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Antonio Jaques de Matos

FILOSOFIA PARA ADOLESCENTES

(SEM ACADEMICISMOS)

Prefácio

É da natureza humana querer explicar tudo a sua volta, talvez, como pensava Nietzsche, para evitar surpresas desagradáveis, mas, também, porque, isso, nos dá grande satisfação, como pensava 24 séculos atrás, Aristóteles. É o que nos propomos fazer neste livro em relação ao ensino de filosofia para adolescentes. Um desafio que é em um primeiro momento assustador, mas, depois, recompensador, porque é da natureza humana querer se comunicar bem com os outros, embora nem sempre consiga e este desejo inclui a efetivação da comunicação entre professor e alunos adolescentes.

O ensino de filosofia para adolescentes tem sido deixado de lado como menos importante para os filósofos, uma atividade paralela, no máximo, sem importância. O problema é que os doutores em filosofia, fechados em suas salas, nada mais fazem do que repetir o que os antigos escreveram e, no máximo, tiram palavras mais difíceis dos textos, mas mantém a ênfase na divulgação da cronologia dos períodos filosóficos como se fosse importante saber quem veio depois de quem. Às vezes, destacam temas, mas numa linguagem que o adolescente médio não entende ou se entende, não relaciona a sua curta experiência de vida. E a causa reside no fato destes professores desempenharem nas suas universidades de origem apenas a atividade de tradutor de idiomas, para tentar descobrir algum detalhe que tenha passado despercebido de Aristóteles, de um Kant ou outro pensador; lá, o senso crítico é como um ser vivo que morre na casca, sem nenhuma chance de se viabilizar. Mas, por senso crítico não queremos dizer apenas pedir a opinião de um aluno. Certa vez, ouvi dois alunos falando que o professor fez uma prova onde pedia a opinião do aluno e vi que os dois caíram na risada. Dar nota apenas pela opinião? Sim e não. Sim, mas não somente por isso: é preciso uma opinião justificada em motivos, de preferência após uma visualização de duas ou mais alternativas e, então, decidir por uma delas, explicando o por quê da escolha. Isto é fazer uso da racionalidade !

Há vantagens em ensinar jovens a filosofar (tarefa dividida com a Ciência): isto amplia a capacidade de perceber o mundo a sua volta. Especificamente a Filosofia, ela trata daquelas perguntas mais difíceis que vão além das perguntas que os cientistas fazem. Estes últimos não perguntam se o espaço existe, mas os

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filósofos, sim, pois se o espaço existe este universo está em algum espaço? E este espaço está em algum ou alguns outros, em uma quantidade infinita? Kant, por exemplo, defendeu a tese de que o espaço é um sentido interno, não real. Geralmente as perguntas mais fáceis são relacionadas ao senso comum, como os ditados e crenças populares. Por que vai chover? Porque, respondem, meu joelho dói. Mas, por que a dor é anterior à chuva? Não sei, dizem eles. Já a ciência pode dar um passo além: a mudança de pressão atmosférica afeta a sensibilidade dos nervos de um joelho que tenha sido operado ou lesionado que estão mais perto da superfície da pele. E a filosofia perguntará: o que é dor? Tudo está determinado? O que é a gravidade que mantém um oceano atmosférico sobre nossas cabeças? Dois objetos chegam realmente juntos ao chão, independente da massa? Por que então a lua nunca caiu sobre a Terra? Não seriam necessários relógios cada vez mais precisos (e uma série sem fim deles) para procurar uma diferença pequeníssima entre os dois objetos? Etc.

A desvantagem é que ensinar filosofia seria algo muito precoce para a cabeça dos adolescentes. Mas, não vemos nisso um problema. A questão central é saber qual a formação necessária que deve ter um professor para dar aulas de filosofia. Pergunto isso, pois houve uma estagiária que me substituiu e se saiu melhor do que eu. Suas aulas davam espaço aos alunos para exporem suas juvenis idéias. Mas, isto é filosofar? Em parte, sim, ter idéias próprias é importante, mas não é tudo. Como não recorrer aos pensadores antigos quando eles têm uma opinião melhor que as nossas? Mas, como compatibilizar estas duas visões? Talvez apenas depois (e esta idéia a estagiária me ensinou, também) que as opiniões se esgotarem. De qualquer maneira um professor de filosofia completo ou quase completo (ninguém é completo) é aquele que tiver bom conhecimento dos pensadores antigos (ou melhor, dos pensamentos antigos) e, melhor ainda, tiver desenvolvido seus próprios pensamentos quando aqueles pensamentos antigos se mostrarem frágeis, limitados. Lembro-me de que os alunos para ironizar a mim ou a minhas aulas perguntavam: o que é a chuva? O que é um tombo?, pois eu sempre pergunto sobre tudo. Se daqui a dez ou vinte anos eles se lembrarem disso, de um professor que os chateava perguntando sobre coisas que ele achavam óbvias, banais , então eu terei feito o meu trabalho. Há uma definição muito simples de filosofia: ensinar a perguntar os porquês das coisas; por que os próprios filósofos não a praticam?

Aliás, há um professor, Girardelli, que defende que a filosofia é a desbanalização do banal. Eu acrescento: mostrar que o banal é complexo, isto é, aquilo que as pessoas pensam e fazem como verdadeiro e correto, e, mostrar, também, que o complexo, as coisas que as pessoas crêem ser incognoscíveis, é banal, explicável. Ou, em outras palavras, o superficial é profundo e o profundo, superficial. E para perceber isto é preciso se distanciar ou mais ou menos o que Nietzsche escreveu: tomar a decisão, triste, de abandonar a cidade para enxergar o topo dos seus prédios.

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E, para que serve a escola ? Dizem que ela é reflexo da sociedade: em uma sociedade onde todos fazem tudo, os mais novos aprenderiam direto com os adultos (por exemplo: nas sociedade indígenas ou pequenos agrupamentos humanos isolados); em uma sociedade especializada ou com divisão de trabalho, levamos os jovens à escola. Mas, isto é insuficiente? Pensamos que não, pois a escola se propõe a dar uma visão ampla de mundo e, para tal perspectiva, é preciso uma curiosidade sobre tudo que naturalmente ultrapassará os limites de uma tribo (ainda que sejam bons selvagens , como pensava Jean-Jacques Rousseau , queremos viver em um lugar onde as condições de sobrevivência só garantem a vida de umas seis mil pessoas?), ou, na proposta capitalista , a escola seria mera fornecedora de mão de obra. Queremos formar um ser completo , idéia que o próprio Rousseau defendeu e, também, Schiller e, antes deles, Platão e Aristóteles. Por que não pensar a escola não como reflexo, mas uma visão futura, utópica mesmo, de uma sociedade ideal ?

Não sei se me aproximo dos teóricos do pensamento crítico , pois acreditamos que o senso crítico é importante para defender nossas idéias ou reconhecer argumentos melhores do que os nossos, mas entendemos que a escola, antes disso, procura diminuir aqueles desejos sexuais (concupiscência ) e a preguiça (ou fazemos isto e a escola tem este papel ou valerá a “lei do mais forte ”, queremos esta lei vigorando? Somos, sim, amigo Nietzsche, niilistas ou pragmáticos ?), freqüentes nos jovens e, ainda, os desejos materiais, enfim, o que chamamos (apressadamente) de egoísmo (apenas quando são excessivos), mais ativos nos mais jovens, que estão mais próximos deles e os incitam constantemente. O que não significa que não devamos falar sobre: certa vez, eles me perguntaram se eu era virgem?, por que eu era solteiro?, me deram o apelido de um filme de comédia – “o virgem de 40 anos”. Em geral, eles depreciam os mais velhos e em resposta a isto eu disse que o sexo que os adolescentes praticam é parecido com o dos coelhos: eles fazem rápido e várias vezes. Falar sobre sexo é instrutivo, os ajudará no futuro a serem melhores parceiros: disse-lhes, por exemplo, que os filmes pornôs são úteis pois ensinam posições diferentes para fazer sexo com quem amamos. Dependendo do nível de renda familiar, é comum o uso de um vocabulário chulo, que devemos trocar por expressões científicas: ter relações sexuais em vez de “bimbar” ou “trepar”, dizer testículos em vez de bolas, vagina em vez de boceta ou perereca, pênis em vez de “pau”, “pica”, etc, expressões que menosprezam a beleza envolvida em um processo natural, ainda que a intenção deles não seja ver o outro como um objeto de sua satisfação pessoal, é, em geral, assim que eles se comportam: sem pensar no outro como alguém com sentimentos . Não queremos uma sociedade assim. Estamos ensinando valores, dirão? Sim. E isto é errado? Quando se libera totalmente a sexualidade juvenil uma das conseqüências é a banalização do corpo, o que inclui gravidez precoce. Pensar assim é ser conservador? É curioso que, normalmente, se atribua a conservadores a defesa do controle populacional; ocorre, contudo, que

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com menos pessoas no mundo, haverá mais empregos e maiores salários, salários que não podem ser altos por simples decreto governamental.

Sem sombra de dúvida, contudo, é o nosso dever mostrar a eles que cada um de nós quer “vender” ou convencer os demais de nossos valores e os valores vigentes são, na verdade, aqueles valores de pessoas ou grupos que prevaleceram sobre outros, como uma seleção natural, não da espécie, mas dos valores.

Deve-se levar em conta, também, a sobrecarga de conteúdos sobre os estudantes: é útil que se estude assuntos mais diversos para estimular a curiosidade por todas as coisas, mas a quantidade não deve ser excessiva. Em países como o Japão os alunos chegam às universidades estressados ou, como preferimos, “exaustos mentalmente ”, talvez por falta de minerais ou talvez se deva às exigências sem sentido e diferente dos anos anteriores, eles já não aceitam as regras que não sejam racionalmente justificadas. Lembro-me que na faculdade não havia espaço para a crítica das teorias, apenas o seu “jesuítico ” ou “medieval ” estudo. Não que isso não seja importante, mas por que falar tão pouco durante um semestre inteiro sobre um parágrafo extraído de texto de um pensador, sem qualquer crítica, pressupondo-o como verdade definitiva. Talvez a indisciplina dos alunos seja um sinal, um efeito, de uma exaustão mental.

É difícil saber a causa principal entre tantas candidatas. Em uma aula no final do ano de 2008, parei para pedir silêncio (não conseguia falar, nem ouvir alunos, era uma aula onde, em círculo, debateríamos filmes sobre o amor, um tema que não lhe é estranho!) e desta vez, diferente das muitas outras anteriores, expressei o quanto aquilo me fazia mal, que aquele comportamento era insuportável para o professor. Uma aluna disse que conversavam muito, porque eu, professor, não me impunha (ora, é preciso gritar com eles para que se comportem, eles mesmo precisam de limites e pedem-no ao professor!); outro aluno, disse que eu não era bom professor e, então, eu pedi que ele fosse à secretaria da educação se queixar, mas que não ficasse em aula importunando; via-se claramente que é uma geração descontente com tudo e com todos – outros professores (mais experientes que eu) já tinham adquirido o hábito de abandonar a sala quando a conversa era excessiva e outros costumavam mandar os alunos para fora da sala de aula. A própria secretaria estadual (ausente) rejeitara que se expulsasse ou, antes, suspendesse alunos, mas não dava outras alternativas. Aquela mesma aluna me perguntou se eu era autista, pois eu olhava para cima quando falava; não havia percebido isto, mas procurei uma causa: (a) estava para ter um AVC pela indisciplina deles? (b) pedia a Deus que mandasse um raio sobre mim? (c) Há, sim, a velha “navalha de Ocham”, a alternativa mais simples, em geral, é a mais provável: minhas lentes de contato, não sei por que causa, ficavam secas ou meus olhos não produziam suficiente lágrimas para os lubrificarem! Na aula seguinte, como a aluna se comportava mal, batia repetidas vezes na mesa e associei aquele comportamento anormal ao de um portador de síndrome de Down e perguntei-lhe se ela tinha tal doença? Há adolescentes gostam de incomodar pelo prazer de incomodar ou para chamar atenção, como certos animais que gritam para marcar território . É errado

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agir assim? Não, contra a irracionalidade às vezes devemos agir irracionalmente !

Observei, também, uma certa insensibilidade : quando continuam conversando na mesma altura da voz do professor, mesmo percebendo que o professor está pedindo que colaborem com ele e, em alguns casos, mesmo quando o professor está rouco! Por que se comportam assim? Não sentem compaixão pelos outros? Ou não isto não lhes foi ensinado? Se esta hipótese estiver correta, então, faz mais sentido ainda a “domesticação ” desta condição que lembra a de animais selvagens. É claro que punição não adianta: ou saem da aula e passam um tempo isolados (biblioteca , por exemplo), ou, como fizeram com as meninas–lobo da Índia, joga-se algo para elas para conquistarmos sua atenção. Medidas frias, dirão? Certamente é isto que dirão muitos psicólogos e pedagogos . Porquê? Porque eles ficam um período com os alunos e não 80 dias por ano!

Muitos professores crêem que a causa da indisciplina é a desestruturação das famílias e a falta de afeto. Concordamos, em parte, mas vemos muitos alunos abraçados, cumprimentando-se, trocando beijos no rosto, sem segundas intenções, o que indicaria que tentam suprir aquilo que faltou na infância. Há, ainda, muito comum, um menosprezo da família pela educação e isto pode interferir na maneira como o adolescente enxerga a escola.

Outra hipótese da indisciplina é, que algumas pessoas já mencionaram: os meios de comunicação bombardeiam a cabeça dos jovens, os jogo, as músicas on-line, os celulares, ou seja, a tecnologia, faz com que eles recebam um bombardeio de informações, mal conseguindo digeri-las completamente e, logo, passando de uma fonte para outra. A educação (leia-se: os educadores) se ressentem disso, pois não podemos fornecer a mesma quantidade e nem devemos, pois é a qualidade que deve-se enfatizar; ocorre que, o pouco do que nós professores informamos não atrai facilmente a atenção deles. É preciso, então, melhorar a maneira como se leva os conteúdos aos alunos. Certa vez, li no quadro a matéria do professor anterior: ele encheu os alunos com textos para copiarem, como se quisesse apenas faze-los calar a boca.

Como ensinar sobre as estruturas intracelulares apenas com palavras, um ensino monótono? Outro professor escreveu sobre um poeta português que ninguém conhece, mais para preencher o tempo de suas aulas; poderia ter aproveitado para pedir que os alunos construíssem suas próprias poesias! A questão é que ainda torturamos nossos alunos, um resquício do ensino medieval, uma tortura psicológica, não física, embora, para nós, seja também física, porém, microscópica, interna.

Pensamos que o problema estivesse no fato de que os jovens de quinze a dezoito possuírem alguma deficiência no seu desenvolvimento mental, pois nos chamou muito nossa atenção o fato de eles precisarem muito tocar as coisas como condição para aprenderem, etapa que Piaget relacionou a adolescentes de onze anos e não de quinze, embora as crianças estudadas fossem as Austríacas, de uma sociedade economicamente melhor estruturada. Mas, eles dominam as novas

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tecnologias mais do que nós adultos e mesmo um pequeno atraso mental pode ser atribuído por professores desmotivados e falta de afeto, mencionada no parágrafo anterior.

Listemos as causas da indisciplina possíveis: (a) exaustão mental por excesso de informações, o que faz deles insensível

aos pedidos do professor? (b) falta de autoridade por parte do professor? (c) desestruturação familiar e falta de afeto? (d) falta de autoridade, primeiro, na família? (e) desprazer no conteúdo dado em aula em comparação com as novas

tecnologias (televisão, celular, internet)? (f) má alimentação e poucas horas de sono?

Outra descoberta interessante é que perto do final do ano quando os alunos

já têm nota para passar por média (60% da nota máxima), eles não prestam atenção mais na aula; aí não resta outra coisa ao professor exceto entrar no ritmo discente, a menos que fizéssemos provas muito difíceis no início do ano de maneira que no final eles precisassem prestar atenção, mas isto é vingança!

Se é que podemos definir o que é ensinar a filosofia em poucas palavras dizemos que ela: (1) procura ampliar a percepção do aluno, a ver o todo de um problema e não apenas o seu ponto de vista ou como lhe ensinaram a pensar; (2) buscar causas para os fatos, pois não basta apenas compreender o todo se não identificarmos o processo pelo qual algo se tornou o que presentemente é. Para cumprir (1) e (2) não precisa torturar os alunos, nem enchê-los de informações que serão esquecidas logo que eles saírem da sala ou do colégio. É um erro que cometemos, mas o essencial não é nunca errar, mas não persistir no erro. Mas, se quisermos definir filosofia em uma frase: “é a busca das causas primeiras e não das mais imediatas”, por exemplo, por que buscamos prazer? Pois isto nos torna felizes (resposta ou causa imediata). Por que nos torna felizes? Porque preenche nossas necessidades. (causa mais distante) Por quê? Porque nosso organismo é avesso a necessidades e somos feitos para sentir completude. Por quê? Deus quis? Ou tentamos voltar a uma situação anterior onde não sentimos falta alguma, quando éramos feto? (esta uma causa mais distante ainda e talvez possa ser chamada de causa primeira, mas alguém poderia perguntar por que a vida fetal é assim? E que perguntasse isto não estaria errado, pelo contrário).

Pensamos nas férias de 2008 em fazer uma aula onde os alunos trouxessem suas curiosidades para nós filosofarmos. Não sei se por timidez poucos falaram ou se estavam acostumados a aulas em que os professores lhes apresentassem exercícios e a eles coubesse apenas dar a resposta que estava lá no texto. Desistimos de uma aula assim, talvez porque necessitássemos de uma fonte de informação como ter um computador conectado à internet para cada aluno ou grupos de alunos. Poderíamos ter pedido desde o primeiro dia de aula: tragam assuntos ou um assunto, pois neste trimestre você se dedicará a investigar um

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tema escolhido por você. Mas, e depois? Traria de casa mais informações? Perguntaria a outras pessoas? Ou pesquisaria prontas as respostas em algum lugar? Seria interessante deixar os alunos livres para aprenderem e investigarem sobre um assunto, como futebol ou música. Poderiam relatar seus avanços aos demais colegas. Ainda não abandonamos este sonho. Talvez devêssemos propor uma aula um pouco diferente, do tipo “desafie o professor: pergunte algo que ele não saiba!”. Evidente que há muito que eu não sei, mas posso lembrar de teorias dos filósofos ou as minhas próprias (tenho um livro no google books: “the myths of time, ego and laws ”) e como a filosofia deve ser útil para a vida, se espera que o professor tenha aprendido algo da filosofia que tenha validade para a sua vida e, por que não para a vida dos alunos? De qualquer modo, esta idéia é apenas um projeto e por ser apenas um projeto é que desenvolvemos estas 80 aulas abaixo, para que não sejamos surpreendidos, novamente, caso a idéia de uma “filosofia livre ” onde haja liberdade para pensar (sem conteúdos previamente planejados e impostos aos alunos) não tenha aceitação pelos próprios estudantes – penso que não é fácil a alguém escravizado decidir pegar ou não pegar as chaves de seus grilhões!

Pergunto-me qual o futuro da escola? Se ela faz com que os alunos pensem menos nos desejos do corpo, abandonando excessos, em prol de pensar em como podemos ser úteis à coletividade, na qual nos incluímos, podemos fazer isso sem escolas? Qualquer que seja a resposta, isto não se faz sem contato com outras pessoas. Pode ser fragmentado (aprender com vizinhos, em excursões, acampamentos, etc), mas não poderá nunca ser à distância, a menos que a Neurologia consiga fazer o que acho que a escola faz ou ajuda a fazer: ampliar a capacidade de perceber o mundo ou, mais especificamente, quebrar ligações excessivas entre neurônios, pois, em nossa opinião, só assim podemos perder a atenção a detalhes e ampliar nossa percepção, ou seja, em vez de ficarmos só preocupados ou interessados conosco, com as coisas que acontecem a mim ou com as pessoas mais próximas, passamos a incorporar uma boa parcela das outras pessoas e compreender o significado de cidade, país, mundo, universo.

Encontramos na internet uma charge representando o filósofo. Será que esta imagem faz justiça a todos os filósofos ou somente a alguns pseudo-pensadores , que não têm idéias próprias e não passam de papagaios que repetem o que os outros disseram ou escreveram? Creio que não. Certa vez um aluno disse que ninguém tinha amor por ser professor, era algo profissional. Respondi que se fosse profissional, poderia, diante da indisciplina deles, ao longo do ano todo, simplesmente, não me estressar e deixar um trabalho qualquer no quadro para que eles fizessem, em vez de tentar dialogar com eles, filosofar com eles, buscarmos causas juntos!

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Plano de Aulas de filosofia

Antonio Jaques de Matos

Aula 1: Para que serve a escola? O que faremos juntos neste ano? O que vocês esperam da escola?

Aula 2: o que é filosofia e a necessidade dos porquês. Aula 3: filosofia estuda tudo ou o todo? Aula 4: o que pensam os filósofos? (Youtube 1) Aula 5: as crianças e os porquês: elaborar 20 perguntas. Aula 6: Mitos (Youtube2 ou retroprojetor). Aula 7: a coruja, símbolo da filosofia. Aula 8: construção de uma linha do tempo. Aula 9 - 12: exercício de causalidade com jornais, revistas, etc.

Aula 13-22: 1o trabalho: Filosofar através das músicas preferidas. Aula 23: Sócrates. Aula 24: exercício sobre Sócrates e a explicação do 2o trabalho de

autoconhecimento. Aula 25: Teoria sobre a mente: Freud. Aula 26: Estudo sobre Ilusão de ótica e mensagem subliminar: :

exercício prático. Aula 27: a interpretação dos sonhos. Aula 28: Angústia, medo e ansiedade. Aula 29: Quais causas determinaram minha personalidade? Aula 30: Filosofar através de livros e filmes sobre o amor. Aula 31: casais sem filhos e a perpetuação da espécie? Aula 32: o Futebol e a paixão. Aula 33-36: Entrega do trabalho sobre o autoconhecimento. Aula 37: Leitura do texto sobre a vida de Buda. Aula 38: a felicidade reside no prazer? Há um sentido para a vida? Aula 39: À procura de coisas belas: fotos com celular? Aula 40: De que são feitas as coisas? Aula 41: Qual a sua opinião sobre de que são feitas as coisas? Aula 42: Há um mundo eterno? Estudo de Platão. Aula 43: Platão e o mito da caverna. Aula 44: Desenhe Deus, alma e destino.

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Aula 45: Há livre-arbítrio? Aula 46: um medidor de bondade? Aula 47: como nos tornamos bons? E por que ser bom? Aula 48: exercício de dilemas éticos ou aulas de etiqueta? Aula 49: bioética: vida e morte. Aula 50-51: documentário: O Inferno de Dante. Aula 52: violência. Aula 53: elaboração de um jornal sobre o tema da violência. Aula 54: julgamento: têm os animais direito à vida? Aula 55: introdução ao assunto “tempo” e “eternidade”. Aula 56-60: como será o futuro? Comidas, saúde, transporte e

governo. Aula 61: as empresas têm filosofia? Aula 62: cooperativismo. Aula 63: o sentido da visão. Aula 64: o sentido do olfato. Aula 65: o sentido do tato. Aula 66: o sentido do paladar. Aula 67: o sentido da audição. Aula 68: os limites da razão. Aula 69: o pensamento tem uma ordem? Aula 70: dois testes de inteligência. Aula 71: exercícios de lógica humana. Aula 72: quadrado lógico Aula 73: Explicação do 3o trabalho “faça algo para mudar o mundo”. Aula 74-75: vídeo “V de vingança”, política, tirania, anarquismo, e

cidadania. Aula 76-77: Apresentação do 3o trabalho “faça algo para mudar o

mundo”. Aula 78: Documentário: O segredo. Aula –79: 4o trabalho: fixe objetivos para toda a vida. Aula 80: fechamento do ano e notas.

Não esqueça: o dia Mundial da Filosofia foi instituído pela

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Todos os anos ele é comemorado na terceira quinta-feira do mês de novembro

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Aula 1: Para que serve a escola? O que faremos juntos neste ano? O que vocês esperam da escola?

(A) REGRAS GERAIS DA DISCIPLINA DE

FILOSOFIA: (A1) A previsão é de realizarmos 80 aulas, sendo divididas em __25__ no 1o trimestre,

__26__ no 2o trimestre e __31__ no 3o trimestre. (A2) As notas são distribuídas da seguinte forma:

Trabalhos parciais (mínimo 2)

Prova final

Recuperação

Sócio-participativo

Total

1o trimestre 10 14 24 1 25 2o trimestre 12 16 28 2 30 3o trimestre 19 24 43 2 45

(A3) O professor dispõe do planejamento dos conteúdos a serem lecionado no ano para

enviar por E-MAIL, que inclui os TEXTOS que serão utilizados nos trabalhos parciais e nas provas.

PROF>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>� ALUNO

(A4) Um modo de estimular os alunos a terem os textos é dar-lhes pontos

(A5) o professor é formado pela UFRGS, turma de 2007 (levar xerox diploma) e tem um livro no GOOGLE BOOKS:

Relatório de 30 de Agosto de 2007 a 19 de Dezembro de 2008

ISBN Título do livro Visitas Visita com leitura de alguma página Páginas lidas

9788590729303 The myths of time, ego and laws 552 549 1,427

Totais 552 549 1,427

Médias 552 549 1,427

entreguem os trabalhos sempre na data marcada! , pois a responsabilidade é uma qualidade que devemos valorizar e estimular.

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E, anotem as notas dos trabalhos de todos trimestres, Pois o professor não as divulgará no final do ano, devido a um total de 9 turmas com 40

alunos em cada totaliza 360 alunos!

Procurem não dormir tarde, para estarem dispostos na aula!

� Vamos filosofar? Poderemos fazer

uso dos Períodos de Aula para debater questões que surgirem na escola,

na cidade, estado, país e mundo, estimulando que cada aluno filosofe sobre um tema livre.

(B) TEORIAS SOBRE A EXISTÊNCIA DA ESCOLA No Egito quando as escolas surgiram e as bibliotecas, passando pela Grécia e Roma

antigas a tarefa número um das educação era a formação do HOMEM INTEGRAL, Isto é, na formação do seu corpo, pela ginástica, da mente, pela filosofia e pelas ciências e da

moral e dos sentimentos, pela música e pelas artes. Educação vem EDUCERE, extrair as

potencialidades que estão dentro de cada pessoa. E escola, palavra grega, que significa lazer, alegria, tem relação como o prazer da contemplação ou da ação, da descoberta.

Na Grécia antiga, não existia avocação específica de professor: um filósofo e um ferreiro que fossem mestres viviam com seus colegas e seus aprendizes aprendiam de seu trabalho manual eou intelectual,sem se aperceber (GADOTTI. História das idéias pedagógicas).

John Dewey lembra que “a história está marcada por teorias opostas sobre a educação: uns defendem que educar é desenvolver de dentro para fora, outros, de fora para dentro; educação se baseia em dotes naturais, outros dizem que ela deve vencer as inclinações naturais e substitui-las por hábitos adquiridos por pressão externa”.

Jean-Jacques Rousseau escreveu na obra Emílio, que “na ordem social todos os lugares estão marcados, cada um deve ser educado para o seu”, na ordem natural, os selvagens, a sua vocação é ser homem. Quer se destine à carreira militar, à religiosa ou à advocacia pouco me importa. Antes, da vocação dos pais, a natureza chama-o para a vida humana. Viver é o ofício que lhe quero ensinar”. Para ele, nascemos bons e a vida em sociedade nos corrompe.

Em seus Discursos pedagógicos, o filósofo Hegel define: (1) que a família é o lugar do sentimento, onde você vale pelo que é (há laços de sangue); (2) na vida em sociedade,você vale pelo que você faz. (um professor vale se ele sabe dar aula). (3) Já a escola é o momento em que nos aproximamos da vida social, experimentamos como vai ser no futuro.

Lembremos que a escola existe, porque os governos queriam e ainda querem uma

população alfabetizada e informada (função: transmissão da cultura). Um

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importante político RUI BARBOSA em seus discursos no século XIX,após proclamação da república, já mencionava a distância do Brasil para a civilizada e desenvolvida Europa e falava sobre a necessidade da educação.

Para Durkheim os adultos exercem a educação (uma ação) sobre as gerações ainda não preparadas para a vida social. Nascemos , diz ele, egoístas e a educação nos civiliza.

Hoje em dia se procura dar conhecimentos visando a uma cultura geral para que

todos tenham acesso às conquistas da humanidade, não formar em um trabalho único, mas oferecer recursos para se adaptar a diferentes tarefas (as formas de produção do mundo estão em constante mudança) e depois, então, ingressem em uma escola onde se

especializarão em uma profissão técnica. Podemos tentar, mas com dificuldade imaginar-nos sem escola: tal como as pessoas que

vivem e moram na rua, um sem-teto? Dois exemplos que utilizamos em aula: o presidente do

Brasil (Luis Inácio Lula da Silva) e dos Estados Unidos (Barack Obama) são pessoas que,

com educação, progrediram e assumiram posições de liderança! Há uma relação entre escolarização e renda econômica. No Brasil, em 1997, havia 31,6%

de analfabetos, em 2007, são 23%, 50% no Nordeste, com meio salário mínimo per capita.

A escola parece ter como objetivo disciplinar o caráter da pessoa, estimulando o

uso do pensamento e deixando de lado outros prazeres e desejos materiais, como se vê na divisão que Platão fez da mente ou da alma humana:

Intelectiva = razão ( cabeça) Irascível = coragem e raiva (coração)

Concupiscível -= desejos carnais (sexo, fome, sono, segurança, e tc) Há basicamente três grandes escolas pedagógicas (sobre como ensinar):

Tradicional O professor impõe sua autoridade, o

conhecimento como verdades definitivas (DOGMAS) e o aluno permanece passivo, o professor fala e o aluno escuta, escreve, memoriza e, no dia da prova, responde às perguntas com as informações antes aprendidas. Para citar um exemplo: o ensino do Talmud pelos judeus requeria repetir 400 vezes os trechos não entendidos.

Rousseau critica a educação que cobra apenas a memorização: “é indício de azia e indigestão vomitar a carne tal qual foi engolida”.

Se o aluno não aprende é porque ele não quer. E uma resposta diferente da do professor é considerada um erro

Aqui inclui-se as escolas técnicas que formam especialistas capazes de aplicar

Liberal O aluno tem

liberdade de aprender o que lhe interessa mais.

Há escolas nos Estados Unidos onde o aluno entra no horário que quiser e passa o tempo estudando sozinho ou com outros alunos e o professor é apenas um conselheiro quando o aluno precisar dele.

Coloca-se à

Socialista A escola é espaço para

professor e aluno tomarem consciência do seu papel político, de organizarem (por meio do diálogo e debates) o conhecimento para entenderem o quanto são explorados pelo capitalismo. As aulas tomam como ponto

de partida temas que mais preocupam a comunidade escolar, tais como, desemprego, violência, etc. Há, também, uma escola que

se chama Crítica Social dos conteúdos: que defende que devemos aprender os conteúdos que a classe que

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métodos e instrumentos que lhes foram ensinados.

Na educação antiga era costume punir fisicamente com vara, bater na palma da mão com um pedaço de madeira ou ajoelhar em milho seco. Também Rousseau: “a disciplina rigorosa da maior parte dos colégios (fazem deles) verdadeiras prisões”

disposição dos alunos meios para eles aprenderem, o que inclui idas a museus. Mas, o conhecimento é secundário, não é o mais importante.

governa e tem riquezas aprende para que possamos competir de igual para igual ou mesmo supera-los. Os conhecimentos chamados de cultura universal são refletidos a partir do olhar crítico do professor e dos alunos e do contexto em que eles vivem.

� para Kant, a educação tira o homem da animalidade, disciplina seus

instintos animais (civilizar ou domesticar) e humaniza o homem.

�Ivan Illich afirma no texto “os conhecimentos são adquiridos fora da escola” que os alunos são, pela escola, levados a confundir ensino com aprendizado, diploma com competência, fluência no falar com dizer algo novo, tratamento médico com cuidar da saúde, proteção policial com segurança, etc. Há a ilusão de que quase tudo que se aprende é resultado do ensino, só que, para ele, ela é apenas espaço de confinamento. A maior parte da

aprendizagem ocorre por acaso, como quem aprende um idioma, quando viaja para um país

estrangeiro ou as pessoas que lêem muito: isto se deve a atividades fora da escola.

� Herbert McLuhan: “Chegará o dia em que as crianças aprenderão muito

mais e com maior rapidez em contato com o mundo exterior do que no recinto da escola”... “o meio urbano explode de energia e uma massa de informações diversas, insistentes, irreversíveis”

� Pensadores como Michel Foucault defendem que a escola surgiu como um modo obrigatório de fazer com que as populações fossem obedientes às igrejas e depois aos governos,, primeiro, sob uma obediência cega e ameaças físicas, depois, por meio de disciplina e persuasão.

Moacir Gadotti observa que o maior problema da escola foi “não ter sido capaz de construir o universal partindo do particular. Tentou inverter o

processo, impondo valores e conteúdos universais sem partir da prática social e cultural do aluno, sem levar em conta a sua identidade e diferença”. Por exemplo: estudo de frações

no cozimento de arroz, em uma cozinha da escola, ou porcentagem a partir da

semeadura na horta escolar ou fazer uma tenda indígena, experiências em

laboratório etc.

E a escola do futuro? Cada aluno com um computador a sua frente, realizando pesquisas sobre um assunto que lhe interessa e ao professor restando a função de auxílio

quando requisitado? E a presença do adulto junto aos alunos, não é importante por si

só?? E o professor-intelectual com teorias próprias,não estimulará os alunos a conceberem suas teorias??

Page 14: Filosofia Para Adolescentes

� Em nossas aulas procuraremos seguir os seguintes passos:

�sensibilização – �problematização – �investigação - �criação de conceitos. Partiremos de uma música, de uma imagem, leitura de um jornal, etc; depois, faremos perguntas, identificaremos os problemas, investigaremos os conteúdos, de diversas perspectivas. O aluno, então, estará apto a elaborar sozinho ou em grupo um texto ou outro meio de expor suas reflexões/conclusões.

Pesquisa Público-alvo? _______________________

Local: ( ) colégio ( ) shopping ( ) ________ Entrevistados (idade/ sexo)

Problema a ser investigado :______________ Pergunta: _____________________________

01 02 03 04 05

� Tarefa para a próxima aula ou na rua: Perguntas aos parentes ou alunos

mais velhos o que é, para eles Filosofia?

Um texto oportuno para o início do ano é o que trata da importância do silêncio, pelo menos, naqueles momentos onde ele seja adequado:

A sabedoria do silêncio. RAYMUNDO DE LIMA (Revista Espaço Acadêmico, nº. 62, julho de 2006 )

Para ler e compreender um texto filosófico ou teológico, um poema, é preciso silêncio. Há músicas que só podem ser ouvidas sob um fundo de silêncio. Os retiros espirituais são importantes para capacitar as pessoas a conviverem melhor consigo mesmas; aprender a controlar a inquietação de nossa alma, rumo à ascese. Não “treinar” o silêncio é se entregar à fala vazia ou boba, reforçando um estilo sustentado na ignorância.

Os professores do ensino fundamental e médio, atualmente, reclamam que na sala de aula passam mais tempo pedindo silêncio aos alunos do que ensinando. Apesar dos sinais de barbárie na escola contemporânea, pouco se tem feito para impedir o seu avanço. Que fazer se os especialistas em educação se limitam a rotina de produção teórica abstracionista, e os responsáveis pelo sistema educacional continuam fugindo do compromisso de fazer “dialética do concreto” com o cotidiano das relações humanas na escola e na universidade? Onde está o equilíbrio entre conhecimento e sabedoria na formação dos professores para o futuro? Quem educará os pais para melhor educar os filhos?

