli-cações para o currículo: o projeto pela vida,não à violência - tramas e traumas, serãoelencados oito passos a serem conside-rados na elaboração de um plano de pre-venção da violência, como parte inte-grante do Projeto Político Pedagógico daescola que, certamente, constituem im-plicações para o currículo.

Aproximação ao conceito deviolência

Dentro da imensa literatura sobre aviolência, selecionamos, do ponto devista teórico, duas referências de am-pla aceitação sobre o conceito de vio-lência, susceptíveis de se relacionar har-moniosa e fecundamente com as teori-as pedagógicas e curriculares.

Um conceito muito significativo,compatível com a visão da educaçãocomo forma de prevenção, redução ousuperação da violência, é a definiçãode violência adotada pela OrganizaçãoMundial da Saúde – OMS. O RelatórioMundial sobre a Violência e a Saúde ado-ta como definição de violência:

O uso intencional da força físi-ca ou do poder, real ou em ame-aça, contra si próprio, contraoutra pessoa, ou contra um gru-po ou uma comunidade, que re-sulte ou tenha grande possibili-dade de resultar em lesão, mor-te, dano psicológico, deficiênciade desenvolvimento ou priva-ção”. (OMS, 2002, 5).

Esse conceito da OMS é significa-tivo porque situa a violência desde aperspectiva da sua redução e dentro domarco de ações ou políticas públicas,dentre elas a educação. Nesse sentido,aqui se defende, também, que as ativi-dades educativas possuem altapotencialidade para prevenir a violên-cia e educar na convivência.

O outro conceito de violência esco-lhido procede de Yves Michaud. Ele sepropôs elaborar uma definição de vio-lência suficientemente ampla para re-ferir-se aos diferentes fenômenos de

violência, concebendo-a da seguinteforma:

Há violência quando, em umasituação de interação, um ou vá-rios atores agem de maneira di-reta ou indireta, maciça ouesparsa, causando danos a umaou a mais pessoas em graus vari-áveis, seja em sua integridade fí-sica, seja em sua integridademoral, em suas posses, ou em suasparticipações simbólicas e cultu-rais. (MICHAUD, 1989: 11)

No conceito de violência deMichaud encontramos diversos aspec-tos que ajudam a dar um significadoao que queremos aqui destacar. Man-tendo o núcleo da natureza da violên-cia (“causar danos”), a definição intro-duz o aspecto do contexto (situaçõesde interação) dentro do conceito de vi-olência, o que se revela de particularimportância para as ações interventivas,preventivas da violência e educativas daconvivência. Trata-se do reconhecimen-to de que a violência resulta dainteração em contextos diferentes, quevai desde o contexto do indivíduo e fa-mília, escola, bairro, até contextos na-cionais e globais. Assume-se que asações interventivas ou preventivas de-vem ser realizadas atuando nesses con-textos, como recomendam as recentesorientações de prevenção da violência.Fundamenta-se aqui a estratégia de atu-ação integrada da escola com outros ato-res da sociedade nas ações de preven-ção à violência.

Desse conceito de Michaud podeser destacada, também, a complexida-de e interação das causas da violência:“um ou vários autores agem de maneiradireta ou indireta, maciça ou esparsa”,assim como as diferentes intensidadesda mesma (“graus variáveis”). As impli-cações para os programas escolares deprevenção da violência, derivadas des-sa realidade apontam para a conveni-ência de adoção de um conjunto deações, propostas e atividades integra-das. O conceito de Michaud inclui, tam-bém, a violência de tipo moral e cultu-ral, o que não deve ser esquecido.

Em relação à ação violenta, Michaud

distingue dois tipos: violência em “ato”e violência em “estado”, que podemser particularmente significativos paraa prevenção da violência na escola.Nas situações em que é possível a iden-tificação da origem física dos danoscausados pela violência, como no casode “matar”, nos encontramos diante deato de violência. Mas, também é pos-sível “deixar morrer de fome ou favore-cer condições de subnutrição”(MICHAUD, 1989: 11). Quer dizer,há situações em que a violência atua,mas é muito difícil rastrear seus flu-xos e indícios. Assim acontece em to-das as variadas formas de atuação daviolência originadas em consequênciade relações sociais de dominação, deexclusão econômica ou de privação dasnecessidades básicas do ser humano,como alimentação, saneamento, mo-radia, acesso aos serviços de saúde eeducação, etc.

Violência escolarMais do que uma categoria ou

especificidade da violência em geral,é necessário ressaltar, de início, que aexpressão “violência escolar” englobauma multiplicidade de fenômenos di-versos, que, frequentemente, se apre-sentam juntos, misturados, embara-lhados. A violência escolar é uma cons-telação.

Vejamos, por exemplo, a definiçãode violência escolar de Serrano e Iborra:

qualquer tipo de violência que sedá em contextos escolares. Podeir dirigida para alunos, profes-sores ou propriedades. Esses atosacontecem nas instalações esco-lares (aula, pátio, banheiros,etc.), nos arredores do centroescolar e nas atividades extra-es-colares. (SERRANO, 2007: 82)

Desse conceito podemos destacarvários aspectos importantes. O primei-ro refere-se à enorme variedade ou di-versidade de fenômenos que abarca aviolência escolar: “qualquer tipo de vi-olência”. Em seguida faremos um es-forço para ordenar e classificar essasmil caras da violência escolar, mas an-tes continuemos anotando outra ques-

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tão muito relevante para caracterizar aviolência escolar.

Observemos que a definição acimateve todo o cuidado do mundo para nãofalar “qualquer tipo de violência que sedá” na escola, mas enfatizar que se tra-ta de qualquer violência que acontecenos “contextos escolares”. A violência es-colar pode ocorrer, então, dentro dosmuros da escola, nos seus diversos es-paços incluindo sala, banheiros, corre-dores, pátios, etc., mas também podehaver violência escolar nos arredores daescola, no bairro, nas ruas, no centrocomunitário, na quadra esportiva... Etambém pode acontecer em atividadesextraescolares ou não diretamenteeducativas, no jogo de futebol, no en-saio de música, na reunião da igreja,na festa de casamento, no velório, nobaile funk...

Quanto às pessoas na condição de

agentes ou de vítimas de violência, ve-jamos que a violência escolar pode es-tar endereçada ou envolver qualquerpessoa que tenha vínculo direto ou in-direto com a escola: alunos, professo-res, funcionários em geral, familiaresde alunos, conselheiros, representantesda comunidade local...

Essa concepção de violência esco-lar apresentada corresponde a um tipode conceito que podemos chamar dedemarcatório ou descritivo. Ele nos diztudo o que deve entrar na categoria vi-olência escolar, referindo-se, então, àsclasses ou tipos de violência escolar, aoslugares ou locais onde acontece e às pes-soas ou instituições envolvidas.

A enorme diversidade de violênciasque podem ser objeto de tratamento pre-ventivo/educativo é susceptível de serclassificada conforme se indica no se-guinte quadro:

Situando o conceito de currículoescolar

Dado que a discussão sobre o cur-rículo é de grande amplitude, destaca-remos alguns aspectos que nos parecemde especial importância para o tema quenos ocupa.

O conceito de currículo, segundoPadilha (2004:117), não deve ser res-tringido à lista de conteúdos e discipli-nas a serem ensinadas-aprendidas edeve se situar para além de seu caráterprescritivo. Assim, remetê-lo-emos atudo que se passa na escola. Destamaneira, será dispensado um possívelolhar inocente sobre o currículo, já queele deve ser tratado e visto em um grauintenso de complexidade. Dada essaamplitude de se olhar e apreender ocurrículo, pode-se pontuar que:

Currículo é lugar, espaço, terri-tório. O currículo é relação depoder. O currículo é trajetória,viagem, percurso. O currículo éautobiografia, nossa vida, curri-culum vitae: no currículo se for-ja nossa identidade. O currículoé texto, discurso, documento. Ocurrículo é documento de iden-tidade. (SILVA apud PADILHA,2004: 124).

Nesse sentido, deve-se notar que aspráticas violentas não somente podemcomo devem, ser, também, objeto deatenção e tratamento curricular.

Durante algum tempo, esteve-se en-volvido em uma cultura escolar/educa-cional em que eram (ou talvez ainda osão) os “especialistas” em currículo quedeveriam fazer as escolhas curriculares

Tipos de violência que podem ser objeto de atenção da escola

1. As marcas das violências sofridas, que os alunos trazem para a escola

• Homicídios;• Feridas não mortais: para cada homicídio há entre 20 e 40 vítimasnão mortais que recebem tratamento nos hospitais;• Maus-tratos ou abuso: físico (com lesões corporais), psicológico (re-jeição, depreciação, etc.), social (prostituição infantil, trabalho infantil,tráfico de crianças, etc), abuso sexual, negligência (omissão, abandono);• Agressões físicas de todo tipo e insultos, ameaças, preconceitos, etc.;• As feridas deixadas pela violência estrutural, econômica, social,institucional, urbana, como desnutrição e fome, pobreza, trabalho infan-til, exclusão... ;• As marcas deixadas pela cultura da violência na psique e comporta-mentos dos adolescentes.

2. A violência na escola

• Massacres e chacinas;• Homicídios;• Suicídios;• Bullying (o bullying pode incluir os seguintes tipos de violência:);

Tipo de Agressão Exemplos de conduta

Exclusão social • Ignorar• Não deixar participar

Agressão verbal • Insultar• Colocar apelidos ofensivos• Falar mal de outro nas suas costas

Agressão física indireta • Esconder coisas da vítima• Quebrar coisas da vítima• Roubar coisas da vítima

Ameaças • Bater• Ameaçar somente para causar medo• Obrigar a fazer coisas com ameaças (chantagem)• Ameaçar com armas (faca, pau)

Acosso sexual • Acossar sexualmente com atos ou co- mentários

Fonte: ESPAÑA. DEFENSOR DEL PUEBLO, 2007: 23

• As violências citadas anteriormente, sem as características de bullying;• As violências perpetradas por gangs ou bandos;• O comércio e tráfico de drogas;• Cyberbullying (vários tipos) e happy slapping;• Indisciplina;• Absenteísmo;• Disrupção das aulas.

3. A violência à escola

• Depredações;• Quebras ao patrimônio da escola;• Vandalismo;• Qualquer tipo de violência de alunos/as aos professores e funcio-nários.

4. A violência da escola

• Autoritarismo da direção, do corpo docente, e dos funcionários;• Dominação institucional mediante elaboração e aplicação de normas;• Princípios pedagógicos que desrespeitam a cidadania e os direitos;• Princípios pedagógicos que contrariam a condição dos alunos comosujeitos do aprendizado;• Relação de dominação mediante currículo oculto;• Não atingir a universalidade de educação prevista naquela sociedade;• Não atingir o nível e a qualidade de educação estipulados;• Não cumprir a finalidade da formação do desenvolvimento pessoal ecidadão dos alunos;• Não conseguir preparar adequadamente para inserção no mercado detrabalho.

5. As violências que perpassam (ou podem perpassar) todas as outras

• Violência de gênero, sexismo, machismo;• Racismo;• Homofobia (preconceito e/ou ódio contra homosexuais);• Violência, discriminação e preconceito contra alunos/as com defici-ência;• Violência, preconceito ou discriminação por motivos religiosos, pelaaparência física, pela condição econômica, pelo local de nascimento ouprocedência, etc.

Fonte: Elaboração própria a partir de autores vários

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Suplemento Pedagógico APASEAbordagema serem cumpridas pelas escolas(PADILHA, 2004). Frente a essas prá-ticas, deve-se frisar que cabe aos pro-tagonistas da relação de ensino-apren-dizagem um papel ativo na elaboraçãodo currículo a ser implementado naprática em cada escola. Este princípiopossibilita que a necessidade de preven-ção da violência em cada escola possater um tratamento curricular.

Nessa perspectiva, encontramos am-paro na Constituição Federal de 1988e na Lei de Diretrizes e Bases da Edu-cação Nacional, Lei nº 9.394/96. Elascontemplam a necessidade de elabora-ção, pelas escolas, de sua proposta pe-dagógica.