Um dos efeitos da “geração net” é não respeitar os espaços cujo silêncio é quase obrigatório. Além de não suportar o silêncio necessário para introspecção, a “geração net” não tem paciência de seguir o fio condutor de uma conversa. Quanto mais jovem, mais rapidamente passa de um tema para outro ou troca de interlocutor como quem aperta o botão do controle remoto da TV. Mais do que impaciência, tais atitudes podem também revelar intolerância e desrespeito para

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com o próximo e falta de sintonia com o ambiente. Como imaginam que “mandam no pedaço”, crianças e adolescentes se acham no direito de interromper a conversa dos adultos por motivo fútil. Os adultos, por sua vez, fingem que aceitam a atitude grosseira, ou se acovardam, deixando de exercer a autoridade de educadores, cujo resultado previsível é a incivilidade. Muitas pessoas estão deixando de freqüentar os cinemas para evitar constrangimentos com platéias mal educadas, barulhentas, parecendo estar mais interessadas em comer pipoca e dar arrotos de refrigerantes do que assistir ao filme em silêncio.

O historiador Peter Burke observa que essa inclinação para romper a romper com o silêncio necessário de uma aula, nos países latinos, talvez viria de costume cultural de “tentar ouvir muitas pessoas falando ao mesmo tempo”. Ao contrário do costume anglo-saxônico que exige total silêncio da audiência, o palestrante para público latino-americano deve estar preparado para discorrer seu assunto tendo como ruído de fundo o zumbido de vozes.

Curiosamente, ele seria considerado mal educado ou impolido se pedir silêncio, deixando transparecer certa irritação para com os verdadeiros mal educados. Burke observa que existe um “acordo público” que nos induz ficarmos em silêncio em certas ocasiões. Num velório, solenidade, audiência pública, culto religioso, concerto musical, durante a execução do Hino Nacional, o silêncio é sinal de respeito e sintonia espiritual. Devemos evitar falar, ainda que baixinho, para não causar constrangimentos em ambientes sociais necessariamente silenciosos. O silêncio é natural porque faz parte da função biológica, quando estamos num banheiro, tentando dormir; ou psicológica, quando nos entregamos à introspecção; ou social, quando esperamos nossa vez, numa fila, cortejo fúnebre.

O “silêncio é um dos elementos essenciais em todas as religiões”, observa G. Mensching. Há variedades de silêncio sagrado: pessoal, comunal, o ‘silêncio eleito’ dos monges e freiras de clausura, a oração silenciosa ou ‘mental’. “O silêncio religioso é um misto de respeito por uma divindade; uma técnica para abrir o ouvido interior; e um sentido de inadequação de palavras para descrever as realidades espirituais”, escreve P. Burke.

É preciso “saber ficar em silêncio”, sentenciava La Rochefoucault. Os mal educados ignoram o sentido ético, estético, cultural, moral, jurídico e psicológico do silêncio. Assim como o sábio e o monge escolhem ficar mais tempo em silêncio – meditando, orando – podemos inferir que os verdadeiramente civilizados e comprometidos com a sabedoria são propensos a conversas intercaladas com o silêncio da prudência ao dizer e esperar o outro revelar seu ponto de vista.

Existe o “silêncio localista” das igrejas, bibliotecas, museus e hospitais. Recebe um olhar de reprovação e um discreto psiu quem desrespeitar o silêncio necessário para rezar, estudar, apreciar, ouvir uma palestra, ou visitar um enfermo. Portanto, precisa ser reeducado aquele que desrespeita os locais de silêncio. A pessoa que fala pelos cotovelos palavras vazias, que sofre de incontinência verbal monopolizando a palavra, poderia receber benefícios incalculáveis psicanálise. É preciso compreender que excesso de palavras cansa, irrita, chateia, e termina boicotando a harmonização do ambiente social e comprometendo a própria imagem do falante compulsivo.

Vários ditados populares dão importância ao silêncio: “Deus nos deu uma boca e dois ouvidos para que possamos menos falar e mais ouvir”; “Manter a boca fechada e os olhos bem abertos”, diz uma versão italiana; “Em boca fechada não entra mosca”, dizem os espanhóis e portugueses. Os comerciantes europeus inventaram a metáfora “o silêncio é de ouro e palavra é de prata”. O provérbio árabe “cada palavra que tu falas é uma espada que te ameaças” induz a prudência e o cálculo sobre o que, como e em que ocasião falar. Enfim, o silêncio pode ser reconhecido como uma virtude que evita polêmicas desnecessárias e brigas perigosas. “Diante de tanta ignorância respondo com meu silêncio”, encurtava Rui Barbosa.

Entretanto, diante da intolerância, do racismo e dos fundamentalismos, devemos ficar em silêncio? Nessas situações, o bom senso entende que “o dever do intelectual é romper o silêncio, ainda que sua voz seja abafada pelos poderosos e seus cúmplices de plantão”. “O grande

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cúmplice da tirania é o silêncio; não atacar o despotismo é a maneira mais covarde de servi-lo; não denunciá-lo é auxiliá-lo; estar próximo dele sem feri-lo é a maneira mais vil de protegê-lo; e proteger o crime é mil vezes pior que cometê-lo; eis aí a hora em que a palavra é um dever e o silêncio é um crime”.

Aula 2: o que é filosofia e a necessidade

dos porquês. Esperar pelos alunos que tragam definições por eles pesquisadas. Podemos realizar

durante o período uma saída para a rua, nas imediações da escola, para entrevistar as pessoas e

saber delas O que é filosofia?. Depois, acrescentar outras, dos pensadores antigos.

TALES : filosofia é o estudo da natureza de que as coisas são feitas, para ele, são feitas de água. Ele, também, previu colheitas de oliveiras, de acordo com a previsão do tempo e alugou prensas para as pessoas, ganhando muito dinheiro.

Pitágoras : Inventou a palavra filosofia (amiga da sabedoria) e filósofo(amigo da sabedoria), isto é, aquele que busca o conhecimento das coisas. Foi, também, matemático: é dele o teorema que leva seu nome.

Sócrates : a filosofia nos faz examinar a vida em todos os seus aspectos e isso nos torna sábio e ético e a posse da sabedoria é a melhor vida.

Aristipo : a filosofia é uma atividade que nos dá coragem para defender nossas idéias.

Platão : a filosofia é a atividade superior do ser humano que o distancia da vida material e o aproxima do mundo divino.

Aristóteles : a Filosofia é a ciência da verdade que trata da ética, lógica, da natureza e da matemática.

Diógenes: a filosofia fortalece o espírito fazendo-o suportar as piores dores.

Epicuro:a filosofia é o estudo dos objetos celestes e da morte. Ela cura os males da alma, assim como, a medicina cura os males do corpo.

Taciano: a filosofia é uma porção de teorias confusas que se opõem e que não explicam nada.

Tertuliano: a filosofia é a doutrina dos homens e dos demônios, pecadora, pois intenta falar sobre os decretos divinos.

Marco Aurélio: Só a filosofia pode nos guiar nossa deus interior livre de danos mais forte que os prazeres e mágoas, nada fazendo de enganos.

John de Salsbury: A filosofia nos ensina a atacar e defender idéias, ela eleva nossa inteligência, amplia e torna mais profunda a visão, especialmente quando elmos os pensadores antigos.

Jean-Jacques Rousseau: a verdadeira filosofia que ensina a viver junto da natureza, onde está a verdadeira sabedoria e não nos livros.

Kant: Filosofia consiste em filosofar sobre os limites dos nossos pensamentos e do mundo e quais verdades a nossa razão pode conhecer.

Hegel: Filosofia deve buscar a unidade que jaz na adversidade. Ela não é sonambulismo, mas um estágio desenvolvido de consciência.

David Hume: a filosofia ensina a ver os diversos aspectos que podem ser, por nós, observados e que freqüentemente nos escapam.

Karl Marx: a filosofia não deve apenas interpretar o mundo, mas transforma-lo, reconhecendo conflitos e superando-os, estabelecendo o governo dos trabalhadores.

Nietzsche: a filosofia, através da arte, supera a limitada condição humana, nos

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tornando super-homens; aos demais, o rebanho, restará a ilusão da moral e de uma vida após a morte.

Henry Bérgson: a filosofia não reúne os conhecimentos das ciências, pelo contrário, ela fundamenta o conhecimento das ciências.

William James: A filosofia não enche barriga, mas todos têm curiosidade de saber se “somos realmente livres”, “se Deus já sabe o que faremos”, etc.

Wittgenstein: a tarefa da filosofia é a de tornar claras as frases que usamos, especialmente as frases científicas. As palavras disfarçam nossos pensamentos, como uma roupa que disfarça os contornos do corpo.

Heidegger: a filosofia é guardiã da razão. Ela é uma ciência teórica que investiga o fundamento de todas as coisas. É por meio da palavra que tudo é revelado.

Merleau-Ponty: Cabe à filosofia ensinar a ver bem ou reaprender a ver o mundo.

Will Durant: Filosofia é o estudo da experiência como um todo, já as ciências, estudam partes do todo.

Marc Sautet: a filosofia retrocede ao passado em uma situação de crise para encontrar as causas e origem.

John Campbell: Filosofar é pensar em câmera lenta. Ela pára, descreve e valoriza os movimentos que normalmente fazemos em grande velocidade.

Marilena Chauí: a filosofia reflete sobre as religiões, as ciências, a arte, a história e a política para buscar origens, significados, forma e conteúdo.

Mathew Lipman: a função da filosofia é desenvolver a capacidade crítica de adultos e crianças.

� Proposta 2: realizar um bingo, para aprender brincando as tese anteriores. O jogo se

realizará a partir da distribuição para cada aluno de uma cartela com 6 teorias (de 6 filósofos). Como temos cerca de 27 teorias (dispostas de 3 em 3), podemos fazer 36 combinações, segundo

a fórmula de análise combinatória: Cn,k = n! / k!(n-k)!, sendo que n = total de teorias, k= o número de teorias em cada cartela e “!” representa que um número deverá ser multiplicado por si e por todos os outros números abaixo dele, por exemplo: “9!” significa 9x8x7x6x5x4x3x2x1= 362.880. Assim, Cn,k = 9! / 2! (9-2)! = 9! / 2! (7!) = 362.880/ 2 x 5040 = 36

Aula 3: filosofia estuda tudo ou o todo?

Pedir-lhes que me auxiliem em responder a questão se a filosofia estuda tudo ou o todo? O problema é que esta aula poderá causar mais confusão do que esclarecimento; pipocará na mente dos alunos duas palavras que não são tão claras, mesmo para mim: eu disse em 2008 que a filosofia estuda tudo, mas não expliquei que o “tudo” não é todo o conhecimento ou o dom da onisciência. O “tudo” é a totalidade das coisas, sendo que suas partes não são tão importantes. Por exemplo: posso estudar o homem, seu comportamento, mas não preciso entender seus

órgãos internos. Um exercício prático a ser realizado nesta aula ou na próxima é pedir que alunos vão ao pátio e peguem objetos naturais ou industriais e reflitam sobre o objeto como um todo, mas, ainda, o objeto é um todo independente ou se relaciona com outros objetos? Que objetos ele se relaciona? Se for uma lata

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de refrigerante, ela dependeu de alguém que a encheu com o conteúdo, alguém que a transportou, alguém que extraiu o metal do subsolo, etc. Neste exercício o aluno identificará a série de causas e efeitos que relacionam um objeto a outros ou seres vivos entre si.

� Peguemos a imagem de um carro inteiro e outra com o carro desmontado:

o todo já não é mais visível e a ênfase está nas partes expostas, ou seja, todas as peças ou o “tudo”. Novamente vemos o todo, o carro organizado. De que se preocupa a filosofia, com o todo ou com as partes? Ela é o estudo de tudo ou do todo? Podemos filosofar sobre um carro, por exemplo, ou ele é objeto apenas das ciências, como o Design e engenharia mecânica e eletrônica?

Aula 4: o que pensam os filósofos? (Youtube 1)

Nossa proposta é apresentar na sala de vídeo da escola vídeos do

YOUTUBE, especialmente uma série veiculada na tevê - SER OU NÃOSER -, apresentada pela filósofa Viviane Mosé.

Obs: como baixar um vídeo do Youtube? Na internet encontram-se sites onde se pode baixar o software “VDownloader”, através do qual se baixa com facilidade os vídeos do YOUTUBE. O que é necessário é copiar o URL do respectivo vídeo, o seu endereço. O vídeo, do computador, se copia para um CD e, este, pode ser exibido em um DVD.

Caso não consigamos usar a sala, podemos apresentar exemplos de teorias sobre os mais

variados temas tirados de nosso livro Curso de Filosofia Temática : Heráclito : tudo está constantemente mudando: não somos os mesmos, não entramos duas

vezes no mesmo rio, porque na segunda vez já não somos os mesmos e nem o rio é o mesmo. Parmênides: aquilo que é, é e não pode não-ser. Assim, só há um ser, sendo o movimento

uma ilusão, esteúnico ser é imóvel, infinito, eterno. Demócrito: D efendeu a existência de átomos. O que permaneceria se um corpo fosse

divisível, sem fim, em partes cada vez menores? Seriam compostos de pontos sem dimensão? Corpos com dimensão seriam constituídos de elementos sem dimensão? Se adicionássemos ou subtraíssemos um destes pontos ao corpo, ele não teria nenhuma alteração em seu tamanho! E, ainda, o que garantiria que os corpos permanecessem e não simplesmente desaparecessem?

Al Gazali : uma chama não é a causa da queima de um chumaço de algodão; é na presença dos dois que ocorre a combustão. A idéia de que a chama é a causa do algodão queimar é uma ilusão.

Epicuro: por que Deus não acaba com o mal? Apresenta as possíveis alternativas: (a) Deus quer impedir o mal, mas não pode, (b) pode, mas não quer, (c) nem quer e nem pode e (d) quer e pode. Se Ele quer, mas não pode, é “impotente”. Se pode e não quer, é “invejoso”. Se nem

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quer e nem pode, é tanto “impotente”, quanto “invejoso” e, por isso, nem mesmo Deus é. Mas, se quer e pode, por que, então, não impede o mal? Entende Epicuro que o que chamamos de bem e mal, dependem e “repousam” apenas em nossa sensibilidade, pois conforme a circunstância, algo bom pode causar algo mau e vice-versa. Mesmo a justiça que nasce da natureza, não passa de um contrato, uma convenção, vantajosa às partes.

Protágoras: Embora Platão e outros filósofos os criticassem, reconheciam Protágoras como um dos maiores mestres em retórica. É dele a frase “o homem é a medida de todas as coisas, das que são e das que não são”, sendo que a verdade é relativa à opinião de cada pessoa.

Sócrates: Acreditava que os deuses nada precisavam; por isso, quanto menos ele precisasse, mais próximo estaria dos deuses. A sua noção de felicidade se distancia dos sentimentos, quando ele diz que quando bebemos, porque temos sede, estamos dizendo, ao mesmo tempo, que sentimos prazer com sofrimento. Dizia que quanto menos precisar, mais felizes seremos.

Platão: Elaborou uma doutrina em que ele crê na existência de dois mundos, um eterno e o outro, perecível, temporal, físico e mutável. Este último, uma simples imitação do primeiro. E, o que somos? Uma matéria na qual foi posta uma forma, humana, existente eternamente em um mundo, também, eterno. Sobre a alma, especificamente, Platão disse que ela possui três partes: uma racional ou intelectiva, localizada na cabeça; outra, irascível, na região do coração; e, ainda, uma outra, concupiscível, na região do umbigo e fígado - “insaciável”. Em todas as pessoas, uma das partes da alma predomina: no guerreiro, por exemplo, é a parte irascível que prevalece; por meio dela é que nós nos exaltamos. Nos filósofos, prevalece a intelectiva. E nos demais, a concupiscível. Para Platão, as três partes da alma devem estar em equilíbrio - a virtude da temperança - , evitando os excessos.

Santo Agostinho : Nosso nascimento e crescimento visam a alcançar a “perfeição divina” e uma vez “perfeitas”, não permanecem aí e, por mais que se “esforcem por existir” e quanto mais rápido crescem, mais depressa acabam por “não existir”, envelhecendo e morrendo

São Tomás de Aquino : os anjos são pura forma, sem matéria, eles não raciocinam, pois aprendem instantaneamente.

René Descartes: de onde tiramos as idéias de perfeição e infinito se tudo a nossa volta é imperfeito e finito? Deus põe estas idéias em nossa mente.

Thomas Hobbes: Por que há diferença nas paixões dos indivíduos? Para ele, isto se deve à diferença dos corpos, da educação e dos costumes recebidos. É esta diferença que produzirá diferentes talentos nas pessoas e pela mesma causa, haverá pessoas com “maior ou menor desejo” em relação ao poder, dinheiro, saber e honra. Há uma tese sobre a loucura: para ele, ela consiste em um excesso de paixão. Quando há uma ausência de desejos ou paixões, ele diz que “é como estar morto”. A natureza humana é representada pela “cupidez natural” e pela “razão natural”, esta última se esforça em tentar que os homens, através de pactos entre si, evitem a “morte violenta”, que é vista por todos como o mal supremo – somos somos naturalmente egoístas, o “homem é o lobo do homem”.

John Locke: nada está em nossa mente que não tenha passado pelos sentidos. A idéia de duração, por exemplo, surge quando percebe mos duas ou mais sensações.

David Hume : de onde tiramos a idéia de que somos um “eu”, se tudo o que percebemos são sensações fragmentadas: estou sentado, ouço o telefone tocar, ligo a tevê, caio no sono?

Kant : a forma não está nas coisas, a forma da gota não está na gota, todas as gotas parecem ter a mesma forma, mas é a mente que cria a forma.

Schiller Escreveu que dois instintos são primários em nós: a fome e o amor.

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Schopenhauer: Para ele, só a dor é real. Pergunta: por que envelhecemos? Para que, assim, “a morte não seja tão pesada” e sem “sequer ser sentida”. Observou, também, que só aqueles que passam dos noventa anos, experimentam a “eutanásia” (do grego “boa morte”), aqui, significando uma “morte calma”, quando morrem sem estarem doentes, quase sempre quando se encontram sentados e depois da refeição.

Nietzsche: "E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"»

Henri Bergson: Definiu a matéria como uma “fina película entre o homem e Deus”. Enquanto não a investigamos, Deus se manifesta nela.

Jean-Paul Sartre : a eternidade que procuramos não é a vida que dure eternamente, mas o descanso da consciência (um desligamento total)

Karl Popper : a história da humanidade não é a história dos generais, dos presidentes, a história dos livros de história que valorizam apenas umas poucas pessoas, mas a história de cada ser humano e a história de todos os homens.

� Mais importante que decorar ou entender estas e outras teorias será elaborar

críticas que ajudarão a confirmar as teorias ou rejeitá-las.

Aula 5: as crianças e os porquês: elaborar

20 perguntas. Uma quinta sugestão, minha preferência pessoal: observar que a filosofia, hoje

em dia, parece ter se restringido ao estudo dos textos antigos, deixando para as ciências a descoberta de respostas às nossas dúvidas e mistérios. Contudo, sendo ela um exercício individual sua tarefa nunca terminará: cada pessoa deve buscar sozinha fazer e responder questões que mais lhe despertam a curiosidade. É curioso

como as crianças bombardeiam os adultos com perguntando sobre os

porquês das coisas, com as mais variadas e intrigantes perguntas: por que o céu é azul? Por que chove para baixo? Por que o pai veste calças e mãe saia e usa maquiagem? Etc. Dizem que elas querem saber a que sexo devem imitar; acho uma

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explicação estreita, típica das ciências; elas querem saber o que é este mundo no

qual elas foram colocadas. Devemos voltar a ser crianças, que maravilham-se, espantar-se com qualquer coisa que se deparam e é esta conduta que nos tornará sábios e o sábio não é aquele que sabe mais do que os médicos sobre as doenças nem mais que os generais sobre guerras, mas o que tem uma compreensão mais ampla do que as especialidades, cuja percepção é sempre estreita sobre a sua área e ignorante sobre as demais áreas. Queremos formar um

ser humano completo e não um especialista como bem escreveu Schiller , no século XIX, e a filosofia (para Schiller, a arte) contribui para formar um ser incompleto . Por isso, a filosofia ainda pulsa! Uma proposta é estimular o exercício dos porquês , ainda que não tenhamos todas as respostas.

Poderia distinguir a filosofia das outras áreas de conhecimento humano. Um

exercício simples é pedir-lhes que em grupo formulem algo como vinte a trinta perguntas entre simples e difíceis sobre um tema que interesse aos estudantes

(como, por exemplo, Orkut), em grupo para dividir a tarefa árdua. Depois, com a ajuda do professor, irão classificar quais perguntas se enquadram nas questões que interessam a filósofos (as mais difíceis e que tratam de perspectivas amplas), quais a cientistas, religiosos e pessoas comuns, seus valores pessoais e tradições culturais.

� Outro exercício pode ser o de distinguir que frase pertence à ciência, à filosofia, à religião, aos mitos, ao folclore, à arte e ao senso comum, conhecimento comum à maioria das pessoas:

(1) No princípio era o caos,o vazio, o vasto abismo, onde nada podia existir. Dessa oca imensidão surgiram a noite negra e a morte. Da muda união deles nasceu o amor.

(2) Há possibilidades de sermos livres: não há causas no mundo, é só uma idéia ilusória de nossa mente e temos algo divino dentro de nós que é a causa de si mesmo e, assim, isto provaria, também, que somos imortais.

(3) os primeiros transplantes de coração foram feitos em animais como bezerros e carneiros, para que não fosse preciso pôr a vida humana em risco, se o corpo rejeitasse o órgão doado.

(4) “quem desdenha quer comprar” (5) “quem ri por último rimelhor” (6) O todo sem aparte não é o todo, a parte sem o todo não é parte; mas se a

parte faz o todo, sendo parte,não se diga que é parte, sendo o todo... (Gregório de Matos, séc. 17).

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� Poderemos, também, apresentar aos alunos fotografias de uma paisagem

em seus 360 graus, para que façam perguntas sobre elas e, assim, observar a capacidade de percepção ampla ou limitada de cada aluno; tenho para mim que a capacidade de filosofar requer um tipo de percepção ampla, mas, também, detalhada, nesta ordem.

Com uso de imagens, especialmente aquelas que dão um panorama de 380O

pediremos aos alunos que anotem aspectos observados nas imagens que mais chamam as suas atenções. O objetivo disto é mostrar que de um modo diferente, cada pessoa tem uma atenção, também, diferente. Observaremos, ainda, quais delas têm uma percepção que se prende a detalhes e quais têm percepção que é atenta à totalidade da fotografia. Mostrar-lhes que a filosofia se prende ao todo da experiência e não a uma parte.

Não estou dizendo que alguns alunos têm um tipo de percepção (ou acuidade) e outros, têm outra. Nós, humanos, temos ambas, ou melhor, elas são extremos de uma linha contínua de possíveis graus de percepção. Ocorre que acreditamos (teoria nossa) que pessoas com grau muito atento a detalhes (objetos singulares, que vêem uma parte de um fotografia ou de uma experiência real) tenderão a agir com pouca informação, destacadamente, de acordo com seus desejos mais imediatos, enquanto as pessoas que têm atenção voltada para toda a imagem, tenderão a serem mais reflexivas. E se a tarefa da escola é estimular a reflexão, pois, assim, as pessoas serão mais racionais e menos passionais, então exercícios como este são sempre bem-vindos.

Mas, dirão, e os psicopatas, que calculam seus crimes, observam todo o cenário, antes de agirem? Primeiro, o planejamento que eles fazem não é tão amplo, pois restringem-se a encontrar uma vítima para satisfazer sua atenção por detalhes, como fazer o outro sentir dor (em geral, eles não gostam de sentir dor, aliás, quem gosta?) e, portanto, a curiosidade deles é sobre detalhes, pormenores, extrair tecidos, órgãos da vítima (sabemos disso pelos filme de Hollywood e, aqueles, por relatos que foram transformados em livros e roteiros, é bom deixar bem claro!).

A seguir apresentamos duas fotografias panorâmicas para serem utilizadas em aula (Lower Manhattan from Staten Island Ferry Jan 2006.jpg, Wikipédia) e (http://www.en-foto.com, com os trabalhos do fotógrafo Éderson Nunes), com imagens de Nova Iorque e do lago Guaíba, em Porto Alegre.

Dentre as observações que os alunos poderão fazer listamos algumas, conforme a percepção deles:

Percepção estreita Percepção ampla - observar diferenças nas alturas - o que há atrás dos prédios?

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dos prédios - identificar o rio - perguntar que cidade é esta? - identificar o céu, que está dia - ela está em uma ilha? - parece haver um porto ali - em que país ela se localiza? - não enxergo pessoas, onde estão?

- há uma ponte: ela leva para que lugar?

- Há shopping Center ali? - por que a foto foi tirada desta distância?

A segunda fotografia é da margem do lago Guaíba em Porto Alegre, minha

cidade natal. O que se pode esperar dos alunos? Que perguntem o que há na outra margem, mesmo que não conheçam a cidade? Onde vai dar este lago? , dentre as perguntas que revelam uma percepção ampla. Já perguntas como “o que há dentro do prédio?” ou “o que as pessoas estarão conversando?” revela uma percepção estreita.

� Teste : Exercício: perguntar aos alunos: �

(a) quem vê o Jornal Nacional? (b) que ou quais programas científicos eles assistem na tevê? Pedir que registrem as

informações obtidas nestes programas�

Aula 6: Mitos (Youtube2 ou retroprojetor).

Apresentar alguns vídeos tirados do YOUTUBE (muito visto pelos alunos) com imagens relacionados à Mitologia e à Filosofia Grega antiga.

Em vez de vídeos podemos apresentar imagens extraídas da internet sobre o surgimento da filosofia na Grécia, os pensadores chineses, os pré-socráticos até os dias de hoje,gravadas em um CD para apresenta-las em um aparelho de DVD.

� Nietzsche, influenciado pelo romantismo, interpreta a cultura clássica grega como um

embate de impulsos contrários: o dionisíaco, ligado à exarcebação dos sentidos, à embriaguez

extática e mística e à supremacia amoral dos instintos, cuja figura é Dionísio, deus do vinho, da dança e da música, e o apolíneo, face ligada à perfeição, à medida das formas e das ações, à

palavra e ao pensamento humanos (logos), representada pelo deus Apolo. Segundo Nietzsche, a vitalidade da cultura e do homem grego, atestadas pelo surgimento da tragédia, deveu-se ao desenvolvimento de ambas as forças, e o adoecimento da mesma sobreveio ao

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advento do homem racional, cuja marca é a figura de Sócrates, que pôs fim à afirmação do homem trágico e desencaminhou a cultura ocidental, que acabou vítima do cristianismo durante séculos.

Aula 7: a coruja, símbolo da filosofia.

Domingo, 9 de Abril de 2006 Coruja e filosofia - o que fazem juntas? A coruja da filosofia é a Coruja de Minerva. Minerva é uma deusa romana. Seu

equivalente grego é Athena. A deusa Athena é filha predileta do deus dos deuses, Zeus, e da deusa Metis, cujo nome significa "conselheira", e que indica a posse de uma sabedoria prática. Athena não nasceu de parto normal. Zeus engoliu a esposa, Metis, para se safar do filho que, pensava ele, poderia destroná-lo, aliás como ele próprio fez com seu pai, Cronos. O nascimento de Athena se dá de um modo especial: após uma grande dor de cabeça, Zeus teve sua fronte aberta por um de seus filhos, e daí espirrou Athena, já forte e grande.

Athena seria a protetora natural de Athenas – uma vez que estava ligada à idéia de cuidado com as habilidades manuais, com as artes em geral, com a guerra enquanto capacidade de proteção e, enfim, com a sabedoria, ou seja, tudo que deveria comandar uma cidade. Todavia, foi desafiada por Poseidon, que também desejava ser o protetor da cidade de Atenas. Os deuses em reunião decretaram que ficaria com a cidade aquele que produzisse algo de mais útil aos mortais. Poseidon fez o cavalo, Athena fez a oliva. A vitória foi concedida a Athena. A disputa clássica na vida de Athena, no entanto, foi contra uma mortal – Arachne, talvez uma princesa, mas que aparece na mitologia como um tipo de doméstica. Arachne tecia muito bem, maravilhosamente, a ponto de dizerem que a própria deusa das habilidades, Athena, a havia ensinado. Mas Arachne negava tal fato e retrucava que poderia produzir uma rede muito superior a qualquer coisa que Athena fizesse. E assim desafiou a deusa. Athena transformou-se em uma velha e foi procurar Arachne, para aconselhá-la a não desafiar um deus. Mas Arachne ficou furiosa, e manteve seu desafio. E então veio o confronto. Ambas teceram rapidamente, mostrando uma habilidade incrível, e a própria disputa se fez de modo tão fantástico que parecia uma homenagem ao trabalho. No produto de Athena, as figuras tecidas mostravam os deuses, imponentes, mas desgostosos com a presunção dos mortais. No produto de Arachne, as figuras exemplificavam erros dos deuses – tudo em forma de deboche. O resultado foi que Athena não suportou o insulto, e se insurgiu contra Arachne. Quando foi para colocar fim na vida de Arachne sentiu piedade (piedade grega, não cristã, é claro) e a poupou, deixando-a viver como um estranho animal – a aranha. O mito tem como objetivo mostrar a criação da aranha, é claro. Mas, como sempre, fornece mais leituras: mostra Athena como compreensiva aos erros humanos: um deus que não fosse Athena não se daria ao luxo de virar uma mortal para, sutilmente, persuadir um outro mortal de não insultá-lo. Assim, com tal

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característica, Athena era de fato a condutora da cidade de Athenas, que recebeu tal nome por causa dela. Inspirados em Athena, os cidadãos gregos daquela cidade aprenderiam a se comportar diante das leis urbanas, deveriam tomar as melhores decisões, evitar conflitos e se proteger, ordenadamente – inclusive através da guerra – contra inimigos externos.

A imagem de Athena povoou as mentes de alguns filósofos. Platão, ao falar de Athena, a tomou como protetora dos artesãos, ressaltando o caráter da deusa enquanto não somente uma guerreira e conselheira, mas efetivamente como aquela que, desde o momento que deu a oliveira aos mortais, estava preocupada em honrar a sabedoria prática, a habilidade de usar as mãos em articulação com o cérebro. Talvez Marx, ao falar que o pior engenheiro é ainda melhor que a melhor das aranhas, estivesse pensando, de fato, em Arachne. Mas certamente é com Hegel que Athena se imortalizou para nós modernos, finalmente, na sua ligação com a filosofia. É claro que predominou seu nome romano, Minerva. E mais que a própria deusa, a coruja ficou no centro da história. A frase de Hegel, que diz que a Coruja de Minerva levanta vôo somente ao entardecer, alude ao papel da filosofia. Ou seja, a filosofia só pode dizer algo sobre o mundo, através da linguagem da razão, após os acontecimentos que haviam de acontecer realmente acontecerem. Antes que "prever para prover", que é um lema de Comte e, portanto, do espírito cientificista, Hegel preferia dar crédito a uma postura filosófica que se via distinta da postura da ciência: a voz da razão explica – racionaliza – a história. Ou seja, depois da história, ela mostra que esta não foi em vão. Quando dizemos, com William James, que cada filosofia é o temperamento do filósofo que a criou, podemos então caminhar mais um pouco e dizer que Marx e Hegel aparecem como os que melhor encarnaram a própria psicologia de Athena para tecerem suas filosofias. Marx e Hegel, cada um com sua própria psicologia, seus temperamentos, captaram o espírito de Athena para fazerem disso espelhos para suas filosofias. Pois, afinal, Athena detinha com suas duas facetas o espírito de suas filosofias: de um lado, Athena era a protetora de uma democracia de artesãos, de outro, a racionalizadora das decisões urbanas. Portanto, Marx e Hegel, em essência! Mas sabemos que, de fato, o símbolo da filosofia ficou sendo a coruja, não Athena. Poderia ser outro animal, e não a coruja, o mascote de Athena? E como mascote da filosofia, o que indica?

A coruja não é bela. Platão era tido como belo, mas Sócrates era horrível. A coruja não é adepta de uma visão unidirecional, ela gira a cabeça quase que completamente, vendo todos os lados. Platão era adepto de uma visão unificadora, mas Sócrates era quase um perspectivista. Platão ensinava em uma escola que, muitas vezes, foi oficial. Mas Sócrates ensinava nas ruas. Foi acusado e condenado por seduzir os jovens, por roubá-los da Cidade, da Pólis. A coruja, por sua vez, é a ave de rapina par excellence, e apanha os descuidados – na noite. Os leva da cidade, para seu ninho. E então, dá para entender, agora, o que é que coruja e filosofia fazem juntas? Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo

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Aula 8: construção de uma linha do tempo. Refletiremos sobre os principais acontecimentos ocorridos na história humana,

as datas mais lembradas e incluiremos as datas de nossos nascimentos, também. Com isso podemos mostrar (o que Karl Popper mostrou antes de nós) que a história não é a história de uns poucos, mas de todos nós.

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Se sobrar tempo (olha ele aí, de novo, o que quer que seja, um Deus Cronos ou uma força

externa ao universo – alguém já saiu para fora do universo para comprovar esta tese? ou, então, uma força interna, em nossa mente?), podemos propor que os alunos pensem em uma nova forma de calendário à semelhança de Augusto Comte que estabeleceu o ano 1 a partir da revolução francesa. Que evento importante tomaríamos côo ano 1 de um novo calendário a ser utilizado por toda a humanidade?

Aula 9 - 12: exercício de causalidade com jornais, revistas, etc.

Vejamos: para investigar o todo, como fazemos? Sugerimos a continuação da tarefa dada na aula anterior: a busca de causas. O professor trará ou os próprios alunos trarão jornais e revistas e escolherão uma notícia. Depois, identificarão uma série de causas que produziram estes acontecimentos.

O professor chamará atenção dos alunos para o fato de a filosofia geralmente trata das causas mais “longínquas”, distantes ou como se tornaram conhecidas, as “causas primeiras”. A religião também trata delas e as ciências permanecem nas causas mais recentes ou imediatas. Esta questão pode ser problematizada (questionada) aos alunos e não dada facilmente pelo professor.

Estes exercícios repetidos de buscar causas e efeitos são úteis para que os alunos tornem

hábito perguntar pelos motivos e pelas conseqüências de cada decisão que algum ser humano tomou em algum momento antes. Se conseguirmos que eles se habituem a perguntar antes de agir, identificar possíveis explicações e possíveis efeitos em cada ação humana

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(individual e coletiva, de nossa parte e da parte dos outros), isto, em nossa opinião, basta para reconhecer que eles aprenderam a filosofar. Lembramos de alunos que no corredor da escola, me paravam e perguntavam qualquer coisa e tão logo eu respondia, perguntavam novamente e diante de outra resposta continuavam perguntando sobre o por quê desta última resposta; é divertido, pois nos força a buscar uma causa ainda mais antiga em uma série sem fim de causas, exceto se recorremos a um primeiro ser ou a um universo eterno...

Podemos fazer uso (no final destas 4 aulas) de revistas de FILOSOFIA

buscando causas para nossas crenças, sobre o tempo, a maldade, o trabalho, os sistemas econômicos, etc.

Neste exercício se tratará implícita e tacitamente, também, da questão ética (além da Metafísica, ou seja, a busca por um primeiro ser, bem como, a busca por um fim ou sentido da nossa existência e, ainda, da Epistemologia, ou seja, da investigação científica e filosófica que visa explicar o mundo e solucionar os problemas práticos de nossa existência), pois fazer o bem envolve identificar os motivos certos e justos para uma ação, bem como, antever os efeitos de nossos atos, a curto, médio e longo prazo.