Art. 12. Os estabelecimentos deensino, respeitadas as normascomuns e as do seu sistema deensino, terão a incumbência de:

I - elaborar e executar sua pro-posta pedagógica; (PRESIDÊN-CIA REPÚBLICA, Lei nº 9.394,de 20 de dezembro de 1996)

Por sua vez, também os ParâmetrosCurriculares Nacionais (Ensino Médio)indicam recomendações na direção deque sejam incluídos temas e problemasrelativos à conflitividade e à violência:

Trata-se de aprender a viver jun-tos, desenvolvendo o conheci-mento do outro e a percepçãodas interdependências, de modoa permitir a realização de proje-tos comuns ou a gestão inteligen-te dos conflitos inevitáveis.(PCNs, Ensino Médio, 2000,pág. 16).

Para tanto, uma outra recomenda-ção, lembrada pela professora FlaviaSchilling (2004), refere-se à necessida-de de se re-ocupar os espaços das esco-las, o espaço que é do professor, dodiretor, do assistente pedagógico oucoordenador, dos alunos, das famílias,do funcionário, do supervisor... Há quese preencher, urgentemente, esses vazi-os para se iniciar o diálogo em tornodo Currículo, em torno dos temas,como o da violência, que tanto aflige ointerior das escolas.

A participação na elaboração eimplementação do currículo torna-se,então, aspecto essencial. Mas a ela fal-tará um pé se não incluir diversas for-mas de participação efetiva dos alunos.Essa questão aponta para a necessida-de de ouvirmos e reconhecermos quemsão os nossos alunos e os seus verda-

deiros dramas.Assim sendo, por mais que queira-

mos discutir um assunto por conside-rarmos de grande relevância para a for-mação, há que se garantir um espaçode escuta tanto para professores, quan-to para alunos para que a escola possaresgatar de fato o autêntico significadodo processo educativo na direção doprocesso de humanização de todos.

Implicações para o currículoA seguir, serão apresentados oito

aspectos, todos com apoio teórico,que se apresentam como concre-tizações das implicações da preven-ção da violência escolar para o cur-rículo.

1. Elaboração de um conceito deviolência que oriente as ações deprevenção

Um projeto de prevenção deveter um conceito de violência quesirva de referência. Devem serfeitas pesquisas-diagnóstico so-bre as diferentes violências exis-tentes, incluindo pesquisa sobreas apreciações subjetivas da vi-olência por parte da comunida-de escolar. Provavelmente have-rá de ser necessário muito diálogosobre possíveis conceitos de violênciaconflitantes, por meio do desenvolvimen-to de iniciativas variadas de reconheci-mento de atitudes violentas no cotidia-no escolar, realizando oficinas com osvários segmentos que compõem a co-munidade escolar, elaborando pesqui-sas e atividades condizentes à produ-ção de diagnóstico da violência escolare estabelecendo formas de reflexão eaprendizagem da ocorrência de casosconcretos sobre ela.

2. Adoção de um modelo de gestão es-colar baseado nos princípios da demo-cracia participativa

A democracia consiste numa formapacífica de resolver conflitos. Daí queseja necessário adotar na unidade es-colar variadas formas de participação:Conselhos de Escola; Conselhos mi-rins, Grêmios estudantis, Comissões detrabalho, tendo em vista a elaboraçãocoletiva (envolvendo os vários segmen-tos da escola) do Projeto Político Peda-gógico, das normas de convivência, daconstituição de formas não-violentas deresolução de conflitos, etc.

Essa implicação para o currículo re-lativa à necessidade de participação de-mocrática na escola reveste-se de umaimportância singular pois, sem ela, fi-

c a mcomprome-tidas outrasmedidas típicas de prevenção da vio-lência escolar como a mediação de con-flitos entre alunos/as e a elaboração denormas a partir dos princípios pauta-dos na Declaração Universal dos Di-reitos Humanos.

Dentre outras medidas, pois, comodestaca a teoria, a educação da convi-vência consiste, em grande parte, naeducação em valores (a dignidade, orespeito, a justiça, a democracia, a paz,a tolerância, o diálogo, a solidarieda-de, os direitos humanos...). Estes valo-res que somente são assimilados e pra-ticados se forem vivenciados. Dessaforma, é difícil e notoriamente incon-gruente uma escola pretender educar naconvivência e continuar sendo autori-tária e excludente.

3. Criação de uma estrutura para oProjeto Preventivo e elaboração dasorientações gerais de prevenção e in-tervenção

Manutenção de uma equipe de Co-ordenação do Projeto Preventivo quesirva de apoio para a as escolas. Esse é,também, um fator que traz implicações

para o currículo, na medida em que seapresenta como um instrumento desuporte representando um preparadopara atuar quando necessário. Apon-tam-se desta forma: os plantões deserviços de atendimento às ocorrên-cias de violência; a construção de umfluxo dos encaminhamentos diversosem relação aos diferentes fenômenosde violência; as orientações em rela-ção aos sinais e pistas de reconheci-mento de crianças, adolescentes e jo-vens vítimas de violência, bem comoaos procedimentos de cuidados paraas vítimas de violência e a disponibi-lização de meios e recursos perma-nentes para atuação dos educadores(as) e da equipe do Projeto.

4. Formação na perspectiva da preven-ção da violência escolar

Prevenir a violência escolar implicaem desenvolver amplos programas deformação, da maior abrangência, pro-fundidade e regularidade possível. Nes-se sentido, aos Projetos de Prevençãorecomenda-se a realização de ativida-des diversas. Incluindo o desenvolvimen-

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to de atividades extraclasse, obviamen-te com o envolvimento de todos os/asalunos/as, mediante campanhas vári-as, conseguindo espaços na mídia, erealizando atividades lúdico-pedagógi-cas na cidade. Percebe-se essas ativi-dades significativas para o alargamen-to do espaço educativo da escola e docurrículo, revelando inovações edu-cativas interessantes.

Um outro fator importante na pre-venção, refere-se às atividades de for-mação com professore/as, funcionários/as, membros dos conselhos de escola efamílias. Os professores/as são extrema-mente importantes para que os projetosde prevenção da violência deem certo.A formação deve ser permanente, nãoapenas porque os fenômenos da violên-cia são complexos e dinâmicos, mas tam-bém, porque continuamente chegamnovos professores, que, possivelmente,trazem concepções sobre a violência es-colar pautadas pelo senso comum ou pelamídia, que podem pôr em perigo osavanços realizados.

De um modo geral, pode-se sinte-tizar para a realização da formação, noâmbito do Projeto de Prevenção: açõesde sensibilização e divulgação do Pro-jeto; elaboração de campanhas, even-tos e divulgação na mídia; a adoção deum programa de formação para a co-munidade escolar (professores/as, fun-cionários/as, alunos/as, famílias, con-selheiros/as) nos temas inerentes a si-tuações de violência escolar (violência,drogas, bullying, ciberbullying, agres-sividade, currículo oculto etc.) e daeducação da convivência e da paz (di-reitos humanos, ECA, educação emvalores etc.); e sobre formas cooperati-vas de aprendizagem.

5. Atividades culturais e de lazer

As atividades culturais e de lazerconstituem uma implicação bastantesignificativa para o currículo no traba-lho da prevenção e aponta para a pos-sibilidade da realização de atividadesculturais e de lazer com vistas a propi-ciar a aproximação e interação das pes-soas consigo mesmas e com os demaisde forma lúdica, descontraída, em queo direito à diversão apareça. Oportu-nidades essas que possam contribuirpara o fortalecimento da identidadecultural local e para o processoeducativo.

6. Adequações do Espaço Físico e me- (*) Doutora em Educação: Currículo pela PUC/SP

didas de segurança

A arquitetura das escolas (o espaçofísico, a forma com que são projetadose construídos os prédios, a distribui-ção dos espaços) é reveladora de for-mas de convivência e deve estar emsintonia com o propósito do trabalhode prevenção à violência escola.

Enquanto às necessárias adequaçõesdo espaço físico como implicações parao currículo, cabe mencionar também odesenvolvimento de uma concepção deapropriação comunitária do espaço daescola, que possa contrastar com a con-cepção de que muros altos, ou a insta-lação de grades no intuito de se garan-

tir a sensação de segurança, mas queem muitas ocasiões podem provocar,também, sentimentos parecidos com osde sentir aprisionado.

7. Articulação com agentes externos àescola

A articulação com agentes externosà escola é considerada pela teoria comouma das principais medidas para a pre-venção da violência escolar. Essa im-plicação para o currículo se traduzirána significativa realização do ProjetoPreventivo.

Enfim, a possibilidade de constitui-ção de parcerias deve fazer parte da raizde qualquer projeto de prevenção, naperspectiva de um trabalho em rede en-volvendo: famílias; representantes/pro-

motores de políticas públicas (nas trêsesferas de governo); representantes daVara da Infância e Conselho Tutelar;representantes das polícias (GuardaMunicipal, Polícia Militar, Bombeiros);representante da OAB (Ordem dosAdvogados do Brasil), representantes daComunidade Local/Bairro/ONGs (Or-ganização Não Governamental).

8. Adoção de formas de avaliação doProjeto

A adoção de formas de avaliaçãoé, também, uma atividade essencialaos projetos de prevenção da violên-cia escolar, que podem, ass im, irmonitorando suas atividades. Avaliar

para possibilitar a aferi-ção de resultados na pre-venção da violência noâmbito educacional e, aomesmo tempo, contribu-indo para a orientação/reorientação das açõesde prevenção.

ConclusãoDe um modo geral,

quando se olha para o con-junto das implicações parao currículo, conclui-se queassumir a prevenção da vi-olência escolar implicanuma forte mudança daconcepção e das práticaseducativas.

Ou seja, acolher aprevenção da violênciaescolar e a educação daconvivência no currícu-lo exige uma nova esco-la que consiga, em pri-meiro lugar, fazer comque o grande número de

crianças, adolescentes e jovens em si-tuação de risco no Brasil, possam sertratados como sujeitos de direito e ace-der a uma educação de qualidade quedesenvolva suas potencialidades, osprepare para as condições de vida ad-versas que, provavelmente, terão epossam completar seus estudos. Semdúvida, essa é a melhor forma de pre-servar as vidas de crianças, adolescen-tes e jovens hoje no Brasil, uma vezque o perfil de homicídios nessa faixaetária corresponde ao de crianças que

abandonaram a escola em idade esco-lar e dificultaram enormemente umavia convencional de sobrevivência.

Pelo contrário, não acolher a pre-venção da violência escolar no currí-culo, continuar entendendo que sejapossível centrar-se unicamente nas dis-ciplinas tradicionais de estudo, comose fosse possível fazê-lo ignorando ascondições de vida das crianças, ado-lescentes e jovens, significa contribuircom a reprodução da violência no Bra-sil, que destrói numerosas vidas e feretantas outras, comprometendo suaexistência futura.

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O Ensino Médio1: diferentes olhares,desafios comuns2

Celso João Ferretti (*)

s discursos governamentais dadécada de 1990 e a atuação da

grande mídia tornaram lugar-co-mum a concepção de que existe estreitarelação entre as mudanças ocorridas noâmbito do trabalho sob o modo de pro-dução capitalista a partir da década de1970 e o aumento das exigências em ter-mos de educação formal, seja ela de cor-te propedêutico, seja de teor profissio-nal, sob o argumento de que a utilizaçãode novas tecnologias de produção exigi-ria um trabalhador com qualificaçõesmais refinadas. Em consequência, umcontingente significativo da população,especialmente aquele formado por famí-lias de baixo poder aquisitivo que, histo-ricamente, viu na educação profissionalde seus filhos a oportunidade de melhoriade vida, fortaleceu essa crença, acredi-tou no discurso da empregabilidade epassou a demandar mais formaçãoprofissionalizante. Como tudo que setransforma em senso comum, essa con-cepção deixa ocultos certos aspectos eparticularidades do processo que convémretomar não só para fins de maior clare-za, mas, também, para servirem de sub-sídios a questionamentos.

Um desses aspectos refere-se à noçãode que o elemento principal no processode reestruturação produtiva foi atecnologia de base física (maquinaria, equi-pamentos) em função da superação dabase tecnológica metal-mecânica por ou-tra que se assenta na articulação damicroeletrônica, da informática e da ge-nética. Essa noção não é falsa, mas a visãode senso comum, ao conferir-lhe tal im-portância, colocou em segundo plano ou-tra mudança, tão fundamental quanto aprimeira, na reconfiguração da forma ca-pitalista de produzir a partir da década de1970. Trata-se das tecnologias de naturezaorganizativa e simbólica por meio das quaisforam produzidas alterações de fundo na

organização e controle do trabalho produ-tivo, com desdobramentos significativosem termos de políticas de emprego inter-nas e externas às empresas.