Convém explicar com detalhe o que o professor deseja. Que tomem um fato e a partir da

notícia relatada identificar as causas que produziram aquele fato e, ainda, os efeitos que o fato produzirá no futuro, sendo este fato, também, uma causa dos acontecimentos seguintes. Uma das perguntas éticas consiste em tentar responder: é possível prever os resultados futuros de nossos atos presentes? Como podemos minimizar os erros? Talvez aqui valha David Hume (com seu método indutivo: na maior parte das vezes causas semelhantes conduziram a efeitos semelhantes) e Descartes (com sua Moral provisória, isto é, seguir o que a maioria faz).

Assim, uma definição de filosofia: busca das causas primeiras. De onde viemos? De nossos pais. E nossos pais? Dos pais deles e assim passamos pelos bisavos, tataravôs, etc, até Adão e Eva e a criação do mundo ou a um ancestral comum com os macacos e, antes, aos pequenos mamíferos quadrúpedes que se entoucavam para não serem comidos pelos dinossauros e, ainda antes, dos répteis, anfíbios, peixes e as primeiras formas de vida unicelular e, antes, a um sopa de elementos químicos catalisados pela atmosfera com gases de enxofre e metano mais a eletricidade dos relâmpagos? E o tempo, uma força externa ao universo ou um sentido dentro de nossa mente? E o livre-arbítrio, isento de causas externas ou efeito das experiências anteriores que vivemos?

Listemos as causas da indisciplina possíveis: (a) exaustão mental por excesso de informações, o que faz deles insensível aos pedidos do professor? falta de autoridade por parte do professor? desestruturação familiar e falta de afeto? falta de autoridade, primeiro, na família? desprazer no conteúdo dado em aula em comparação com as novas tecnologias (televisão, celular, internet)? má alimentação e poucas horas de sono?

É oportuno citar Aristóteles e a teoria das causas: conhecer uma coisa é conhecer a sua causa ou causa, pois ele identifica quatro tipos ou cinco (se acrescentarmos a causa acidental):

Aristóteles: as quatro causas. Conhecer uma coisa, diz Aristóteles, é conhecer a sua causa. Como descobrimos a causa

de algo? Primeiro, nos deparamos com algo que existe - entrarmos em contato acidental com esta coisa. Em segundo lugar, parte-se para definições - uma fórmula que nos apresenta a causa (essência) de uma coisa (obra: Tópicos: I,5). Depois, procuramos substituir os termos da definição

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por palavras que nos sejam familiares. Por exemplo: um homem é definido como “animal racional”. E isto porque o reconhecemos dentro do gênero animal e, ao identificar entre as espécies existentes no gênero, o classificamos dentro da espécie humana, que se caracteriza pela racionalidade.

Aristóteles enumera ao todo, quatro causas: (1) causa formal – também chamada de causa primeira, forma definida ou essencial, como vimos no parágrafo anterior (obra: Segundos analíticos: II, 10); (2) causa material – diz respeito à matéria da qual o objeto ou ser é feito. Para ele, a mulher era a responsável pela causa material do filho. A menstruação seria a matéria que não se tornou feto; (3) “causa eficiente” - uma fonte (ou potência) responsável por uma mudança. Os pais são a causa da existência de um filho, por exemplo (Metafísica: 14,2). Um outro exemplo, do próprio Aristóteles: “por que um bebê engatinha, em vez de caminhar? Por que a sua parte superior é mais longa e pesada que a parte de baixo” (Sobre o andar dos animais: parte 11); (4) a causa final - um fim determinado a que todas as coisas visam atingir. O ser humano, segundo o filósofo, tem por fim o uso da razão, do pensamento. Há, ainda, a causa acidental. refere-se àqueles aspectos que não pertencem à essência dos seres e das coisas, sendo que estes têm uma causa indeterminada, própria da variabilidade (quantitativa e qualitativa) da matéria, como ao plantar uma árvore, encontrar um tesouro, alguém que vai ao mercado fazer compras e encontra uma pessoa que lhe deve dinheiro e que lhe paga o débito. (Extraído do livro: CURSO DE FILOSOFIA TEMÁTICA, de Antonio Matos)

� Além do uso de jornais, faremos o exercício com edições da revista Filosofia, a partir dos textos publicados. Este exercício poderá ser feito em dupla.

Duas notas importantes:

David Hume opõe-se à existência de causas gerais, apenas particulares. Não saberemos se o sol vai nascer amanhã, escreveu ele, exceto que há uma probabilidade disto ocorrer, baseada em nossas experiências passadas e no hábito que se desenvolveu em nós a partir de experiências repetidas e memorizadas, como em seu exemplo das bolas de bilhar, onde casualmente uma primeira bola está presente quando se inicia o movimento de outra, ambos movimentos distintos um do outro (livro: Tratado da natureza humana: p. 82). O máximo que podemos fazer é definir regras gerais com base nas experiências particulares, como, por exemplo, as causas originadas pela ação da "gravidade" – que, até hoje, não admitiu exceção. Em resumo: todos os nossos raciocínios sobre causa e efeito são derivados de nosso costume, uma crença que se origina “mais propriamente nos sentidos e não na parte intelectiva de nossa natureza” (Tratado: p. 75-6, 183).

George Moore escreveu que encontramo-nos, em toda ação, diante da dificuldade de saber se as conseqüências (efeitos) produzirão “o maior valor futuro”. Máximas como “não mentir” ou “não matar” também não podem ser garantidas como as melhores alternativas; pode ser que no futuro que seja melhor o extermínio de toda a nossa espécie, por exemplo, embora, hoje, seja um mal restringir a vontade de viver dos homens. Como fazer escolhas? Devemos seguir aquelas escolhas que foram feitas pela maior parte das pessoas, em vez de nos arriscarmos a nossos julgamentos isoladamente.

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Atividade extra-classe: visita ao Museu de Ciências:

Sugerimos a visita ao museu de ciências da Pontifícia Universidade Católica e que é uma

oportunidade para observarmos as relações de causa e efeito sob o ponto de vista da ciência. Instituto Estadual Dom Diogo de Souza Porto Alegre, ___de novembro de 2008. Prezado (a) pai, mãe ou responsável: Vimos por meio desta pedir a autorização de V.Sa. para levar o (a) aluno (a): ___________________________ _______________________________ ao Museu de Ciências da PUC (localizado na Av. Ipiranga, 6681, Porto Alegre ) no próximo dia 5 de dezembro (sexta-feira), durante o horário de aula (7h30 ao meio-dia). Para o deslocamento (ida e volta) faremos uso do transporte coletivo (linha T4, da Carris), cujo terminal fica na rua Dom Diogo de Souza (atrás da rua Adão Baino). Eu_____________________________ autorizo meu filho (a) a ir ao Museu da PUC,

________________ _________________ _________________ Pai, mãe ou Professor Vice-Diretora Responsável Antonio Jaques Eliane

Instituto Estadual Dom Diogo de Souza Prezado (a) Professor (a): ________________ No próximo dia 5 de dezembro durante o turno da manhã os alunos da turma 212 visitarão o

Museu de Ciências da PUC. Pedimos licença de V.Sa. para utilizarmo-nos do seu período de aula para a realização da

atividade extra-classe e aproveitamos a oportunidade para convidarmo-lo (a) para ir conosco. Obs.: O ingresso para o Museu é de R$8 e faremos uso da linha T4 para nosso transporte.

Aula 13-22: 1o trabalho: Filosofar através

das músicas preferidas. Este trabalho é importantíssimo para quebrar o gelo ou a distância que separa

as gerações (do professor e dos alunos), além de estimular a tolerância às preferências (musicais) dos outros. Em geral, o aluno vê o professor como alguém que diz-lhe coisas sem sentido ou que não está preocupado com suas opiniões ou algo semelhante ao que Locke pensou: “suas mentes são folhas de papel em branco”. Pode-se aprender muito das experiências dos estudantes, embora

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possamos contribuir para lhes mostrar que nossos pensamentos são geralmente superficiais sobre as coisas.

Um método para nos aprofundarmos mais naquilo que a vida nos mostra diariamente é fazer perguntas difíceis. Normalmente, as perguntas filosóficas encontram-se aí: quando uma música fala do tempo, perguntamos “o que é o tempo?”, por que às vezes ele passa rápido e outras, lento? Se uma música fala de amor, qual é a linha que separa o amor da paixão ? Dizemos que amamos alguém, mas a ponto de dar a própria vida pelo outro? Pode-se debater os significados da palavra “amor” e observar que ele muda muito. E mais: não é preciso estar antes apaixonado para depois amar? Alguém que ama não deve ser também apaixonado por quem ama? Pode-se usar analogias: o amor é um riacho e a paixão uma cachoeira? Mas, de onde sai esta água e por que sua quantidade varia? Etc. Mais do que respostas definitivas, a filosofia pode oferecer alternativas, respostas possíveis de serem aquelas que responderão às perguntas que formulamos.

Um outro conteúdo (oculto, como diria a escola da pedagogia Crítica) a ser lecionado é a da aceitação da diferença , isto é, ser capaz de ouvir estilos de música que não é do seu gosto, mas por respeito às outras pessoas e suas preferências. Uma atividade como esta ensina muito sobre tolerância, uma real tolerância, não aquela velha tolerância: ouço todos os estilos desde que prevaleça o meu!

Uma última sugestão: não permita que os alunos ouçam várias músicas, uma atrás da outra, senão eles não vão querer filosofar sobre elas. Cobre deles e de cada um por vez suas reflexões. Esta é a grande contribuição que os filósofos podem dar à humanidade. Não que as pessoas não saibam pensar (elas aprendem com a vida em sociedade), mas não pensam em profundidade e esta é a tarefa e o legado da filosofia.

Nas músicas ocorre algo parecido com o que ocorre na literatura: em geral, os compositores não filosofam sobre aquilo que dizem, mas apenas dizem de acordo com o senso comum. Há exceções: ouvimos a música “pais e filhos”, onde se diz que os filhos culpam seus pais por seus fracassos, dizem que seus pais não os entendem, mas, os filhos, é quem não entendem os pais, porque os pais são crianças, também (entendemos por “crianças”, seres que, também, são inexperientes no mundo, que estão aprendendo sobre o mundo e sabem apenas um pouco mais do que seus filhos). Surpreende-me esta explicação e não encontrei-a em nenhum filósofo e olha que li dezenas de obras.

Estátuas e cofres E paredes pintadas Ninguém sabe o que aconteceu Ela se jogou da janela do quinto andar Nada fácil de entender Dorme agora

É só o vento lá fora Quero colo Vou fugir de casa Posso dormir aqui Com vocês? Estou com medo tive um pesadelo Só vou voltar depois das três

Meu filho vai ter Nome de santo Quero o nome mais bonito (chorus) É preciso amar as pessoas

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Como se não houvesse amanhã Por que se você parar pra pensar Na verdade não há Me diz por que o céu é azul Explica a grande fúria do mundo São meus filhos que tomam conta de mim Eu moro com a minha mãe

Mas meu pai vem me visitar Eu moro na rua não tenho ninguém Eu moro em qualquer lugar Já morei em tanta casa que nem me lembro mais Eu moro com os meus pais (chorus) É preciso amar as pessoas Como se não houvesse amanhã

Por que se você parar pra pensar Na verdade não há Sou uma gota d'água Sou um grão de areia Você me diz que seus pais não lhe entendem Mas você não entende seus pais Você culpa seus pais por tudo Isso é absurdo São crianças como você O que você vai ser Quando você crescer?

Na música seguinte, pudemos perguntar aos alunos várias questões: 1) se a felicidade é

algo que escapa de nós e vai embora... para onde? 2) o pensamento faz a gente voar? CAETANO VELOSO - FELICIDADE Felicidade foi se embora E a saudade no meu peito ainda mora E é por isso que eu gosto lá de fora Porque sei que a falsidade não vigora A minha casa fica lá de traz do mundo Onde eu vou em um segundo quando começo a cantar O pensamento parece uma coisa à toa Mas como é que a gente voa quando começa a pensar Felicidade foi se embora

E a saudade no meu peito ainda mora E é por isso que eu gosto lá de fora Porque sei que a falsidade não vigora (mais rápido) A minha casa fica lá de traz do mundo Onde eu vou em um segundo quando começo a cantar O pensamento parece uma coisa à toa Mas como é que a gente voa quando começa a pensar Felicidade...

Outra música do mesmo cantor que, aliás, também é formado em Filosofia. Ela fala das

pessoas – “gente”. Fala da vida como um mistério, onde tudo está conectado (“estrelas estão no olhar”), que há um determinismo (“o amor, Eros, te elegeu para amar...”), de que há um sentido para a vida (“gente é para brilhar, não para morrer de fome” e “gente quer ser feliz”), que há uma força interna que nos guia, mas que podemos não segui-la (“não traia nunca essa força ... que mora em seu coração”) e, entre outras coisas, que somos parte de algo maior (“gente, espelho de estrelas, reflexo do esplendor”). Gente olha pro céu Gente quer saber o um Gente é o lugar

De se perguntar o um Das estrelas se perguntarem se tantas são

Cada, estrela se espanta à própria explosão Gente é muito bom

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Gente deve ser o bom Tem de se cuidar De se respeitar o bom Está certo dizer que estrelas estão no olhar De alguém que o amor te elegeu pra amar Marina, Bethânia, Dolores, Renata, Leilinha, Suzana, Dedé Gente viva, brilhando estrelas na noite Gente quer comer Gente que ser feliz Gente quer respirar ar pelo nariz Não, meu nego, não traia nunca essa força não Essa força que mora em seu coração Gente lavando roupa amassando pão Gente pobre arrancando a vida com a mão No coração da mata gente quer prosseguir Quer durar, quer crescer, gente quer luzir Rodrigo, Roberto, Caetano, Moreno, Francisco, Gilberto, João Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome Gente deste planeta do céu de anil

Gente, não entendo gente nada nos viu Gente espelho de estrelas, reflexo do esplendor Se as estrelas são tantas, só mesmo o amor Maurício, Lucila, Gildásio, Ivonete, Agripino, Gracinha, Zezé Gente espelho da vida, doce mistério Gente olha pro céu Gente quer saber o um Gente é o lugar De se perguntar o um Das estrelas se perguntarem se tantas são Cada, estrela se espanta à própria explosão Gente é muito bom Gente deve ser o bom Tem de se cuidar De se respeitar o bom Está certo dizer que estrelas estão no olhar De alguém que o amor te elegeu pra amar Marina, Bethânia, Dolores, Renata, Leilinha, Suzana, Dedé Gente viva, brilhando estrelas na noite Gente quer comer Gente que ser feliz

Gente quer respirar ar pelo nariz Não, meu nego, não traia nunca essa força não Essa força que mora em seu coração Gente lavando roupa amassando pão Gente pobre arrancando a vida com a mão No coração da mata gente quer prosseguir Quer durar, quer crescer, gente quer luzir Rodrigo, Roberto, Caetano, Moreno, Francisco, Gilberto, João Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome Gente deste planeta do céu de anil Gente, não entendo gente nada nos viu Gente espelho de estrelas, reflexo do esplendor Se as estrelas são tantas, só mesmo o amor Maurício, Lucila, Gildásio, Ivonete, Agripino, Gracinha, Zezé Gente espelho da vida, doce mistério

Uma última questão: decidimos punir os alunos que não levaram a sério esta tarefa e não

prestavam atenção aos colegas: fizemos uma avaliação e muitos vieram saber como filosofar com música, algo que já tínhamos repetido bastante nas aulas anteriores. Apresentei-lhes uma música conhecida: “Parabéns pra você, Nesta data querida, Muitas felicidades Muitos anos de vida!”. O surpreendente é que a maioria deles apenas explicou o que a música queria dizer e poucos filosofaram como lhes sugeri: elaborem perguntas difíceis de responder, geralmente estas são as perguntas filosóficas. Houve uns três alunos de uns trinta que se revelaram filósofos: eles se perguntaram por que as pessoas desejam felicidade a alguém, lhe está faltando ou será que já não a possuem? Por que dão “parabéns”, palavra que se usa depois que uma pessoa faz algo bem feito? Outro aluno criticou a data, pois ficar mais velho nos entristece e um outro, criticou a data relacionando-a a motivos comerciais. Expliquei-lhes na aula seguinte que a melodia (a música) é de uma música norte-americana “Good morning to all” (Bom dia pra você, Bom dia pra você, bom dia queridas crianças, bom dia para todos!), composta pelas professoras de uma escola infantil

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Patty e Mildred Hill, em 1893 (Estados Unidos) e depois registrada em nome de Preston Orem. Mas a letra, na versão brasileira, foi autoria de uma paulistana, Bertha Celeste Homem de Mello, que venceu um concurso em 1942, patrocinado pela Rádio Tupi (RJ), que queria uma letra que se adequasse ao original norte-americano de “happy birthday to you”. Fins comerciais? Pode-se pensar que uma festa de aniversário (A palavra aniversário vem do Latim “anniversariu” e parece, pela pesquisa que eu fiz, que significa “aquilo que volta todos os anos” ou “o dia em que se faz um ano, uma volta da Terra ao redor do Sol”) influencia as pessoas a irem a lojas comprar presentes, sim, mas os únicos que têm dinheiro em mente são os atuais proprietários da canção que dizem que têm direitos sobre a execução até 2030!

Encontrei uma aluna que tinha a mesma opinião que a minha (aliás foi ela quem disse primeiro) : ela questionou o uso de “parabéns”, até porque, na China, os filhos é que agradecem aos pais por ter lhe dado a vida. Além disso, uma data específica de aniversário pressupõe que naquele dia voltamos ao dia em que nascemos, mas, segundo, os astrônomos, a Terra e o sol ao redor do qual ela gira, e todo o universo estão em expansão e, então, não voltamos mais àquele dia. Uma aluna, aliás, matou a charada dizendo que é uma data simbólica - que símbolo fortíssimo! Está bem reconheço que a data é simbólica, mas por que um dia para nos sentirmos felizes?

Lembrei mais tarde que os “Testemunhas de Jeová” não comemoram aniversários (além de Natal, Páscoa e Carnaval) : seu motivo é que são “formas sutis de idolatria, adoração”. De nossa parte, podemos dizer: que é idolatria à ignorância, pois por que a cada ano devemos ficar felizes, em uma data específica, que sequer é o mesmo dia em que nascemos? Mais: é, também, uma idolatria ao “eu”, porque tampouco somos os mesmos a vida toda!

Em outras turmas apresentei, também, uma música infantil muito antiga paralelamente (nada é simultâneo!) com sua versão atualizada, ecológica:

Atirei o pau no gato, tô, tô mas o gato, tô, tô não morreu, reu, reu dona Chica, cá, cá assustou-se, se do berrô, do berrô que o gato deu MIAU!

Não atire o pau no ga-to,to porque isto-to,to não se faz, faz, faz O gatinho,nho É nosso amigo,go Não devemos maltratar os animais jamais!

Como filosofaram? Muitos perguntaram sobre as sete vidas dos gatos, outros, se o gato

mereceu ou não ser maltratado, outros, condenaram o ato e viram com bons olhos a nova versão. De minha parte, penso que eles poderiam ter perguntado se era um tigre, algumas vezes chamado de “gato” ou por que essas músicas antigas são violentas, etc.

Aula 23: Sócrates. Há, também, embora possa ser entediante (120 minutos!) aos alunos, um DVD, dirigido por

Roberto Rosselini sobre a parte final da vida de Sócrates, com destaque para a sua despedida. Quando assistimos pela primeira a este DVD, notamos que podemos exibi-lo aos alunos a partir da quinta cena, quando Sócrates é avisado de que há uma acusação contra ele no tribunal ateniense. Até esta cena decorrem cerca de 50 minutos, faltando, portanto, 70 minutos, mas que mostram Sócrates dialogando sobre o que é a beleza e o que é a impiedade, características fundamentais da arte praticada por Sócrates, incluindo sua condenação e despedida quando bebe cicuta e

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morre, sem temer a morte, pois ela ou é um sono sem sonhos, ou é um encontro com aqueles sábios e poetas célebres já falecidos.

Nesta aula podemos exercitar a leitura com um texto de uma página (não mais do que isto) onde se apresente resumidamente trechos da obra “Apologia de Sócrates”. É uma tarefa árdua, sim, distante da vida deles, sim, mas ler é o meio para adquirir vocabulário e não podemos abrir mão disso.

A seguir um resumo da defesa de Sócrates perante o tribunal de Atenas:

Apologia de Sócrates (escrita por Platão)

Primeira Parte - Sócrates apresenta sua defesa O que vós, cidadão atenienses, haveis sentido, com o manejo dos meus acusadores, não sei;

certo é que eu, devido a eles, quase me esquecia de mim mesmo, tão persuasivamente falavam. Contudo, não disseram, eu o afirmo, nada de verdadeiro. Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar. Essa me parece a sua maior imprudência, se, todavia, não denominam "hábil no falar" aquele que diz a verdade.

De onde nasceram tais calunias? Se não tivesses te ocupado em alguma coisa diversa das coisas que fazem os outros, na verdade não terias ganho tal fama e não teriam nascido acusações (...) Porque eu, cidadãos atenienses, se conquistei esse nome, foi por alguma sabedoria. Que sabedoria é essa? Aquela que é, talvez propriamente, a sabedoria humana. É, em realidade, arriscado ser sábio nela(...) Conheceis bem Xenofonte. Uma vez, indo a Delfos, ousou interrogar o oráculo a respeito disso e perguntou-lhe, pois, se havia alguém mais sábio que Sócrates. Ora, a pitonisa respondeu que não havia ninguém mais sábio (...) E fiquei por muito tempo em dúvida sobre o que pudesse dizer; depois de grande fadiga resolvi buscar a significação do seguinte modo: Fui a um daqueles detentores da sabedoria, com a intenção de refutar, por meio dele, sem dúvida, o oráculo, e, com tais provas, opor-lhe a minha resposta: Este é mais sábio que eu, enquanto tu dizias que eu sou o mais sábio. Examinando um dos políticos, este de quem eu experimentava essa impressão. - e falando com ele, afigurou-se-me que esse homem parecia sábio a muitos outros e principalmente a si mesmo, mas não era sábio. Procurei demonstrar-lhe que ele parecia sábio sem o ser. Daí me veio o ódio dele e de muitos dos presentes (...) Depois, fui aos poetas trágicos, convencido de que, entre esses, eu seria de fato apanhado como mais ignorante do que eles (...) Em poucas palavras direi que não faziam por sabedoria aquilo que faziam, mas por certa natural inclinação e intuição, assim como os adivinhos e em verdade, embora digam muitas e belas coisas, não sabem nada daquilo que dizem. ... Também fui aos artífices, porque estava persuadido de que, por assim dizer, nada sabiam, e, ao contrário, tenho que dizer que os achei instruídos em muitas e belas coisas. Em verdade, nisso me enganei: eles, de fato, sabiam aquilo que eu não sabia e eram muito mais sábios do que eu. Mas, cidadãos atenienses, parece-me que também os artífices tinham o mesmo defeito dos poetas: pelo fato de exercitar bem a própria arte, cada um pretendia ser sapientíssimo também nas outras coisas de maior importância, e esse erro obscurecia o seu saber. Assim, eu ia interrogando a mim mesmo, a respeito do que disse o oráculo, se devia mesmo permanecer como sou, nem sábio da sua sabedoria, nem ignorante da sua ignorância, ou ter ambas as coisas, como eles o têm.

Agora procurarei defender-me de Meleto... Diz a acusação - comete crime corrompendo os jovens e não considerando como deuses os deuses que a cidade considera, porém outras divindades novas. ... Meleto é quem comete crime, porque brinca com as coisas graves.

- E, agora, dize-me, por Zeus, Meleto: que é melhor: viver entre virtuosos cidadãos ou entre malvados? Responde, meu caro, não te pergunto uma coisa difícil. Não fazem os malvados alguma

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maldade aos que são seus vizinhos, e alguns benefícios os bons? - Certamente. - E haverá quem prefira receber malefícios a ser auxiliado por aqueles que estão com ele? Responde, porque também a lei manda responder. Há os que gostam de ser prejudicados. -Não, por certo... - Mas, ou não os corrompo, ou, se os corrompo, é involuntariamente, e em ambos os casos mentiste. E, se os corrompo involuntariamente, não há leis que mandem trazer aqui alguém, por tais fatos involuntários, mas há as que mandam conduzi-lo em particular, instruindo-o, advertindo-o. - Assim, pois, Meleto, por estes mesmos deuses, de que agora está falando, fala ainda mais claro, a mim e aos outros. Não consigo entender se dizes que eu ensino a creditar que existem certos deuses - e em verdade creio que existem deuses, e não sou de todo ateu, nem sou culpado de tal erro - mas não são os da cidade, porém outros, e disso exatamente me acusam, dizendo que eu creio em outros deuses. Ou dizes que eu mesmo não creio inteiramente nos deuses e que ensino isso aos outros? Eu digo isso, que não acreditas inteiramente nos deuses... Tu dizes, pois, que eu creio e ensino coisas demoníacas, sejam novas, sejam velhas; portanto, segundo o teu raciocínio, eu creio que há coisas demoníacas e o juraste na tua acusação. Ora, se creio que há coisas demoníacas, certo é absolutamente necessário que eu creia também na existência dos demônios. Não é assim? Assim é: estou certo de que o admites, porque não respondes. E não temo em apreço os demônios como deuses ou filho de deuses? Sim, ou não? - Sim, é certo. - Se, pois, creio na existência dos demônios, como dizes, se os demônios são uma espécie de deuses, isso seria propor que não acredito nos deuses, e depois, que, ao contrário, creio nos deuses, porque ao menos creio na existência dos demônios.

Mas nunca fui mestre de ninguém: se, pois, alguém mostrou desejoso da minha presença quando eu falava, e acudiam à minha procura jovens e velhos, [33 b] nunca me recusei a ninguém. Nunca, ao menos, falei de dinheiro; mas igualmente me presto a me interrogar os ricos e os pobres, quando alguém, respondendo, quer ouvir o que digo. e se algum deles se torna melhor, ou não se torna não posso ser responsável, pois que não prometi, nem dei, nesse sentido, nenhum ensinamento. E, se alguém afirmar que aprendeu ou ouviu de mim, em particular, qualquer coisa de diverso do que disse a todos os outros, sabei bem que não diz a verdade.

Segunda Parte - Sócrates é condenado e sugere sua s entença Eles pedem, pois, para mim, a pena de morte (dos 501 juízes, 280 a favor e 220 contra). Pois

bem, atenienses, que contraproposta vos farei eu? (...) Ora, é possível que alguém pergunte: - Sócrates, não poderias tu viver longe da pátria, calado e em paz? Eis justamente o que é mais difícil fazer aceitar a alguns dentre vós: se digo que seria desobedecer ao deus e que, por essa razão, eu não poderia ficar tranqüilo, não me acreditaríeis, supondo que tal afirmação é, de minha parte, uma fingida candura. Se, ao contrário, digo que o maior bem para um homem é justamente este, falar todos os dias sobre a virtude e os outros argumentos sobre os quais me ouvistes raciocinar, examinando a mim mesmo e aos outros, e, que uma vida sem esse exame não é digna de ser vivida.

Terceira Parte - Sócrates se despede do tribunal ... Estamos longe de pensar que a morte é um mal. Porque morrer é uma ou outra destas duas

coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para um outro. Se, de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte seria um maravilhoso presente (...) Se, ao contrário, a morte é como uma passagem deste para outro lugar, e, se é verdade o que se diz que lá se encontram todos os mortos, qual o bem que poderia existir, ó juízes, maior do que este? Que preço não serieis capazes de pagar, para conversar com Orfeu, Museu, Hesíodo e Homero?

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Aula 24: explicação do 2o trabalho de autoconhecimento.

Algo bastante característico da condição humana a ser testado nesta experiência diz respeito a termos desejos crescentes e quase sem fim. Dei o meu próprio exemplo aos alunos: eu consumia muito refrigerante, não conseguia fazer uma refeição sem eles, me dei conta de que havia me tornado um escravo daquela bebida, então, decidi ficar sem consumi-la e quando voltei ao velho hábito, tinha reduzido o consumo a 350ml por dia e não o quase 1 litro que eu consumia. Naquela época procurei substituir o refrigerante por sucos; era tanta a dependência que eu comprei latas de vários sucos diferentes, mas ainda sentia vontade do refrigerante. Mas, hoje, sei que posso diminuir a quantidade para um mínimo, vencendo a tendência natural de um desejo crescente. Mas, não precisa fazer como uma atriz de tevê que leva com ela chocolate, mas apenas o cheira! Mais tarde, redescobri por que é tão difícil abandonar refrigerantes: algo óbvio, o gás que dá um diferencial àquelas bebidas, sem ele elas não são nada. Aliás, os sucos naturais só vão se comparar ou superar às bebidas artificiais, quando se adicionar ao primeiro grupo: gás carbônico !

Outra questão importante a debater é a que se refere à experiência da fome: quem tem uma

família que garanta suas necessidades , incluindo a alimentação, nunca experimentou o que é sentir fome, pois está condicionado (sim, como os animais) a se alimentar em excesso. Ora, o que se aprenderá com a fome, perguntarão? A dar valor ao que tem e não comer e beber tão rápido e em grande quantidade a ponto de não mais sentir o que come e o que bebe. Desprezamos cada momento da vida e entendemos (equivocadamente) que viver é viver apressado, imerso no caos de estímulos. Recentemente cientistas chegaram à conclusão a partir da observação de dois grupos de camundongos que, para surpresa de todos, aqueles que comiam pouco, viviam mais que o outro grupo, que comiam muito; é como se o corpo, por falta de alimentos, precisasse trabalhar melhor, ainda que com menos “combustível”. Neste ponto o Budismo está correto, pois incita-nos a permanecermos no momento presente, em uma experiência onde o tempo passa devagar ou parece mesmo inexistir – não é esta experiência que eles chamam de encontrar o divino em nós? Não que concordemos cem por cento com eles, temos uma teoria que defende que estes momentos de paz ocorrem porque acessamos as memórias fetais. De qualquer modo, através desta mudança de percepção se alcança uma paz interna. Ainda que não exista um silêncio completo, o cérebro bombardeado por estímulos externos contínuos, não tem tempo para trabalhar e procurar as informações que pedimos a ele. Lembra o leitor aquelas vezes quando precisou lembrar de um nome de uma pessoa ou de um endereço e não conseguiu e só mais tarde, minutos, horas ou até dias depois é que a informação surgiu... como se viesse do nada? Não, veio do cérebro.

É oportuno lembrar René Descartes (“Paixões da alma ”), define a paixão como um movimento que vem do corpo e informa à alma o que ele precisa. Quando é forte demais, sugere que pensemos em outras coisas, do contrário, cabe à alma expressar sua vontade: seguir o corpo

ou não., até porque o autoconhecimento é incompleto se fica limitado ao conhecimento da personalidade e não do corpo.

Descartes listou seis paixões (emoções) primitivas (originais): - a admiração (uma súbita surpresa da alma diante de objetos que lhe parecem raros e

extraordinários), - o amor (uma emoção da alma que nos incita a nos unirmos voluntariamente a objetos que nos

parecem convenientes),

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- o ódio (uma emoção da alma que nos incita ao contrário, a nos separamos de objetos nocivos),

- o desejo (uma agitação da alma que nos dispõe a querer para o futuro coisas convenientes), - a alegria (uma agradável emoção da alma, em que ela experimenta de um bem que é seu) e - a tristeza (um abatimento diante de impressões vindas do cérebro de algo mal ou defeituoso). Descartes explica a origem dessas paixões a partir de movimentos dos órgãos do corpo. Por

exemplo: “aconteceu no começo de nossa vida que o sangue contido nas veias era um alimento bastante conveniente ... e que não havia necessidade de procurar (outro) alimento”. Isto incitou a alma à paixão da alegria e fez com que os orifícios do coração se abrissem mais do que de costume e fizessem com que os (impulsos nervosos) fluíssem com abundância ao cérebro.” Mais adiante: “como a alegria nos faz corar? ... porque abrindo as comportas do coração, faz com que o sangue corra mais depressa, inflando as partes do rosto”. Já como a tristeza nos faz empalidecer? “Ela estreita os orifícios do coração, faz com que o sangue corra mais lentamente, torne-se mais frio e espesso, ocupa menos espaço, se afasta das veias mais distantes, como as do rosto ”. Há, também, a explicação sobre a origem do riso: “o riso consiste em que o sangue que vem da cavidade direita do coração infla os pulmões súbita e repetidas vezes, o que faz com que o ar neles contido seja obrigado a sair com força pela respiração, formando uma voz incompreensível”.

Tarefa : procure identificar estas paixões (emoções) na segunda avaliação que o professor irá

propor a seguir. Procure, também, questionar se elas são realmente seis? O us e há outras emoções mais básicas?

Tive um professor com doutorado nos Estados Unidos que disse que se um aluno viesse

fazer o curso de filosofia para conhecer a si mesmo, ele teria feito a escolha errada, pois se alguém quiser se autoconhecer deve ir a um psicólogo ou psiquiatra. Esta é uma resposta tentadora: quem sabe um dia existam computadores que digam a nós o que nós somos! O que fazem os pepsicólogos, profissionais que têm um gás no início e depois nos damos conta de que não passam de água com açúcar, como os refrigerantes? Eles não mostram os métodos que usam, pois se o fizessem nos daríamos conta de que tais métodos já foram usados antes por ... filósofos! Claro que há a divisão da mente em três (id-ego-superego), mas esta é uma hipótese, não uma resposta definitiva. Aquele professor – como muitos outros – era erudito, mas não sábio.

� segunda grande avaliação: Para uma segunda grande avaliação o professor pode pedir um trabalho que requer grande esforço: abra mão de algo que você faz de ruim ou de excessivo por uma semana. É conveniente lembrá-los com alguma constância do prazo de entrega e apresentações aos demais colegas, sob a forma verbal e de um trabalho escrito. Devemos destacar a eles que a busca do autoconhecimento (tarefa fundamental para Sócrates) serve meio para o aperfeiçoamento pessoal, o controle das emoções violentas e o desenvolvimento da sabedoria. E é este o objetivo do presente trabalho.

Na primeira vez que realizamos este exercício a receptividade foi muito boa; os alunos

disseram (na primeira vez não pedimos nenhuma prova, como fotografias ou bilhetes escritos por familiares, o que teria sido mais interessante e à prova de mentiras!) que por mais difícil que tenha

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sido abrir mão por uma semana de doces ou orkut (site de relacionamentos), seus pais notaram (e até estranharam) sua persistência e logo que acabou o período, embora muitos sentissem vontade de voltar a fazer aquilo que tinham abandonado, apenas uma pequena parcela voltou a fazer na mesma intensidade que antes.

Não sei se foi bom o que fiz, mas chamei os “auto-indulgentes”, “intemperantes ”, de “almas fracas ”, que são dominados por seus desejos (segundo Platão, são as que visam apenas uma

partes da alma: a raiva ou os desejos da carne), uma análise, digamos, clássica da mente humana, filosófica e psicanalítica. Ocorre que nossa opinião é de que não somos livres para decidir, o que ocorre é que às vezes nos entediamos com nosso vícios, enquanto muitos mantém-se neles, prisioneiros da caverna da sua própria mente. Como foi o professor quem os estimulou, ele foi uma causa externa a suposta vontade do aluno e se no futuro eles lembrarem deste exercício será porque: (1) eles se entediaram com seu duradouro vício e (2) há neles um resquício (memória) de que aquela experiência realizada na disciplina de filosofia foi interessante e despertou uma sensação muito boa. Sem falar que outras pessoas poderão influenciá-los, por exemplo, incitando-os a uma nova dieta, criticando-os por um programa de tv que estejam assistindo, etc.

Uma sugestão aos “marinheiros de primeira viagem” ou abstinência (o que não é inteiramente verdade, pois muitas alunas fazem dietas, o que envolve o risco – grave - de anorexia e muitos alunos deixam de fazer o que gostam por censura dos pais) é mostra-lhes que deixar um

bilhete visível para você mesmo é um apoio útil na realização desta tarefa, como o exemplo que desenhamos aqui. O curioso disto é que estamos lembrando a nós mesmos o que nós decidimos deixar de fazer, mas que, em algum momento, podemos impulsivamente, voltar a fazer – o “eu” realmente existe ou somos apenas a soma de nossos desejos e nossas memórias?

Algo bastante característico da condição humana a ser testado nesta experiência diz respeito a termos desejos crescentes e quase sem fim. Dei o meu próprio exemplo aos alunos: eu consumia muito refrigerante, não conseguia fazer uma refeição sem eles, me dei conta de que havia me tornado um escravo daquela bebida, então, decidi ficar sem consumi-la e quando voltei ao velho hábito, tinha reduzido o consumo a 350ml por dia e não o quase 1 litro que eu consumia. Podemos falar aos alunos de um filme muito interessante: 40 dias e 40 noites, onde um jovem, decepcionado por ser traído pela namorada, resolve ficar 40 dias sem sexo, resistindo às “tentações” da carne, freqüentes nesta época da vida

Aula 25: Teoria sobre a mente: Freud. Vejamos, então, por onde começar. Sigmund Freud pensava que a mente estivesse dividida

em três, id – desejos primitivos (instintos ou pulsões, palavra preferida por Freud, postas em nós como? Herança genética? Posto por Deus, para evitar que nos autodestruamos?) de sono, sede, fome, sexo, segurança; superego - os valores sociais, regras morais, costumes, interiorizados em nossa memória (menino não chora, menina não brinca de carrinho, não pegar o que não é seu, etc) e o ego (nosso eu, nós mesmos, será que somos os mesmos?) ou o juiz que decide seguir o id ou o superego.

Dito isto, passemos para a tarefa: quem já não se sentiu espremido (angustiado) entre os desejos e os deveres? Pediremos, então, que citem cinco (5) exemplos pessoais em que o “ego” decidiu em favor do “superego”, cinco exemplos, em favor do “id” e outros cinco (5) em favor dos dois... Como? Aqui entra um exercício dialético, isto é, de tentar conciliar elementos que se opõem e parecem inconciliáveis.

Por que não propomos o estudo da divisão do cérebro feita pelos neurologistas e pedimos para os alunos compararem-na com as teorias de outros pensadores como Hume e Kant, por

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exemplo? É que é difícil falar sobre o que não vemos, especialmente para os adolescentes. Mas, pode-se citar as teses do funcionamento do pensamento, a partir da contigüidade dos fatos com a associação das idéias e lembranças, bem como, a divisão da mente em vontade, razão e entendimento de Kant quando estudarmos a tese do id,ego e superego de Freud. Ainda: pode-se pedir que os alunos diferenciem razão de irracionalidade. Podemos pedir que distingam irracionalidade dos instintos e que reflitam sobre tese de Kant de que os instintos são melhores guias que a razão.

Uma última questão: devemos oferecer aos alunos uma explicação do funcionamento mental

alternativa a de Freud, qual seja, a de que não há um conflito interno (uma luta de boxe),

mas uma “corrida” interna para que um desejo predomine, como uma corrida de cavalos, onde vencerá o mais veloz e com mais força muscular. Esta tese se assemelha aos primeiros escritos freudianos, nos quais ele disse que na mente parecia haver múltiplas consciências, “eus” tentando se exteriorizar e quando um deles conseguia, os outros ficavam incógnitos e não tinham consciência dele. René Descartes, no século XVI, defendeu, também, que não havia conflito entre as partes da alma, embora muitas vezes o corpo levava a alma a fazer aquilo que o corpo queria, tal a violência de um desejo. Descartes se contradiz? O corpo não puxa para um lado, enquanto a alma, para o outro? Uma possível solução é pensar que não há uma alma, como um soberano com uma vontade dentro de nós, um “eu” ou “ego”, mas, apenas, corpo com desejos que irrompem.

Podemos comparar a teoria de Freud a de outros pensadores e cientistas:

���� René Descartes: somos uma coisa que pensa. E desta certeza não podemos, segundo ele, ter qualquer dúvida, porque, para duvidar, precisamos... pensar! O homem é “um espírito que usa um corpo”, mas, não existe sem este último.

� Abraão Maslow: hierarquia das necessidades humanas

auto-realização ( moralidade, criatividade, aceitação dos fatos) estima (auto-estima, confiança, respeito dos outros e pelos outros)

amor (amizade, família, intimidade sexual) Segurança (corpo, saúde, propriedade, valores, emprego, família)

Fisiológicas (respirar, comer, beber, fazer sexo, excretar)

� Jean-Piaget e sua teoria do desenvolvimento mental e a contribuição da escola: a criança inicia sua inteligência pelo nível sensório-motor (até 2 anos), manipulando objetos, pré-operacional (2 a 6 anos), operatório concreto (7 a 11 anos), números, conservação de volume, e, a partir dos 12 anos, deduções lógicas podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos.

Aula 26: Estudo sobre Ilusão de ótica e

mensagens subliminares: exercício prático. Apresentação de figuras que vistas sob diferentes perspectivas apresentam outras imagens

além daquelas que imediatamente observamos. Podemos oferecer e pedir que relacionem esta

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aula no estudo sobre a mente humana. Nossa expectativa foi um pouco frustrada: muitos não gostaram das figuras geométricas e preferiram as imagens de rostos e figuras humanas. De qualquer modo, os alunos deram uma explicação interessante: se você mudar de lugar, enxergará como linhas retas, por exemplo, uma figura cujas linhas pareçam tortas. Outro aluno disse que nossos olhos não se movem e, então, lembramos para eles de uma experiência científica em que uma câmera filma os olhos de uma pessoa e observa que eles, na realidade, se mexem mais do que somos capazes de perceber. Ok, mas isso só responde a uma parte da pergunta e não por que o cérebro percebe uma perspectiva e não a outra ou outras? Eis alguns exemplos de ilusão de ótica (http://www.ophtasurf.com):

É interessante que o professor organize um arquivo com uma série de figuras que contenham

efeitos ópticos. Esta é uma aula que prende a atenção dos alunos, além de estimulá-los a buscar respostas por que nossa mente percebe na figura outros desenhos escondidos. Uma aula assim pode ser realizada em um outro lugar, onde exista um aparelho de DVD (que leia imagens “jpeg”), um antigo retroprojetor ou um “data-show”, se a escola tiver um.

Uma sugestão de um aluno foi a apresentação de imagens relacionadas às chamadas “mensagens subliminares”. Não sei se é o ideal, pois reafirma a ignorância sobre questões que, por medo, associamos a demônio e a outras fantasias. Porém, como devemos aprender a fazer do limão, limonada, podemos, também, questionar os alunos sobre dois pontos:

(a) nós, também, emitimos mensagens escondidas para as outras pessoas? Por exemplo: quando mentimos para elas? Ou, os dois sexos gesticulam involuntariamente uns para os outros, como quando as mulheres mexem os cabelos e mostram a nuca (sinais, para a ciência, de que têm interesse no sexo oposto)?

(b) o inconsciente. Tem ele um papel na assimilação destas mensagens? Lembramos de nossa educação: como meus pais se preocupavam muito com os filhos e faziam tudo por eles, crescemos perfeccionistas, como se não quiséssemos decepcioná-los agindo de uma maneira que poderia produzir um efeito errado.

Há um exercício prático que realizei em aula: pedi a uma aluna uma revista emprestada e dela

copiei um parágrafo, como algo assim: “...Já que citar nomes e eventos reais vai acabar gerando discussão, portanto vou basear toda minha lista em ‘arquétipos’ comuns, que podem facilmente ser encontradas no Twitter. Se você sentir ofendido, foi mal, mas a carapuça serviu”. Então, invertemos

letra por letra do fim para o início: “uivres açuparac a sam lam iof odidnefo ritnes ecove es rettiwt on sadartnocne res etnemlicaf medop que snumoc sopiteuqra me atsil ahnim adot raesab uov otnatrop oassucsid odnareg rabaca iav siaer sotneve e semon ratic que aj”. Não sei qual foi a reação deles, mas provavelmente, sentiram que (1) estes textos podem não dizer nada, a menos que nossa imaginação junte palavras e (2) como saber quando a que momento no tempo a mensagem se refere: ontem, um século atrás, daqui a vinte anos?

No texto da primeira vez em que fiz este tipo de exercício mostrava algumas palavras “são sepé” (uma cidade), “rop” (que uma aluna viu como o estilo de música “hip hop” e mais algo parecido com “omnius” (todos) e, ainda, “adil” que eu interpretei como “ardil”, enquanto uma aluna, lembrou o nome de um parente dela. Minha conclusão: pela mensagem supostamente ali contida

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haveria, em breve, uma festa em São Sepé, com músicas de Hip hop e todos cairiam numa armadilha!

Aula 27: a interpretação dos sonhos. Fizemos uma aula em que levamos aos alunos explicações tiradas de um site na internet,

mas, não sei se a turma era difícil ou se eles precisavam de um desafio, isto é, eles mesmos explicarem seus sonhos. Assim, mudaremos a metodologia da aula: pediremos que cada aluno pense ou conte um sonho e depois tente explica-lo a partir da teoria de Freud sobre a mente. Imaginemos um exemplo pessoal: se sonhei com um parente falecido, o que significa, que seu espírito quer se comunicar comigo? Para Freud, não. Que desejos podem estar envolvidos aí? E que valores sociais, também, podem ser deduzidos desta experiência? Vejamos: se o parente é de quem gostamos, então há saudade envolvida, o que é bom, pois não esquecemos daqueles que não estão mais conosco. Se ele ou ela está distante e não nos reconhece? Há um medo pessoal de que ele ou ela nos esqueça? Ou em vida não o ou a esquecemos? Aí, o desejo estaria misturado a uma censura (superego!). Não devemos censurar os alunos que sonharem sonhos relacionados à sexualidade, antes apenas corrigir o uso de palavras pornográficas por termos científicos.

Uma aula assim é melhor do que aquela que fizemos pela primeira vez na qual pedimos que os alunos relatassem seus sonhos e com base em informações de um site fornecemos a eles as interpretações prontas. Lemos que conhecer os sonhos é uma forma de se autoconhecer. Um pouco difícil, pois se podemos conhecer o que nos agrada e nos amedronta, fica mais difícil saber as causas por trás destas imagens. Temos uma teoria que explica o que são os sonhos : são o nosso próprio cérebro pensando, mas visto pelo lado de dentro, quando dormimos; a mesma coisa ocorre quando estamos acordados, mas só os pensamentos mais fortes predominam e se sucedem. Uma pista de que estamos certos? Os especialistas em neurologia descobriram que o lugar onde os sonhos surgem é o mesmo lugar da nossa atenção, da memória e das emoções!

Por fim, queremos citar um episódio do dr. “House” (na verdade, dois) muito interessante

onde ele sofre um acidente, mas não lembra o que aconteceu. Então, ele precisa dar a mente pistas, palavras, imagens para que estas remetam-no àquelas memórias esquecidas. Ele não sabe como apareceu em uma boate, ele está sem suas chaves e sua moto. O que aconteceu? Ele, então, pede que estimulem diretamente seu cérebro, com remédios ou eletrochoque, nas áreas da memória. Aparece-lhe a imagem de uma mulher com uma jóia no pescoço, um âmbar (seiva de árvores fossilizada, muitas com insetos dentro). Com muito esforço ele acaba lembrando que estava no ônibus que sofreu o acidente com uma namorada do seu colega de trabalho que tinha ido busca-lo em um bar, pois o barman havia confiscado suas chaves, pois ele tinha bebido muito. Esta moça se chamava Amber e ela estava com falência dos órgãos, pois ingeriu um remédio para o resfriado que, não poderia ser filtrada pelos rins (danificados no acidente) e permaneceu no corpo. O que foi feito para que “House” relembrasse de todos ou de quase todos os fatos? Acessou-se o inconsciente, ou melhor, as memórias daquele acidente que tinham sido bem guardadas no cérebro, por causa do choque do acidente.

Aula 28: Angústia, medo e ansiedade.

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Uma diferença interessante é a que lemos em um trabalho de Psicologia e Psicanálise: diz que medo é quando reagimos a algo desconhecido ou que sabemos que pode nos causar dor, ansiedade é quando imaginamos que algo ruim possa nos acontecer e angústia é quando sequer

sabemos a causa que está nos “apertando” não física, mas emocionalmente. Roer unha é um dos sinais de angústia ou de ansiedade?

Filósofos do século XX também deram suas contribuições: para Jean-Paul Sartre a angústia era a prova de que somos livres, pois é quando estamos angustiados que deparamos

com a possibilidade de fazer uma escolha em detrimento de outras; já Heidegger, a angústia é o momento em que o ser percebe que suas aspirações não se realizaram, um momento ou momentos em que nos damos conta de que somos aquilo que os outros desejaram que fôssemos, de um lado o desejo de ser e de outro, o medo de não-ser .

Podemos pedir que cada aluno apresente uma experiência distinta para cada tipo de sentimento. Ainda: lembremos aos alunos que falar sobre o que nos entristece é um método muito útil para diminuir nossos medos, angústias e ansiedades; o método psicanalítico de Freud foi definido por uma paciente como “limpeza de chaminé”, sendo a chaminé nosso corpo e mente! Há outros métodos que não usam conversação como, por exemplo, jogos virtuais que recriam o ambiente de guerra vivido por um soldado, de um modo que ele relembre aos poucos as experiências dolorosas que ele viveu.

A revista Superinteressante de outubro de 2008, assim como, outras revistas divulgou uma reportagem sobre ansiedade, preocupação de nossa sociedade.

Há um texto muito bom sobre o consumismo, onde uma criança pede para o seu pai dinheiro para ir ao shopping comprar alguma coisa e o seu pai pergunta que objeto ele quer comprar e ele responde que não sabe, mas sabe que quer comprar algo. Isto prova o desejo de gastar que muitas vezes não está acompanhado do desejo por um objeto específico (www.mundojovem.com.br: junho de 2007). Em outro texto (jornal Zerohora, 29 de junho de 2008, a jornalista Martha Medeiros escreveu uma crônica (“Compro, logo existo”), relata que mesmo sendo uma consumidora moderada, certa vez e deparou em Buenos Aires com artigos que encontraria em sua cidade, Porto Alegre. Diz ela: “teve um momento em que me vi dentro de uma loja revirando cabides e me deu um estalo: o que estou fazendo aqui? Que ânsia é esta de aproveitar os preços? tenho que aproveitar a cidade, meu tempo livre, minha companhia...”. ela, mais adiante observa que há uma paixão por artigos e outra por comprar, não importando o quê. Vinte e cinco séculos antes, Sócrates já disse “quanta coisa de que não preciso”, ao caminhar em uma feira de artigos de luxo, na praça pública de Atenas.

Mas, uma questão relevante é saber o que é necessário e o que é supérfluo? Há uma charge do Jornal Pioneiro de 29/10/2008 onde se vê uma criança diante da tevê ouvindo mais uma notícia sobre crise econômica e ela diz algo assim: “xi! Acabou minhas bolachas recheadas”.

Quando falarmos de Freud, não podemos deixar de falar em sexualidade, até porque há muita ansiedade na vida sexual, mas, há, também, a sua discutível (e motivo de reflexão) tese sobre a origem da hetero e da homossexualidade, que repousaria na aceitação ou rejeição do pênis, tanto pelo homem quanto pela mulher (se uma mulher não aceita se submeter ao pênis, ela se tornaria lésbica), bem como, o complexo de Édipo, quando o menino e a menina vê

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no seu pai e na sua mãe o seu primeiro namorado ou namorada (já vi maridos chamando sua esposa de “mãe” e elas, chamando-os de “pai”).

Aula 29: quais causas determinaram

minha personalidade?

Listar as qualidades e os defeitos de cada pessoa. O que é a essência de alguém? Se o corpo muda a personalidade ou a alma permaneceria a mesma? Nosso comportamento não muda, é o mesmo ao longo da vida? Quais foram as causas que fizeram você ser o que é: você sozinho? Sua família, amigos, os momentos tristes e felizes?

Citar Heráclito (Não entramos duas vezes no mesmo rio, pois não é o mesmo rio e nós já não somos os mesmos), a ciência (a cada 6 anos nossas células são substituídas totalmente) e David Hume (o “eu” é uma ilusão, um prédio destruído pode ser reconstruído à semelhança do anterior e, por isso, nos parecerá o mesmo prédio se não soubermos que foi destruído ou um barco repintado parecerá o barco original...).

Certa vez, uma aluna me surpreendeu, pois apesar – disse ela – do corpo mudar, nossa personalidade permanece a mesma. Eu retruquei – ainda grogue pela positiva “pancada”, surpreso pela rara demonstração de vida inteligência, perguntando se nossa personalidade, também, não mudava? Depois, li uma revista (Superinteressante, edição 248) onde psicólogos diziam que a

personalidade, também, muda; não só ao longo da vida, mas, quando nos relacionamos com pessoas diferentes: somos irmão, pai, filho, vizinho, estranho, aparentamos agressividade, para uns, amabilidade, para outros, e variamos de comportamento mesmo com a mesma pessoa. Podemos testar esta teoria: perguntando a eles se o que são hoje difere do que foram anos atrás e se tratar as pessoas diferentemente (por exemplo, um parente e um estranho) significa mudar de personalidade?

Uma outra questão a ser perguntada, tem a ver com os estudos de Freud: ele lembra de uma paciente cuja irmã veio a falecer e ela mesma se surpreendeu quando lhe surgiu um pensamento: “agora, seu cunhado estava livre” (solteiro). Há uma parte de nós que pensa coisas

que não diríamos em voz alta? O inconsciente, o que é? Um animal enjaulado, como diria Nietzsche? Uma parte de nós, escondida?

De um modo mais próximo dos alunos propomos a seguinte tarefa:

Se você fosse um (uma) ....... você seria? Música: Árvore: Cor: País estrangeiro: Número: Carro: Filme: Comida:

Peça a um amigo de turma que responda as questões anteriores e depois compare-as: Música: Árvore: Cor: País estrangeiro: Número: Carro: Filme: Comida:

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Sentimento: Sentimento: Outro exercício, semelhante ao anterior:

Que carro você seria? (Quem é você?) Uma super máquina ou

aquele carrão caindo aos pedaços? Faça o teste e descubra! É só somar a quantidade separada de letras A, B e C e conferir o resultado no final.

1. Quando você dorme: A) Na hora que deita, desliga do mundo e só acorda no dia seguinte. B) Demora até se ajeitar na cama, mas depois embala. C) Vira, chuta, fala, ronca, é uma coisa louca a sua noite de sono. 2. Ao andar pela calçada: A) Não gosta de ninguém pela frente, vai cortando todo mundo. B) Segue seu caminho, sem se importar com muita coisa. C) É daquele que sempre está contra o fluxo e tropeça nas coisas. 3. Na hora de xavecar alguém: A) Você mira e vai, confiante. B) Gagueja um pouco, mas depois chega junto. C) Não tem conversa, já chega no já é ou já era? 4. O resultado dos seus últimos exames médicos: A) Disse que você tem uma saúde de ferro. B) Afirmou que aquela grave doença era só uma alergia. C) Não foi dos mais animadores... 5. Na hora de se arrumar você: A) Entra em seu closet mega organizado. B) Puxa qualquer calça e camiseta do armário. C) Tem certeza de que já nasceu pronto. 6. Como está o seu corpo? A) Saudável, sarado, tudo em cima.

B) Aquela coisa toda, nem lá, nem cá. C) Redondo, largado, uma lástima. 7. Sua característica mais marcante é: A) Uma? Mas são tantas... B) A timidez, sem dúvida. C) A truculência. 8. Qual a sua música favorita? A) Born to be Wild, do Steppenwolf. B) Fuscão Preto, de e Artilio Versuti e Jeca Mineiro. C) Qualquer uma da trilha sonora de Carga Pesada. 9. Suas roupas são: A) Importadas, impecáveis, caríssimas. B) Dessas lojas de departamentos, todas meio marrom. C) Herança de algum parente que emagreceu. 10. Em uma briga você: A) Tenta sempre cair fora sem escândalo. B) Tenta contornar a situação e acalmar tudo na conversa. C) Desce o braço em quem tiver pela frente. Você seria: Mais respostas A: Um Porsche, aquele carro com uma potência incrível, design inovador, o sonho de consumo de todo mundo e alvo dos olhares quando passa. Mas precisa ter dinheiro para conseguir pôr as mãos em um desses, né? Mais respostas B: Um Fusca, que nem bem é antigo, nem bem é velho, nem é novo, nem é bom, nem é ruim...Todo mundo já teve um e nutre aquele carinho, boas lembranças. E o visual retrô, vamos combinar, é um charme! Mais respostas C: Um caminhão, todo truculento, que não liga para quem está do lado e se bobearem passa por cima, sem dó

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nem piedade. O que interessa é chegar logo e entregar a carga, sem simpatia, sem conversa. Mas, o melhor exercício na minha opinião é pedir que o aluno liste suas qualidades e

defeitos e procure relembrar (aqui se assemelha à tese de Platão da reminiscência) quando

adquiriu tais características. Isto é importante por duas razões: (1) perceber que não somos um ser imutável, mas constantemente mutável e (2) tentarmos (o que envolve esforço e riscos) mudar aquilo que está atrapalhando nosso aperfeiçoamento pessoal. Aliás, sobre a questão (1), certa vez, um aluno me surpreendeu: ele perguntou de que adiantava saber as causas que faziam ou fizeram nós termos esta personalidade, as qualidades e defeitos que temos? Minha

resposta: saber as causas pode fazer com que possamos alterar o comportamento quando ele for ruim para nós e/ou para os outros. Ele continuou cético. Na aula seguinte, falei

sobre os médicos que buscam a cura de uma doença: como eles fazem isso, senão através da descoberta da causa ou das causas que produziram a doença? Outra justificativa:

quantos casamentos acabam em divórcio porque um dos cônjuges descobre que a outra pessoa não é o que ele ou ela gostaria que fosse? Poderíamos evitar isto se refletíssemos antes de escolher uma pessoa para viver com ele ou ela por muitos anos e terem filhos juntos? Ou como disse Russell, quando a névoa através da qual o apaixonado vê o outro baixar...

Vimos na internet a terapia do espelho: isto nos faz perguntar: a psicologia substitui a filosofia? É como perguntar: a lipoaspiração substitui alguém que faz sua própria dieta? Os conselhos médicos substituem as regras passadas de pai para filho, de avó para neto? Mas,

podemos refletir sobre o espelho: ele revela o que somos? Certa vez vi a imagem do cachorro refletida no espelho e seu corpo me pareceu mais comprido. O espelho é um olhar mais objetivo? Talvez.

Terapia do espelho exercita o autoconhecimento e não custa nada O método só exige um

espelho, uma cadeira e vontade de transformação O desafio tem exatamente o seu tamanho e, para vencê-lo, só tem um jeito: encarar de frente. Esta é a proposta de um modelo simples e gratuito! de terapia: o hábito diário de se olhar no espelho. Mas a gente não está falando daquela ajeitadinha rápida no cabelo ou do retoque rápido no batom enquanto o trânsito não anda. A idéia é sentar-se confortavelmente e passar um tempo a sós com você mesmo, analisando as suas qualidades e refletindo sobre tudo aquilo quevocê gostaria de transformar , afirma a psicóloga Adriana Araújo, especializada em hipnose e colunista do MinhaVida. A seguir, ela ensina como usar o método a favor do auto-conhecimento e mostra tudo o que você ganha em cultivar a prática do questionamento constante.

Pergunte: nem que você queira, é impossível harmonizar todos os aspectos de uma vez. Divida sua vida em alguns aspectos. A psicóloga sugere pensar em assuntos profissionais; temas familiares; relacionamentos; lazer e saúde. Reflita sobre o que você deseja em cada um desses campos e pergunte-se: o que posso fazer para realizar meus sonhos? Estou no caminho certo para chegar lá? Só de formular essas dúvidas, você já consegue perceber o quanto está ou não alinhada aos próprios objetivos. Muitas vezes, o dia-a-dia vai consumindo nosso tempo e, quando notamos, estamos seguindo uma trilha que não tem nada a ver com nossas aspirações .

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Olhe nos olhos: o espelho não está na sua frente à toa. Encontre um lugar calmo e, de preferência, com privacidade. Use o silêncio para entrar em contato com suas fraquezas e potencialidades, analisando o quanto elas andam se perdendo nas obrigações cotidianas.

Aceite-se como um todo: no começo, é normal focar sua atenção naquela espinha atrevida, no cabelo que está desbotando ou na barriguinha saliente. Mas, com tempo, condicione o pensamento e aprenda a olhar o todo, e não as partes e os defeitos. Depois de assumir que aquela imagem completa representa você, sua auto-estima vai decolar. Isso porque fica mais fácil perceber que os problemas são apenas pequenos grãos, perdidos em tantas outras qualidades.Vá além da aparência: cuidado com a autocrítica exagerada. Insatisfações emocionais e estéticas acompanham a gente durante toda a vida. Não é o caso de se conformar com elas, mas sim de fazer as pazes consigo e erguer a cabeça, consciente de que está se esforçando paa mudar tudo aquilo que incomoda.

Equilibre os sentimentos: chore se sentir vontade. E caia na gargalhada em seguida, caso isso seja mais forte do que você. Não tenha vergonha de si mesmo e nem das suas emoções. Aproveite para perceber por que elas surgem, o que significam e dê vazão. O espelho está ali, imóvel e à sua disposição, lembrando que tudo aquilo faz parte de uma pessoa: você. Entender é o primeiro passo para modificar.

Vasculhe a alma: trabalhe um olhar reflexivo de si mesmo, começando no espelho e tentando expandi-lo para todos os momentos da sua vida. Pense nos seus desejos, nas suas vontades e relacione tudo isso com as suas atitudes. O quanto os seus hábitos traduzem os seus pensamentos, de fato? Se alguém listasse as suas últimas decisões, você conseguiria se reconhecer nelas?

Sintonia: fazer boas perguntas diante do espelho é essencial, porque são elas que vão encaminhar suas atitudes dali para frente. Mas você precisa entrar em sintonia com as respostas que essas perguntas produzem. Descobrir que um relacionamento não traz aquilo que você deseja, mas insistir nele por medo de ficar só, só vai produzir ainda mais angústias. Então, mais do que se olhar no espelho, considere as verdades que você passa a enxergar.

Treine: o método é simples e de graça. Mas, seguido corretamente, pode provocar a exaustão (tanto emocional quanto intelectual). No começo, a psicóloga recomenda que você faça este exercício diariamente, antes de dormir e ao acordar. Notando, entretanto, que o desgaste está excessivo, reduza o ritmo e respeite as suas necessidades. Dar ouvidos a elas é sinal de que você já começou a prestar atenção em si mesmo.

Um texto da revista Superinteressante (janeiro de 2008) sobre a origem das personalidades pode apoiar a investigação dos alunos sobre as causas que originaram as suas personalidades:

O que faz de você, você? É possível mudar nosso jeito de ser? Sim. Na verdade, mudamos nossa personalidade a toda hora. Agimos de modos diferentes com

pessoas de idade, sexo ou posição social diferentes. Você já deve ter passado pela sensação de ser amigável e inteligente com alguém que o deixa confortável e agir do modo contrário com quem o desafia. Além disso, a nossa personalidade depende do que os outros acham: você pode ser chato para uma pessoa, mas gente boa ou confiável para quem o conhece melhor. O homem tem tantos eus quantos são os indivíduos que o reconhecem, disse em 1890 o psicólogo William James, um dos primeiros a estudar a personalidade.

Mas é claro que há comportamentos e atitudes que são muito difíceis de largar. Somente 10% das pessoas com pontes de safena mudam hábitos alimentares e deixam o sedentarismo. As outras acabam morrendo de ataque cardíaco simplesmente porque não conseguem mudar. Muitas

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vezes um pai que bate na mulher e nos filhos promete a si mesmo parar com as agressões, mas não consegue.

A genética determina o comportamento? Não. O nosso DNA possibilita e favorece determinados tipos de comportamento, mas não

determina nada. A genética não é um destino, não determina o que você vai ser. Ela oferece predisposições. Traços de personalidade são idéias, conceitos culturais: dependem dos olhos de outros e da cultura de um lugar e de uma época para aparecerem e ganharem um nome. O que é inteligência, pedofilia, má educação ou timidez no Brasil pode ganhar nomes bem diferentes no Japão, por exemplo. Por isso, não dá para encontrar a personalidade pura no DNA. Mas a nossa herança genética pode, sim, influenciar o funcionamento do corpo, que, numa cultura ou em outra, resulta em comportamentos diferentes. As principais descobertas dos geneticistas do comportamento relacionam os genes à regulação de mecanismos fisiológicos que mudam o comportamento, como impulsividade, vício de determinadas substâncias e memorização.

Os pais influenciam a personalidade dos filhos? Sim, mas a influência é imprevisível. Desde os primeiros estudos de Sigmund Freud, e até

antes deles, os pais são tidos como os agentes mais importantes na criação de uma pessoa. São os primeiros a conter o que há de animal em nós, nos ensinando a controlar desejos em nome de regras morais, castigos e convenções da civilização. Com essa premissa, Freud foi, ao lado de Darwin, um dos grandes pensadores do século 19 a abalar a idéia de Deus, mostrando que as noções de pecado e culpa são transmitidas pelos pais e podem ser a causa de vários dos nossos problemas. Do conflito entre os nossos desejos e culpas, sairiam traços de personalidade (como a timidez, a vergonha), recalques inconscientes e fraquezas que nos acompanham vida afora. Freud vai mais longe: para ele, o jeito com que meninos e meninas lidam com a figura do pai e da mãe é essencial para definir a sexualidade da pessoa.

Até o ponto que a genética permite, um bebê recém-nascido é como um molde de argila flexível. O que ele aprender, ver, ouvir, sentir será armazenado no cérebro e irá compor a maneira como agirá no futuro. Ao nascer, vai demorar meses até conceber idéias básicas, como a de ser distinto das coisas ao redor. Aos poucos, porém, vai se dar conta e que consegue mover algumas dessas coisas seus braços e pernas e que outros seres fazem o mesmo. Assim, a partir do outro, o bebê começa a ter a noção de eu, de que é um indivíduo. Conforme interage com os adultos, a criança se molda ao mundo em que nasceu. Se os adultos ao redor forem lobos ou cavalos, passará a vida toda uivando ou relinchando e bebendo água com a língua, como aconteceu como o Selvagem de Aveyron, garoto encontrado na França em 1799 que viveu a infância isolado na floresta e por volta dos 12 anos trotava, farejando e se alimentado de raízes. Ou então as indianas Kamala e Amala, dos anos 20. Acolhidas por lobos quando recém-nascidas, elas andavam de quatro, tinham horror à luz e passavam a noite uivando. Entre lobos ou humanos, a criança aprende o que pode ou não fazer. Percebe que, ao chorar mais alto, a mamadeira vem mais depressa. Portanto, vale a pena ser manhosa, pelo menos de vez em quando. Quando joga um objeto no chão, é repreendida pela mãe e ganha uma bela bronca. Também começa a diferenciar sentimentos: o que achava ser dor, começa a receber nomes diferentes como fome, ciúme, medo.

As amizades influenciam? Muito mais do que imaginamos. Em 1998, a psicóloga americana Judith Rich Harris causou

uma revolução nas teorias da personalidade ao afirmar que o convívio com os pais é só um dos fatores que influenciam a personalidade dos filhos e um dos menos importantes. No livro Diga-me com Quem Andas..., ela fala que as relações horizontais dos 6 aos 16 anos da criança com seus

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pares, o grupo de amigos da escola ou da vizinhança são o grande definidor da personalidade adulta. A teoria de Judith explicaria por que pais normais, que seguiram sempre as regras da boa educação, deparam com um filho criminoso. Talvez nossos avós não estivessem errados ao se preocupar tanto com as más companhias. A teoria também tem uma conseqüência aterradora: de que a educação teria pouquíssimo efeito sobre os filhos. Eles não se tornam o que os pais querem que sejam mas o que os amigos querem. Se é assim, então como educar os filhos?

O psicólogo Thomas Kindermann descobriu que crianças de um mesmo grupo tinham notas e atitudes parecidas na escola. Se fizer parte de um grupo em que o desempenho escolar é importante, a criança se estimula a ter melhores notas. Se não conseguir, é provável que vá para outra panelinha, dos esportistas, por exemplo, que não consideram as notas uma coisa superlegal.

Por que os irmãos são tão diferentes? Ninguém sabe exatamente. Irmãos siameses são um exemplo de que nem o ambiente nem a

biologia conseguem explicar completamente a personalidade. O lar é um fator importante para fazer irmãos se diferenciar entre si. Uma pesquisa da Universidade de Minnesota descobriu que gêmeos idênticos são mais parecidos quando criados em ambientes separados.

Muita gente explica a personalidade de alguém pela ordem de nascimento ou pela diferença de idade entre os irmãos. O senso comum diz que os primôgenitos são mais independentes; os do meio, rebeldes; os últimos, precoces. O historiador Frank Sulloway, da Universidade da Califórnia, tem estudos nessa linha. Ele analisou a ordem de nascimento de mais de 6 mil personalidades mundiais e concluiu que os filhos mais velhos são mais conservadores, já os mais novos são os criativos e revolucionários é 18 vezes mais fácil achar um revolucionário caçula que um primogênito. A pesquisa contribui para o que se chama de Teoria dos Nichos, tese mais aceita para explicar a diferença entre irmãos. Em casa, a criança procura desempenhar um papel diferente dos irmãos mais velhos. Se um irmão se destaca como esportista, ela pode se apegar mais aos livros. Se um é mais apegado à mãe, a filha do meio pode ser mais independente.

Steven Pinker, psicólogo evolucionista e professor da Universidade Harvard, acredita que a variação de personalidade se resume numa palavra: acaso. Falo de acasos como um bebê que cai de cabeça no chão sem querer, um vírus que ele pega, um pensamento que deixe uma impressão permanente. Esses fatores podem ter uma influência tão grande no que somos quanto os genes, uma influência muito maior do que os pais, afirma ele no livro Tábula Rasa.

Tipos de personalidade: O gordinho engraçado: se não é o mais bonito ou o mais forte do grupo, conquista o carinho e a

atenção de todos de outro jeito: contando piadas. A bonita e burra: a moça que nasce mais bonita que a média pode ter mais carinho dos pais

(que tratam cada filho de forma diferente) e ser facilmente aceita entre os amigos. Mas essa herança pode ter um lado ruim: atraindo a atenção pela beleza,ela talvez não desenvolva artimanhas para se destaca, correndo risco de ficar vazia e desinteressante.

O tímido e inteligente: por que algumas pessoas são abertas e sociáveis enquanto outras são quietas e tímidas? Uma explicação é o jeito com que nossos pais nos ensinam os sentimentos. O rapaz inteligente e introvertido pode ter aprendido com o pai a ser frio e distante.

�Ao escolhermos uma profissão, devemos ficar atentos para um fato: há pessoas que não se deixam levar por promessas de bens materiais, não se prendem a regras e gostam de serem pioneiros (são idealistas: professores, escritores, músicos, etc), outros são curiosos, organizados e individualistas (são pesquisadores: astrônomos, químicos, arqueólogos, etc), outros são práticos, agem e não gostam de planejar muito (são ativos: militar, biólogo, Eletricista, etc) e outros são líderes naturais, motivando outros a trabalhar em equipe (são administradores: advogados, engenheiros, programador de computador, etc). O que faz com que sejam tão diferentes a ponto de escolherem profissões tão diferentes?