Tais desdobramentos referem-se, noplano interno, ao enxugamento promo-vido pela organização flexível do traba-lho de modo a desmontar a estrutura hi-erárquica prevalecente sob a organizaçãofordista. Essa desestruturação/reestru-turação provocou a dispensa de váriosprofissionais que, por anos ou décadas,haviam sido considerados qualificados enecessários ao bom desempenho dasempresas como, por exemplo, os admi-nistradores que exerciam funções de che-fia ou gerência. Por outro lado, promo-veu também a terceirização de setoresinteiros, como, por exemplo, o transpor-te e a limpeza, implicando em novas dis-pensas. Finalmente, a flexibilização daprodução propriamente dita induziu aoquestionamento das capacidades técnicase das qualidades sociais e subjetivas dostrabalhadores que haviam sido cultuadase utilizadas sob a forma fordista de pro-duzir o que resultou, de um lado, na pres-são para que se requalificassem tendo emvista as novas demandas da empresa e,de outro, na simples dispensa, dado quetal flexibilização, articulada à da organi-zação e ao emprego de novas tecnologiasde base física passou a necessitar de umnúmero mais restrito de trabalhadores.O que o discurso da relação direta entreeducação e emprego, fartamente utiliza-do em documentos da reforma da déca-da de 1990, privilegiou e trombeteou pormeio da mídia foi apenas este último as-pecto da flexibilização. Tal discurso nãoé desinteressado ou ingênuo. Ao contrá-rio, tem forte conteúdo político e ideoló-gico uma vez que, por meio dele tornoupossível deslocar para os trabalhadoresdispensados e para os aspirantes a seuscargos a responsabilidade por encontra-

rem ou não seu espaço no seio da orga-nização produtiva. Ao mesmo tempo,visou ocultar a responsabilidade da for-ma capitalista de produzir e das políticaseconômicas desenvolvidas em seu seio,resultando na promoção do desempregoestrutural. No plano externo às empre-sas, mas em articulação com elas, o Esta-do brasileiro desenvolveu políticas dedesregulamentação do emprego, promo-vendo mudanças na legislação trabalhistaque eliminaram, flexibilizaram oudistorceram conquistas históricas dos tra-balhadores, dificultando o acesso a no-vos postos de trabalho ou a manutençãodos existentes. Felizmente, nas duas ges-tões do governo Lula, especialmente naúltima, o Estado, apesar de não questio-nar a desregulamentação até então pro-movida, criou políticas de emprego e ren-da que diminuíram as taxas de desem-prego produzidas nos governos anterio-res, no que foi favorecido pela conjuntu-ra da economia mundial. No entanto, amídia continua a afirmar que, no país,não faltam empregos, mas trabalhadoresqualificados. Ainda que isso possa ser ver-dadeiro para determinados setores e pos-tos, o caráter genérico do discurso conti-nua culpabilizando o trabalhador e exi-mindo de responsabilidade o capital e aspolíticas econômicas com ele afinadas aoenfatizar a concepção de qualificação queremete tão somente às característicaspessoais dos trabalhadores, mas não àsrelações capitalistas de produção que con-duzem ao desemprego um grande núme-ro de trabalhadores que, apesar de seeducarem mais, não encontram no mer-cado as oportunidades sugeridas pelo dis-curso empresarial.

Outro aspecto a considerar é o de queas mudanças no campo do trabalho de-senvolvidas, a partir da década de 1970,estão fortemente relacionadas a transfor-mações sociais e culturais que se manifes-

tam mais ou menos no mesmo período.O processo de mundialização do capita-lismo por meio da criação de novos mer-cados, da desregulamentação do trabalho,das ofensivas privatistas, da mercanti-lização, inclusive de setores antes não vi-sados pelo capital, assim como a derroca-da do socialismo real, a falência das polí-ticas do Estado do Bem Estar Social, atransformação da ciência em insumo ci-entífico, a reconfiguração do trabalho coma materialização das teses pós-indus-trialistas, a financeirização do capital, oavanço da ideologia neoliberal, entre ou-tras razões, produziram mudanças demonta na vida social, ainda que não te-nham alterado o modo de produção capi-talista. Antes, são causa e consequênciadas reconfigurações produzidas por elepróprio para superar as crises da décadade 1960 e alçar-se a um nível superior,mais complexo e mais sofisticado. Taismovimentos intensificam, em nível mun-dial, o já existente e contraditório proces-so de humanização do sujeito social, nosentido de construção do ser social maisrefinado e, também, de modo intensifica-do, sutil e profundo, o processo de suadesumanização, por meio não apenas dasnovas formas de organização da produção,mas, também, da intensificação da socia-bilidade do capital fundada na produçãode valores de troca.

Evangelista (2006)3 estabelece umaclara relação entre as formas assumidaspelo capitalismo contemporâneo no pla-no econômico, o pós-modernismo e oneoliberalismo como sua manifestaçãosuperestrutural. Esta se dá sob a formade mudanças socioculturais que afetam arelação tempo-espaço com a preponde-rância do segundo sobre o primeiro (ten-dência à superação das barreiras nacio-nais por ação de redes mundiais de co-municação social, assim como de inter-

1 Por Ensino Médio entendemos a etapa final da Educação Básica nas modalidades propedêutica, Educação Profissional Técnica de nível Médio e PROEJA.2 Texto produzido por solicitação do Sindicato de Supervisores de Ensino do Magistério Oficial de São Paulo – APASE.3 Os três parágrafos que se seguem fazem parte, com ligeiras modificações, de outro artigo de minha autoria, a ser publicado no decorrer de 2011.

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câmbio financeiro). Tais alterações sãomediadas por formas diversas e inusita-das de hibridização cultural, incentivadaspor novas tecnologias de comunicação epelo desenvolvimento da indústria cultu-ral, produzindo a padronização e, aomesmo tempo, a diversificação de gos-tos e de consumo de produtos culturaissob a influência tanto do poder políticoquanto da dominação de classe.Aprofundam-se, no âmbito do capitalis-mo tardio, os processos de simbiose en-tre o mercado e a vida cultural, passandoesta a constituir-se em elemento centralda vida econômica e vice-versa, pelo es-timulo à aquisição de bens sempre reno-vados por meio das também renovadastecnologias da informação e pela trans-formação da própria informação emmercadoria configurando novos hábitose novas formas de relações intersubjetivas.

Recorrendo a Harvey (1992) e aEagleton (1993), Evangelista estabelecerelação mais direta entre a pósmodernidade e a produção de mercado-rias, indicando que as ambiguidades dapós-modernidade derivam da sua apro-ximação com o movimento social da for-ma mercadoria que a todos nivela e queenseja, no capitalismo tardio, a configu-ração de sociedades que se definem porantinomias (libertárias/autoritárias;hedonistas/repressoras; múltiplas/mo-nolíticas). Tais sociedades demandariam“duas formas distintas de subjetivação”:

uma representada pelo “sujeito centradoe autônomo” que se põe como “uma ne-cessidade ideológica em termos éticos,jurídicos e políticos da cultura tradicio-nal – o “ideal oficial do sistema”; outra,representada pelo “sujeito pós-moderno,constituído como uma ‘rede difusa delaços libidinais passageiros’, dotado desubjetividade fugidia e polissêmica”, vol-tada ao hedonismo e ao consumo(EVANGELISTA, 2006, p. 7).

Como se pode notar, o âmbito dasexpectativas do capital, no que concerneao campo educacional, transcende ape-nas a formação do trabalhador mais há-bil e eficiente no desenvolvimento de suasatividades. Pretende, na verdade, a for-mação de um novo sujeito social numaperspectiva mais ampla, como trabalha-dor e consumidor, mas adaptado a seusinteresses e necessidades não apenas no

que se refere às relações intra-empresa,mas, também, em termos de sua vidasocial exterior a ela. Portanto, nãocontestador. As reformas educacionaisdesencadeadas em vários países, a partirda década de 1970 e em 1990, entre nóscapitaneadas por agências multilaterais,com anuência e protagonismo dos gover-nos locais, visaram promover essa for-mação, assentadas no sedutor discurso dodesenvolvimento econômico social, dapromoção da cidadania e da emprega-bilidade, sob o falso argumento de que aeducação seria a mola propulsora tanto

da competitividade econômica do paísquanto da concretização do emprego qua-lificado para muitos.

Entre nós as reformas da década de1990, tanto do ensino médio prope-dêutico quanto da educação profissionaltiveram por núcleo, como se sabe, o cur-rículo, entendido como a mediação ne-cessária para a formação do novo su-jeito social, sem ferir, antes acentuando,a histórica dualidade entre formação ge-ral e específica, assim como seus desti-natários, apesar do discurso quepropalava sua articulação por meio daformação por competência.

Tanto as diretrizes para o ensino mé-dio quanto as propostas para a educa-ção profissional técnica emanadas pelareforma estabeleceram a relação entre aformação escolar e o sistema produtivode forma tão intensa e direta, pela via

do “modelo de com-petências”, que setornou difícil distin-guir entre vínculo esubordinação, mes-mo quando se trata-va da cidadania edos princípios orien-tadores para sua for-mação: a estética dasensibilidade, a polí-tica da igualdade e aética da identidade.Nesse sentido, aindaque o discurso se re-ferisse à cidadaniaem geral e que o ob-jetivo propalado fos-se o de preparar otrabalhador poliva-lente, tanto técnicaquanto socialmente,para atividades mu-

táveis e sujeitas a imprevistos, a reali-dade que subsistiu foi a daquela cujoslimites são definidos pelos interesses daprodução.

Por outro lado, o modelo de compe-tências não avançou em relação ao es-treito conceito de qualificação anterior-mente referido, antes o confirmou, namedida em que apenas enfatizou a subs-tituição de determinados atributos pes-soais dos trabalhadores por outros emdetrimento das ações coletivas na cons-trução das identidades e espaços profis-sionais. É verdade que os atributos atu-

ais são mais nobres, referindo-se menosao trabalho manual e mais ao intelectual,embora sempre se deva estabelecer a dis-tinção entre simbólico e intelectual, umavez que determinadas atividades hoje so-licitadas a alguns trabalhadores não sãomanuais, mas nem por isso podem serditas intelectuais, se por isso queremossignificar mais que a habilidade de ma-nipular símbolos.

Cabe introduzir, a esta altura, a dis-cussão relativa à tese de que, com astransformações ocorridas na organizaçãoe no processo de trabalho por força dautilização de tecnologias de base física eorganizacional, o trabalhador seria me-nos “executor” e mais participante dasdecisões devido à sua contribuição inte-lectual para a produção, “superando-se”,assim o estranhamento presente sob aorganização taylorista. Antunes (2004,p. 43) faz outra leitura desse fato. Nasua interpretação,

a nova fase dos capitais globaisre-transfere, em alguma medida,o savoir faire para o trabalho, maso faz apropriando-se cres-centemente da sua dimensão in-telectual, das suas capacidadescognitivas, procurando envolvermais forte e intensamente a sub-jetividade operária. Como a má-quina não pode suprimir comple-tamente o trabalho humano, elanecessita de uma maior interaçãoentre a subjetividade que traba-lha e a nova máquina inteligente.Neste processo, o envolvimentointerativo aumenta ainda mais oestranhamento e a alienação do tra-balho, ampliando as formas mo-dernas da reificação, através dassubjetividades inautênticas eheterodeterminadas.

Na verdade, o modelo trabalha sobreo suposto de que tudo no campo profis-sional se torna responsabilidade indivi-dual, desde a empregabilidade até a defi-nição dos negócios com os quais o indi-víduo vai se envolver, passando pelo tipode treinamento, velocidade de promoção,salário, viagens, benefícios de ordem di-versa, etc. A carteira de competências aser continuamente renovada é a pedra detoque para essa carreira individual da qualo sujeito se torna gerente, conforme ex-pressão usada em empresas.