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Teste de sobrevivência: Objetivo: OBSERVAR SE A PESSOA TRABALHA MELHOR SOZINHA OU EM GRUPO, DE ACORDO COM O SEU NÚMERO DE ACERTOS. Você e mais um grupo de amigos estão perdidos no interior de um grande Deserto africano, a 50km de uma grande jazida de minério de ferro. O relógio marca 12 Horas. O termômetro indica uma temperatura de 42º C. Só existem 15 objetos disponíveis para ajudá-los. Classifique estes objetos por ordem de importância; numerando-os de 1 (o mais importante) a 15 (o menos importante). ( ) Óculos Escuros ( ) Lanterna e 4 Pilhas ( ) Carta Aérea ( ) Canivete ( ) Bússola Magnética ( ) Capa de Chuva (Plástica) ( ) Caixa de Primeiros Socorros ( ) 1 Pára-Quedas ( ) 4 Litros de Vodka ( ) 1 Litro de Água (Por Pessoa) ( ) Pistola Automática 765 ( ) 1 Pacote de 500 Gramas de Sal ( ) Livro Sobre “Animais do Deserto” ( ) Espelho de Bolso ( ) Agasalho (Tipo Sobretudo) CLASSIFICAÇÃO REAL 1- ESPELHO DE BOLSO para dar sinal; 2- AGASALHO (Tipo Sobretudo) para proteger da perda de água por evaporação; 3- ÁGUA (1L por Pessoa) para recuperar a perda por evaporação; 4- LANTERNA (4 Pilhas) para dar sinal e como recipiente de água; 5- PÁRA-QUEDAS para proteção noturna; 6- CANIVETE para escavar e cortar cactos; 7- CAPA DE CHUVA (Plástica) para guardar água de eventual chuva; 8- PISTOLA AUTOMÁTICA 765 para dar sinal e usar como martelo; 9- ÓCULOS ESCUROS para proteger os olhos; 10- CAIXA DE PRIMEIROS SOCORROS porque o Deserto é asséptico; 11- BÚSSOLA MAGNÉTICA para usar o espelho e como sinal; 12- CARTA AÉREA serve como papel higiênico; 13- LIVRO tem o mesmo uso; pois comida gasta sal e desidrata; 14- VODKA (4 Litros) para acender o fogo ou resfriar o corpo; 15- SAL (500 Gramas) é melhor não usar; pois desidrata

Na obra “A Retórica”, de Aristóteles, ele trata da diferença entre a personalidade (caráter)

dos mais jovens e dos mais velhos:

Caráter dos jovens Caráter dos velhos

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- Mais propensos aos desejos do corpo, especialmente os amorosos, que não conseguem dominar - são inconstantes e depressa se entediam do que desejaram têm vontades violentas, mas de curta duração - são coléricos, irritadiços, ambiciosos, não toleram ser desprezados - indignam-se quando se acham vítimas da injustiça - gostam de honras e de vitórias, são ávidos de superioridade - índole antes boa do que má, por não terem testemunhado muitas ações más - são crédulos, porque não foram muito enganados - cheios de sorridentes esperanças tais quais os que beberam muito vinho,sentem calor como aqueles - o porvir é longo e o passado, curto - corajosos, pois mais fácil se encolerizam, ignoram o medo e esperam um êxito feliz - se envergonham, pois não há nada belo fora da lei - são magnânimos (julgam-se dignos de altos feitos), pois não tiveram experiência das necessidades da existência - preferem o belo ao útil, pois guiam-se mais pelo seu caráter do que por cálculos - gostam mais nessa idade dos amigos , sentem prazer em viver em sociedade - suas faltas são as mais graves e violentas, pois tudo fazem em excesso, amam em excesso, odeiam em excesso - pensam que sabem tudo e defendem com valentia suas opiniões - as injustiças que cometem são causas por descomedimento, não por maldade - têm compaixão porque são humildes - supõem que todos os homens são virtuosos e melhores do que realmente são; gostam de rir e gracejar, porque o gracejo é uma espécie de insolência polida. O romano Marco Fábio Quintilhano escreveu que as criançasnão vão muito longe, mas vão depressa! .

- em tudo avançam com cautela, revelam menos forçado que deveriam - têm opiniões, mas nunca certezas,nunca deixam de acrescentar um “talvez” têm mau caráter, pois são desconfiados e foi a experiência que lhes ensinou isto - amam como se um dia fossem odiar e odeiam como se um dia devessem amar - não desejam coisas grandes,mas o bastante para viver -mesquinhos, pois seus bens são indispensáveis para viver e porque a experiência lês ensinou as dificuldades em os adquirir e a facilidade em perdê-los - são tímidos e tudo lhe é motivo de medo. - são apegados à vida, pois o que lhes falta é o que mais desejam - são excessivamente egoístas - procuram o útil (bem em relação a nós) e não o bem em si - mais inclinados ao cinismo que à vergonha, desprezam o que dirão aos outros - menos propensos a esperar - vivem de recordações mais que de esperanças, por isso, são faladores,passam o tempo repisando com palavras as lembranças do passado, é este o maior prazer que experimentam - irritam-se com facilidade, mas sem violência - quanto aos desejos, uns já os abandonaram, outros, são desprovidos de vigor - mantém o amor ao ganho, daí darem a impressão de serem temperantes (equilibrados), na verdade seus desejos afrouxaram,mas estão cheios de cobiça. - obedecem mais ao cálculo que à índole (caráter) natural, pois o cálculo visa o útil e a índole, à virtude. - têm compaixão por fraqueza, pois pensam que isto também vai acontecer com eles, daí andarem sempre se lamuriando e não gostarem nem de rir, nem de gracejar

São listadas, também, as características dos adultos: têm um caráter intermediário entre os jovens e os velhos,não são nem excessivamente confiantes, nem temerosos exagerados, nem a confiança, nem a desconfiança são gerais, inspiram-se de preferência pela verdade, Não vivem exclusivamente para o belo, nem para o útil, não são sovinas, nem esbanjadores. Neles a

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temperança vai acompanhada da coragem, ao passo que nos jovens e nos velhos elas estão separadas. Todas as vantagens que a juventude e a velhice têm separadas se encontram reunidas

na idade adulta,sem as desvantagens. A idade madurado corpo vai dos 30 a 35 anos; para a

alma, situa-se nos 49 anos.

Aula 30: Filosofar através de livros e

filmes sobre o amor.

"Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal." e "Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura." NIETZSCHE

“O coração tem razões que a própria razão desconhece” (PASCAL)

Aliás, o que é amor ? As palavras aceitam os significados que atribuímos a ela, certo. Mas,

há boas teorias que podemos consultar: • Aristófanes contou a lenda dos seres que tinham os dois sexos (andróginos), mas que por

se rebelarem com os deuses, tiveram seus corpos cortados em duas partes e, por isso, cada uma delas procura a outra para retornar à condição (ainda que temporária) daquele ser completo de onde se originaram.

• Platão defende que amar é um sentimento que surge em nós pelo conhecimento que temos da totalidade da outra pessoa e não por alguma de suas partes do corpo do outro (um desejo físico).

• René Descartes definiu de um modo claro o que “amar” pode ser: é (a) gostar do outro tanto quanto gostamos de nós mesmos (amor); (b) é gostar mais do outro do que de nós mesmos (devoção), que, segundo Descartes deveríamos ter para com o rei e Deus. Quando chego nesta parte, pergunto: qual dos alunos se atiraria na frente de um carro para salvar sua namorada? Nenhum deles, respondem ; Ou, (c) gostar mais de nós do que do outro (afeição). Estas distinções o tempo (leia-se a cultura) não apaga!

O que significa amor platônico ? Um amor distante. Idealizado. Há amores ideais? Há três

questões a serem investigadas: Quais as características que você idealiza na outra pessoa? Iguais as suas ou opostas? Por que algumas características são preferidas por nós? Amamos o que conhecemos, como escreveu Agostinho? Mas, de onde conhecemos? De outra

vida? Desta? De que experiências anteriores? O que dá certo na vida real: um casal igual ou com características opostas?

Primeiramente, proporemos o seguinte exercício: semelhante aos retratos falados que a polícia faz, pediremos aos alunos que identifiquem partes de um rosto, partir de cada elemento individualmente e, então, pediremos que nos digam por que escolheram cada elemento que compõe o rosto? Refletir sobre isto. Poderá fazer com que se dêem conta de que tais escolhas são feitas ao longo da vida, a partir dos relacionamentos que vivemos com as pessoas, especialmente aquelas que tiveram algum significado em nossa vida.

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� Tarefa próxima aula: conhecer um site (http://flashface.ctapt.de) no qual se pode

construir um rosto, um tipo ideal, com as características que você aprecia no sexo oposto. Uma aluna, de 2008, duvidou da possibilidade de explicarmos o por quê de gostarmos de

uma pessoa. É curioso como eles remetem ao desconhecido as explicações das suas dúvidas. Quando perguntei, antes, por que tinham a personalidade que tem, muitos responderam apenas “porque sim” ou “porque o destino quis assim” o que me mostra o quanto de misticismo herdamos da influência católica e africana – é mais fácil apelar ao sobrenatural para entender a vida que temos e o que somos. Com muito custo mostrei àquela primeira aluna que há, pelo menos, uma teoria sobre como escolhemos alguém ou duas:

(1a teoria, Agostiniana) você escolhe alguém parecido com as pessoas com quem você teve relacionamentos no passado (em um programa de tevê, Globo Repórter, mostrou certa vez uma psicóloga explicando a escolha que um homem por uma mulher com determinadas características que eram, ele não sabia, semelhantes às da irmã dele);

(2a teoria, Schopenhaueriana) escolhemos o que nos falta. Se um homem ou uma mulher tem baixa estatura e teme críticas da sociedade, ele ou ela escolherá alguém com uma estatura mais alta ou vice-versa. Se tem pele muito branca, poderá escolher amar alguém de pele mais escura e vice-versa. E isto vale para outras características. Fica evidente que são explicações naturais, não sobrenaturais.

Outra maneira é simplesmente pedir que nos reunirmos em um grande grupo para falar de

nossos relacionamentos, o que implica abrir um pouco de nossa privacidade, o que não é fácil, mas os alunos gostam disso, este método prende suas atenções e faz com que atinjamos nosso propósito que é saber se temos mais chances de ser felizes com uma pessoa parecida conosco ou diferente de nós? Também, com este exercício, buscaremos motivos como “por que me interesso mais por pessoas mais extrovertidas?”, por exemplo, ou “por pessoas de um certo tipo físico”? A idéia de usar retrato falado é tão somente para apresentar-lhes algo diferente, mas o objetivo é o mesmo.

Lembramos de dois fatos que marcaram minha vida amorosa: (1) minha primeira professora, meu segundo amor, depois da mãe da gente, era afetuosa,

exigente e tinha cabelos curtos. Até hoje, eu tenho especial admiração por mulheres com cabelos curtos;

(2) lembro de quanto tempo ficamos apaixonados por uma colega de colégio (da 5a série até o 1o ano (cinco longos anos!) e, então, ela nos deu o fora, dizendo que gostava de mim como amigo!) , mas por que me apaixonei por ela, se ela é tão diferente de mim, sociável, eu, um eremita? Fazendo um exercício de reminiscência (método platônico), recordamos que vimos uma atriz na tevê (Cristina Müllins), desempenhando um papel emocionante (a Santinha que fez milagres quando criança e se apaixonou por um peão de boiadeiro, José Eleutério) e em seguida conhecemos esta colega de colégio e associamos uma imagem com a outra! Assim, me apaixonei por uma pessoa parecida com uma atriz!

Até há pouco tempo me perguntava se havia no mundo uma única pessoa para amar para sempre (algo como a procura pelo “sapo encantado”). Se cada pessoa é diferente ao longo da vida, não permanecendo a mesma, como podemos buscar aquela pessoa ideal – em qual dos momentos temporários? Vê-se que a pessoa ideal não existe, é um esboço de uma pessoa, uma linha geral apenas!

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Outra proposta: refletir sobre sites de encontros: ao escolher certas características do outro, por que as escolhemos e não outras? Estimule-os a buscar causas (explicações) para cada escolha que fazemos.

Yahoo. Encontros Crie o seu perfil: Sua intenção: ( ) Relacionamento/Romance sério ( ) sexo ( ) amizade/diversão ( ) Relacionamento/Romance casual Obs.: aqui omitimos as perguntas que o site faz, pois são as mesmas de quem procuramos (abaixo). Características de quem procuro: Busco: ( ) mulher ( ) homem ( ) ambos

Idade: ( ) mínima ( ) máxima

Distância: ( ) todos os países ( ) no meu país ( ) no meu estado ( ) na minha cidade

Altura entre : _________ e ___________

Peso entre : _________ e ___________

Físico: ( ) magro ( ) médio ( ) em forma ( )pouco acima do peso ( ) muito acima ( ) musculoso (

) pequeno

Tom de pele: ( )Tanto Faz ( )Branco/Caucasiano ( ) Asiático ( )Pardo/Mulato ( )Negro/Afro-

descendente ( ) Outros

Estado civil: ( ) solteiro sozinho ( )solteiro namorando ( ) casado ( )separado ( ) divorciado ( )

viúvo

Religião : ( ) espiritual sem religião ( ) Cristão Católico ( ) Judaica ( ) Espírita ( ) Budista ( )

Evangélico ( ) Agnóstico

( ) Ateu ( ) Espiritual, mas sem religião ( ) Adventista Cristão ( ) Protestante ( ) Hindu ( )

Muçulmano ( ) Outros

Quanto à prática religiosa: ( )Tanto faz ( ) praticante eventual ( ) praticante dedicado ( ) Não

praticante

Filhos, hoje: ( ) não tenho ( ) moro com eles ( ) não moro com eles

Filhos no Futuro: ( ) não sei se desejo ter ( ) quero ter ( ) não quero ter

Renda mensal: ( ) prefiro não dizer ( ) até 1 mil ( ) 1 mil a 2.500 ( ) 2500-5 mil ( ) 5 mil – 10

mil ( ) 10mil–20mil

( ) 20 mil-30 mil ( ) acima 30 mil

Page 54: Filosofia Para Adolescentes

Formação: ( ) Ensino Médio ( ) Técnico/profissionalizante ( ) superior cursando ( ) superior

completo ( ) superior incompleto ( ) pós-graduado ( ) pós-doutorado

Fumo: ( ) não fumo ( ) ocasionalmente ( ) regularmente

Sugerimos nesta aula dois exercícios: (1o) observar uma série de fotografias de pessoas e

pedir que coloquem algumas (quatro ou cinco) em ordem de beleza. Este exercício ensina muito: que o belo não é uma questão de escolher algo em detrimento de muitas outras alternativas, mas uma certa graduação que vai de algo menos belo até algo extremamente belo ou talvez alcance o conceito que Kant entendia por “sublime” e que via separado das coisas belas. Lembrar um exemplo familiar no qual alguém estava indeciso entre duas pessoas com diferentes características física e de personalidade para amar. Amamos o que nos falta? A sociedade interfere? Lembrar Santo Agostinho e Schopenhauer: para o primeiro, “ninguém ama o que não conhece” e, portanto, buscamos alguém com características que previamente conhecemos (mas, de onde conhecemos?) e, para o segundo, buscamos alguém que nos complete e, assim, alguém de baixa estatura procurará alguém mais alto ou alguém erudito se dará melhor com alguém mais grosseiro e vice-versa. Qual dos dois está certo? Sugerimos, ainda, que se repita umas duas ou três vezes este mesmo exercício, para que o aluno perceba algo que percebemos sozinhos: que as nossas preferências mudam de acordo com nosso presente humor. Podemos pedir que eles teorizem sobre isso. O que acontece na mente para que nossas escolhas mudem? (2o) repetir o mesmo exercício anterior, mas, agora, com atenção aos objetos de nosso uso cotidiano: bebidas, roupas, músicas, estabelecendo uma hierarquia, graus que vai do que menos gostamos até o que mais gostamos. O objetivo aqui é fazer o aluno refletir sobre os motivos de suas preferências e aversões.

Aula 31: casais sem filhos e a perpetuação da espécie?

Há dois assuntos que têm relação com o amor e paixão e que podemos acrescentar ao nosso presente estudo: um sobre casais sem filhos e outro sobre a paixão do futebol.

Casais sem filhos Nos EUA, casais sem filhos e que trabalham podem ser chamados de DINKS. A denominação é

usada para casais de dupla renda e sem filhos. O termo passou a ser usado no período dos anos 80 e é hoje um subproduto da era YUPPIE -- gente com mais dinheiro para gastar do que seus pais ou famílias com filhos. Isto não significa que são ricos.

Aumenta a proporção de casais sem filhos De 1997 a 2007, número de casais sem filhos passou de 12,9% para 16%.

Taxa de fecundidade passou de 2,54 filhos para 1,95, no mesmo período. JERRY STEINBERG Ter filho para quê? Professor canadense diz que os casais procriam por inércia e uniões sem filhos são mais felizes e fazem bem ao

planeta Texto de Paula Mageste

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O canadense Jerry Steinberg, de 57 anos, vai logo avisando que gosta de crianças. Mas não em tempo integral. Gastou sua cota de "paternidade" ajudando a criar os dois irmãos, sendo monitor de acampamento e seguindo a carreira de professor - dá aulas de inglês para estrangeiros. A gota d'água foi namorar três mulheres que tinham filhos. Desistiu de formar a própria prole ao ver que o cotidiano que inclui pequenos é cheio de limitações. "Não se pode ter uma conversa séria às 3 da tarde ou fazer amor às 10 da manhã", diz.

Steinberg sentiu-se isolado em sua decisão e percebeu que estava perdendo os amigos. Eles começavam a ter filhos, mudavam o rumo na vida e faziam novas amizades em função das crianças. Foi então, há 19 anos, que surgiu a idéia de fundar um clube de "pessoas sem filhos", o No Kidding. Hoje, são 77 filiais em quatro países, totalizando 8 mil associados. "Vi que não apenas não estou sozinho, como estou em ótima companhia."

ÉPOCA - Não ter filhos não é impedir o ciclo natural da vida? Jerry Steinberg - E por acaso nós levamos uma vida "natural"? Não estamos mais numa sociedade agrária, em que a criança era mão-de-obra barata na fazenda. Mais de 80% da população mundial vive em grandes cidades. As crianças não são mais um ativo, mas um rombo em seu tempo, em sua energia e em suas finanças. Ter filhos, hoje, na maioria dos casos, é conseqüência natural de sexo sem proteção. Com a contracepção moderna, pessoas responsáveis terão filhos apenas se quiserem. Nossos avós não tinham escolha, e às vezes acabavam com uma penca de crianças sem ao menos poder mantê-las. Nós temos controle sobre nossa fertilidade e devemos exercê-lo. ÉPOCA - Não é muito egoísta a decisão de não ter filhos? Steinberg - É. Mas as pessoas têm filhos por razões bastante egoístas: por prazer, para cuidar delas na velhice, para ter alguém para amar e amá-las de volta, para viver coisas que não puderam viver quando eram crianças, para exercer poder sobre alguém, dar continuidade ao nome da família. O que é mais egoísta que fazer um minieu? É vaidade. ÉPOCA - Qual porcentagem da população tem filhos por motivos que o senhor considera corretos? Steinberg - A maioria das pessoas tem filhos sem motivo, sem pensar. A resposta que sempre ouço é que aconteceu sem planejamento. Acho irresponsável, tolo e egoísta. Crianças são muito preciosas para vir ao mundo por acidente. ÉPOCA - O senhor acha que as pessoas que optam por ter filhos devem ser questionadas, assim como ocorre com aquelas que escolhem não procriar? Steinberg - É claro! A situação hoje é muito unilateral. Os casais que optam por não ter filhos precisam se justificar o tempo todo, para a família, para os amigos e até para estranhos. Enquanto isso, lemos nos jornais todos os dias sobre pessoas que nunca deveriam ter procriado. Vemos crianças abandonadas, negligenciadas, que sofrem abuso, pais que largam a família e não pagam pensão nem querem ver o filho. ÉPOCA - Por outro lado, a maternidade e a paternidade não são dons naturais, intrínsecos ao ser humano? Steinberg - De modo algum. Ser boa mãe ou bom pai requer muito conhecimento, dom, habilidade, paciência, energia e tempo. Se você não tem isso, quais são suas chances reais de sucesso? Parece-me que as pessoas gastam mais tempo pensando que sapato comprar que em se querem ou não ter filhos. É uma vergonha. ÉPOCA - Ter filhos não pode ser uma forma de dividir as coisas boas que um casal construiu? Steinberg - Pode, mas em muitos casos é uma desculpa para o fracasso pessoal. Muita gente abandona as aspirações de carreira ou de hobby porque tem de sustentar os filhos. Depois, cobra isso da criança, busca realização por meio dela. É muito cruel exigir que o filho tome conta dos negócios da família. Talvez ele não tenha nem interesse nem competência. No fim, é uma pena para todos. ÉPOCA - Qual é o impacto de filhos na vida de um casal? Steinberg - Uma tremenda perda de liberdade. Não se pode mais fazer o que se quer, quando se quer. A espontaneidade morre. Perdem-se tempo, energia, dinheiro. Custa cerca de US$ 200 mil criar alguém do nascimento aos 18 anos. Sem faculdade. Muitas vezes um casal rompe por problemas financeiros. Portanto, se você não tem uma situação confortável e resolve ter filhos, está procurando encrenca. Sem falar no fato de os pais discordarem sobre como cuidar dos filhos. Não tê-los dá ao casal menos motivos para conflitos. ÉPOCA - Mas então não seria melhor rever a forma como se educam os filhos em vez de resolver não tê-los? Steinberg - Há um problema no modelo adotado pela classe média. Antes os pais ditavam as regras, mas a mesa virou e agora são as crianças que mandam nos pais. Elas fazem o que querem em locais públicos e os pais se omitem, numa situação desagradável para os outros. ÉPOCA - Filho ajuda o casamento?

Page 56: Filosofia Para Adolescentes

Steinberg - Os padres dizem que filhos são uma ponte entre marido e mulher. Na verdade, eles são um abismo. O marido passa para segundo plano, sente-se preterido e acaba buscando outra mulher. Tive acesso a vários estudos que mostram que relacionamentos sem filhos são mais sólidos e duram mais. O romance morre quando as crianças nascem. ÉPOCA - O senhor também defende aquela tese aparentemente fajuta de que não ter filhos é uma decisão ecologicamente correta? Steinberg - Não tem nada de fajuto nessa teoria. A quantidade de terra arável, de água potável e de espaço habitável está limitada no planeta. As pessoas estão sendo forçadas a viver confinadas ou em locais inundáveis ou secos. Não há pasto. A maioria da população está em centros urbanos, e isso cria vários problemas. Não se produz nada na cidade, tudo tem de vir de fora. Aí há trânsito. Além disso, existe uma questão psicológica: quanto mais gente viver em áreas superpopulosas, maior serão a agressividade e a violência. Estamos sob tremenda pressão. ÉPOCA - A tecnologia e o urbanismo não poderão solucionar esses problemas? Steinberg - Não há tecnologia que resolva isso. Hoje levamos uma hora para chegar ao mesmo lugar a que antes chegávamos em dez minutos. Daqui a 20 ou 40 anos, vamos levar três horas. É loucura, tem de haver um limite. Os animais são mais sábios. Quando ficam confinados, com pouco alimento, se reproduzem menos. Humanos não fazem isso. Metade das pessoas deste planeta está morrendo de fome ou de sede. E continuamos procriando a taxas recordes. Em apenas 40 anos, dobramos a população de 3 bilhões para 6 bilhões. Onde vamos parar? Será preciso uma terceira guerra mundial ou epidemias como a Aids para nos colocar de novo em patamares suportáveis? ÉPOCA - O que acha do aborto? Steinberg - Com boa contracepção, as pessoas só têm filhos se os querem e podem sustentá-los. Caso contrário, o aborto se torna uma opção. Prevenir gravidez indesejada evita abortos. ÉPOCA - Pessoas sem filhos não evoluem menos? Steinberg - Não, ao contrário. A maioria das pessoas sem filhos que conheço é muito ativa em sua comunidade, faz trabalho voluntário. O foco de quem tem filhos fica mais estreito: é o lar. Se determinado problema não afeta diretamente seus filhos, não se envolve. ÉPOCA - Quem tem filhos acaba abrindo mão de algo realmente importante? Steinberg - Sair para uma cerveja com amigos não é alta prioridade. Mas muita gente precisa parar de estudar ou encurtar os planos para trabalhar. As aspirações de carreira podem ficar limitadas. Muitas vezes quem tem filho chega tarde ao trabalho e sai cedo, passa tempo no telefone falando com as crianças ou resolvendo problemas relativos a elas. Isso pode contribuir para que seja preterido na hora de uma promoção. ÉPOCA - Por que ainda vemos com estranheza quem opta por não ter filhos? Steinberg - Mudanças levam tempo. A aceitação de estilos de vida alternativos demora. Há 50 anos era inconcebível viver junto sem casar. Era pecado. O mesmo valia para mães solteiras ou uniões inter-raciais. Hoje em dia casais homossexuais adotam crianças ou fazem fertilização para ter os próprios filhos. Vamos chegar a um ponto em que não procriar também será aceito. Quem, em seu juízo perfeito, insistiria que tenha filhos uma pessoa que não quer, não tem como bancar e não saberá criar adequadamente uma criança? ÉPOCA - Como responder à clássica pergunta "Você não vai ter filhos"? Steinberg - Alguns membros do No Kidding respondem que não podem ter filhos. Acham que a pena que isso desperta é mais suportável que a indignação. Se alguém insiste comigo, eu digo: "Então tá, você me convenceu. Vou ter dez filhos e, se não der certo, mando para sua casa para você criar".

Aula 32: o Futebol e a paixão.

Por que sofrer com o futebol? Por que sofrer com mais uma derrota do Inter ? Porque tenho paixão pelo Inter . Mas a resposta

não me satisfaz. Por que eu deveria sentir paixão por um time de futebol? É verdade que também não compreendo bem porque eu sinto paixão por uma mulher que estuda os Diálogos sobre a Religião Natural de Hume. Porém isso é menos incompreensível. Na paixão amorosa há elementos

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biológicos. Eu sei pouco sobre a razão de sentir paixão por essa mulher, mas sei que há uma razão para sentir paixão por mulheres. Agora, sentir paixão por um clube de futebol ... Nenhum jogador do Inter sabe da minha existência. O presidente do clube não sabe que eu existo. Eu não consigo estabelecer nexos causais com o Inter . Se torcer por sua vitória, isso não terá efeito. Se quiser que troquem de jogador, poderei gritar no estádio (mas vou raríssimas vezes ao Beira-Rio - é claro que, quando estive em Porto Alegre, não perdi a oportunidade de assistir ao jogo contra o Vasco).

Talvez alguém acredite que a torcida conduza seu time à vitória quando canta e “empurra” o time para o ataque. Mas essa idéia não me agrada, pois eu tenho de me dissolver na torcida para poder acreditar em tal efeito. E não me agrada ter uma compreensão tão pequena das razões por que fico triste quando o Inter perde.

Logo a pós o jogo do Flamengo, ontem, nem consegui olhar para os gols do início da rodada que a TV anunciava. Não seria mais sensato uma decisão como esta: “não darei mais a mínima atenção ao futebol”. Imaginem, se estou escrevendo um texto sobre os móbiles no Cânon da Crítica da Razão Pura e faço uma pausa para ouvir o jogo do Inter e ele perde, certamente também perderei meu entusiasmo com o texto e minhas fracas inspirações intelectuais fugirão! É claro que poderia estender isso à paixão amorosa. Mas eu interajo verdadeiramente com o objeto de minha paixão amorosa. Se ela diz não me querer, eu posso gritar bem perto de seus ouvidos, ou se isso não for possível, encher sua caixa de e-mails com mensagens chorosas, importuná-la com ligações. Mas com o Inter , nem se trata dele não me querer, pois ele, num certo sentido, nem sabe que eu existo. E eu sofro tanto!

Questionário: (1) Que comparação o filósofo faz entre a paixão pelo futebol e a paixão por uma mulher? (2) Qual é o objeto da paixão do autor, o time, o técnico, etc ? (3) Por que a paixão dele não é ser parte da torcida? (4) Na sentença “É claro que poderia estender isso à paixão amorosa”, o que significa

“isso”? (5) Dê a sua opinião sobre a causa da paixão futebolística. Depois de alguns dias, após jogar futebol com alunos na escola, me dei conta de algumas

coisas: (1) quando jogamos, os movimentos são tão rápidos que não dá “tempo” para pensar, apenas reagir! (2) que o futebol reproduz as caçadas aos mamutes ou algo parecido, como guerrear, por necessidade e prazer de fazer em grupo algo que não conseguiríamos sozinhos. Esta conclusão não é filosófica, é antropológica e talvez algum cientista já a tenha posto no papel, mas não deixa de dar grande satisfação chegar a ela por meio das próprias pernas ou... neurônios!

Aula 33-36: Entrega do trabalho sobre o

autoconhecimento. Comentários e apresentações de alunos para o grande grupo. Do que abriram mão? Se

conseguiram ficar em abstinência por uma semana? Que sensações surgiram? Voltou a consumir na mesma quantidade ou menos? Mudou seu hábito? Podemos falar sobre o hábito segundo David Hume (ações repetidas várias vezes) e Sigmund Freud (o automatismo do inconsciente).

Citar o exemplo do automóvel: quando já se dirige há algum tempo, não se pára para pensar nas mudanças de marcha ou de velocidade; elas são feitas automaticamente. Que outros

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exemplos existem de comportamentos automáticos ? Sonambulismo ? Vale para explicar o hábito (condicionamento, automatismo, atos repetidos ) compará-lo com uma enxurrada que passa por um terreno e escava-o, aumentando sua profundidade; por qual caminho passarão novas águas? Por aquele caminho marcado anteriormente. E nossas depressões e nervosismos: não parecem águas represadas a ponto de comprometer nosso comportamento normal?

Aula 37: Leitura do texto sobre a vida de Buda.

O que é central em Buda é a sua busca pelo autoconhecimento: ele abriu mão das coisas que lhe causavam dor, mas, também, daquelas que lhe causavam prazer, buscando afastar-se dos desejos intermináveis que tanto nos atormentam e que nos escravizam. E mais do que isto: por trás da experiência vivida por Buda está a crença de que quando buscamos muito coisas que nos dão prazer acabamos sofrendo muito, também.

Pedir que alunos comparem esta experiência de Buda com as que eles próprios realizaram. Sugerimos que esta aula seja meditativa. Um bom lugar para isso é sentar sob uma grande árvore; não custa lembrar aos alunos que um espécime assim deve ter uns trinta anos ou mais, uma razão a mais para o respeito e a introspecção. Contudo, da experiência que temos, sabemos que poucos fecharão os olhos e procurarão não pensar em nada ou apenas no fluxo de sua respiração (pensar o mínimo ou apenas o momento presente é o caminho para alcançarmos o mundo eterno, o nirvana). Ainda sim, vale a pena a tentativa, até para se afastar da sala de concreto na qual procuramos inspirar os alunos a terem desejo de conhecer as coisas do mundo, paradoxal, não? Em futuras aulas veremos os sentidos e podemos levantar a questão: eles são um caminho errôneo para conhecer a essência das coisas, como pensa os seguidores do budismo?

Eis alguns trechos do texto extraído da revista Superinteressante (O iluminado, escrito por Caco de Paula):

- “Há 3 000 anos começaram a se formar as principais filosofias e religiões que organizaram as

visões de mundo do homem contemporâneo. Alguns filósofos, como o alemão Karl Jaspers, dão a essa época o nome de Era Axial. Axial diz respeito a eixo. Foi, portanto, quando o homem começou a buscar o seu eixo. Ou, segundo Jaspers, quando passamos a prestar atenção em nós mesmos. A Era Axial estende-se entre os séculos VIII e II a.C.”;

- “O certo é que todos os sábios desse período parecem seguir um caminho comum quando conclamam seus contemporâneos a radicais mudanças em suas vidas. Do século VIII ao VI a.C. os profetas de Israel reformaram o antigo paganismo hebreu. Na China dos séculos VI e V a.C., Confúcio e Lao-Tsé chacoalhavam as velhas tradições religiosas. Na Pérsia, o monoteísmo desenvolvido por Zoroastro expandiu-se e influenciou outras religiões. No século V a.C., Sócrates e Platão encorajavam os gregos a questionar até mesmo as verdades que pareciam mais evidentes.

- “A Índia também passou por grandes transformações. Sua cultura foi dominada pelos arianos, antigos povos nômades que teriam migrado da Ásia Central 4 000 anos antes. A sociedade ariana dividia-se em castas: brahmins, os sacerdotes; ksatriyas, os guerreiros e governantes; vaisyas, os camponeses e criadores de gado; e sudras, os escravos ou marginais. Na Índia dessa época, surgiu uma revolta contra esses sacerdotes e seus rituais – que incluíam sangrentos sacrifícios de animais, procurando afastar-se desses rituais e buscar outro tipo de sacrifício, mais interno, de renúncia às coisas do mundo”;

- “É nessa Índia em ebulição espiritual que surge Sidarta Gautama, o Buda. Era um aristocrata, da casta ksatrya, a dos guerreiros e governantes. Seu pai, Shudodhana, era o rei do clã dos

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sakyas. Vem daí o outro nome pelo qual Sidarta se tornaria conhecido: Sakyamuni, ou "o sábio silencioso dos sakyas". O pai de Sidarta, temendo que se cumprisse uma profecia segundo a qual ele se tornaria um homem santo, cercou-o de luxos e prazeres, acreditando que se o mantivesse ignorante sobre o sofrimento do mundo, iria afastá-lo do caminho espiritual. Aos 16 anos, escolheu-se uma noiva para ele, a bela Yashodhara, com quem teria um filho, Rahula”.

- “Pouca coisa mudaria na sua vida até os 29 anos. Apesar de todo o luxo, Sidarta sentia-se infeliz. Certo dia, contra a vontade do pai, saiu para passear fora do palácio e se surpreendeu com quatro cenas que o tirariam para sempre daquela vida de prazeres: (1o) viu um velho arqueado, de pele enrugada, movendo-se com dificuldade. Depois, avistou um doente que sofria dores terríveis. Mais tarde, cruzou seu caminho um cortejo fúnebre. Um morto era carregado por amigos e parentes que choravam sua perda. Foi um choque e tanto para alguém que sempre vivera protegido, sem se dar conta de que tudo que nasce também se degenera, envelhece e morre. (4o) a visão de um mendigo errante, esmolando por comida. Apesar da sua pobreza, tinha porte ereto, feições radiantes e expressão de profunda serenidade. Sidarta determinou-se a também abraçar uma vida santa e a buscar uma resposta para o sofrimento que viu no mundo”;

- “Sidarta abandonou o palácio enquanto todos dormiam. Saiu de fininho, sem ao menos se despedir da mulher e do seu pequeno filho. O príncipe logo aprendeu a dormir no chão e a esmolar por comida. Além da mendicância, a vida de filósofo-andarilho (ou sramana) incluía práticas de meditação. Na sua busca, ele se aproximou de dois famosos mestres e rapidamente chegou aos últimos estágios de absorção contemplativa propostos por eles. Mas ainda não atingira a suprema realização que buscava”.

- “Dedicou-se então à autoflagelação: um rígido controle dos sentidos desenvolve a autodisciplina e transfere o máximo de energia corporal para a atividade mental. Durante seis anos, Sidarta experimentou privações e dores. Mudou radicalmente a alimentação, ampliando o período entre as refeições. De uma por dia, passou a uma a cada dois dias, três, quatro, até alimentar-se somente a cada 15 dias. Depois, diminuiu a quantidade até chegar à ração diária de um único grão de arroz. Simultaneamente, fazia experiências psicológicas, analisando em si mesmo certas emoções que, acreditava, só poderia eliminar completamente se as observasse em profundidade. Para analisar o medo e meditar sobre a impermanência, passava noites deitado entre cadáveres e esqueletos num cemitério. Ainda assim, não alcançara sua realização final. O próprio Sidarta descreve os efeitos dos jejuns: "Quando eu pensava estar tocando a pele do meu abdomem, era a minha coluna que eu segurava". Abandonou essas práticas quando já era quase só pele e ossos. Sua experiência provou que a autoflagelação embota a mente em vez de favorecê-la”.

- “Ele intuiu, então, que o caminho para a libertação não estava nos excessos de ascetismo, nem nos da sensualidade, mas em um ponto de equilíbrio entre eles. Vem daí a expressão "caminho do meio", um dos pilares do Budismo. Sidarta voltou a comer. Segundo conta-se, uma porção de arroz e leite oferecida por uma jovem que o encontrou quase morto à beira de um rio. Dias depois, recuperado, preparou um assento de capim sob uma figueira – que ficaria conhecida como a árvore bodhi, ou árvore da iluminação – na região de Bodhgaya, no norte da Índia. Decidiu então que ou atingiria a iluminação ali ou morreria”;

- “A essência dos ensinamentos budistas está nas práticas meditativas, que se fundam em tradições anteriores ao próprio Buda. Na meditação busca-se cessar a atividade mental ininterrupta, na qual pensamentos e fantasias bloqueiam a experiência direta e intuitiva. Na maior parte do tempo alimentamos pensamentos que podem nos deixar ansiosos, frustrados, com mágoa, raiva, ressentimento ou medo. Tragada por esse vórtice de sensações, nossa atenção perde o foco. É por isso que, muitas vezes, comemos sem sentir o sabor do alimento, olhamos uma pessoa sem vê-la de fato.”

- “Mesmo para um alto praticante como ele, surgiram obstáculos. São imagens que simbolizam os obscuros medos reprimidos, fragmentos de memória, dúvidas, fantasias e outros conteúdos

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mentais tão persistentes e familiares a quem já tenha tentado alguma prática meditativa. Sidarta transpôs esses obstáculos permanecendo imóvel diante das investidas de Mara, deus indiano da morte.. Mas há uma pista nas técnicas para lidar com esses conteúdos mentais. Uma delas é a meditação de ponto único. Nela, a observação concentra-se em um objeto específico (a respiração, por exemplo), controlando ou suspendendo temporariamente o fluxo dispersivo de pensamentos. Assim, Sidarta tornou-se um Buda ("o Desperto" ou "o Iluminado") numa noite de lua cheia no mês de maio, quando tinha 35 anos. Morreu por volta de 483 a.C., depois de um acesso de disenteria que teria sido causado pela ingestão de carne de porco. Há algo menos divino – ou tão demasiadamente humano – do que morrer de dor de barriga?”

- “A grande novidade trazida por Buda em sua época foi a idéia de que a vida espiritual, como capacidade de conhecer a si mesmo, não tem nada a ver com as restrições de casta impostas pelos brâmanes. Buda diz que todos os seres humanos têm vislumbres de iluminação. Isso acontece nos momentos em que aquele insistente e auto-referente "eu" não interfere, quando a mente não se prende ao passado, não sonha com o futuro e se envolve apenas com o momento presente. Esses vívidos momentos de ligação com o aqui-e-agora contrastam com a mente habitual. Eles surgem como relances fugidios, mas podem também ser voluntariamente induzidos pelo processo meditativo. Aí está o fim do sofrimento, a iluminação, o nirvana.

- “Quando ele é representado como um asceta esquelético, refere-se ao Sidarta da fase pré-Buda. Quando mostrado como um meditador sereno, é o Buda Sakyamuni. Se a figura for a de um sujeito gorducho e sorridente, quase sempre trata-se de uma divindade local, geralmente símbolo de prosperidade, na China e no Japão. Vêm do Tibete as famosas imagens de budas em abraços sexuais com suas consortes, um símbolo da unidade entre iluminação e sabedoria. Apesar do grande florescimento que teve em sua terra natal, o Budismo foi varrido da Índia em decorrência das invasões dos hunos no século V d.C. e dos islâmicos nos séculos XII e XIII”.

-“O Budismo só penetraria no Ocidente a partir do século XIX, com o estudo das culturas da Índia e a publicação de O Mundo como Vontade e Idéia. Nesse livro, o alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), que influenciaria muitos outros filósofos, como Friedrich Nietzsche, mergulha nos ensinamentos budistas. O Budismo também chegou à Europa e à América junto com os imigrantes chineses e, depois, japoneses”.

- “Um grande motivo de estranhamento – e de fascínio – causado pelo Budismo talvez seja a idéia de um caminho espiritual que depende, em última instância, apenas do esforço de cada pessoa. O Budismo sustenta que o mundo é uma projeção da mente e que, portanto, o homem não poderá encontrar no exterior aquilo que não possua dentro de si mesmo”.

Aula 38: a felicidade reside no prazer? Há

um sentido para a vida? Fala-se que nossa sociedade é muito hedonista . Fizemos uma aula em que,

juntos, listamos a série de tarefas que realizamos durante a semana: levantar cedo, pegar transporte para a escola ou ir de bicicleta (meu caso), estudar por quatro horas, voltar para casa, almoçar, fazer tarefas domésticas ou ir trabalhar à tarde, voltar de transporte coletivo, preparar o jantar, assistir um pouco de tevê e ir dormir. Onde está a vida cheia de hedonismo? Percebemos que a felicidade como busca de prazer é raríssima. É útil construir uma linha do tempo coletiva ou individual. Nela

Page 61: Filosofia Para Adolescentes

observamos que o espaço para o prazer é pequeno e não raro inexistente! De outra parte, só vemos trabalho árduo e sofrimento: desde a obrigação de vir à escola, as poucas matérias interessantes até o próprio ensino que faz uso de dor (não mais física, como ajoelhar em grãos de milho, como nos século XIX e XX) psicológica, como ameaçar repetir o ano ou ser censurado na frente dos outros colegas, para que o aluno preste atenção às aulas.

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Fala-se, também, que a felicidade não está nos bens materiais, mas podemos

viver sem eles? Ainda que seu consumo seja mínimo, não podemos abrir mão. Karl Marx opondo-se a Hegel observou que é a condição econômica que guia os espíritos, nossas escolhas. Podemos pensar que excesso é danoso, basta ver aquelas pessoas que dedicam-se mais a ganhar dinheiro do que gasta-lo. Ainda mais em um país injusto como é o Brasil e muitos outros em que uma minoria possui muito e a maioria possui quase nada. Não devemos, como povo, assemelharmo-nos aos outros, em uma vida sem excessos? Há muitas pesquisas que tratam disto: nelas se observa que as pessoas de classe média (intermediária entre a pobreza e a riqueza) se manifestam mais felizes e o segredo (se é que é segredo) é que este grupo da população tem bens que garantem uma condição digna.

De qualquer modo, ainda que não tenhamos intenção de reprovar aqueles que visam o prazer como felicidade, convém, contudo, perguntar: qual é a melhor vida: a que satisfaz às necessidades de um indivíduo ou à que produz algo para milhões de indivíduos e, neste ponto, a vida de um filósofo, de um cientista ou de um líder político e religioso, parecerá a melhor vida! Um exemplo foi Einstein: não se tem notícia de que fosse obcecado por bens materiais ou visse a felicidade no prazer; suas descobertas ajudaram a humanidade: a teoria da relatividade, o efeito fotoelétrico e a fissão nuclear , além de sua atividade política contra o uso da energia nuclear para fins militares.

É interessante citar Sócrates e Diógenes para quem a vida feliz é uma vida simples e ela se encontra no exercício da filosofia, não na posse de bens – “quanta coisa de que não preciso”, diziam eles. Ao olharem uma criança bebendo água com

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as duas palmas da mãos, jogaram fora sua caneca, algo supérfluo, para a felicidade deles.

Há um texto de Platão, chamado de “Philebo”, muito interessante, onde ele discute qual é a melhor vida, de prazer,de dor ou um terceiro estado, de ausência de dor?

A maior parte das pessoas crê que o maior bem seja o prazer. Já os mais cultos, crêem que o bem seja o conhecimento. Mas, para Platão,o bem (a felicidade) reside na posse da virtude e da sabedoria. São elas as verdadeiras riquezas, bem mais valiosas que o ouro e a prata.

No diálogo “Philebo”, Platão discute sobre qual o modo de vida é o melhor: o que dá destaque ao prazer, ao conhecimento ou haverá um outro? Primeiro (1o), ele busca conciliar o prazer com a sabedoria: de que adianta buscar o prazer se não tivermos memória para recordá-lo? E como nos sentiríamos ao ter conhecimento e memória das coisas, mas sem prazer? Impossível. Assim, Platão sugere que se procure o bem em uma vida mista, como uma pessoa que nem vive só de mel, nem só de água, mas uma mistura de ambos.

Mais adiante, no seu livro , o filósofo conclui que a sabedoria e a inteligência (2o) superam o prazer, pois a nossa mente participa de uma mente maior, ordenadora de todo o cosmo e (3o) que alguns prazeres são apenas uma dor que cessa e mesmo aqueles prazeres “puros”, específicos da parte intelectiva da alma - indolores, inconscientes, involuntários – que resultam da atividade da memória,como quando apreciamos a beleza das cores e das formas, não são “belos em si mesmos”, mas apenas acompanham as virtudes, como a coragem, a temperança, etc.

Já na obra “A República”, Platão escreveu que os prazeres mais elevados estão submetidos à alma e à razão.O prazer só aparece em nós como uma conseqüência, após surgir no corpo uma necessidade, a alma, então, busca “preencher” o que está vazio, ausente, como quando estamos com sede ou fome. Assim, diante de uma dor, a alma se esforça para retornar à harmonia original que foi dissolvida. Na mesma obra, ele acrescenta uma importante característica da vida divina: ela

é uma vida sem prazer, nem dor, chamada de estado neutro (ou no grego medétera, nenhuma das duas, alternativas anteriores), vida desejada pelos filósofos. É esta a melhor vida, porque ela é uma vida perfeita e eterna, vivida pelos deuses e é ela que devemos buscar!

Perguntas: (1) para a maioria das pessoas qual é a melhor vida? (2) qual é o maior bem para as pessoas mais cultas? (3) em um primeiro momento Platão aceita que o prazer e o conhecimento sejam ambos

procuradoscomo um bem por nós. Que argumento ele utiliza? (4) que tipo de vida mista é sugerida por Platão? (5) por que Platão crê que a sabedoria e a inteligência superam o prazer? (6) Quais são os tipos de prazer, para Platão? (7) Dê um exemplo de como o prazer está submetido à alma humana? (8) Por que o prazer só aparece em nós quando sentimos alguma dor? (9) O que é o estado neutro? (10) Para os filósofos, o bem (a felicidade) é encontrada em uma vida mista (misturada) ou

em uma vida em que se vive um estado neutro? Por quê?

Tenho uma teoria sobre a felicidade e por que ela não reside no

prazer: imaginemos que as necessidades são como baldes vazios que precisam ser preenchidos: uma vez preenchidos, a dor (ou a necessidade cessa,

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ainda que temporariamente), mas e o prazer, onde está? Ele só pode ser os pingos que aparecem quando o balde transborda. Pouco, não? Além do mais, se o prazer é aquilo que buscamos na vida, quando sentimos prazer pela primeira vez o que buscávamos, se não conhecíamos o prazer? Uma conseqüência desta experiência mental é que além do prazer e da dor, há, também, um outro terceiro estado – como Platão chamou – que consiste na ausência da dor, mas que ainda não é pó prazer e que foi traduzido, nas línguas modernas como “estado neutro”.

� Uma tarefa prática � Calcule a quantidade de felicidade (prazer, para Jeremy Bentham) envolvida em uma ação que desejamos realizar:

Escolha 1: ______________ Quantidade de prazer envolvido Critérios para julgamento 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Valor

escolhido Quão intenso é o prazer? Quão duradouro é o prazer? Quão certo é o prazer? A que distância está? Gerará prazeres adicionais? Este prazer é livre de dor? Quantas outras pessoas serão beneficiadas por este ato?

Escolha 2: _______________

Quantidade de prazer envolvido

Critérios para julgamento 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Valor escolhido

Quão intenso é o prazer? Quão duradouro é o prazer? Quão certo é o prazer? A que distância está? Gerará prazeres adicionais? Este prazer é livre de dor? Quantas outras pessoas serão beneficiadas por este ato?

E há um sentido para a vida? Leia algumas das teorias e decida

quem está com a verdade?

Para o chinês Lao-Tsé, o sentido reside em fugir do pensar, tese oposta à de...

... Pascal: toda a nossa dignidade reside no pensamento. Também Sócrates pensava assim: a vida que não é examinada, pensada, não merece ser vivida.

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Para Thomas Hobbes, o sentido está em ter poder,

para Marco Aurélio, imperador romano, sugere que não estimulemos conflitos – “todos somos amigos”.

Para Epicuro, o sentido

está nos prazere s, já para ...

Diógenes, está em fugirmos dos prazeres. Também Hegel diz algo parecido: “somos espírito s finitos amarrados à matéria” e é negando nossa condição natural que podemos alcançar o absoluto, o infinito.

Como Hegel, Kant acrescentará que o sentido nada tem a ver com nossa felicidade pessoal: o fim reside no bom uso da nossa razão e da nossa vontade e, como elas são capazes de se realizarem de infinitas maneiras, isto prova que há uma vida infinita esperando por nós. Tese não muito diferente dos pensadores vinculados a religiões, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.

Mas, Nietzsche se opor á a eles dizendo algo que não podem provar,por isso, são niilistas, defendem o nada após a morte.Só o que existe, diz ele, é este mundo e nossa vontade de exercer o poder natural, de se elevar sobre os demais, de viver esta vida,pois há grande possibilidad e de que ela se repita infinitas vezes!

Para Aristóteles, nós temos uma

essência, somos animais racionais e nosso fim é exercitar a razão.

Para Jean- Paul Sartre, não há um sentido, nós é que o construímos, pois nós estamos construindo a nós mesmos constantemente.

Com um crânio de um bobo da corte que o carregava nas costas na infância, Hamlet medita

sobre a mortalidade: "SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO: SERÁ MAIS NOBRE EM NOSSO ESPÍRITO SOFRER PEDRAS E SETAS COM QUE A FORTUNA, ENFURECIDA, NOS ALVEJA, OU INSURGIR-NOS CONTRA UM MAR DE PROVOCAÇÕES E EM LUTA PÔR-LHES FIM?”. Este trecho questiona o SENTIDO DA VIDA. Ele é parte da peça cuja história envolve Hamlet, filho do rei da Dinamarca que é supostamente picado por uma serpente, mas que, segundo Hamlet, fora assassinado por seu irmão, Cláudio, que casou-se coma rainha viúva,mãe de Hamlet. O fantasma do rei encontra Hamlet e clama por vingança. Hamlet pensa ser o demônio. Mais tarde, finge insanidade para acusar Cláudio de assassinato. Então, recruta uma companhia teatral para encenar uma história: o assassinato do rei. Cláudio, angustiado, levanta-se no início do espetáculo. Hamlet o vê rezando e preparando-se para matá-lo, mas evita fazê-lo, pois levaria a alma do arrependido para o céu. Discutindo com a rainha, sua mãe, Hamlet apunhala o conselheiro do rei atrás da cortina, pensando se tratar do rei. Ofélia, a mulher que nutria amor por Hamlet, enlouquece por se sentir rejeitada e, também, pela morte de seu pai, Apolônio, se mata afogada, o que enfurece seu irmã, Laertes e o rei, Cláudio, que planejam um abriga de espadas contra Hamlet, usando um florete envenenado e, em uma segunda alternativa, uma taça de vinho envenenado. A luta começa no cemitério quando chega o cortejo com o corpo de Ofélia; então, é interrompida, para recomeçar mais tarde. Na luta Hamlet é atingido por Laertes com a espada envenenada, mas, também, atinge-o quando pega a espada das mãos do outro. Então, perto da morte, Laertes confessa a conspiração junto com Cláudio para o assassinato do pai de Hamlet e, este, enfurecido mata Cláudio com a espada e o força a beber o vinho, também, envenenado,vingando a morte do rei (Hamlet, de Shakespeare)

No filme “O guia dos mochileiros da galáxia”, o sentido da vida é o número 42, resposta para a pergunta fundamental sobre a vida, o universo e tudo mais que foi obtida após um período de sete milhões e meio de anos de processamento de um supercomputador gigante chamado de “pensador profundo”, que havia sido construído por uma raça de seres hiperinteligentes.

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No desenho Os simpsons, no episódio “Homer, o herético”, Deus fala a Homer qual é o

sentido da vida, mas a conversa é interrompida pelos créditos. No livro O alquimista, Paulo Coelho apresenta o significado da vida como uma jornada

individual para encontrar o caminho de cada um, similar ao que é definido pelo budismo como a “”4a verdade nobre”: este livro narra a história de um jovem pastor que, após ter um sonho repetido, decide partir em uma busca do auto-conhecimento, e se vê lançado em uma jornada em busca de mistérios que acompanham a humanidade desde o início dos tempos. Ele metaforicamente cita o caminho do apóstolo Santiago, que partira da Espanha (dos montes da Andaluzia) impulsionado pelo desejo de encontrar um, tesouro que viu nos sonhos, chegando ao Egito onde descobre que o tesouro sempre esteve nos montes da Andaluzia bem no seu nariz, e sobretudo descobre que

sua viagem de muito lhe serviu, pois entendeu a alma do mundo e agora é feliz consigo mesmo, pois enxerga o que realmente pode lhe fazer feliz e, assim, sua alma se acalma sabendo que tem tudo o que sempre quis,o que antes era impossível, porque não entendia seu coração, nem os sinais do universo e não sabia o que desejava. Mas, na verdade, o tesouro

maior que ele conseguiu nesta caminhada não foi material, mas o que ele aprendeu, conquistou e sentiu durante a jornada.

Uma dica: identificar em dicionários o que significa SENTIDO? Pode-se desenvolver esta

aula na Biblioteca da escola �:

Na Wikipédia: (1) Sentido – um órgão que recebe estímulos externos, como luz, sons, cheiros, tato e paladar

pelos seres vivos. (2) Sentido - Significado, do ponto de vista do idioma. (3) Sentido - coerência, ou organização. (4) Sentido - nas ciências exatas, é um dos componentes da orientação de um vetor (por

exemplo direita, esquerda, para cima ou para baixo). (5) Sentido - um comando militar, depois do qual a pessoa deve ficar em pé, reta, com os

braços abaixados e juntos do corpo. No site: www.Dicionariodeportuguês.com: Sentido: adj. Magoado, melindrado, ressentido: a deslealdade deixou-me sentido. Impregnado

de sentimento: palavras sentidas. / Pesaroso, triste, compungido: um olhar sentido ; S.m. Faculdade de receber impressões externas por meio de órgãos sensoriais: o sentido da visão. Faculdade de sentir ou perceber: o sentido divinatório. / Significado, acepção: o sentido da frase. Direção.

O texto a seguir procura mostrar a partir da teoria da evolução de Charles Darwin que o ser

humano não é mais do que uma máquina a serviço dos genes, estes, sim, os verdadeiros, senhores. Fazemos tudo por causa deles e não há um sentido para a vida, exceto cumprir os

objetivos que já estão inscritos nos genes. O que você acha disto, da teoria do gene egoísta?

Homens procurariam ter várias parceiras para espalhar seus genes, mas as mulheres, não.

Não poderíamos falar do átomo egoísta? Ou do elétron egoísta? Ou do universo inteiro como egoísta, se o vazio for uma ilusão, tudo é uma coisa só!

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Revista Superinteressante (junho de 2007) ... Planeta Terra, 4 bilhões de anos atrás. Um mundo adolescente, infestado por vulcões,

meteoritos e tempestades violentas. No mar desse inferno, moléculas de carbono encontraram um porto seguro. E começaram a se juntar, formando cadeias cada vez mais longas e complexas. Uma hora, como quem não quer nada, apareceu um estranho nesse ninho. Um acidente da natureza. Era uma molécula capaz de se replicar, de sugar matéria orgânica do ambiente e usar como matéria-prima para produzir cópias dela mesma. Motivo? Nenhum: ela fazia réplicas por fazer e pronto. Vai entender... Essa aparição foi algo tão improvável quanto se esta revista (que também é feita de cadeias de carbono) comesse seus dedos agora e, a partir dos átomos da sua carne, pele e ossos, construísse uma cópia dela mesma. Improvável, mas foi exatamente o que aconteceu naquele dia. E não havia nada ali para conter o apetite da monstruosa molécula.

Ainda mais porque arranjar matéria-prima, ou seja, “comida”, nesse oceano primitivo era fácil: bastava “pescar” nutrientes na água. Assim ela cresceu e se multiplicou. Mas tinha um problema: nem sempre as réplicas saíam perfeitas. Às vezes acontecia um erro de cópia aqui, outro ali. Surgiam aberrações. “Um livro e tanto escreveria o capelão do Diabo sobre os trabalhos desastrados, esbanjadores, ineficientes e terrivelmente cruéis da natureza!”, escreveria Darwin sobre esse processo bilhões de anos depois. Esses erros aconteciam bem de vez em quando: um a cada milhão de réplicas. Mas tempo é o que não falta nesse mundo. Então eles foram se acumulando mais e mais. Só que alguns não davam em aberrações. Muito pelo contrário. Algumas réplicas nasciam com uma mutação que as fazia se multiplicar mais em menos tempo. E não demorou para essas mutantes mais férteis dominarem o mar. Só isso já é um tipo de seleção natural. Mas a regra de Darwin só deu as caras para valer quando aconteceu o inevitável: o mundo ficou pequeno para tantos replicadores. Com a superpopulação, os ingredientes de que eles precisavam para fazer suas cópias rarearam. Era a primeira crise de fome no planeta.

A saída? Ir para a briga. Mas estamos falando de moléculas, que não têm lá muito poder de decisão. Foi aí que provavelmente surgiu uma mutação inédita, que permitia a algumas moléculas comer outros replicadores. Assim elas conseguiam eficiência total: arranjavam almoço e eliminavam rivais ao mesmo tempo. Mas o domínio não duraria para sempre. Com o tempo surgiram mutantes com capa protetora natural. Com essa armadura, dava para comer os rivais sem o risco de ser comido. Nasciam as primeiras células do mundo. “Os replicadores deixavam de meramente existir e começavam a fazer contêineres para eles, veículos para que pudessem continuar vivos. Os que sobreviveram foram os que construíram ‘máquinas de sobrevivência’ para si”, escreveu o mais notório dos neodarwinistas, o zoólogo Richard Dawkins, da Universidade de Oxford, na Inglaterra.

Não demorou para virem células mutantes ainda mais terríveis contra as rivais. Elas tinham o poder de juntar forças com outras células e atacar unidas. E de fazer cópias de si mesmas numa tacada só, como se todas fossem uma única molécula. Surgiam os primeiros seres multicelulares.

E eles ficaram cada vez mais complexos: suas células passaram a assumir funções distintas para operar sua máquina de sobrevivência. Faziam como soldados num tanque de guerra: umas ficavam a cargo da locomoção, na forma de nadadeiras; outras, dos “satélites” para encontrar comida (visão, olfato).

E o progresso nunca parou. Tanto que hoje boa parte dos replicadores vive em “robôs” imensos, feitos de milhares de trilhões de células. Agora os chamamos de genes, e eles estão dentro de nós. Somos sua máquina de sobrevivência.

Sangue do meu sangue Você é uma máquina de sobrevivência dos seus genes, que o usam para se reproduzir. Ok.

Mas o que aconteceria se esses genes tivessem construído um cérebro capaz de detectar cópias deles em outro corpo? O seguinte: eles também lutariam pela sobrevivência desse corpo. Fariam você se sentir aliviado com bem-estar dele.

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O fato é que os genes construíram esse sistema de detecção. Todos os cérebros têm isso em algum grau. E o altruísmo puro é exatamente o que acontece quando dois animais são parentes próximos.

Existe uma chance em duas de que qualquer um dos seus genes esteja no seu irmão ou no seu filho. E 1 em 8 de que esteja em um primo. Sendo assim, o que o neodarwinismo diz é: você não “ama” seus filhos e irmãos. São seus genes que vêem neles maneiras de se perpetuar. E é por isso que você os ajuda. O geneticista John Haldane (1892-1964), um dos pioneiros do neodarwinismo, quis deixar isso claro quando lhe perguntaram se ele daria a vida por um irmão. A resposta: “Não. Mas daria por 2 irmãos ou 8 primos”.

O mesmo vale para quando nos apaixonamos. Se você ama alguém, quer ter filhos com essa pessoa, quer colocar seus replicadores ali e se esfolar para cuidar dos rebentos. Aí, para o futuro dos genes, sua vida só faz sentido se aquela pessoa existir. E o sentimento é tão poderoso que parece eterno enquanto dura.

Outra coisa que determina a hierarquia entre parentes é a expectativa de que eles se reproduzam. Daí os pais se sacrificarem mais pelos filhos do que os filhos pelos pais.

A evolução do Universo Falando em lado de fora, e o lado de fora? A evolução seria um fenômeno circunscrito à vida

na Terra ou algo universal, como as leis da física? O físico Lee Smolin, do Perimeter Institute, no Canadá, fica com a opção número 2.

Smolin mandou as regras de Darwin para o espaço. Literalmente: criou uma teoria que aplica a seleção natural ao Universo inteiro. E foi além. Para ele (e outros físicos), nosso Universo é só mais um entre bilhões e bilhões. Todos juntos num Cosmos imensurável que podemos chamar de Multiverso. Nesse cenário, os universos são os indivíduos, os replicadores. Cada um lutando para fazer mais e mais cópias de si mesmo.

Bom, este Universo aqui começou quando toda matéria, tempo e espaço que conhecemos estavam espremidos em algo infinitamente pequeno. Esse pontinho explodiu no “dia” do big-bang, há 13,7 bilhões de anos, e agora estamos aqui. Mas tem uma coisa: existem alguns lugares no Universo em que tudo também está espremido desse jeito agora mesmo. São os buracos negros, que sugam tudo o que está à volta deles, inclusive tempo e espaço. Por isso, Smolin imagina que dentro de cada buraco negro há um big-bang acontecendo. E os buracos seriam como “gametas” cósmicos: dariam à luz novos universos, parecidos com o “pai”. Então Smolin considera que as “espécies” mais bem-sucedidas no Multiverso são justamente as que produzem mais buracos negros – a “prole” delas vai ser seguramente maior.

Lembre-se que buracos negros são estrelas mortas. E daí? Daí que, quanto maior for o número de estrelas, maior vai ser o de “gametas”. Mais: as nuvens de matéria onde as estrelas nascem precisam ser bem frias (por motivos que só teríamos como explicar com uma página inteira, e bem chata). Bom, e sabe que tipo de coisa é o que há de melhor para esfriar essas nuvens cósmicas? Moléculas de carbono. Elas mesmas, as que deram o pontapé inicial na vida por aqui. Quanto mais delas houver por aí, mais “filhos” um Universo vai gerar. E nós, os descendentes dessas moléculas, seríamos um mero subproduto da verdadeira seleção natural, a do Cosmos. Parece desolador, mas, se for isso mesmo, podemos nos orgulhar de saber que as leis de Darwin governam tudo isso.

Ou até mais do que isso. Baruch Spinoza, um filósofo holandês do século 17, defendia que Deus e Universo são apenas dois nomes para uma coisa só; que o Criador não é exatamente um criador, mas a grande regra que move o Cosmos. Se você gosta desse ponto de vista (Albert

Einstein gostava) pode dizer tranqüilamente: Charles Darwin não matou Deus. Só descobriu onde ele estava.

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Aula 39: À procura de coisas belas: fotos

com celular? De nossa experiência, observamos que metade da turma não presta atenção às obras de

arte apresentadas (é preciso ter um sentido estético desenvolvido ou, em nosso entendimento, uma percepção ampla ou como diz o ditado “enxergar um palmo além do próprio nariz”), ultrapassando nossos desejos habituais, algo raro como o diamante. O que é paradoxal, pois os jovens têm uma mente nova, aberta a novas experiências!

O que fazer, então? Uma ida a um museu? Uma Bienal? Propomos uma tarefa prática: pedir que os alunos vão ao pátio da escola recolher objetos que acreditam ser belos. Depois, em aula faremos uma exposição e pediremos que justifiquem, digam por quê o objeto é belo e definam o que é a beleza? È ela uma arma? A arte muda o mundo?

Aula 40: De que são feitas as coisas? Uma aula expositiva embora difícil de realizar (os adolescentes de hoje têm aversão ao

diálogo com adultos), é necessária. Podemos começar a aula perguntando: de que são feitas as coisas. Dirão os alunos, muito

provavelmente, que são feitas de moléculas e, estas, de átomos, dirão eles, com aquela expressão de completa sabedoria que todo adolescente tem e de reprovação pelo fato do professor importuná-los com algo tão óbvio... Convém não esquecer que já fomos assim e muitos de nós continua acreditando nisso ainda hoje! Mas, esta resposta é deles, realmente ou foi dada por outro adulto? Alguém viu por si mesmo uma molécula ou um átomo? Ouvimos dizer, sim, como quando ouvimos dizer que a Bíblia é a palavra de Deus, não porque tenhamos sido testemunhas disso, mas porque alguém ouviu de outro que ouviu de outro que... Deus lhe disse pessoalmente. A dúvida é a primeira etapa de um método de investigação.

Vamos mais longe: e os átomos, de que são feitos? Prótons, nêutrons e elétrons. E estes? Podemos citar as descobertas da Física: os quarks, os mésons, os bósons, etc. E não seriam cada um desses elementos cumes de uma cadeia interligada de montanhas (a foto mostra átomos de Xenônio fotografados por um microscópio onde os átomos parecem picos, ligados na base). Aqui, podemos debater também se o vazio é algo real ou apenas uma porção do universo que não enxergamos, como uma sala aparentemente vazia, mas cheia de ar. E o espaço? Vazio ou preenchido por algum elemento invisível, como o éter, de eterno, sugerido por alguns pensadores antigos (à espera de um instrumento óptico mais aprimorado que o perceba)? Um pouco de poesia: não dirão os peixes que há vazio a sua volta? Não somos como peixes em um aquário ou em uma lagoa?

Outra questão filosófica importante: algum dia vai chegar ao fim esta investigação ou sempre encontraremos algo ainda menor, como as matrioshkas russas, bonecas que dentro trazem bonecas quase idênticas, mas menores? Como nesta idade eles são muito sensíveis (emocionais, mas também sensório-motores, isto é, precisam tocar nos objetos) podemos confeccionar um objeto (ou os próprios alunos) que tem outros dentro de si, porém menores: pode ser vestir roupas uma por cima da outra, esferas com outras dentro ou “matrioshkas”, ora bolas!

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Uma foto de átomos, feita pela IBM, com um microscópio eletrônico mostra que os átomos não estão realmente separados, mas parecem cadeias de montanhas, onde apenas vemos o cume!

Decifre o código 1- Em + o 2- volta completa da Terra ao redor do sol 3- 600 aC 4- em +a 5- região onde vive o povo citado na expressão: “contentar ____e troianos” ou “isto é um presente de _____” 6- letra que vem depois de “r” + o verbo “urgir” no pretérito perfeito do indicativo, 3a pessoa do singular 7- artigo definido, feminino 8- classe de seres vivos + título do livro “O mundo de _______” (nome feminino que significa sábia ou sabedoria) 9- primeiro filósofo, um teorema da matemática leva seu nome. 10-verbo “ver”, no pretérito imperfeito do indicativo, 3a pessoa singular 11- símbolo do óxido de enxofre, mas invertido 12- 0,1,2,3,4,5,6,7, são uma seqüência de ___? 13- preposição que indica lugar (dentro de) 14- feminino de todos 15- artigo definido feminino plural 16- um dos heróis do quarteto fantástico, feito de pedra (passar para o plural) 17- Talião sem iaô + es 18- verbo “ver”, no pretérito imperfeito do indicativo, 3a pessoa singular 19- artigo definido feminino, singular 20- mineral que compõe 70% dos nossos corpos 21- comer no presente indicativo, 1a pessoa, singular 22- artigo definido masculino, singular 23- “L” + menta (masculino, se existisse) 24- contrário de supérfluo 25- Anarquia sem “rquia” + táxi sem “ta” + mandar sem “dar” + dromedário sem “medário”21- verbo “ver”, no pretérito imperfeito do indicativo, 3a pessoa singular 26- artigo definido, masculino, singular 27- no vácuo não há .....? 28- preposição que indica lugar (dentro de) 29- onipotente é um ser ______poderoso. 30- “place” em português é..... 31- a banda ____passou (há minutos atrás) (2 letras) 32- preposição que indica lugar (dentro de) + parte inferior do corpo humano (2 letras) + sentir a dor do outro (2 letras) + bicicleta sem o “bici” e o “ta” + a letra “s” 33 – verbo da frase “o goleiro d________ o pênalti”, no pretérito imperfeito do indicativo, 3a pessoa do singular 34- conjunção integrante 35- chamamos os bombeiros quando há ___(4 letras) , _____mineral com gás ou sem, nome do planeta________ e: há ___rarefeito no topo do Everest 36- verbo que forma a palavra constituição, no presente do indicativo, terceira pessoa

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do plural. 37- feminino de todos 38- artigo definido feminino plural 39- um dos heróis do quarteto fantástico, feito de pedra (passar para o plural)

Resposta: No ano de 600 antes de Cristo, na região Grécia surgiu a filosofia. Pitágoras via os números em todas as coisas; Tales via a água como o elemento fundamental; Anaximandro, o ar em todo lugar; já Empédocles, defendia que fogo, água, terra e ar constituem todas as coisas.

Devemos incentivá-los a pensar nos efeitos de cada teoria: (a) se há um primeiro elemento

indivisível quem os fez? Existiu eternamente? (b) se não há, como pôde ter existido o universo? Podemos sob a forma de cartões, como um jogo de SUPERTRUNFO, mostrar aos alunos os pré-socráticos e pedir-lhes que ajudem os pensadores a defender suas teorias: como podemos ajudar Tales e sua crença de que tudo é feito de água, Pitágoras, tudo é feito de números (nossos documentos que o digam, carteira de identidade, registros funcionais, senhas bancárias, etc), Anaximandro, tudo é feito de algo invisível, Anaxímenes, de ar, Empédocles (fogo, terra, ar e água). Podemos propor um debate ou até um julgamento onde uma parte da turma critica uma teoria, enquanto outra a apóia.

Aula 41: Qual a sua opinião sobre de que

são feitas as coisas? Pedir que os alunos exponham a sua teoria sobre de que são feitas as coisas,

sob a forma de dez (10) motivos claramente apresentados. Deverão dizer se há vazio, se há elementos fundamentais indivisíveis, etc, abordando os conteúdos expostos. Para concluir esta reflexão podemos realizar um tribunal onde um grupo defenda um elemento fundamental e outro grupo defenda outro elemento fundamental. Ou, então, um grupo defenda que há elementos fundamentando todas as coisas.

Aula 42: Há um mundo eterno? Estudo de Platão.

Quando se estuda o mito da caverna de Platão não se fala, em geral, aos alunos do que ele trata: há quem relacione aos dias de hoje, a alienação das pessoas das questões e problemas sociais, o que é algo positivo e, há alunos que pensam que se trata de uma história real que explica como viviam os homens antigos que foram escravizados. O que acontece é que ainda que o primeiro ponto de vista seja uma comparação muito interessante, ainda assim, não revela o que Platão queria dizer.