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Tal enfoque tende a obscurecer o fatode que a definição, certificação e valori-zação das competências (em termos sala-riais, inclusive), tal como ocorreu em ou-tros momentos com a definição das qua-lificações, não é uma questão meramen-te técnica ou escolar, derivada das mu-danças no conteúdo do trabalho e da in-trodução de inovações tecnológicas, maspolítica e histórica, uma vez que envolveinteresses distintos e antagônicos entrecapital e trabalho, presentes num contex-to em que se quer fazer crer que tais dis-tinções e antagonismos devem dar lugara outro tipo de enfoque (a negociação)em nome da produtividade, dacompetitividade, do mercado e da quali-dade, no qual ela (a negociação) aparececomo o estágio mais evoluído, democrá-tico e civilizado das relações capital/tra-balho. Isto pode significar, no limite, a“naturalização” da produção capitalista ea negação, como “atrasado”, do embatepolítico em torno de interesses divergen-tes. Pode significar, também, a “naturali-zação” da competência como alternativaà formação do trabalhador, secun-darizando o fato de que sua instituiçãodepende da correlação de forças em dis-puta no interior da empresa e da socie-dade brasileira, neste momento históri-co, correlação esta que impõe limites àsua utilização como instrumento da pro-dução. O tratamento técnico desmo-biliza, portanto, a ação política e adesqualifica, com base no argumento deque o primeiro se apoia na ciência, natecnologia, na produtividade, no mer-cado (na “realidade”, enfim), enquantoque a segunda ganha cores de simplesideologia a serviço de “interesses mera-mente corporativos”.

Por fim, deve-se recordar que o cará-ter instrumental atribuído à educação nãoé novo entre nós. O ensino médiopropedêutico tem sido, durante muitotempo, percebido, inclusive por setoressociais mais esclarecidos, como prepara-ção para os cursos superiores, não umaetapa educacional com fim em si mes-mo, enquanto processo formativo. AEducação Profissional, por seu turno, temsido percebida como capacitação técni-ca para o emprego, numa perspectivapragmática e imediatista. Familiares, alu-nos e mesmo professores dessa área fre-quentemente ressaltam esse papel quan-do se lhes propõe uma formação que

extrapole tais limites. Não admira, por-tanto, que vários educadores tenhamsido envolvidos pelas propostas reformis-tas e que amplos setores sociais tenhamsido seduzidos por elas quando divulga-dos insistentemente pela mídia. Nãoadmira, em especial, que a recente ex-pansão da educação profissional de ní-vel técnico tenha recebido ampla aco-lhida dos setores populares, aos quaistalvez tenha passado desapercebida amudança que o governo Lula procurouoperar na natureza da formação a seroferecida nessa modalidade.

Tal mudança aponta para a direçãoque foi privilegiada por educadores pro-gressistas desde as discussões sobre a LDB9394/96, nascidas no âmbito dos deba-tes atinentes à Constituição de 1988.Apoia-se nas discussões sobre as relaçõesentre o ensino médio e a educação pro-fissional das quais se originou o Decreto5154/04, com o qual se pretendeu, ori-ginalmente, revogar o Decreto 2208/97,mas, que acabou, por força de contin-gências políticas, limitando-se, o que nãoé pouco, a deitar por terra o impedimen-to legal da oferta do ensino médio inte-grado à educação profissional.

Todavia, a visão mais clara e precisasobre os pressupostos filosóficos e políti-cos da integração entre o ensino médio ea educação profissional técnica não pa-rece ser de domínio de muitos educado-res e, certamente, de muitos responsá-veis por alunos que têm direito à escola-ridade nesse nível. Uma das consequên-cias imediatas disso é a do entendimentodo termo integração como sinônimo dearticulação. Este último se refere, certa-mente, a uma forma de relação entre oensino médio e a educação profissionalou, dito de outra forma, entre conteúdosde formação geral e de formação especí-fica. Trata-se, todavia, de uma relação dejustaposição em que ambos os tipos deconhecimento interagem, mas conservamsuas especificidades. Na educação pro-fissional desenvolvida pelas escolas téc-nicas desde o seu surgimento e, mais es-pecificamente, nas décadas de 1970 e1980, foi esta a concepção que estruturouos currículos dos cursos nelas oferecidos.Sem dúvida é uma forma de relação muitomelhor do que aquela a que tais escolas,já na condição de Centros Federais deEducação Tecnológica (CEFETs), foramsubmetidas por força do Decreto 2208/

(*) Colaborador do CEDES, Ex-pesquisador sênior da Fundação Carlos Chagas e ex-professor doPrograma de Pós-Graduação em Educação – História, Política, Sociedade da PUC-SP

97, o qual promoveu a completa separa-ção entre o Ensino Médio e a EducaçãoProfissional de nível técnico, valendo-sedo artifício de que estavam articulados eunificados por meio do desenvolvimentode competências gerais (Ensino Médio)que forneceriam as bases para o desen-volvimento de competências específicas(Educação Profissional).

A integração entre o Ensino Médio ea Educação Profissional Técnica tem sen-tido mais profundo. Pode até valer-se,eventualmente, da justaposição, mas nãose encerra nela. Tal integração, emboraainda de forma limitada, fundamenta-senos princípios da politecnia, a qual, con-forme Saviani (2003, p. 140):

diz respeito ao domínio dos fun-damentos científicos das diferen-tes técnicas que caracterizam oprocesso de trabalho produtivomoderno. Está relacionada aosfundamentos das diferentes moda-lidades de trabalho e tem comobase determinados princípios, de-terminados fundamentos que de-vem ser garantidos pela formaçãopolitécnica.

A limitação acima referida decorre deque o Ensino Médio integrado à Educa-ção Profissional ainda conserva elemen-tos da dualidade, anteriormente aponta-da, por ser forçado a admiti-la na atualetapa de desenvolvimento social e eco-nômico de nossa sociedade em razão dascircunstâncias de vida dos jovens oriun-dos de famílias de trabalhadores, as quaisnão lhes permitem deslocar suaprofissionalização para o ensino superi-or de qualidade, como ocorre com aque-les que provêm de famílias com altos ren-dimentos. Sua superação somente se tor-nará possível quando forem criadas ascondições sociais, políticas e econômi-cas de igualdade que permitam a todosos jovens ter acesso à formaçãoomnilateral proposta por Marx eGramsci, por meio do ensino médio decaráter unitário e politécnico, oferecen-

do-lhes a oportunidade de desenvolver “acapacidade analítica tanto dos processostécnicos que engendram o sistema pro-dutivo quanto das relações sociais queregulam a quem e a quantos se destina ariqueza produzida” (FRIGOTTO, 2005,p. 74). A clara compreensão por partedas escolas e da população do que é pre-tendido com o ensino médio de caráterpolitécnico, ajuda a destruir as concep-ções de senso-comum sobre as relaçõesentre a educação e o trabalho em nossasociedade e, se for aliada à opção políti-ca por ele e à disposição dos setores res-ponsáveis por enfrentar os desafios re-presentados por tal proposta educacional,contribuirá para as possibilidades de suaefetiva concretização.

Bibliografia

ANTUNES, Ricardo. Algumas teses sobreo presente (e o futuro) do trabalho. In:DOWBOR, Ladislau; FURTADO,Odair; TREVISAN, Leonardo; SILVA,Hélio (orgs.). Desafios do trabalho.Petrópolis: Vozes, 2004.

EAGLETON, Terry. A ideologia da estéti-ca. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

EVANGELISTA, João Emanuel. Teoriasocial e pós-modernismo: a resposta do mar-xismo aos enigmas teóricos contemporâne-os, 2006. Disponível em www.cchla.ufrn.br/cronos/pdf/7.2.pdf Acessado em05/05/2010.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Concepções emudanças no mundo do trabalho e o ensi-no médio. In: FRIGOTTO, Gaudêncio;CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise(orgs.). Ensino Médio Integrado: concep-ções e contradições. São Paulo: CortezEditora, 2005, p. 74.

HARVEY, David. A condição pós-moder-na: uma pesquisa sobre as origens da mu-dança cultural. São Paulo: Edições Loyola,1992.

SAVIANI, Dermeval. A nova lei da edu-cação. LDB, limite, trajetória e perspec-tivas. 8ª Ed., São Paulo: Autores Associ-ados, 2003.

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Ensino Médio: a transformação pela Arte

Suplemento Pedagógico - Como foi o contatopara participar da pesquisa para o livro?

Joaquim Carlos Miranda - A Secretaria daEducação fez o contato e avisou-nos que éra-mos uma das dez escolas do Estado com me-lhores índices, escolhida para participar doestudo. Assim, recebemos uma pesquisadorada Fundação Carlos Chagas que esteve aquipor uma semana acompanhando os trabalhos,os projetos, assistindo às aulas, participandodo nosso dia a dia. Ela acompanhou toda amontagem e apresentação do Hora Cultural,entrevistou gestores, alunos, professores, fun-cionários da escola.

SP - Como é esse projeto?

Sonia R. B. Vincenzi - O Hora Cultural acon-tece uma vez por mês, com uma sala de cadaperíodo. Todas as disciplinas trabalham comesses alunos, motivando-os a expressar ideiassobre o assunto específico por meio de lin-guagens diferenciadas, como música, dança,teatro, artesanato e vídeo. Durante uma sema-na eles podem utilizar o horário de aula parapreparação e, quando há ensaios, pesquisas eoutras atividades complementares ao trabalho,eles aproveitam o horário da Escola da Família,aos sábados e domingos. Cada classe faz suaapresentação, durante uma hora, uma hora emeia, para os colegas do seu período.

SP - Além do Hora Cultural, quais outrosprojetos que a escola realiza?

JCM - Temos a Feira das Artes que, desde oano passado, passou a ser realizada em outu-bro. Anteriormente, ela acontecia em dezem-bro como uma atividade para fechar o ano,cujo tema mais recorrente era o Natal. A partirde 2010, o tema é livre, com cada classe esco-lhendo um assunto, desenvolvendo de dife-rentes formas. Este é o projeto mais visível. Há,também, as semanas da Língua Portuguesa e

projetos na questão disciplinar? Houve algu-ma melhora no comportamento dos alunos?

JCM - No dia a dia, percebemos uma mu-dança estrondosa.

SP - O que foi mais marcante?

JCM - O fim da agressividade. As brigas fo-ram terminando, a participação aumentan-do, a frequência aumentou. Essa foi umamudança percebida ao longo desses quinzeanos. Isso é bem visível. Lógico que ainda háalguns casos de indisciplina, mas são coisascorriqueiras em relação ao que era no começo.

SP - Qual a opinião dos pais em relação à essamudança?

JCM - Você percebe uma total mudança emrelação ao olhar que eles têm da escola nasnossas conversas constantes. Sempre que ospais vêm às reuniões ou nas conversas infor-mais na rua, eles falam dessa mudança dofilho, em relação à escola, depois dos proje-tos. Os comentários dos pais são de que o filhoaumentou a participação, que tem mais vonta-de de ir pra escola. Uma das preocupações de-les, como trabalham durante a semana, é viracompanhar a Feira das Artes. Nela, por exem-plo, os alunos produzem os trabalhos e, emgeral, quem avalia são os pais. O pai recebe ainformação do tema que o filho desenvolveu,recebe os critérios e vem para a feira já com afolha de avaliação, conhe-ce o trabalho de todos osalunos e dá nota para otrabalho do filho. Essanota vale para o bimestree é entregue para o coor-denador da turma.

SP - Para atingir o pú-blico de fora, é feita al-guma divulgação?

Sonia R. B. Vincenzi-

Divulgamos no jornal e na rádio da cidade,além de encaminharmos convites para as es-colas e para o poder público.

SP - É muito grande o envolvimento da co-munidade então?

SRBV - Sim, é bastante. Para se ter uma ideia,o ano de 2009 em que não pudemos realizara feira, quando saíamos à rua, o tempo todoéramos parados e questionados do porquêda não realização, como o melhor evento doano não ia acontecer...

SP - E qual o motivo da não realização daFeira?

SRBV - Houve um incêndio no almoxarifadoda escola, local onde tínhamos 50% da produ-ção da feira. Por isso, preferimos cancelar o even-to. Os alunos ficaram muito tristes. Porém,acho que a tristeza de 2009 foi compensadaem 2010. Eles capricharam, trabalharam commuito mais alegria, mais empenho. O lado ruimserviu como uma experiência para eles valori-zarem mais ainda a Feira das Artes.

SP - Qual é a média de público desse evento?

JCM - Nós recebemos, em geral, em torno dequatro mil visitantes por ano nessas feiras, alémdos pais, toda a comunidade e alunos de outrasescolas, de outros municípios, nos visitam paraconhecer. Aliás, a procura por matrícula aqui na

escola é muito grande, éenorme. Têm 30 pessoasna lista de espera. A únicaprioridade é para os mora-dores mais próximos, quepertencem à comunidade.

SP - Como é feita a apre-sentação dos trabalhos naFeira?

JCM - Cada classe apre-senta a sua produção, em

de Matemática, projetos em que o grupo deprofessores trabalha o mesmo tema. No casode português, além da produção de textos,procuramos diversificar incrementando coma campanha de arrecadação de agasalho e demantimentos. Em breve, teremos um novoprojeto, ainda em estudo, no qual uma pala-vra ou uma expressão será abordada duranteum dia na semana com o envolvimento detodos da escola, fazendo um trabalho de uti-lização correta da palavra, expressão ou verbocom todos, funcionários, professores, alunos,dando uma ênfase à língua portuguesa.

SP - E como foi o início de todos essesprojetos?

JCM - Foi complicado. Começamos há quinzeanos e, no início, a grande dificuldade foi comos professores. Os alunos já aceitaram de imedi-ato, os professores não. Eles estavam preocupa-dos em vencer conteúdo. O trabalho, nos doisprimeiros anos, foi convencer o professor de queo conteúdo podia ser concluído no ano seguin-te e que o projeto era uma estratégia a mais paradinamizar o trabalho dele em sala de aula. Nessecomeço não houve tanta pressão, mas depoisprocurei conversar diretamente com cada umpara mostrar a importância do projeto e que eletambém fazia parte do conteúdo. Na semanade apresentação, a classe tinha a liberdade deutilizar metade das aulas para ensaios e monta-gem, mas havia aqueles professores que não ce-diam as aulas. Essa negociação foi bem compli-cada. Dois anos depois, esses professores come-çaram a perceber que essa produção dava umamelhora em sua própria aula, em nível de parti-cipação, diminuição da agressividade. Eles per-ceberam que o projeto era sério, não era umabrincadeira. Assim, os próprios resultados aju-daram no “autoconvencimento”.

SP - O que resultou do desenvolvimento dos

ativar a atenção e o interesse dos alunos do Ensino Médio, sobretudo pelasnuances, incertezas e pluralidade de sua própria natureza, não é tarefa fácil,

mas quando isso ocorre pode ser um diferencial positivo em todo o processo deensino e aprendizagem, gerando bons índices, inclusive, nos processos de ava-liação promovidos pelo Estado.

É o caso da Escola Estadual Profa. Augusta do Amaral Peçanha, localizadano município de Piracaia, DE de Bragança Paulista, que foi uma, entre 10 esco-las do Estado, escolhida para participar do Livro “Melhores Práticas em Esco-las de Ensino Médio no Brasil”, graças aos bons resultados obtidos no Saresp eEnem, relativos às avaliações de 2007.

A base do livro foi um estudo/pesquisa realizado com 35 escolas de EnsinoMédio que apresentaram experiências de sucesso desenvolvidas em suas unida-des. Além de São Paulo, entre os Estados participantes estão Ceará, Paraná,com 10 escolas de cada um, e Acre, com cinco.

Na “Família Augusta”, como se autodenominam, Joaquim Carlos Miranda,

diretor da escola há 16 anos, é um dos responsáveis pelo incentivo e produção dos váriosprojetos que conseguiram envolver e transformar os alunos, como a Hora Cultural e a Feiradas Artes. “A arte tem esse poder de transformação”, afirma Joaquim. Para ele, a mudança

de atitude dos alunos após a implantação desses projetos foi “estrondosa, com o fimda agressividade, das brigas e o aumento da participação e frequência”.

Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida pelo DiretorJoaquim Miranda e pela Coordenadora do Ensino Mé-

dio Sonia Regina Barbosa Vincenzi, à reporta-gem do Jornal APASE na visita realizada emfevereiro, com a participação da Supervisorade Ensino da escola, Diretora de AssuntosEducacionais APASE, Rosangela AparecidaFerini V. Chede, e da Diretora de Comuni-cação, Maria José Antunes Rocha Rodriguesda Costa.

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Depoimento

Parte da equipe da “Família Augusta”.

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sua própria sala de aula. Deacordo com o tema, eles desen-volvem o projeto, criam cená-rios, recriam ambientes. Porexemplo, com uma banheira(ao lado) retirada do meio deum pasto utilizada pelo gadopara beber água, eles monta-ram um spa dentro da sala deaula. Durante a apresentação,os alunos vão explicando ostrabalhos para o público visi-tante e, em muitos casos, pro-duzem e usam figurinos de acordo com o tema.

SP - Qual é o tempo para produção da feira?

JCM - São 10 dias no total, seis para produ-ção e quatro para exposição.

SP - Os trabalhos são vendidos?

JCM - Não, cada aluno leva o seu trabalhopara casa. Em alguns casos coletivos, os traba-lhos ficam na escola, mas a maioria leva paracasa. Um desses casos é o grande painel doa-do pelos alunos do 3º ano do EM, que embreve será içado na parede acima do palco (opainel apresenta imagem da escola formada comcacos de vidro de várias cores).

SP - Quais os tipos de trabalhos que já foramapresentados?

JCM - Há exemplos de trabalhos feitos comjornal em que eles produziram cestas, bandejas.Eles também customizam móveis como armári-os (foto abaixo) nos quais aprendem a fazerpátina, por exemplo, depois eles levam para casaou fazem doação.

SP - Quando tem alguma resistência de umgrupo, ou de um aluno, quando há uma cer-ta resistência em participar desses projetos, oque é feito para quebrá-la? Como é feito oenvolvimento?

JCM - Essas resistências são mínimas. Pelo con-trário, os novos alunos quando chegam à escolamuito da expectativa é para participar da feira.Eles já conhecem o evento pelas visitas anterio-

res e, assim, já vêm com essa in-tenção de participar. Realmente,quase não há resistência.

SP - Mas quando há, o que éfeito?

JCM - Quando há essa resis-tência, realizamos um trabalhode convencimento. Você vaisentar com o aluno e conversarpara tentar esclarecê-lo. Os pró-prios colegas e professores tam-bém ajudam. Mas a melhor for-

ma de convencimento é a própria fase demontagem. Esse aluno percebe que está fora,que está perdendo alguma coisa e então eleacaba se envolvendo.

SP - Como conciliar a falta de informação deum professor, quando ele não está preparadopara abordar uma técnica, já que esse profes-sor não obteve isso no curso de formação?

JCM - Tem que correr atrás, procurar alguémque conhece para aprender. Tivemos um grupode alunos do ensino médio que desenvolveuum projeto com flores. O professor de matemá-tica aprendeu a técnica com a irmã dele e passoupara os alunos. Eles mesmos se capacitam, vãoatrás. Eles aprendem comos pais dos alunos, procu-ram carpinteiros.

SP - No início de tudoqual foi a maior dificul-dade, a maior barreira en-frentada para conseguircolocar os projetos emação?

JCM - No início, até nãofoi tão difícil. Esse tipode produção com arte, sevocê estimula qualquerser humano a fazê-la, nãoé difícil de conseguir. Aarte tem esse poder detransformação. A únicacoisa que eu coloquei àépoca como filosofia, foi fazer o belo, o me-lhor possível. Essa é a nossa filosofia. A pri-meira feira, que nós inauguramos, foi feitaaqui na sala de aula e no pátio, foi a feira deCiências, tradicional, pequena. No ano se-guinte, já optamos por fazer uma coisa mai-or, na quadra poliesportiva, com quinhentostrabalhos expostos. Assim, já começamos aimitar o Joãozinho Trinta, produzindo o belo.“Quem gosta de pobreza é intelectual, o povogosta do belo”, definiu o carnavalesco. Essafoi a filosofia adotada. Daí pra frente, tudofoi surgindo naturalmente. É lógico que pre-cisa de uma orientação, de cobrança. Vocêprecisa dar uma direcionada, colocar critéri-os. Mas a coisa vem espontânea, basta vocêdirecionar. Não é difícil de conseguir.

SP - Não existe patrocínio externo para

esse projeto?

JCM - É uma opção nossa não ter esse tipo deajuda. Quando você começa a ganhar umacoisa muito fácil, você não valoriza. Assimacontece com o aluno, se ele, por exemplo,gastar R$ 10 reais, certamente irá valorizaressa contribuição. Se ele recebe de graça omaterial para o trabalho, ele acaba não valori-zando. Então a opção foi a da valorização.Cada um assume o que pode e como pode efaz o melhor dentro daquilo que pode gastar.

SP - A estrutura da escola favorece a pro-dução e montagem desses projetos?

JCM - Nós fizemos, durante 14 anos, a feirana quadra, que é imensa, são 1500m2 de cons-trução. Eram expostos cerca de 500 trabalhos,o espaço era bem amplo, bem fácil para apre-sentação, mas necessitava de muita madeira,por exemplo, para estrutura. Só que ficava maiscara. Então, optamos pela sala de aula, ficoubem mais aconchegante, mais segura e maisbarata. Assim, aproveitamos a infraestrutura daprópria sala, com tudo mais próximo de você.A própria disposição do nosso pátio favoreceessa montagem. A escola tem esse privilégio.

SP - É muito grande a diferença da pri-

meira Feira das Artes para essa última queaconteceu em 2010?

JCM - A diferença maior aconteceu da pri-meira para a segunda Feira. A primeira foide Ciências, minha área de formação, quími-co. Era uma típica feira tradicional de esco-la. Foi pequena, foi um ensaio. Já no anoseguinte, a mudança foi total. Como opta-mos pela arte, a coisa foi bem diferente, foigritante. Para se ter uma ideia, a primeira fei-ra tinha por volta de 50 trabalhos. Era umapequena mostra, com trabalhos pequenos.Já a Feira das Artes tinha muito mais traba-lhos, feita na quadra de esportes, já comoutro visual, com outra filosofia de produ-ção. Assim, durante esse tempo todo, fo-ram realizadas algumas apresentações como tema Natal e três vezes só trabalhos místi-

Depoimentocos. Aliás, essa foi a feira em que tivemosmais público, em torno de seis mil visitan-tes, foi a mais concorrida.

SP - Quais os tipos de trabalhos apresenta-dos nessa feira mística?

SRBV - Os alunos procuraram trabalhar comcromoterapia, terapias alternativas, trouxerampara a escola pessoas da comunidade que tra-balhavam com tarô, yoga, fizeram apresenta-ções de dança voltadas para a meditação.

SP - Qual o diferencial da escola na visãode vocês?

SRBV - Uma característica, que nós temosaqui, que não é comum em centros maio-res, é o contato com os pais. Se encontra-mos os pais na rua, no supermercado, nafeira, no fim de semana, no horário de lazer,não nos preocupamos por estar fora do ho-rário de trabalho e conversamos sobre o alu-no, sobre a escola. Damos atenção, falamossobre a semana de trabalho, então eu achoque é uma característica diferenciada, tam-bém é uma doação.

SP - Como manter o alto índice defrequência dos alunos?

JCM - Além do interesse pelos alunos de-sinteressados, nós temos um controle, umachamada nossa, da diretoria, separada dachamada dos professores. Nós passamosprimeiro na sala de aula fazemos a chama-da, temos uma relação com telefone de to-dos os alunos. Se o aluno falta dois, trêsdias, nós ligamos para os pais. É um traba-lho da coordenação ou da direção para sa-ber por que o aluno faltou. Esse é um con-trole nosso.

SP - Como incentivar quem deseja pro-mover projetos nesses moldes?

JCM - O primeiro passo é ter uma visãomais humana da coisa. A partir daí, olhar aescola com outros olhos, olhar os alunoscomo produtores, protagonistas. Ter a cora-gem de abrir um pouco mais a escola para acomunidade. Esta é uma coisa muito com-plicada, pois quando você abre para a co-munidade, você mostra todos os seus defei-tos, este é o medo. Deve-se perder essemedo. Há quatro anos, convidamos os paispara assistirem à aula com os filhos. Eles têmliberdade de chegar à escola, no horário quequiser, avisando na secretaria, e assistirem auma aula ou outra. Ainda há essa liberdade.Porém, muitos filhos, os mais velhos princi-palmente, impedem os pais de virem paranão “pagar mico”. Mas os pais podem vir,alguns vêm de vez em quando, isso é maisfrequente com os pais de alunos mais novos.A maior dificuldade para isso acontecer, mui-tas vezes, é por conta do trabalho, eles nãotêm tempo. Mas, mesmo assim, os pais apa-recem, há essa liberdade. Dessa forma, quan-do você abre a escola, mostra os defeitos,

Prof. Joaquim apresenta a escola para as Diretoras APASE, àesquerda, professora Maria José A. R. Rodrigues da Costa e RosangelaAp. Ferini V. Chede, também Supervisora de Ensino da escola.