Como abordar um dos mais difíceis temas filosóficos? No primeiro ano de ensino de filosofia para adolescentes, mostramos para eles a questão platônica de saber se há neste mundo físico, material, círculos perfeitos ou linhas retas. Muitos deles se voluntariaram para trazer microscópio, outros iam mandar e-mails para oftalmologistas depois que surgiu uma dúvida se os olhos humanos não seriam exemplos de esferas perfeitas, mas, o entusiasmo logo arrefeceu, talvez porque eles sejam movidos pela expectativa de ganhar notas. De qualquer modo, este exemplo

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seria apenas um para tentar provar a existência de dois mundos. No século XVI, René Descartes

reutilizou o argumento da perfeição (embora nada a nossa volta seja perfeito) e, além dele, argumento de que trazemos em nós a idéia de infinito (embora nada a nossa volta seja infinito). De onde tiramos estas idéias, então, perguntou ele? Seriam marcas de Deus em nossa mente.

Imaginamos uma aula arqueológica. No dia anterior o professor dá aos alunos um mapa de onde estaria enterrada uma urna de madeira com um texto antigo com algumas revelações (pode-se usar letras gregas, mas palavras em linguagem compreensível) . Neste texto poderá estar escrito: “Não há neste mundo nada perfeito e nada infinito. Nem um círculo é perfeito, nem uma linha reta sequer. O reino das coisas perfeitas está no reino dos céus. Tudo que te cerca é ilusão ou imitação do mundo divino. Quem não concordar é um prisioneiro de uma caverna”.

“Ναο Ηά ηεςτε Μµηδο ηαδα Ρεrfειτο ε ηαδα Ιηfιηιτο. Νεµ uµ kírkυλο έ pεrfειτο, ηεµ uµα λιηhα έ pεrfειτα. Ο λugαr δας cοιςας pεrfειτας έ o rειηο δος kέuς. Τuδο quε τε cεrcα έ ιλuςαο οu iµιταçαο δο µuηδο ∆ιυιηο. Quεµ ηαο

koηkorδαr έ uµ pr ιςιοηειrο δε uµα kαvεrηα” (Ρλαταο)

Uma questão que propusemos em aula: vemos o mundo como ele é? A resposta quase em

uníssono foi: sim. Mas, perguntei, vemos as moléculas e os átomos? Resposta geral: não. Então,

continuei, a imagem da árvore é apenas uma parte do que aquilo lá fora é. Encontramos na internet uma explicação sucinta do mito da caverna: “PLATÃO COM SUA

METÁFORA DO MITO DA CAVERNA SAI DAS SOMBRAS (OPINIÃO) E VAI À LUZ DA RAZÃO, DEPOIS VOLTA E CONVENCE OS SEUS”.

Aula 43: Platão e o mito da caverna. Há, também, uma história em quadrinhos que associa a teoria à alienação das pessoas que

assistem excessivamente à televisão. Leitura de trechos do texto, histórias em quadrinhos feitas a partir do livro de Platão.

Reflexão dos motivos que fizeram o autor escrever esta história: mostrar os dois mundos, destacar a alienação de seus contemporâneos em relação às questões fundamentais da vida. E hoje em

dia? Por que nos tornamos passivos e preferimos ver a vida através da tevê? Mas, é a tevê a

grande vilã? Que outras experiências cotidianas lembrariam a vida dentro da caverna, no mito de Platão? A publicidade, ela nos faz querer algo que não queremos? Os enganos dos sentidos? Nossos preconceitos?

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Aula 44: Desenhe Deus, a alma e destino.

Ao pedir este exercício queremos provocar no aluno que ele manifeste suas crenças e pense sobre as origens delas: vieram de sua religião (desenhará um velho simpático barbudo, sentado em um trono?), de seus pais, de um aprendizado pessoal independente (desenharia o mundo, efeito de uma inteligência universal e causa primeira ou representará como um vazio na folha ou uma cor brilhante e cegante)? Ou, ambos, como um evento sucedendo o outro ou simultâneos? É o mundo co-eterno com um Deus ou, de acordo com o panteísmo, como o dos estóicos, o cosmos é Deus, do contrário, como escreveu Origens, antes do mundo Deus não seria tão poderoso como veio a ser posteriormente ou, nas palavras de Santo Agostinho, sobre o que Deus fazia antes de criar o mundo: preparava o inferno para quem faz este tipo de pergunta? Ele é o que há de mais simples: mais simples que uma bactéria? Como um mundo imperfeito pode sair de algo perfeito? E o mundo veio do nada ou, como acreditava São Tomás de Aquino: não se trata de uma causa material, uma fonte de onde tudo saiu, mas uma causa eficiente, isto é, antes não havia nada e Deus criou o mundo a partir de uma emanação (transbordamento) de Si mesmo, tese que se assemelha a de Escoto Eriúgena, da teofania – o mundo é Deus que se torna finito, pois, somente assim, Ele pode conhecer a si mesmo.

Vejamos algumas teses com mais atenção: As 5 provas de São Tomás de Aquino: (1a) é preciso que exista um primeiro motor (tese aristotélica) que ponha todas as

coisas em movimento, pois podemos dizer que eu me movo porque eu fiz um esforço para vencer a gravidade meus pés, mas sem gravidade tampouco me moveria sozinho. E a Terra, não precisa da gravidade do sol? E o sol, da galáxia? E a Via-Láctea? E o universo inteiro com todas as galáxias? Deve haver um Deus que põe todas estas coisas em movimento;

(2a) há no mundo uma série de causas sem que seja possível que uma coisa seja a causa de si mesma – ninguém se pôs no mundo, viemos de nossos pais e mães e eles de seus pais e nossos avós de nossos bisavós e, gerações antes, dos homens das cavernas e, eles por sua vez, de mamíferos que mal ficavam em pé e, eles, de mamíferos quadrúpedes e eles de répteis, anfíbios, peixes, até seres unicelulares e antes... Deus?;

(3a) há coisas que poderiam não existir, que nascem e morrem. É preciso que Deus exista para dar origem às coisas contingentes (temporárias) como nós todos, mortais;

(4a) todas as coisas se organizam em graus, assim como o fogo é o grau máximo do calor (na época de Aquino) ou na fusão nuclear na superfície do sol ou, maior, em certos experimentos que nós realizamos na Terra, com plasma que atinge 1012 (1 trilhão) de Kelvin, também, entre os seres haveria graduação: desde os vegetais, animais, seres humanos, anjos até Deus;

(5o) há objetos que ainda que não tenham inteligência possuem um movimento que visa a alguma finalidade e esta inteligência e este fim é Deus. Aqui, como mais

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tarde em Leibniz, Aquino crê que a força da gravidade (até hoje uma questão não resolvida – para Aristóteles são as coisas que se movem, para Newton, os objetos se atraem, mesmo separados pelo vazio e, para Einstein, os corpos deformam o espaço vazio a sua volta) seja prova desta inteligência superior.

E a alma, como a desenharia? Uma aura ao redor do corpo? Um espírito localizado em

alguma parte da cabeça? E as assombrações ou o próprio destino, uma força invisível que nos empurraria em alguma direção preestabelecida ou escrita no livro do universo? Aliás, quando se fala de alma se diz que ela é uma força sutil, mais sutil que o vento; mas, então, como é possível algo mais fraco que o vento (como uma brisa) nos empurrar? Do que sabemos, só um furacão mudaria nosso rumo! Uma oportunidade que se pode aproveitar nesta aula: torna-la uma “vernissage” (uma exposição de arte, uma pré-estréia) com a exposição dos trabalho dos alunos para ouvir a opinião dos alunos e, se necessário, a opinião do professor.

E as fotos de auras (foto kirlan), revelariam a alma? Mas se as pedras também têm aura, têm elas alma?

Podem citar as diversas teorias filosóficas: - passando por Aristóteles (a alma é a forma do corpo, pois ela não pode ocupar o mesmo

lugar que o corpo)

- Orígenes defendeu a tese de que Deus e o mundo são co-eternos, pois se existisse Deus sem o mundo, criado depois de Deus, então, Deus não teria sido,antes da criação do mundo, tão poderoso quanto veio a ser depôs da criação;Deus teria sofrido uma mudança, algo não aceitável para um Deus!

- até Descartes (a alma não é a fonte da vida, pois, se fosse, ela seria culpada pela morte do corpo, pois o que é a morte? É quando aquilo que mantém o corpo vivo, abandona-o? É a alma que o abandona? Ou são os órgãos do corpo que falham?) e pedir que eles apresentem argumentos contrários ou a favor delas.

Ou estaria certo Demócrito quando disse que era o corpo que deveria processar a alma no tribunal por maus tratos?

- a aposta de Pascal: ARTIGO II Livro: PENSAMENTOS (ART. II, O QUE É MAIS VANTAJOSO: ACREDITAR OU NÃO

ACREDITAR NA RELIGIÃO CRISTÃ?) Nossa alma está lançada no corpo, no qual acha número, tempo, dimensões. Raciocina

sobre isso e lhe dá o nome de natureza, necessidade, sem poder acreditar em outra coisa. A unidade agregada ao infinito em nada o aumenta, do mesmo modo que um pé a uma

medida infinita. O finito se aniquila em presença do infinito e se torna um simples zero. Assim o nosso espírito diante de Deus; assim a nossa justiça diante da justiça divina.

Não há tão grande desproporção entre a nossa justiça e a de Deus como entre a unidade e o infinito.

É preciso que a justiça de Deus seja enorme como a sua misericórdia: ora, a justiça para com os réprobos é menos enorme e deve aliviar menos do que a misericórdia para com os eleitos.

Sabemos que há um infinito e ignoramos a sua natureza, assim como sabemos que é falso que os números sejam finitos; é, pois, verdade que há um infinito em número, mas não sabemos o que ele é. É falso que seja par, é falso que seja ímpar; porque, acrescentando-lhe a

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unidade, ele não muda de natureza: no entanto, é um número, e todo número é par ou é ímpar; isso é verdadeiro para todos os números finitos.

Pode-se, pois, saber que existe um Deus sem saber o que ele é. Conhecemos, pois, a existência e a natureza do finito, porque somos finitos e extensos

como ele. Conhecemos a existência do infinito e ignoramos sua natureza, porque ele tem extensão

como nós, mas não tem limites como nós. Não conhecemos, porém, nem a existência nem a natureza de Deus, porque ele não tem extensão nem limites.

Mas, pela fé, conhecemos sua existência; pela glória, conheceremos sua natureza. Ora, já mostrei que não se pode conhecer bem a existência de uma coisa sem conhecer a sua natureza.

Falemos, agora, segundo as luzes naturais. Se há um Deus, ele é infinitamente incompreensível, de vez que, não tendo nem partes

nem limites, nenhuma relação possui conosco: somos, pois, incapazes de conhecer não só o que ele é, como também se ele é. Assim sendo, quem ousará empreender resolver essa questão? Não somos nós, que nenhuma relação temos com ele.

Quem, pois, censurará os cristãos por não poderem dar satisfação de sua crença, eles que professam uma religião de que não podem dar satisfação? Expondo-a ao mundo, eles declaram que isso é uma tolice, stultitiam. No entanto, vós vos lastimais porque eles não a provam! Se a provassem, faltariam à sua palavra; é por não terem provas que não lhes falta o senso. Sim; mas, embora isso escuse os que assim a oferecem e os livre da censura de produzi-la sem razão, não escusa os que a recebem.

Examinemos, pois, esse ponto, e digamos: Deus é, ou não é. Mas, para que lado penderemos? A razão nada pode determinar ai. Há um caos infinito que nos separa. Na extremidade dessa distância infinita, joga-se cara ou coroa. Que apostareis? Pela razão, não podeis fazer nem uma nem outra coisa; pela razão, não podeis defender nem uma nem outra coisa.

Não acuseis, pois, de falsidade os que fizeram uma escolha, pois nada sabeis disso. "Não: mas, eu os acusarei de terem feito, não essa escolha, mas uma escolha; porque, embora o que prefere coroa e o outro estejam igualmente em falta, ambos estão em falta: o justo é não apostar".

Sim, mas é preciso apostar: isso não é voluntário; sois obrigados a isso; (e apostar que Deus é, é apostar que ele não é). Que tomareis, pois? Vejamos, já que é preciso escolher, vejamos o que menos vos interessa: tendes duas coisas que perder, o verdadeiro e o bem, e duas coisas que empenhar, vossa razão e vossa vontade, vosso conhecimento e vossa beatitude; e vossa natureza tem duas coisas que evitar, o erro e a miséria. Vossa razão não é mais atingida, desde que é preciso necessariamente escolher, escolhendo um dentre os dois. Eis um ponto liquidado; mas, vossa beatitude?

Pesemos o ganho e a perda, preferindo coroa, que é Deus. Estimemos as duas hipóteses: se ganhardes, ganhareis tudo; se perderdes, nada perdereis. Apostai, pois, que ele é, sem hesitar. Isso é admirável: sim, é preciso apostar, mas, talvez eu aposte demais.

Vejamos. Uma vez que é tal a incerteza do ganho e da perda, se só tivésseis que apostar duas vidas por uma, ainda poderíeis apostar. Mas, se devessem ser ganhas três, seria preciso jogar (desde que tendes necessidade de jogar) e seríeis imprudente quando, forçado a jogar, não arriscásseis vossa vida para ganhar três num jogo em que é tamanha a incerteza da perda e do ganho. Há, porém, uma eternidade de vida e de felicidade; e, assim sendo, quando houvesse uma infinidade de probabilidades, das quais somente uma fosse por vós, ainda teríeis razão em apostar um para ter dois, e agiríeis mal, quando obrigado a jogar, se recusásseis jogar uma vida contra três num jogo em que, numa infinidade de probabilidades, há uma por

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vós, havendo uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar. Mas, há aqui uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar, uma probabilidade de ganho contra uma porção finita de probabilidades de perda, e o que jogais é finito. Jogo é jogo: sempre onde há o infinito e onde não há infinidade de probabilidades de perda contra a de ganho, não há que hesitar, é preciso dar tudo; e, assim, quando se é forçado a jogar, é preciso renunciar à razão, para conservar a vida e não arriscá-la pelo ganho infinito tão prestes a chegar quanto a perda do nada.

Por conseguinte, de nada serve dizer que é incerto ganhar-se e que é certo arriscar-se, e que a infinita distância entre a certeza do que se expõe e a incerteza do que se deve ganhar iguala o bem finito, que certamente se expõe, ao infinito incerto. Não é assim: todo jogador arrisca com certeza para ganhar incertamente o finito, sem pecar contra a razão. Não há infinidade de distância entre essa certeza do que se expõe e a incerteza do ganho; isso é falso. Há, na verdade, infinidade entre a certeza de ganhar e a certeza de perder. Mas, a incerteza de ganhar é proporcional à certeza do que se arrisca, segundo a proporção das probabilidades de ganho e de perda; de onde se conclui que, havendo tantas probabilidades de um lado como do outro, a aposta deve ser igual; e, então, a certeza do que se expõe é igual à incerteza do ganho; bem longe está de ser infinitamente distante. E, assim, a nossa proposição é de uma força infinita, quando há o finito que arriscar num jogo em que há tantas probabilidades de ganho como de perda, e o infinito que ganhar. Isso é demonstrativo; e, se os homens são capazes de algumas verdades, essa é uma delas.

Eu o declaro e o confesso. Mas, não haverá ainda um meio de ver o segredo do jogo? Sim, a Escritura, e o resto, etc. Sim; mas, tenho as mãos atadas e a boca muda; forçam-me a apostar, e não estou em

liberdade; não me soltam, e sou feito de tal maneira que não posso crer. Que quereis, pois, que eu faça?

É verdade. Mas, conhecei ao menos a vossa impotência para crer, já que a razão a isso vos conduz, e que todavia não o podeis; trabalhai, pois, não para vos convencerdes pelo aumento das provas de Deus, mas pela diminuição das vossas paixões. Quereis chegar à fé, mas ignorais o caminho; quereis curar-vos da infidelidade, mas pedis os remédios: aprendei com os que estiveram atados como vós e que apostam agora todo o seu bem; são pessoas que se curaram do mal de que desejais curar-vos. Segui a maneira pela qual começaram: fazendo como se acreditassem, tomando água benta, mandando dizer missas, etc. Naturalmente, isso vos fará crer e vos embrutecerá. Mas, é o que receio. E porquê? que tendes que perder?

Ou, ainda: como duas coisas tão diferentes estariam ligadas: alma e corpo, há uma cola

universal que os agrupa? E o perispírito dos espíritas, de que é feito para colar corpo e alma? Ele não teria que ser feito de ambos ou um pouco de cada? Mas, o que ligaria estas suas duas partes: mortal e eterna? Não parece água e óleo? Não seria mais correto pensar que alma e corpo são graus de uma mesma substância?

Podemos citar a tese de Guilherme de Ockham (“a navalha de Occam”): "a explicação mais simples é normalmente a mais correta".

Questões científicas podem ser, também, abordadas: quando ocorre a morte (fim do

funcionamento cerebral?), quando surge a vida , união espermatozóide com o óvulo ?, somos os mesmos apesar de a cada sete anos nossas células serem substituídas?

E por que não falar sobre o livro “Mênon”, de Platão que recorda o diálogo em que Sócrates

apresenta a teoria da reminiscência de que a alma de todos traz consigo o conhecimento divino que contemplou antes de vir para o corpo? Para provar isto Sócrates chama um escravo e pede-

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lhe que resolva um problema matemático, ainda que nunca tenha freqüentado a escola: “qual é a área de um quadrado de 2 pés?”. O escravo responde: “duas vezes dois pés dá quatro”. Esse uma figura for o equivalente a duas áreas da primeira, pergunta Sócrates? O escravo: “terá oito pés. Então, Sócrates o corrige: “são 16, não 8!””. E este erro, explica, decorre do fato da alma demorar a se lembrar do que ela já sabia. Depois, ele pediu ao escravo que identificasse qual é o tamanho do lado de um quadrado de oito pés de área e o escravo responde”3”, errando novamente, pois 3 vezes três são nove e não oito. Prosseguindo na investigação Sócrates divide um quadrado de 16 pés de área (4 vezes 4) em quatro figuras, desenhando uma diagonal que passa por cada uma delas de modo que um novo quadrado foi desenhado dentro daquele primeiro, de 16 pés, cujo lado, agora, é de 8 pés, quantidade procurada pelo escravo.

2x2=4

Área 8?

4x4 = 16

3x3= 9

Outro assunto muito atual: como superar a batalha entre o darwinismo e o

criacionismo? Qual está certo? O darwinismo defende que os mamíferos vieram dos répteis, estes dos anfíbios, aqueles dos peixes, mas parece haver lacunas entre cada grupo de animais. Se descendemos de um ancestral comum com gorilas, chimpanzés, orangotangos, por que tal ancestral não existe mais? Porque os fósseis são raros? E os fetos de diferentes animais parecem no início da vida idênticos, prova da teoria da evolução? Há espécies (saímos de uma mesma

fôrma?). Uma prova da seleção natural não seriam os embriões parecidos de diferentes animais, como peixes, salamandras, tartarugas, galinhas, porcos, bois, coelhos e homens?

Há um texto muito interessante sobre a experiência espiritual da atriz Maitê Proença que não encontrou Deus em uma religião, mas a partir do nascimento da sua filha:

Maitê Proença - Revista Época nº 397 Deus surgiu na minha vida aos 6 anos de idade, e chegou junto com o pecado. Filha de pais

ateus, até então, eu não havia sido apresentada a uma coisa nem outra. Um dia colocaram-me num colégio de freiras no qual rapidamente fui atualizada sobre essas questões importantes da vida. Ali aprendi que algumas faltas eram mais graves que outras.

Matar, por exemplo. Mas eu nunca matei ninguém… Ah, é? E, quando você caminha, o que acontece com todas aquelas formigas que vão sendo pisoteadas? Assustada, passei meses andando de cabeça baixa para evitar tamanho pecado.

Trocaram-me de colégio. Passou-se um ano, e surgiu o assunto da primeira comunhão. Você não vai fazer? Não sei, o que é isso? É para Deus te perdoar dos pecados. Ahn… Em casa, minha mãe tirava dúvidas a sua maneira: Deus é como Papai Noel, só existe para

quem acredita nele. E ela sabia que eu já não acreditava. Assim, pulamos a primeira comunhão.

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Aí minha mãe morreu, meu pai pirou, e por coincidência fui parar numa hospedaria para filhos de missionários luteranos americanos, espalhados pelo Brasil.

Ali se rezava antes de cada refeição, e, à noite, por uma hora de fervor, cantavam-se hinos de louvor a Cristo.

Éramos 30 meninas e meninos, de 5 a18 anos, cuidados por um casal que viera de Minnesota com a missão de manter a fé daqueles pirralhos custasse o que custasse.

Meu caso deu certo trabalho. Eu não fazia parte da turma, não tinha fé alguma, e era imprescindível integrar-me às crianças

cristãs antes que elas se integrassem a meus modos pagãos. Acontece que aquela gente era muito boa, e eu andava numa carência infinita. Então, com o amor que me dedicaram, demorou pouco para que eu me bandeasse de armas

e bagagem, pensamentos e espírito para onde a seta luterana apontava. Aos 16, cansei dessa vida, discuti com o responsável da hospedaria e fui bater na porta de

uma igreja Católica. Você é padre, não é? Pois eu sou órfã, e não tenho onde morar. Padre Xico me convidou para morar na torre da igreja, e ali me instalei por um par de anos.

No térreo ficava a sala de estar. O sacerdote morava no 1º andar, o segundo piso servia para hospedar bispos e monsenhores, e no terceiro ficava meu quarto.

Certa vez aconteceu um show do Vinicius e Toquinho na cidade, e eu fui conferir. Ao final do espetáculo, fui cumprimentar os artistas, e Toquinho se ofereceu para me levar em

casa. Quando pedi que estacionasse na porta da igreja, o moço não entendeu nada. Você mora com o padre?Moro. E você dá para o padre? Não, o padre é casto, e eu sou virgem - não dou para ninguém. As segundas intenções que levaram Toquinho a me acompanhar, tão gentilmente, até minha

casa morreram ali. Anos depois, já atriz, eu contei essa história para ele, e ambos demos boas risadas.

A vida foi seguindo. Levou-me para a Europa… …e dali para a Ásia, numa peregrinação que duraram dois anos. Eu ia a pé, de carona, como

desse - e ia conhecendo bem a gente local. Quando se viaja pobre, precisa-se das pessoas, da generosidade delas, de suas gentilezas.

Nessa troca diária em que eu também tinha de estar disponível, conheci muita gente boa e simples. E gente simples tem religião. Pelas pessoas, e não por interesse em suas crenças, fui novamente levada a Deus.

Agora Ele ganhava várias faces, e as formas de louvá-Lo eram múltiplas e sempre muito fervorosas. Assim, fui percebendo que Deus não dava a mínima se a gente queria chamá-lo de Buda, Maomé, Oxalá ou Jesus.

Deus não cabia numa caixinha, nem na minha compreensão, e isso de certa forma me confortava. Então, quando mais tarde a vida apertou e minhas pessoas começaram a morrer muito pela segunda vez - amigos, meu pai e meu irmão se mataram - e minha solidão precisava de um amor sobrenatural para sará-la, lembrei de Deus, e fui procurá-lo.

Quando encontrei, Ele era um Deus maduro e generoso, que me curou por inteiro, e, como que para me separar definitivamente de todo mal, ainda me deu uma filha de presente.

Eu que tentava havia dez anos, sem nenhum problema físico, só consegui engravidar quando virei uma pessoa completa, ou seja, de espiritualidade plena.

Não vou contar, porque não cabe aqui, como se deram os milagres de minha vida, mas esse de minha filha aconteceu exatamente nessas circunstâncias. O Deus que hoje reconheço é doce, tolerante, compreensivo e infinitamente bom. É Ele quem me orienta e me encaminha todos os dias em cada momento.

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Olhando para trás e lembrando de tantas ocasiões em que poderia ter desistido de tudo, mas não o fiz, percebo que sempre houve um clarão no fim de cada túnel, e que essa luz dava sentido a todos os aspectos e minha caminhada.

Antes, apenas, eu não sabia que a luz tinha um nome. Hoje eu sei.

Aula 45: Há livre-arbítrio? Nesta aula propomos estudar as divertidas leis de murphy ou variações dela. Segundo a

Wikipédia, a lei de Murphy é “oriunda do resultado de um teste de tolerância à força “g” (gravidade) por humanos, feito pelo engenheiro aeroespacial norte-americano Edward A. Murphy. Ele deveria apresentar os resultados do teste; contudo, os sensores que deveriam registrá-lo falharam exatamente na hora”. Acreditamos que assim poderemos abordar uma questão relevante e árdua - se somos ou não livres - de um modo mais fácil.

As 100 melhores Leis de Murphy

1. Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível. 2. Um atalho é sempre a distância mais longa entre dois pontos. 3. Nada é tão fácil quanto parece, nem tão difícil quanto a explicação do manual. 4. Tudo leva mais tempo do que todo o tempo que você tem disponível. 5. Se há possibilidade de várias coisas darem errado, todas darão - ou a que causar mais prejuízo. 6. Se você perceber que uma coisa pode dar errada de 4 maneiras e conseguir driblá-las, uma quinta surgirá do nada. 7. Seja qual for o resultado, haverá sempre alguém para: a) interpretá-lo mal. b) falsificá-lo. c) dizer que já o tinha previsto em seu último relatório.

8. Quando um trabalho é mal feito, qualquer tentativa de melhorá-lo piora. 9. Acontecimentos infelizes sempre ocorrem em série. 10. Toda vez que se menciona alguma coisa: se é bom, acaba; se é ruim, acontece. 11. Em qualquer fórmula, as constantes (especialmente as registradas nos manuais de engenharia) deverão ser consideradas variáveis. 12. As peças que exigem maior manutenção ficarão no local mais inacessível do aparelho. 13. Se você tem alguma coisa há muito tempo, pode jogar fora. Se você jogar fora alguma coisa que tem há muito tempo, vai precisar dela logo, logo. 14. Você sempre encontra aquilo que não está procurando. 15. Quando te ligam: a) se você tem caneta, não tem papel. b) se tem papel

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não tem caneta. c) se tem ambos ninguém liga. 16. A Natureza está sempre à favor da falha. 17. Entre dois acontecimentos prováveis, sempre acontece um improvável. 18. Quase tudo é mais fácil de enfiar do que de tirar. 19. Mesmo o objeto mais inanimado tem movimento suficiente para ficar na sua frente e provocar uma canelada. 20. Qualquer esforço para se agarrar um objeto em queda provocará mais destruição do que se deixássemos o objeto cair naturalmente. 21. A única falta que o juiz de futebol apita com absoluta certeza é aquela em que ele está absolutamente errado. 22. Por mais bem feito que seja o seu trabalho, o patrão sempre achará onde criticá-lo. 23. Nenhum patrão mantém um empregado que está certo o tempo todo. 24. Toda solução cria novos problemas. 25. Quando político fala em corrupção, os verbos são sempre usados no passado. 26. Você nunca vai pegar engarrafamento ou sinal fechado se saiu cedo demais para algum lugar. 27. Os assuntos mais simples são aqueles dos quais você não entende nada. 28. Dois monólogos não fazem um diálogo. 29. Se você é capaz de distinguir entre o bom e o mal conselho, então você não precisa de conselho.

30. Ninguém ficará batendo na sua porta, ou telefonando para você, se não houver trabalho algum a ser feito. 31. O trabalho mais chato é também o que menos paga. 32. Errar é humano. Perdoar não é a política da empresa. 33. Toda a idéia revolucionária provoca três estágios: 1º. é impossível - não perca meu tempo. 2º. é possível, mas não vale o esforço 3º. eu sempre disse que era uma boa idéia. 34. A informação que obriga a uma mudança radical no projeto sempre chega ao projetista depois do trabalho terminado, executado e funcionando maravilhosamente (também conhecida como síndrome do: "Porra! Mas só agora!!!"). 35. Um homem com um relógio sabe a hora certa. Um homem com dois relógios sabe apenas a média. 36. Inteligência tem limite. Burrice não. 37. Seis fases de um projeto: Entusiasmo; Desilusão; Pânico; Busca dos culpados; Punição dos inocentes; Glória aos não participantes. 38. Conversas sérias, que são necessárias, só acontecem quando você está com pressa. 39. Não se dorme até que os filhos façam cinco anos. 40. Não se dorme depois que eles fazem quinze. 41. O orçamento necessário é sempre o dobro do previsto. O tempo necessário é o triplo. 42. As variáveis variam menos que as constantes.

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43. Pais que te amam não te deixam fazer nada. Pais liberais, não estão nem ai para você. 44. Entregas de caminhão que normalmente levam um dia levarão cinco quando você depender da entrega. 45. O único filho que ronca é o que quer dormir com você. 46. Assim que tiver esgotado todas as suas possibilidades e confessado seu fracasso, haverá uma solução simples e óbvia, claramente visível a qualquer outro idiota. 47. Qualquer programa quando começa a funcionar já está obsoleto. 48. Nenhuma bola vai parar em um vaso que você odeia. 49. Só quando um programa já está sendo usado há seis meses, é que se descobre um erro fundamental. 50. Crianças nunca ficam quietas para tirar fotos, e ficam absolutamente imóveis diante de uma câmera filmadora. 51. Nenhuma criança limpa quer colo. 52. A ferramenta quando cai no chão sempre rola para o canto mais inacessível do aposento. A caminho do canto, a ferramenta acerta primeiro o seu dedão. 53. Guia prático para a ciência moderna: a) Se se mexe, pertence à biologia. b) Se fede, pertence à química. c) Se não funciona, pertence à física. d) Se ninguém entende, é matemática. e) Se não faz sentido, é psicologia. 54. O vírus que seu computador pegou, só ataca os arquivos que não tem

cópia. 55. O número de exceções sempre ultrapassa o numero de regras. E há sempre exceções às exceções já estabelecidas. 56. Seja qual for o defeito do seu computador, ele vai desaparecer na frente de um técnico, retornando assim que ele se retirar. 57. Se ela está te dando mole, é feia. Se é bonita, está acompanhada. Se está sozinha, você está acompanhado. 58. Se o curso que você desejava fazer só tem n vagas, pode ter certeza de que você será o candidato n + 1 a tentar se matricular. 59. Oitenta por cento do exame final que você prestará, será baseado na única aula que você perdeu, baseada no único livro que você não leu. 60. Cada professor parte do pressuposto de que você não tem mais o que fazer, senão estudar a matéria dele. 61. A citação mais valiosa para a sua redação será aquela em que você não consegue lembrar o nome do autor. 62. Caras legais são feios. Caras bonitos não são legais. Caras bonitos e legais são gays. 63. A maioria dos trabalhos manuais exigem três mãos para serem executados. 64. As porcas que sobraram de um trabalho nunca se encaixam nos parafusos que também sobraram. 65. Quanto mais cuidadosamente você planejar um trabalho, maior será sua confusão mental quando algo der errado. 66. Tudo é possível. Apenas não muito provável.

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67. Em qualquer circuito eletrônico, o componente de vida mais curta será instalado no lugar de mais difícil acesso. 68. Qualquer desenho de circuito eletrônico irá conter: uma peça obsoleta, duas impossíveis de encontrar, e três ainda sendo testadas. 69. O dia de hoje foi realmente necessário? 70. A luz no fim do túnel, é o trem vindo na sua direção. 71. A vida é uma droga. E você ainda reencarna. 72. Se está escrito "Tamanho Único", é porque não serve em ninguém. 73. Se o sapato serve, é feio! 74. Nunca há horas suficientes em um dia, mas sempre há muitos dias antes do sábado. 75. Todo corpo mergulhado numa banheira faz tocar o telefone. 76. A beleza está à flor da pele, mas a feiúra vai até o osso! 77. A informação mais necessária é sempre a menos disponível. 78. A probabilidade do pão cair com o lado da manteiga virado para baixo é proporcional ao valor do carpete. 79. Confiança é aquele sentimento que você tem antes de compreender a situação. 80. A fila do lado sempre anda mais rápido. 81. Nada é tão ruim que não possa piorar. 82. O material é danificado segundo a proporção direta do seu valor.

83. Se você está se sentindo bem, não se preocupe. Isso passa. 84. No ciclismo, não importa para onde você vai; é sempre morro acima e contra o vento. 85. Por mais tomadas que se tenham em casa, os móveis estão sempre na frente. 86. Existem dois tipos de esparadrapo: o que não gruda, e o que não sai. 87. Uma pessoa saudável é aquela que não foi suficientemente examinada. 88. Você sabe que é um dia ruim quando: O sol nasce no oeste; você pula da cama e erra o chão; o passarinho cantando lá fora é um urubu; seu bichinho de cerâmica te morde. 89. Por que será que números errados nunca estão ocupados? 90. Mas você nunca vai usar todo esse espaço de Winchester! 91. Se você não está confuso, não está prestando atenção. 92. Na guerra, o inimigo ataca em duas ocasiões: quando ele está preparado, e quando você não está. 93. Tudo que começa bem, termina mal. Tudo que começa mal, termina pior. 94. Amigos vêm e se vão, inimigos se acumulam. 95. "Pilhas não incluídas" 96. Você só precisará de um documento quando, espontaneamente, ele se mover do lugar que você o deixou para o lugar onde você não irá encontrá-lo.

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97. As crianças são incríveis. Em geral, elas repetem palavra por palavra aquilo que você não deveria ter dito. 98. Uma maneira de se parar um cavalo de

corrida é apostar nele. 99. Toda partícula que voa sempre encontra um olho. 100. Um morro nunca desce.

Há algumas questões que podemos incluir no debate: - somos livres de todas as causas externas? - Fomos nós quem desenhou nossas roupas, celulares, escolheu os materiais e

alimentos que consumimos? - E as leis da física: somos livres delas, também? Os pensamentos não seguem a lei

da gravidade? - E as causas internas, dentro de nós, como as operações do inconsciente? - Onde está o “eu” (um homenzinho escondido no cérebro, com um outro homenzinho

dentro, ainda menor?) que decide entre uma de algumas alternativas? - Para Nietzsche a liberdade não é mais que a aceitação consciente de um destino

necessitante. - Recentemente foi divulgado o resultado de uma pesquisa científica realizada no

Centro Bernstein de Neurociência (reportagem da revista Superinteressante, p. 40 de setembro de 2008, cujo título é “o livre-arbítrio não existe”) que mostra que quando pensamos que nós decidimos, por exemplo, sair às 9h para trabalhar, nosso cérebro 10 segundos antes já está decidindo quando sair e cinco segundos antes a parte que controla nossos movimentos está ativa de maneira que se pode saber antes o que a pessoa irá fazer a seguir.

Mapa do cérebro: Lobo frontal (frente): controla o movimento e produz a fala Lobo parietal (em cima): recebe e processa informações a partir dos sentidos Lobo occipital (atrás) : controla a visão Cerebelo (abaixo do cérebro): controla o tônus muscular e os movimentos Medula:área de passagens dos nervos, regula funções automáticas como respiração. Tálamo (centro): regula a sensibilidade Hipocampo: (um pouco abaixo do tálamo): centro da memória Amígdala (na frente do hipocampo): gera emoções a partir das percepções e pensamentos. Córtex: recobre os quatro lobos nos dois hemisférios. Uma aluna da turma 223 do ano de 2008, na qual leciono religião, apresentou uma

interessante objeção a esta teoria: quando respondemos algo instantaneamente, sem que tenhamos 10 segundos para pensar? Neste caso, também não pensamos, respondi. E fiz uma experiência: perguntei para alguém qual era sua cor preferida: ela disse azul. Aqui, também, disse eu, não há espaço para pensar e a resposta saiu imediata, pois (1o) eu não deixei tempo para refletir e (2o) a cor azul é a que ela mais gostava mesmo e não havia outra que se igualasse à cor azul; aliás, ela estava usando uma sombra (pensei que se chamasse rímel) nos olhos desta cor.