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Suplemento Pedagógico APASE Depoimentopor isso, há o medo dos diretores de mostra-rem. Essa abertura é uma maneira de vocêcorrigir os seus medos, os seus defeitos. Écomplicado, mas você tem que vencer isso.Essa história que aluno não quer nada comnada é bobagem. Hoje, os alunos produ-zem muito mais do que nós produzíamosna nossa época, sãomuito mais ques-tionadores, mais ati-vos. Isso assusta umpouquinho. Quandovocê fala em escola,você pensa naquelaescola estática, naqual está todo mun-do sentado, um atrásdo outro, ouvindo.Essa é a situação quealguns diretores/coor-denadores e pais gos-tariam de ter. Uma escola dinâmica te dáum prazer maior de trabalhar e, para os alu-nos, de estarem, voltarem e permanecerem.É um pouco mais complicado no começo,mas depois que você torna isso uma cultu-ra, é muito mais tranquilo, gostoso. Muitomais fácil. Assim, o diretor pode ficar maissossegado na sua sala. Apesar de termos a

cultura de ir em sala de aula frequentemen-te, constantemente. Eu faço isso. De vez emquando, dou uma aula. Junto com o profes-sor, preparamos uma aula e vou ajudá-lo,principalmente na minha área que é Exa-tas. Eu gosto. Os alunos já estão acostuma-dos, não têm diferença para eles. Uma ou-

tra área que eu gostomuito é a produção detexto, estou sempre dis-posto a ajudá-los na re-dação, a corrigir umtexto. Eles não estra-nham. Procuro estarsempre com a mão namassa. Já fiz trabalho deeletricista aqui na es-cola. De vez em quan-

A cultura africana inspirou os estudantes do 3o ano na produção dos painéis com mais de 2 metros dealtura; o carro do safari servia como point para as fotos de recordação; indumentária e performance

frente aos atabaques completavam a apresentação dos alunos na Feira das Artes de 2010.

A dimensão pedagógica dos recursos audiovisuais

André La Salvia - Início, o vídeo do apagão - No ano em que eu entrei, aqui noEEMABA, aconteceu a história do apagão. Num desses dias de falta de luz, eu vi o aluno cego eimaginei como seria para ele, como um cego se viraria no apagão. Tomei a iniciativa de conhecê-lo, descobri a história de sua vida, contei para os meus amigos e tivemos a ideia do filme. Quandofalei essa história para a Roberta (Roberta Bonani, Diretora da escola) ela achou ótima, porque eraa possibilidade de divulgar a dificuldade vivida por ela, como diretora, para outras pessoas. Alémde servir como um exemplo para os adolescentes que ficam aí, se perdendo, sem interesse ne-nhum, enquanto um senhor, deficiente visual, estuda e faz tantas coisas mais. O apagão foi emmarço e o curta ficou pronto em setembro. Apresentamos, primeiro, para os alunos e depois aRoberta levou algumas cópias para uma reunião com supervisores e diretores e muitas pessoas

pagam-se as luzes e... é o apagão! O problema elétrico enfrentado

pela Escola Estadual Ministro Alcindo Bueno de Assis - EEMABA, lo-

calizada no município de Bragança Paulista,

na DE da referida cidade, é o ‘corte seco’ para uma ou-

tra ‘cena’ dessa história: um aluno cego, nos corredores

da escola, em meio ao caos provocado pela pane elétri-

ca. A imagem inspira o professor de Filosofia, André La

Salvia, com mestrado em cinema e filosofia, a produzir o

curta-metragem “A História do Cego que viu o apagão”.

O aluno do 3º ano do EJA, sr. Sérgio, a Diretora

Roberta Bonani, a escola e seu apagão são os persona-

gens reais dessa produção cinematográfica. Sucesso de

público, a iniciativa gera a idealização de um outro proje-

A to, o Cinemaba, sessão de curtas projetados na escola, no intervalo entre os

períodos da tarde e noite. Como um campeão de bilheteria, a ideia tem sua saga,

a criação do Cineclube EEMABA, em breve lançamento.

Com esse espírito cinéfilo, o Suplemento Pedagógico APASE

traz trechos da conversa com alguns dos principais autores dessa

história, ainda em andamento, que reflete a importância dos

recursos audiovisuais como ferramenta pedagógica e de fácil

aceitação pelos seus preeminentes protagonistas, os alunos do

Ensino Médio, sempre em sintonia com as variadas mídias. Re-

alizada em fevereiro, a visita à escola contou com a presença

da Supervisora de Ensino da DE de Bragança Paulista, Diretora

de Assuntos Educacionais, Rosangela Ap. Ferini V. Chede, e da

Diretora de Comunicação, Maria José Antunes R. R. da Costa.

deram depoimentos, levaram cópias para suas escolas. Foi bem interessante a repercussão, foi bempositiva. Primeiro, eles acharam interessante porque o filme era bem feito, tinha um aspectoprofissional. Gostaram, também, porque a história retrata uma situação real, todos ali eramdiretores e sabem que, além do pedagógico, eles têm que cuidar de uma porção de outras coisas.E, ainda, tocou na questão da inclusão do seu Sérgio, o aluno cego, que tem uma históriainteressantíssima.

1ª Consequência – Projeto Cinemaba - A Roberta incentiva muito quando temosalguma ideia, ela abre o espaço e cria condições para que a executemos. Foi assim com o projetoCinemaba. Após a repercussão do vídeo, resolvemos utilizar os recursos que a escola já tinha paramontar um cinema aqui dentro, com alguma regularidade. Eu selecionava curtas-metragens, obras

do, eles me veem no pátio trocando lâmpa-da, reatores, cuidando da escola. Para os alu-nos, isso é uma coisa comum.

SP - E vocês têm notícias dos alunos depoisque terminam o EM? Qual o desempenhodeles nos vestibulares?

JCM - Temos alunos que entraram na Uni-versidade de São Paulo (USP); alunas queforam aprovadas na Universidade EstadualPaulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp),

um aluno aprovado na federal de São Carlos,em Engenharia. Há duas alunas, irmãs gê-meas, que foram aprovadas na Unicamp,Unesp e USP. Optaram por Matemática naUnicamp e depois fizeram estágio aqui naescola; já estão no mercado de trabalho emCampinas e vão fazer mestrado, ano quevem, na Unicamp. Quando vêm visitarPiracaia, elas têm o prazer de voltar à escola,de rever os amigos, fazem parte da FamíliaAugusta, assim como tantos outros.

A alunas transformadas em gueichas nahomenagem ao Japão

André e Roberta, Professor e Diretoratrabalhando em sintonia

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Suplemento Pedagógico APASEDepoimentocom duração de 10 a 15 minutos, no máximo, e projetava de dois a três, por volta das 18 horas, paraa comunidade escolar. Nesse horário em que é oferecido o jantar, conseguíamos pegar um ou outroaluno do período da noite e alguns que ficavam do período da tarde. Eles ouvem o barulho,entram e vão ver o filme. Como é curta, possibilita que assistam um só ou dois. Às vezes, de pémesmo, nem senta, chega com a mochila, olha um pouquinho, se gosta, continua assistindo, se não,vai embora. Cria-se essa provocação. O que muda é essa situação, de deixá-lo um pouco atentado aquerer ver o que está acontecendo ali. E, às vezes, a experiência que se tem disso é que é mais fácil deatingir o público desta forma. Essa sessão aconteceu cinco ou seis vezes ao longo do ano.

Por três vezes também, levamos os professores até o cineclube que funcionava no casarãohistórico aqui da cidade. Esse cineclube foi montado por mim e funcionava no prédio daSociedade Ítalo-brasileiro, aqui na cidade, perto da escola Jorge Tibiriçá. Foi como uma atividade,evento de final de semana, de lazer, colocar um filme direcionado aos professores e tudo o mais.

Paralelo a isso, aconteceram dois tipos de atividades. Uma que reflete a grande carência dosprofessores: o conhecimento das mídias. Cheguei a elaborar um manual para ensinar como ligartodos os aparelhos, dei aula de como ligar um laptop, um projetor, um dvd, de como passar umfilme no projetor e não na televisão. O fato de não termos uma sala específica colabora para esseproblema, já que cada vez que o professor vai fazer uso de determinada mídia, ele precisa montartudo por conta própria. Acho isso limitante mesmo.

A outra atividade, está relacionada a esses programas que acabam vindo até a escola, como oFestival do Minuto (com 20 anos de existência, o festival promove criação de vídeos com duração deum minuto, premia e publica os vencedores no site), que mandou cartazesestimulando os alunos a fazerem vídeo de um minuto. Eram alunos datarde, incentivados por professores desse período, e vieram interessadosem aprender a fazer um vídeo. Eu dei uma oficina, breve, de como elespoderiam produzir um vídeo com celular e fazer uma edição rápida noWindows Movie Maker, programa que quase todos os computadores têm,e depois era só postar no site do Festival. Não sei se eles mandaram porqueeu acabei perdendo o contato. Não eram alunos do meu período. Claroque o Festival do Minuto não é uma iniciativa pedagógica, ele só queriaque esse público fizesse esses vídeos. Eu lembro nitidamente disso, a pro-posta deles não era trabalhar o lado pedagógico, didático, mas sim, o ladocultural talvez até para divulgar o evento.

Como fazer - Como a escola não tem o espaço fixo e o Estado temmandado os projetores, é muito fácil você colocar em prática uma ideia comoa do Cinemaba. Você pega o projetor, liga ele a um dvd, a parte de vídeodeve ser ligada no projetor. Pronto, a imagem do dvd será projetada como sefosse um filme e a parte de som liga em caixas de som, que geralmente a escolatambém tem. Essa projeção pode acontecer em qualquer ambiente, em salade aula, em corredor, em pátio, na frente de cantina, na frente do muro daescola, na frente de qualquer espaço, não precisa nem ter a tela, é só acharuma parede um pouco mais clara, não precisa nem ser branca, a nossa é azulclara e já projeta. É até interessante, às vezes, já que a nossa ideia era fazer no pátio exatamente paraintervir na ‘circularidade’ dos alunos, para que eles sejam um pouco provocados.

A utilização dos recursos audiovisuais e sua receptividade - Com o vídeo em salade aula eu sempre escolhi pontualmente algumas coisas para fazerem sentido. Eu não gosto depassar filme de uma hora e tanto para os alunos. Eu uso durante as explicações ou uso comoreferência. Como professor de filosofia, difícil não citar os grandes filmes que criam um imaginá-rio, mas eu só cito. Procuro sempre trabalhar com curtas-metragens, o que possibilita passardurante a aula e ainda explorar um tema depois. Os filmes do diretor Jorge Furtado são muitobons, eles são muito bem aceitos. Há o “Ilha das Flores”, que trata da questão da liberdade, umclássico cada vez mais visto, um clichê na educação, mas é muito bom, e o curta “Barbosa”, como qual eu trabalho a questão do tempo, de mudar o futuro, do determinismo. Com os curtas euacho que os alunos assimilam bem mais sobre tudo. Por exemplo, nesse último citado o AntonioFagundes faz um personagem, não é o Fagundes dos papéis da novela, é um personagem maisdramático, de um filme alternativo. Isso já cria um impacto. O tema, futebol, interessa ao aluno.O vídeo, isso é notório, pedagogicamente falando atrai se você souber usar. Por isso eu escolhocurtas, que cabem melhor dentro da sala e não é preciso cortar o filme. E, também, se o professorusar três aulas para passar um filme, os alunos passam a não levar a sério, eles levam mais paraenrolação. Mas, quando você fala que vai passar um filme e avisa que ele dura 10 minutos, aí simentra todo o trabalho do cinema, explicar para eles que existe um outro tipo de linguagem, queé de curta-metragem, geralmente é um formato inicial, que todos os diretores começam comcurtas-metragens pois é menor, é mais fácil de controlar, eles mesmos podem fazer curtas, princi-palmente com todos os recursos disponíveis nos celulares, e os programas de computador comedição de vídeo. É esse o momento, uma boa oportunidade para dar o direcionamento. Porque

eles já sabem fazer os vídeos. Muitos fazem. A ferramenta do Youtube é muito usada, eles têm ocostume, já têm um certo hábito de trabalhar com as mídias. Eles sabem fazer muita coisa, sabemmesmo, mas aí cabe o nosso papel de professor. Dar uma coordenação, mostrar que eles podemfazer coisas interessantes. Para mim, o audiovisual gera uma aprendizagem muito rápida para eles.

Como trabalhar com audiovisual - Para montar uma aula utilizando o audiovisual épreciso que o professor tenha essa capacitação. Eu tenho porque me formei nessa área. Acreditoque nós, de filosofia, por exemplo, como trabalhamos com o processo de pensamento, é interes-sante pegar um filme como o curta-metragem “Barbosa” e tentar mostrar ao aluno como se crioua história. Você desvenda a história do filme, mostra um processo de pensamento através disso.Isso é possível de tentar desenvolver com o ensino médio. Tentar mostrar como que é a lógica dofilme, sua construção narrativa, seu processo narrativo. Eu acredito que em artes, isso seria maisinteressante ainda.

Trabalhei uma época com as obras Vidas Secas, São Bernardo, Memórias Póstumas de BrásCubas. Eu fazia um estudo comparativo. Lia o livro ou trechos do livro e via a solução cinematográ-fica dada pelo diretor. Mas o professor teria que ter essa capacitação, de ler mais os livros e as teoriascinematográficas e tudo mais. Assim, acredito que seja um trabalho pedagógico com filme.

Apostilas de Filosofia: faltam vídeos como ferramenta pegagógica - Eu ain-da não fiz com eles nenhum projeto pedagógico dentro da própria proposta do Estado paraexecutar vídeos. Talvez esse ano tente fazer alguma coisa. Mas é porque também me sintoamarrado com a estrutura das apostilas. Porque, coincidentemente, desde 2008 que a gente tem

o sistema das apostilas e, por incrível que possa parecer, os filmes nãoaparecem no texto. Se pegar a apostila de filosofia, eles aparecem comosugestão nos campos de indicação para ampliar o referencial cultural e nãopara utilizar o vídeo como arma pedagógica, seja para o lado de ver e pensarno que está vendo, ou seja para o lado de produzir alguma coisa. Acho quetalvez não estivesse na alçada de quem realizou e que, de certa maneira, nãoincorporaram sugestões desde que foi implantada. As apostilas são iguais.Eu não vi alteração, não houve mudança. Acho que, como estudioso doassunto, deveria vir na proposta, na situação de aprendizagem, essa ques-tão. Nas outras disciplinas, como em português, já ouvi o professor falandoque há vídeos na proposta, com orientação de exibição e discussão sobre ofilme. Eu não tenho isso na minha proposta. Para a escola há a abertura,mas não para a curricularidade. A escola dá sim, liberdade para fazermos oplanejamento, só que seguimos a proposta curricular e ela é extensa e,ainda, filosofia é uma aula semanal para 2o e 3o ano. Então, a própriaapostila fica prejudicada, ela já não é feita na íntegra em sala de aula, vocêprecisa pedir para eles fazerem um monte de coisa fora e trazer pronto.Acho que deveria ter um pouco mais de abertura dos idealizadores daproposta para incorporar, por exemplo, esse vídeo do “Barbosa” que funci-ona muito bem. Porque é um vídeo super legal, super interessante, brasilei-ro, feito por brasileiros, fatores brasileiros, com uma situação super brasilei-

ra, super identificado com os alunos porque é da Copa de 1950, é super bem feito. O vídeo trazuma riqueza que o material escrito não consegue produzir, como um resultado maior, a atençãodesses alunos.

Dicas - Eu acho que a produção teórica é vastíssima para o professor que quiser se interessar porpesquisar. Tem que tentar pesquisar por críticos de cinema porque são textos menores falando sobrefilmes. E isso estimularia o professor a ver o filme de que se está falando. Na minha formação, estudeimuito, gostava muito do tipo de crítica que os autores do Nouvelle Vague faziam. Há vários livros deleseditados no Brasil, do François Truffaut, Jean-Luc Godard, todos estes livros estão disponíveis. E ogrande teórico que incentivou toda a produção deles se chamava André Basan. Ele tem dois livros quefazem a crítica bem interessante de vários filmes franceses do pós-guerra de 1945 até 1960, quefundamentou e ajudou a formar toda uma geração de novos cineastas, que foi da Nouvelle Vague que,por sua vez, influenciou toda uma geração de cinemas novos em todos os lugares. Desde o Japão, naÁfrica, no Brasil, nos Estados unidos, na Inglaterra. Acho que os professores têm que ter conhecimentodeste tipo de filme, os filmes mais audaciosos cinematograficamente falando. Eu acho que só dá paraaprender a lidar com cinema dentro da sala de aula, se procurar esse tipo de filme e realmente fugir dopadrão hollywoodiano de contar uma história.

De brasileiro, eu gosto muito de um autor que se chama Paulo Emílio Sales Gomes, umcineclubista que fez muitas críticas de filmes nacionais, de vários filmes do momento. Para mim,o filme nacional é uma forma bastante importante de o pessoal conhecer, de ver.

Há também o filósofo Gilles Deleuze, autor dos livros Cinema-1: A Imagem-movimento eCinema-2: A Imagem-tempo. São livros grandíssimos, cada tomo tem 300 páginas, nos quais ele fazmuita crítica. Outra coisa interessante é que todos os grandes diretores produziram muito conheci-mento. Truffaut, Federico Fellini, Glauber Rocha, Stanley Kubrick produziram artigos, conteúdo

Cartaz de divulgação da primeirasessão do Cinemaba

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teórico sobre o cinema de um modo geral e sobre si próprios. Tem também o Luis Buñuel. Todosfazem autobiografias, escrevem textos teóricos e tudo mais. Eu acho que essa é uma grande fonte.Todas elas fugiram de Hollywood, fugiram do padrão.

Quanto a sites, existe o Porta-Curtas e o do Festival do Minuto, que são os mais importantes, parase ter o contato direto e assistir a filmes. O site da Biblioteca do Congresso Norte Americano temdisponibilizado milhares de vídeos que já caíram em domínio público. Então, tem mais de 30 anosde história do cinema que já está em domínio público e lá você consegue ver e baixar os vídeos.

A Cinemateca de São Paulo tem cursos que, eu acho, são gratuitos ou não são muito caros. Existeem São Paulo um Cineclube na Vila Buarque, no centro, que oferece oficinas de vídeo com mídiastipo máquina fotográfica, celular, essas mídias alternativas. São cursos pagos, mas é interessante oprofessor ir lá e aprender as técnicas e fazer um vídeo com o celular. Existe também o site doConselho Nacional de Cineclubes. São muitos os cineclubes que oferecem esses tipos de oficinas,por meio do site, os professores poderão ver se há algum na cidade deles. É um movimento muitoforte e os cineclubes são sempre parceiros, principalmente pelo lado educacional. Eles sabem desen-volver projetos, têm uma viabilidade com o poder público muito grande e o professor, ou umaescola que for lá e tentar criar uma iniciativa, às vezes tem o interesse por parte deles.

2ª Consequência – Projeto Cineclube – Cenas de um próximo episódio -Esse ano será novamente um ano bastante desafiador. Saímos do espaço onde projetávamos oscurtas do Cinemaba (área ao lado do pátio) e vamos ocupar um novo espaço. Já temos 59 cadeirasdo antigo cinema, aqui de Bragança, que eu trouxe para cá. Algumas precisam de restauração. Aideia é montar um Cineclube, com sala escura, cadeira de cinema, tela grande, que também játemos, cortinas grossas na janela, e assim atender os professores, no lado pedagógico, para pegarum filme, conversar sobre a nossa situação, e para o lado de lazer.

Acho que esse projeto vai ganhar mais força, pretendemos que tenha uma regularidade que,no mínimo uma vez por mês, a gente faça uma sessão de fim de semana e, durante a semana, o

espaço estaria disponível para umprofessor que queira passar um fil-me para os seus alunos, ou umfilme para nós em HTPC. Achoisso importante também para ca-tivar os outros professores a tam-bém aderirem à essa iniciativa. Euespero que agora, tendo essa sala,consiga ter o espaço para criar ofi-cinas de vídeo para os alunos. É aexpectativa. Isso que realmenteestá faltando.

Receptividade do ci-neclube - Os professores es-tão sabendo que teremos ocineclube aqui. Não sei o quan-to eles geraram de expectativa para saber se eles serão protagonistas ou espectadores. Achoque será mais fácil quando a sala estiver montada, deles se motivarem, se quiserem passarfilmes, que sejam protagonistas também. Até para o Grêmio da escola, para os alunos, sequiserem se programar. Seria interessante.

Quanto à comunidade, estamos planejando abrir a escola no final de semana. A Robertapensa em abrir como Escola da Família, que a gente não tem. Ou se não der, só abrir a parte docineclube que tem uma entrada só dele. A cidade não tem cinema, como já tínhamos um públicodo antigo cineclube, é interessante para ver o quanto isso pode gerar na comunidade, que édistante da escola pública. Daqui a um ano gostaria de ver como ela, a comunidade, estaráquando começar a vir até a escola para ver um filme.

O espaço em construção do novo Cineclube: reestauração daspoltronas, colocação das cortinas, instalação da tela grande

Trabalhamos com o Blog, Orkut,Facebook e agora estou começando a traba-lhar com o Twitter com eles. Vejo que os alu-nos fazem muitos vídeos e postam nainternet, como no Youtube, tem coisa muitoboa, mas tem coisa de muito mau gosto tam-bém. Então, a ideia é tentar com esses proje-tos do André, do Cineclube e do Cinemaba,se conseguimos direcionar essa habilidade de-les em produções com conteúdo e que te-nham uma real função.

Lembro que, no ano passado, pedimosque eles filmassem o intervalo, como o pátioficava depois. Com o material em vídeo e emfotografia, mostrando toda aquela sujeira, fi-zemos uma exposição. A ideia é tentar usar ovídeo para que eles registrem o dia a dia, algoque dê para aproveitar. Esse é o nosso maiorobjetivo. Já que eles gostam, que trabalhemdireito com esses recursos. Porque eles colo-cam nos “youtubes” da vida umas coisas quesão de arrepiar. Sabemos que o vídeo é umdos recursos que chama muito a atenção de-les, então que filmem o intervalo, a saída.Quando eles se veem na situação, eles têmuma reação de surpresa.

Por exemplo, no curta do “apagão”, quan-do eles se viram naquela gritaria da saída, elesficaram chocados. Eles viram a dimensão daatitude deles. Porque quando fazemos algo,não estamos nos vendo. Mas quando nos co-locamos como espectadores, de ver o que sefaz, você fica chocado.

Eu mesma me surpreendi ao ver o vídeoPátio limpo - um dos locais que sofreram a influência

positiva da produção dos vídeos dos alunos

Rosangela Ferini - Com a pa-lavra a Supervisora de Ensino

A grande característica, a marca da escola éesse trabalho de inclusão com as novas mídiasdigitais. Por meio da direção, especificamenteda Roberta, eles trabalham com essa comuni-cação via Blog, envolvendo esse trabalho doAndré, com o Cineclube e o projeto Cinemaba,e é uma nova forma de você conseguirimplementar um trabalho pedagógico, tantona dimensão da formação continuada do tra-balho com os professores na utilização de no-vas tecnologias, quanto na atuação pedagógicaem sala de aula, dando também novasmetodologias com essa mídia. O outro aspectoé o envolvimento com a comunidade ondetambém utiliza-se do Cineclube para abrir umespaço para a comunidade adentrar a escola etrabalhar alguns temas que são relevantes nocotidiano. Então, o projeto explora essas trêsdimensões, a aproximação com a comunida-de, a formação continuada dos professores den-tro do espaço escolar, porque eles ainda nãodominam esta ferramenta, e a implementaçãode novas metodologias em sala de aula.

O projeto vem, há três anos, se construin-do e se aprimorando ao processo, ele está aindaem construção. Sinaliza para algumas possibi-lidades indicadoras de sucesso dentro dessasperspectivas inovadoras, dentro do trabalho es-colar e abre essas perspectivas. O que é interes-sante, essas ações foram iniciadas nessas três di-mensões, mas precisam ser melhor estruturadase ter esse comprometimento e envolvimentocom toda a escola.

Roberta Bonani - Sintonia com redes sociais e recursos audiovisuaisdo apagão. Eu passei por aquilo, por toda aquelagritaria, coisa horrorosa, mas quando eu assistia tudo aquilo, a reação deles, o comportamen-to adotado naquele momento, fiquei assusta-da. Por isso tudo, é essa a dimensão que euquero que esses vídeos tomem mesmo. Queeles se vejam e reflitam.

Trabalhos surpreendentes - Veja como elesadoram trabalhar com vídeo. A professora deportuguês, Roseli, trabalhou com eles a pro-dução de vídeos na parte de literatura. Os tra-balhos ficaram bárbaros. Como é uma ferra-menta de que eles gostam, que chama a aten-ção e com a qual eles lidam facilmente, ouaprendem facilmente, os resultados foram sur-preendentes. Eles ficaram encantados mas fo-ram muito críticos, também. Eles disseram:“Poxa, podia ter feito assim”; “Nossa não deupara ver direito, podia ter iluminado mais!”;“Olha, não devia ter ficado de costaspara a câmera”. Sabe, eles até viram crí-ticos de cinema. É uma coisa muito in-teressante. Você vê, para nós ficou óti-mo, mas eles acham defeito. Percebe-mos que é um recurso que dá para tra-balhar muito com eles. No caso do in-tervalo, após o vídeo, melhorou bastan-te a conduta.

Domínio dos recursos - Alguns profes-sores têm deficiência no domínio dessasnovas tecnologias. Geralmente, essesprojetos surgem de iniciativas individu-ais, como é o caso do André. Ele faz atéfora do horário de trabalho, ele tem pra-

zer nessas realizações e se propõe a fazer ofici-nas para os professores. Só que a adesão ainda épequena. Precisamos ainda trabalhar com oprofessor em questões básicas. Eles até têm von-tade, mas, não dominam os equipamentos e aresistência é muito grande, principalmente nosmais antigos. Vamos montar oficinas para aju-da-los.

Como quebrar a resistência - A proposta étrabalhar essa formação no HTPC e mostrarpara eles que não precisam dominar totalmen-te o recurso, por exemplo, a professora Roselinão precisou filmar nada, mas ela fez os alunostrabalharem. Por essa experiência bem sucedi-da, tentaremos passar para os outros que ométodo funciona. O professor fica encantadocom os vídeos que foram produzidos, então eleincentiva e o aluno consegue fazer. Eu achoque já é um bom começo.

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Trabalho e Conhecimento:Dilemas na Educação

GÓMEZ, C. M.; FRIGOTTO, G.; ARRUDA, M.; ARROYO, M.; eNOSELLA, P.; 92 págs., São Paulo, SP: Cortez, 2004

Maria José A. Rocha R. da Costa - Supervisora de Ensino - Sorocaba

A cidadania negada: políticas deexclusão na educação e no trabalho

A obra é composta de onze capítulos que tratam das políticas de exclusão dos Estados neoliberais.Possibilita ao leitor tomar conhecimento das discussões e encontros promovidos pelo GT- Educação,Trabalho e Exclusão Social, do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), organismointernacional não-governamental que agrupa pesquisa e programas de pós-graduação no campo dasciências sociais em 16 países da América Latina e do Caribe. Esse evento foi realizado no Rio de Janeirono ano de 1999, no qual participaram representantes da CUT (Central Única dos Trabalhadores)do Brasil, da CNTE (Conferência Nacional de Trabalhadores da Educação), do CTERA(Confederação de Trabalhadores da Educação da República Argentina) e do MST (Movimentodos Trabalhadores Rurais Sem Terra), alem de pesquisadores e intelectuais da área de ciências sociais.

Trata de temas pertinentes neste contexto da história da humanidade em que, à medida que oavanço produtivo é intenso, a humanidade vive a situação paradoxal de melhora da vida humana,e, ao mesmo tempo, a precariedade da vida de quase metade dos habitantes do planeta.

O trabalho infantil doméstico, o desemprego estrutural, as consequências da fome e dasdoenças endêmicas passíveis de cura desde centenas de anos, os maus tratos em trabalhospraticamente escravos conduz as pessoas à degradação física e emocional.

A compreensão intrínseca das novas modalidades de sociedade capitalista, que esses textospossibilitam, poderá desencadear um freio nos efeitos da exclusão promovida pelos Estados neoliberais.

A obra pode ser útil para economistas, sociólogos, educadores principalmente os interessadosem ensino médio e superior, bem como a pessoas interessadas em temas como PolíticaEducacional,movimentos sociais na educação,trabalho docente, desemprego, mercado de trabalhoe direitos humanos neste processo de mundialização do capital associado às práticas neoliberais.

Miguel Arroyo, no último capítulo trata da Educação em tempos de exclusão, tanto da educaçãoformal, quanto fora das instituições educativas, apontando caminhos para a educabilidade e aspossibilidades de humanização, mesmo tendo esse cenário terrível e negativo dos dias atuais.

GENTILI, P e FRIGOTTO, G.(orgs); 279 págs., São Paulo, SP: Cortez, 2002

Maria Antonia de Oliveira VedovatoSupervisora de Ensino - Santo André

O livro contém ensaios sobre educação que,segundo Gaudêncio Frigotto, aparecem jun-tos devido à preocupação comum dos autorescom relação ao caráter ambíguo das análisessobre a temática trabalho e da relação entretrabalho, conhecimento, consciência e educa-ção do trabalhador, fundada, sobretudo, nainsuficiência teórica de trato da questão queresulta em propostas e experiências, que tra-tam essas categorias, superficialmente, comoabsolutas e a-históricas.

No primeiro ensaio, intitulado Trabalho,Conhecimento, Consciência e a Educação doTrabalhador: Impasses Teóricos e Práticos,Gaudêncio Frigotto, explicita a crise deaprofundamento teórico pelas questões: ahomogeneização na superfície do discurso crí-tico da relação trabalho e educação econsequente interiorização de categoriasacríticas; a inversão metodológica da relaçãotrabalho-educação pela relação educação-tra-balho e a não-historicização das categorias va-lor-trabalho e capital-trabalho.

Paolo Nosella faz, no segundo ensaio, umaanálise histórica da categoria trabalho e da rela-ção trabalho-educação. Relaciona essa análisecom os avanços da ciência e da tecnologia eaponta as contradições da sociedade capitalistaque, apesar dos avanços, não livraram o traba-lhador da fadiga e nem permitiram que eleatingisse o mundo do lazer, da liberdade, pre-sentes na concepção moderna de trabalho,como poésis.

No terceiro ensaio, Carlos Minayo Gomezfaz uma reflexão sobre o processo de conheci-mento e educação, referidos ao conjunto derelações sociais do interior do processo produ-tivo. Partindo das relações de expropriação ealienação e suas contradições, o autor nos ins-tiga a pensar o processo do conhecimento e aquestão da formação da consciência no proces-

so de construção de sujeitos coletivos na e pelapráxis. Aponta, ao final, para a necessidade dese ir muito além da questão de formação pro-fissional, ou seja, às questões da função da es-cola, da lógica da divisão do trabalho em ma-nual e intelectual e da divisão do mundo daprodução e da cultura.

Marcos Arruda traz o debate da relaçãotrabalho-educação para um plano mais con-creto. Critica o conceito e prática do traba-lho sob égide do capital mundial, por seucaráter repetitivo e alienante, e apresenta umacompreensão alternativa do conceito de tra-balho e da relação trabalho-educação pelanegação da reificação e do reducionismo dotrabalho à produção material da subsistên-cia, que o capitalismo impõe ao trabalhador.Assim sendo, a educação destina-se à forma-ção de sujeitos capazes de pensar, fazer e cri-ar com autonomia indivíduos e comunida-des, e o grande desafio seria de ligar efetiva-mente a educação ao trabalho, num sistemaprodutivo humanizado.

Ao final, Miguel Arroyo discute a questãodo direito do trabalhador à educação. Com ointuito de responder questões essenciais àcompreensão do tema, como : a expansão dainstrução ao povo teria sido uma dádiva daburguesia ou o povo teria aprendido seus di-reitos e pressionado para garantir o direito àinstrução e à educação, evidencia sobre-ma-neira o dilema que a burguesia tem enfrenta-do, historicamente, em relação à educação dotrabalhador; de um lado, defender a “demo-cratização” da instrução elementar e, de ou-tro, buscar impedir, controlar e reprimir osaber, a educação e a própria organização econstituição dos trabalhadores.

Resenhas

Ensino Técnico e globalização:cidadania ou submissão?

O livro de Marcos Francisco Martins reflete sobre o ensino profissional no Brasil, a partir daanálise de documentos legais. Tendo como matriz teórica o pensamento de Gramsci, o autorresgata, no capítulo I, ideias deste pensador marxista que defendia uma educação escolar queaproximasse saber e fazer. Dentro desse quadro teórico, o ensino profissional deve ser visto nãocomo uma simples fusão escola-oficina, formando alunos adaptados, meros reprodutores dostatus quo e mão-de-obra barata. A escola técnica deve visar ao homem integral, aproximandosaber e fazer, formando-o intelectual e moralmente. No capítulo 2, o autor busca a elaboração deum conceito de cidadania. Como afirma, o termo tem sido utilizado para qualificar ações com finsdiferentes e até contraditórios. O objetivo é delimitar mais rigorosamente o termo e verificar se oensino técnico atual pode ser considerado como formador de cidadãos.

No capítulo 3, são analisados alguns documentos, como o projeto de Lei 1.603/96, a LDB9394/96 e o Decreto 2.208/97. Para o autor, o PL 1.603/96 resulta da “Nova Ordem” Mundial.No projeto, dá-se a separação entre ensino médio e profissional em uma adaptação das escolastécnicas às necessidades do mercado; há um descompromisso com a formação relacionada ao sabere sua ênfase está na qualificação no e para o fazer – puro adestramento. Já a LDB/96, embora tenhanascido de intensos debates no âmbito do processo de redemocratização, abre brechas para aefetivação das concepções de ensino técnico ligadas à ordem neoliberal. Analisando o Decreto2.208/97, o autor considera que nele está presente a formação profissional como simples treinamento.Dessa forma, o trabalhador perde a chance de galgar os níveis superiores da educação Além disto, oDecreto prevê repasse de recursos públicos à iniciativa privada. O autor conclui que este decreto nãoé cidadão, já que apresenta uma concepção de ensino técnico profissional que não objetiva aformação do cidadão trabalhador, mas sim de um trabalhador sem conhecimento, incapaz deentender os processos produtivos. Ao invés de prever uma formação que supere a dicotomia entrequem tem conhecimento e quem o aplica, o decreto em pauta reforça esta dicotomia. Será que osdocumentos que norteiam a educação profissional atual contêm concepções diferentes das analisadaspelo autor? Na resposta a esta pergunta, a leitura do livro de Martins é de importância fundamental,dada a atualidade de suas reflexões.

MARTINS, Marcos Francisco, 113 págs., Campinas, SP: Autores Associados, 2000

Clarete Paranhos da Silva - Supervisora de Ensino, DE Campinas Oeste

- KUENZER, Acacia (org.) – ENSINO MÉDIO - construindo uma propostapara os que vivem do trabalho. São Paulo, Editora Cortez

- ___________ ENSINO MÉDIO E PROFISSIONAL: as políticas do Estadoneoliberal. São Paulo, Editora Cortez

- OLIVEIRA, Maria Rita Neto Sales – Mudanças no mundo do trabalho: acertose desacertos na proposta curricular para o Ensino Médio e DOMINGUES, JoséJuiz; TOSCHI, Nirza Seabra e OLIVEIRA, João Ferreira de – A reforma do EnsinoMédio: a nova formulação curricular e a realidade da escola pública. RevistaEducação & Sociedade, abril/2000. Campinas, CEDES.

- Sites para consultas:www.portal.mec.gov.br (publicações, inclusive os Parâmetros Curriculares do EM)www.educacao.sp.gov.brwww.cmariocovas.spgov.br

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