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Temos uma teoria sobre liberdade ou para provar que não há um momento em que escolhemos livremente entre duas ou mais coisas: se ser livre é poder escolher entre duas ou mais alternativas que se apresentem ao mesmo tempo a nós, então isto nunca acontece, pois, por exemplo, escolher entre azul e amarelo vistas ao mesmo tempo ou juntas é, na realidade, não perceber nem azul nem o amarelo, mas uma combinação de ambos, verde. Aqui podemos usar folhas de celofane (transparentes e coloridas) onde mostramos a combinação das cores, ainda mais porque entendemos que despertar o senso estético é imprescindível para a vida em sociedade (aprender ou habituar-se a ver beleza em tudo), como bem disse Schiler em sua “Carta sobre a educação estética do homem”. Ou, nas palavras de Nietzsche: o homem cientista é a continuação do homem artista (e, acréscimo nosso. O homem estético é a continuação do homem filósofo).

azul

+

amarelo

=

Verde!

Agora, por que ainda dizemos que somos livres? Em que sentido isto é correto. Se existe a

palavra “livre” ela deve se referir a algo. O que é este algo? Para Thomas Hobbes, ser livre é não estar preso por ferros. Há liberdade de pensamento? Se sim, há, também, o seu oposto: pode um pensamento estar ou ser aprisionado? Aqui, estamos fazendo “filosofia da linguagem” e podemos dar uma pequena introdução, embora os alunos não precisem saber que se trata de “filosofia da linguagem”, não é preciso encher a cabeça com tanto preciosismo.

Podemos, também, pedir-lhes que eles construam seus próprios exemplos a favor e contra a idéia de liberdade ou livre-arbítrio e o exemplo do professor pode aparecer entre os exemplos apresentados.

Para quem defende que somos livres, podem argumentar que a mente é

distinta do cérebro e a consciência não está em nenhuma parte do cérebro! Ela, a consciência, não parece ser algo fisiológica, uma função do corpo, pois, se fosse, ela teria que ser ora voluntária, ora involuntária, mas não podemos parar de ter consciência.

Aula 46: um medidor de bondade? Podemos, então, nesta aula, perguntar se há pessoas totalmente boas e se podemos

construir um medidor de bondade ou, pelo menos, imaginar um, como aqueles detectores de mentira ou, ainda, adaptar um medidor de glicose (haverá relação entre o açúcar e a mentira?, pura especulação!): quanto somos bons? 30% das vezes em que nos relacionamos com os outros ou 70%? Mesmo que não se chegue a algo concreto, creio que vale só pela diversão e pelas idéias criativas que, sei que surgirão. Podemos chamar de mal uma pessoa que quase não tem nada bom dentro de si. Existe alguém com 0% de bondade? uma aluna vinculada à religião católica lembrou em aula que o mal é a ausência do bem, assim como, a escuridão é a ausência da luz. Mais tarde, lembramos que os répteis enxergam a luz infravermelha , que corresponde ao calor dos corpos; assim, para esses animais há luz onde sob nosso ponto de vista, há só escuridão !

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Encontramos na internet um vídeo que ironiza o momento em que as pessoas chegam no céu e têm que se pensarem em uma balança – um medidor de bondade (the Good-O-Meter), onde a seta tende ao lado mau ou ao lado bom, de acordo com os peso de seus atos. No vídeo Jesus intercede por uma pessoa, o que eles chamam de a graça divina. Há, também, um site (http://homokaasu.org/gematriculator) em que se pode medir se um texto é bom ou mau!, com base no critério do número de palavras que começam por vogais dividido por sete (o número da perfeição divina), segundo eles, um “incontestável argumento de que Deus está presente no texto”.

Quando realizarem a construção do medidor de bondade, observemos se há extremos. Aí,

encaixa bem a teoria aristotélica de que o bem está em um meio-termo ou termo médio entre os extremos de excesso e insuficiência:

São apresentadas as virtudes morais, segundo Aristóteles: (1) coragem - um meio-termo entre o medo e a certeza. O corajoso não teme a morte

quando se vê frente a um ato nobre. Agirá visando as honras que receberá. Ele teme, sim, mas apenas no momento certo, pelos motivos certos. Quem teme mais do que deve, chama-se “covarde” e quem teme menos, é “temerário, impulsivo, sanguíneo”. Difere da crença de Sócrates, rejeitando que a coragem signifique conhecimento, pois um soldado tem o treino, sabe atacar e defender-se e usa melhor as armas do que alguém corajoso. Nem mesmo o corajoso é aquele que compete melhor. Crê, também, que o corajoso prefira a morte, mesmo estando em desvantagem; a fuga lhe é “degradante” (Ética: III,8);

(2) temperança - diz respeito ao uso adequado dos prazeres do corpo, especialmente os do tato e do gosto. Aquele que excede é “auto-indulgente” ou incontinente. Não há um nome para quem é insuficiente na realização dos prazeres, pois é raro isto ocorrer. É preciso, acrescenta, que os nossos apetites estejam em harmonia com nosso “princípio racional”, a razão; (3) liberalidade - é o meio-termo em relação ao uso da riqueza. O virtuoso é aquele que quando dá parte de sua riqueza, faz às pessoas certas, na quantidade e momentos certos.Os vícios são encontrados na “prodigalidade”, o excesso, dar mais do que deveria dar e na “mesquinharia”, insuficiência, em dar menos do que poderia;

(4) magnificência - a virtude da grandeza, suntuosidade, relacionada àqueles patrocínios a grandes espetáculos ou, então, a gastos particulares. É semelhante a da liberalidade, exceto pelo fato de se tratar do modo como a pessoa gasta a usa riqueza - “todo magnificente é liberal, mas nem todo liberal é magnificente”. Os que se excedem são chamados de “vulgares” e os que gastam menos do que deveriam, “avarentos”.

(5) magnanimidade - Na obra “Retórica” (I,9), esta virtude é definida como aquela que nos faz agir bem para com os outros em uma “grande escala”. Na obra “Ética a Nicômaco” (IV,3), Aristóteles, considera a pessoa magnânima aquela que deseja grandes coisas e está à altura para alcançá-las. Aqueles que se excedem, isto é, aspiram a grandes ações, sem estar a altura delas, são chamados de “pretensiosos”; os que aspiram menos do que deveriam, “pusilânimes”, isto é, medrosos, de ânimo fraco;

(6) orgulho - ou “amor-próprio”. O orgulhoso é o que pensa em si mesmo como “merecedor de grandes coisas”. Em geral, é capaz de lembrar o que fez pelos outros - apenas aquelas “mais notáveis”, pois não tem uma longa memória, mas não o que os outros fizeram por ele. Os vícios se encontram na “humildade indevida” - na insuficiência de orgulho - e na “vaidade” - um excesso. O orgulho está relacionado à conquista de honras que, acrescenta o filósofo, é o maior bem externo, quando ocorrem em grande escala;

(7) bom temperamento - Também chamado de boa moderação ou cordialidade. Encontra-se no meio-termo entre o excesso, “a irascibilidade”, e a falta - sem um nome, específico. Observa que há pessoas de “sangue quente” que se irritam facilmente com coisas que não deveriam se

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irritar e cuja raiva cessa, rapidamente. Há as “coléricas”, que ficam irritadas por qualquer motivo. Há as “mal-humoradas”, mais difíceis de acalmar, mantêm a raiva por mais tempo, pois retêm o sentimento, que é substituído por uma sensação de prazer, quando elas expressam sua raiva. Reconhece, também, que é difícil saber onde reside o meio-termo. Há pessoas, especialmente governantes, que são “bravos”, mas são tidos como “varonis” e capazes de governar;

(8) sinceridade - aquele que ama a verdade e vê a mentira como um mal. Os que se excedem são “presunçosos” e os que agem insuficientemente, são “fanfarrões”;

(9) espirituosidade - Necessária para os momentos de lazer, intervalo do trabalho. Quando alguém se excede é dito “bufão” e quando em insuficiência, é rude, grosseiro, “inútil” para viver em sociedade;

(10) vergonha - Não sabe Aristóteles, se é uma virtude ou apenas um sentimento, um “medo da desonra”, muito comum entre os jovens, pois é um período em que eles cometem muitos erros. É, em geral, louvado, exceto quando cometido por pessoa de mais idade;

(11) justiça - a mais completa virtude, pois sua prática requer uma interação com as outras pessoas. A ação justa é um meio-termo entre “agir injustamente” e “sofrer injustiça” (Ética a Nicômaco: V,1).

Aula 47: como nos tornamos bons? E por que ser bom?

Podemos perguntar aos alunos por que somos bons ou fazemos o bem? Depois que vimos

o filme “Hancock”, perguntei à classe pelos motivos que fizeram no filme o personagem ajudar as outras pessoas, já que ele possuía superpoderes? Entre várias respostas eles disseram: porque queremos ser respeitados pelos outros, porque, assim, nos sentimos bem, etc. Infelizmente, estava tão obcecado em transmitir as teorias dos pensadores antigos que não dei o justo valor às respostas deles!

É claro que nós poderemos acrescentar as teorias filosóficas, mas para completar as lacunas não tratadas pelos alunos como, por exemplo, de que fazemos o bem para ir para junto a Deus (segundo Platão), a razão calcula um meio-termo entre os excessos e as carências (segundo Aristóteles) e o certo e o errado só existem se são previstos em leis dos homens (segundo Thomas Hobbes), mas nem é necessário citar os nomes. Não podemos esquecer de Aristóteles, Kant e Stuart Mill, para quem ser ético é, respectivamente, uma capacidade desenvolvida nas ações éticas, na descoberta pela razão de uma lei (imperativo) moral e uma ação que visa o bem (e uma vantagem) comum, social.

Um exercício que realizamos no passado foi o de pedir que dada uma situação como, por exemplo, achar uma carteira com dinheiro na rua, saber se ficar com o dinheiro é ilegal, imoral ou antiético, segundo Platão, Aristóteles e Thomas Hobbes. Repare o leitor que trazemos um hábito difícil de ser eliminado: dar aulas como na Universidade, onde o professor expõe teorias de pensadores reconhecidamente sábios, mas que, para os adolescentes, não significam nada. Insistir neste tipo de aula é um erro.

Quais são as principais teorias por que devemos ser éticos? Para Sócrates (quem cultiva a sabedoria se torna bom, a melhor vida é a do sábio), para Platão (uma alma boa vai para junto de Deus e quando ela vaia julamento após a vida, mostra-se despida e as marcasda maldade

são visíveis perante os juízes), para Aristóteles, a virtude é uma disposição da alma que se

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adquire e desenvolve nas nossas ações diárias em sociedade, para Thomas Hobbes (a

lei determina o certo e o errado; o pensador fala, também, sobre o valor (honra) de um ser humano é o seu preço o tanto que lhe será pago pelo uso de seu poder, por exemplo, um comandante de soldados em uma guerra tem um valor alto ou um juiz incorruptível, em tempo de

paz); para Kant, a razão concebe suas próprias leis morais (age de modo que tua ação possa

ser exemplo para os outros), para Stuart Mill, é bom que as pessoas respeitem-se uns aos

outros, pois todos ganham com isso e Nietzsche, não podemos esquecer, diz que a moral é criação dos fracos para controlar os fortes.

De qualquer modo, creio que, por experiência própria, nossos alunos têm uma boa idéia do que é ser ético: uma vez fui com uma bandeira de um partido político. Além de despertar a ira em uma colega de trabalho, um aluno me disse que aquela tinha sido uma atitude antiética da minha parte; senti-me bem por ele ser tão franco comigo! O que é ético para eles: no caso daquele aluno é não influenciar os alunos, ainda que não votassem e ainda que não prestassem atenção às minhas aulas! (eram turmas muito difíceis que não respeitavam quando o professor queria falar e nem mesmo quando um deles queria falar!).

O texto Mênon, de Platão é brilhante investigação para saber se nascemos bons, somos bons como resultado da educação ou através da vivência prática. Em um primeiro momento

Sócrates pede a Mênon uma definição de “virtude”. Aristóteles, anos mais tarde, se oporá a esta tese: ser bom não requer saber o que é o bem.

(Local. uma praça pública em Atenas.) Mênon: - Estarias disposto a dizer-me, Sócrates, se a virtude pode ser ensinada? Ou se

pode ser adquirida pelo exercício? Ou quem sabe se não é nem ensinável nem adquirível pela prática, mas recebida de nossa própria natureza? Ou, talvez, de outra qualquer maneira?

Sócrates: ... "Muita honra me fazes, estrangeiro, a ponto de me julgares sabedor de se a virtude é ensinável ou se ela adquire de outro modo. Na realidade, confesso-te que não sei nem se a virtude pode ser

ensinada, nem se não pode; para dizer tudo, não sei sequer o que é a virtude!" ... Ou acaso te parece possível que alguém, não sabendo quem é Mênon, possa não obstante saber como ele é, se belo ou rico, se é nobre ou não? Achas que isso seria possível?

Mênon: - Não. Mas, é mesmo verdade, Sócrates, que ignoras o que seja a virtude? Queres que espalhemos isso em nossa terra? (2) Sócrates: - E não só isso, Mênon - mas que também jamais encontrei uma pessoa

que o soubesse! Mênon: - Como! Não te encontraste com Górgias (sofista) quando ele esteve por aqui? Sócrates: - Encontrei-me. Mênon: - E julgaste que ele não o sabia? Sócrates: - Não me recordo bem, caro Mênon, nem te posso relatar que impressão recebi

naqueles tempos ao ouvi-lo. Pode muito bem ser que o soubesse, e que tu também saibas o que ele dizia. Recorda-me, pois, o que ele ensinava; ou, melhor, dize-me tu mesmo o que é a virtude, pois, segundo penso, participas de seu modo de ver.

Mênon: - Não é difícil dizê-lo, caro Sócrates. Em primeiro lugar, se desejas saber o que é a virtude do homem, aqui a tens: ser capaz de bem dirigir o Estado; e, quando estiver administrando,

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fazer bem aos amigos e mal aos inimigos, sempre evitando o mal para si mesmo. Se queres saber qual a virtude da

mulher, não é difícil dizer que ela deve bem administrar a casa, cuidar da família, e sempre obedecer ao marido. Há ainda uma virtude própria às crianças de um ou de outro sexo; outra própria ao velho; a que convém ao homem livre, outra ao escravo. Há muitos gêneros de virtudes e não faltam as definições.

Jamais te sentirás embaraçado quando te vires na necessidade de dizer o que é a virtude: conforme a ação, conforme a idade, conforme o trabalho, há uma virtude particular. E tenho, ademais, caro Sócrates, a convicção de que o mesmo se pode dizer do vício.

Sócrates: - Como sou feliz, caro Mênon, e que sorte a minha! Eu que procurava uma só virtude, acabo de encontrar em ti um enxame de virtudes! Entretanto, já que falamos de

enxames: se eu te perguntasse: "que é a abelha?" e tu me respondesse: "as abelhas são numerosas e várias" - que haverias de replicar se em seguida eu te perguntasse: "afirmas que elas são numerosas e várias?" Ou não haverias, pelo contrário, de dizer que não é como abelhas que elas diferem umas das outras, mas, sim, por outras cousas, como por exemplo pela beleza, ou pelo tamanho, ou por qualquer outro característico do mesmo gênero?...

... Pois o mesmo se dá com as virtudes. Por mais numerosas e várias que sejam, haverá sempre um certo caráter geral, que as abranje a todas e por força do qual elas são virtudes. É este caráter geral que se deve ter em vista, para se saber o que é a virtude. Compreendes o que digo?

Mênon: Sim, creio compreender o objeto da questão mas não ainda tão claramente como eu o desejaria. Sócrates: - É unicamente a propósito da virtude, caro Mênon, que tens a opinião de que seja

uma para o homem, outra para a mulher, outra para outro qualquer, ou pensas da mesma forma no que concerne à saúde, ou ao tamanho, ou à força? Crês que a saúde seja uma para o homem, outra para a mulher, e assim por diante, ou, pelo contrário, que a noção da saúde como saúde é a mesma em toda parte, tanto para o homem como para qualquer outro objeto?

Mênon: - A saúde me parece ser a mesma cousa tanto para o homem como para a mulher. ... Parece-me, contudo, caso Sócrates, que para a virtude não vale a mesma regra que para as demais cousas!

Sócrates: - Como!? Acaso não acabaste de dizer que virtude do homem é administrar bem o Estado, e da mulher, administrar bem uma casa?

Mênon: - Sim, disse. Sócrates: - É possível administrar-se bem uma cidade, ou uma casa, ou o que quer que

seja, se não se age sábia e justamente? Mênon: - Certamente que não. Sócrates: - E administrar com justiça e com sabedoria, não será aplicar justiça e sabedoria à

administração? Mênon: - É certo. Sócrates: - Logo, os dois, homem e mulher, para serem virtuosos, precisam das mesmas

qualidades: justiça e sabedoria... Pois bem; se a virtude de todos é a mesma, procura lembrar-te e dizer-me de que, modo Górgias define a virtude, e tu com ele.

Mênon: - Se o que desejas é uma definição única, aplicável a todos os casos, ei-la; a virtude é a capacidade de governar homens.

Sócrates: - É isso de fato o que ando a procurar. Mas tu crês, meu caro Mênon, que é próprio da virtude de uma criança e de um escravo governar o seu amo? E achas que uma pessoa que governa é ainda escrava?

Mênon: - Não, Sócrates, não o creio.

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Sócrates: Isso seria, com efeito muito estranho, meu caro amigo! Todavia, repara mais no seguinte: dizes que virtude é capacidade de governar; mas não deveríamos acrescentar: "com justiça" e não de outro modo?

Mênon: - De fato, devemos. A justiça é virtude, meu caro Sócrates! Sócrates: - Como? Ela é a virtude, ou uma virtude? Mênon: - Que queres dizer? Sócrates: - O que diria para um objeto qualquer. Olha, por exemplo, direi que o circulo é uma

figura, e não que é a figura, porque há muitas outras figuras além dele. Mênon: - Tens razão. Quer-me também parecer que nem só a justiça é virtude, mas

que há muitas outras. Sócrates: - E quais são? Dize! Se queres, enumerarei as outras figuras; e tu, as outras

virtudes! Mênon: - Creio que a coragem é uma virtude, assim como também a inteligência, e a

sabedoria, a generosidade, e muitas outras. Sócrates: - Estamos a caminhar inutilmente em volta do mesmo ponto, caro Mênon!

Procurando uma virtude, vamos encontrar muitas virtudes, mas não descobrimos ainda a virtude, que abrange as demais.

Até aqui Sócrates procura mostrar que conhecer o que é a virtude requer defini-la, chegar a

uma idéia geral, não apenas citar exemplos particulares de pessoas virtuosas. Agora,

apresentaremos os argumentos utilizados para responder à pergunta: Como nos tornamos bons? A virtude é natural ou é ensinada?

A resposta de Sócrates: natural, não é, pois se alguns de nós fossem naturalmente

bonsosrecolheríamos e os guardaríamos na Acrópole.se ela pode ser ensinada,significaria que ela é uma ciência, mas nunca observamosprofessores que ensinassem a virtude e mesmo homens muito virtuosos, como o político Péricles, não conseguiu ensinar seu filho a ser virtuoso como ele foi. Conclue, então,que avirtude não é ensinadae nem é natural;ela é uma “espécie de juízo”ou opinião, oumelhor, um”instinto dado por Deus” a uma pessoa.

Para Aristóteles, não importa definir o que é virtude ou a bondade, o que importa é realizar

atos bons, assim como, é realizando atos corajosos que nos tornamos corajosos. Quem está com a

razão, Sócrates ou Aristóteles? No século XVIII e XX esta questão retorna ao debate com Jean-Jacques Rousseau e Emile

Durkheim: para o primeiro “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe” e , para o segundo, “”o homem nasce egoísta e a educação poderá torna-lo solidário”. Quem tem razão?

Aula 48 exercício de dilemas éticos ou

aulas de etiqueta? Queremos propor algumas situações hipotéticas que requererão escolhas por parte de

nossos alunos:

Page 89: Filosofia Para Adolescentes

(a) certa vez um monge estava se servindo de carne em um buffet e o filósofo Peter Singer perguntou se o budismo não defendia o vegetarianismo. O monge respondeu que não devemos matar os animais para a nossa satisfação, mas naquele caso a carne não tinha sido preparada para ele. O que você acha disso?

(b) Um bando de pessoas (cinco) assaltou um povoado vizinho e roubou todos o seu dinheiro (cinco mil). Uma das pessoas do bando ficou com sentimento de culpa e propôs aos outros integrantes que cada um tirasse uma pequena parte e não todo o dinheiro na próxima vez. No robô seguinte cada um pegou apenas uma 20% do dinheiro de cada habitante.

(c) Um trem vai atingir 5 pessoas que trabalham desprevenidas sobre a linha. Mas você tem a chance de evitar a tragédia acionando uma alavanca que leva o trem para outra linha, onde ele atingirá apenas uma pessoa. Você mudaria o trajeto, salvando as 5 e matando1? E se tivesse que matar 1 milhão para salvar 5 milhões? (Revista Superinteressante: 253; jun.2008)

(d) por que salvamos uma pessoa que se acidenta na estrada diante de nós e não fazemos o mesmo em relação a milhões de pessoas que morrem por ano na África? (Revista Superinteressante: 253; jun.2008) Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), dados de 2006-7, todos os dias, 800 milhões de pessoas adormecem com fome, sendo 300 milhões delas crianças...

(e) Você achou uma carteira no chão de uma loja e dentro havia uma nota de R$50. E agora? Lembrar Kant: quero que minha ação seja um exemplo para todas as outras pessoas seguirem?

Para o filósofo e psicólogo evolutivo Joshua Greene, da Universidade Harvard: “Nossos

ancestrais não evoluíram num ambiente em que poderiam salvar vidas do outro lado do mundo. Da forma como nosso cérebro é construído, pessoas próximas ativam nosso botão emocional, enquanto as distantes desaparecem na mente”. O que você acha disso? Ele está certo?

Uma alternativa é propor uma aula de etiqueta (pequena ética). Esta será uma aula bem

prática: interpretaremos em aula as regras mais comuns de etiqueta, como se tivéssemos em um restaurante. Como devemos nos comportar? Como usar os talheres? Podemos pedir ajuda para as alunas – as mulheres sabem mais dessas coisas ou recorrer a um livro ou, ainda, a reportagens em jornais. Será uma aula prazerosa, com certeza; imaginemos os alunos, com aquelas poses, escolhendo o talher correto, fingindo que come um prato caríssimo, que puxa a cadeira para sua companhia, etc.

Devemos, contudo, ficar atentos para não esquecer o ensino de filosofia: - Pergunte aos alunos que outras regras existem na sociedade? Dê pistas se preciso:

legislações (leis escritas pelo poder Executivo e aprovadas pelos parlamentos), costumes e mandamentos religiosos, e, o mais difícil de lembrar-se, o sentimento de que algo está certo ou está errado.

- Podemos ir além e perguntar o que acontece se cada uma destas regras não forem seguidas? Se forem as leis escritas, prisão, se as leis divinas, inferno, se o sentimento interno, surgirá a culpa ou, então, os olhares de censura da família e dos grupos sociais aos quais pertençamos.

A seguir apresentamos a Declaração dos direitos dos homens. Ao adotar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no dia 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas - ONU quer deixar para trás todos os horrores que o mundo viveu com a Segunda Guerra Mundial.

Declaração Universal dos Direitos do Homem

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PREÂMBULO Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da familia humana e

seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que

ultrajaram a consciência da Humanidade, e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade,

Considerando ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos do homem e

da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem e a observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A Assembléia Geral das Nações Unidas proclama a presente Declaração Universal dos Direitos do Homem como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

ARTIGO 1 Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e

devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. ARTIGO 2 I) Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração

sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

II) Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

ARTIGO 3 Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. ARTIGO 4 Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos estão proibidos

em todas as suas formas. ARTIGO 5 Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. ARTIGO 6 Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei. ARTIGO 7 Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos tem

direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

ARTIGO 8 Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos

que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. ARTIGO 9 Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

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ARTIGO 10 Todo o homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal

independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

ARTIGO 11 I) Todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua

culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa.

II) Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituiam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

ARTIGO 12 Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua

correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação. Todo o homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

ARTIGO 13 I) Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. II) Todo o homem tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar. ARTIGO 14 I) Todo o homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. II) Este direito não pode ser invocado em casos de perseguição legitimamente motivada por crimes de

direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas. ARTIGO 15 I) Todo homem tem direito a uma nacionalidade. II) Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade. ARTIGO 16 I) Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, tem o

direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.

II) O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. III) A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do

Estado. ARTIGO 17 I) Todo o homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. II) Ninguém será

arbitrariamente privado de sua propriedade. ARTIGO 18 Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade

de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observâcia, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

ARTIGO 19 Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem

interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.

ARTIGO 20 I) Todo o homem tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. II) Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. ARTIGO 21 I) Todo o homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de

representantes livremente escolhidos. II) Todo o homem tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. III) A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições

periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

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ARTIGO 22 Todo o homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço

nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indipensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

ARTIGO 23 I) Todo o homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de

trabalho e à proteção contra o desemprego. II) Todo o homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. III) Todo o homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure,

assim como a sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

IV) Todo o homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses. ARTIGO 24 Todo o homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a

férias remuneradas periódicas. ARTIGO 25 I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem

estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à seguranca em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

II) A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.Artigo 25

I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à seguranca em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

II) A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

ARTIGO 26 I) Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e

fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnic rofissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.

II) A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

III) Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. ARTIGO 27 I) Todo o homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e

de participar do progresso científico e de fruir de seus benefícios. II) Todo o homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer

produção científica, literária ou artística da qual seja autor. ARTIGO 28 Todo o homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades

estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados. ARTIGO 29 I) Todo o homem tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua

personalidade é possível. II) No exercício de seus direitos e liberdades, todo o homem estará sujeito apenas às limitações

determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

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III) Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

ARTIGO 30 Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer

Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer direitos e liberdades aqui estabelecidos.

Aula 49: Bioética: vida e morte Em síntese, Bioética trata desde a vida até a morte: a partir de que momento

um ser tem direitos? Podemos fazer aborto? Com base no direito do feto ou do corpo da grávida? Podemos fazer eutanásia, por que a pessoa está sofrendo? O que é dor? Podemos usar células extraídas de feto para curar as doenças de pessoas adultas? Podemos clonar seres humanos para tirar deles órgãos para curar nossas doenças (como se vê no filme A Ilha)?

Vejamos com atenção às seguintes teorias que estabelecem o momento do surgimento da vida:

Aborto é assassinato? Pesquisar células-tronco é brincar com pequenos seres humanos?

Manipular embriõesé crime? Polêmicas como essas só se resolverão ao determinarmos quando, de fato, começa a vida humana.

Ninguém é capaz sequer de explicar o que é vida. Só no Aurélio há 18 tentativas. Saber onde começa a vida é uma pergunta antiga. Tão velha quanto a arte de perguntar – a

questão despertou o interesse, por exemplo, do grego Platão, um dos pais da filosofia. Em seu livro República, Platão defendeu a interrupção da gestação em todas as mulheres que engravidassem após os 40 anos. Por trás da afirmação estava a idéia de que casais deveriam gerar filhos para o Estado durante um determinado período. Mas quando a mulher chegasse a idade avançada, essa função cessava e a indicação era clara: o aborto. Para Platão, não havia problema ético algum nesse ato. Ele acreditava que a alma entrava no corpo apenas no momento do nascimento.

Contemporâneo e pupilo de Platão, Aristóteles afirmava que o feto tinha, sim, vida. E estabelecia até a data do início: o primeiro movimento no útero materno. No feto do sexo masculino, essa manifestação aconteceria no 40º dia de gestação. No feminino, apenas no 90º dia – Aristóteles acreditava que as mulheres eram física e intelectualmente inferiores aos homens e, por isso, se desenvolviam mais lentamente. Como naquela época não era possível determinar o sexo do feto, o pensamento aristotélico defendia que o aborto deveria ser permitido apenas até o 40º dia da gestação.

Sêneca, um dos filósofos mais importantes da época, contou que era comum mulheres induzirem o aborto com o objetivo de preservar a beleza do corpo. Além disso, quando um habitante de Roma se opunha ao aborto era para obedecer à vontade do pai, que não queria ser privado de um filho a quem ele tinha direito.

E assim foi por um bom tempo – até o ano de 1588, quando o papa Sixto 5º condenou a interrupção da gravidez, sob pena de excomunhão. Nascia aí a condenação do Vaticano ao aborto, você deve estar pensando. Errado. O sucessor de Sixto, Gregório 9º, voltou atrás na lei e determinou que o embrião não formado não poderia ser considerado ser humano e, portanto,

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abortar era diferente de cometer um homicídio. Essa visão perdurou até 1869, no papado de Pio 9º, quando a Igreja novamente mudou de posição.

Como cientistas e teólogos não conseguiam concordar sobre o momento exato, Pio 9º decidiu que o correto seria não correr riscos e proteger o ser humano a partir da hipótese mais precoce, ou seja, a da concepção na união do óvulo com o espermatozóide.

Que bom se fosse tão simples assim. Hoje sabemos que não existe um momento único em que acontece a fecundação. O encontro do óvulo com o espermatozóide não é instantâneo. Em um primeiro momento, o espermatozóide penetra no óvulo, deixando sua cauda para fora. Horas depois, o espermatozóide já está dentro do óvulo, mas os dois ainda são coisas distintas. Atualmente, os pesquisadores preferem enxergar a fertilização como um processo que ocorre em um período de 12 a 24 horas.

A teoria da fecundação como início de vida sofre um abalo quando se leva em consideração que o embrião pode dar origem a dois ou mais embriões até 14 ou 15 dias após a fertilização. Como uma pessoa pode surgir na fecundação se depois ela se transforma em 2 ou 3 indivíduos? E tem mais complicação. É bem provável que o embrião nunca passe de um amontoado de células. Depois de fecundado numa das trompas, ele precisa percorrer um longo caminho até se fixar na parede do útero. Estima-se que mais de 50% dos óvulos fertilizados não tenham sucesso nessa missão e sejam abortados espontaneamente, expelidos com a menstruação.

Além dessa visão conhecida como "genética", há pelo menos outras 4 grandes correntes científicas que apontam uma linha divisória para o início da vida. Uma delas estabelece que a vida humana se origina na gastrulação – estágio que ocorre no início da 3ª semana de gravidez, depois que o embrião, formado por 3 camadas distintas de células, chega ao útero da mãe. Nesse ponto, o embrião, que é menor que uma cabeça de alfinete, é um indivíduo único que não pode mais dar origem a duas ou mais pessoas. Ou seja, a partir desse momento, ele seria um ser humano.

Para complicar ainda mais, há uma terceira corrente científica defendendo que para saber o que é vida, basta entender o que é morte. E países como o Brasil e os EUA definem a morte como a ausência de ondas cerebrais. A vida começaria, portanto, com o aparecimento dos primeiros sinais de atividade cerebral. E quando eles surgem? Bem, isso é outra polêmica. Existem duas hipóteses para a resposta. A primeira diz que já na 8ª semana de gravidez o embrião – do tamanho de uma jabuticaba – possui versões primitivas de todos os sistemas de órgãos básicos do corpo humano, incluindo o sistema nervoso. Na 5ª semana, os primeiros neurônios começam a aparecer; na 6ª semana, as primeiras sinapses podem ser reconhecidas; e com 7,5 semanas o embrião apresenta os primeiros reflexos em resposta a estímulos. Assim, na 8ª semana, o feto – que já tem as feições faciais mais ou menos definidas, com mãos, pés e dedinhos – tem um circuito básico de 3 neurônios, a base de um sistema nervoso necessário para o pensamento racional.

A segunda hipótese aponta para a 20ª semana, quando a mulher consegue sentir os primeiros movimentos do feto, capaz de se sentar de pernas cruzadas, chutar, dar cotoveladas e até fazer caretas. É nessa fase que o tálamo, a central de distribuição de sinais sensoriais dentro do cérebro, está pronto.

Apesar da discordância em relação ao momento exato do início da vida humana, os defensores da visão neurológica querem dizer a mesma coisa: somente quando as primeiras conexões neurais são estabelecidas no córtex cerebral do feto ele se torna um ser humano. Depois, a formação dessas vias neurais resultará na aquisição da "humanidade".

Para o filósofo Peter Singer, da Universidade de Princeton, nos EUA, levado às últimas conseqüências o critério da autoconsciência pode ser usado para considerar o infanticídio moralmente aceitável em algumas situações. Segundo ele, é lícito exterminar a vida de um embrião, feto, feto sem cérebro ou até de um recém-nascido extremamente debilitado se levarmos em conta que o bebê não têm consciência de si, sentido de futuro ou capacidade de se relacionar com os demais.

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Em julho de 2004, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminar liberando o aborto de fetos anencéfalos no país. A decisão final da Justiça, que pode legalizar definitivamente o aborto de anencéfalos no Brasil, deve sair a qualquer momento.

E a morte, quando ocorre? Precisamos saber quando ela acontece para pode tirar órgãos

para transplante, do contrário estaríamos salvando uma pessoa e matando outra!

Quando ocorre a morte? Diversos métodos foraminventados paradeterminaro momento em que uma pessoa morre, especialmente porque as pessoas tinham medo de serem enterradas vivas:

Em 1740, o anatomista francês Jacques-Bénigne Winslow publicou artigo levantando dúvidas sobre como comprovar que alguém estava de fato morto.

Em 1785, o médico britânico William Tossach provou que um homem afogado (e dito morto) poderia ser ressuscitado ao encher seus pulmões de ar.

A técnica do médico francês Jean Baptiste Vincent Laborde consistia em puxar a língua do defunto por 3 horas. Mais tarde, ele inventaria uma máquina à manivela que executava a tarefa.

A maioria dos médicos da época mantinha-se fiel à antiga técnica de verificação de morte: a putrefação. Na Alemanha, cidades construíam câmaras mortuárias onde os cadáveres eram vigiados e mantidos até começarem a apodrecer.

Em 1846, o francês Eugene Bouchut ganhou um prêmio da Academia de Ciências de Paris Sua proposta: observar durante 10 minutos 3 sinais da morte – ausência da respiração, dos batimentos cardíacos e da circulação.

Já no final do século 19 o legista Paul Brouardel verificou que o coração de pessoas decapitadas continuava a bater por até uma hora. Concluiu, então, que a morte não era uma questão de coração e pulmão, mas de sistema nervoso central. Ou seja, é impossível que um indivíduo sobreviva sem cabeça, ainda que seu coração funcione. A observação de dano ao sistema nervoso central foi somada à tríade: se, sob um forte feixe de luz, a pupila estiver dilatada, quer dizer que as funções neurológicas não existem mais. É sinal de morte.

Em 1957, um grupo de médicos franceses foi ao Vaticano pedir ajuda. O papa Pio 12 respondeu 3 dias depois. "A morte não é território da Igreja", afirmou no texto O Prolongamento da Vida. "Cabe aos médicos dar sua definição."

Em 1968, um comitê foi formado na Universidade de Harvard para estabelecer critérios mínimos de morte. O grupo determinou que a parada total e irreversível das funções encefálicas. A idéia é que existe um ponto a partir do qual a destruição das células do tronco cerebral é de tal ordem que o indivíduo não tem mais como se recuperar (Se o sangue deixar de fluir no cérebro por mais de 4 minutos, os neurônios do córtex param de funcionar e a pessoa deixa de sentir e pensar.). Esse momento engloba toda a atividade encefálica, não apenas lesões que deixam uma pessoa em coma ou inconsciente para sempre.

Meses antes, o primeiro transplante de coração havia sido feito na África do Sul. Diagnosticar a morte com o máximo de antecedência, portanto, possibilitaria manter tecidos e órgãos intactos.

Um jovem chega à UTI de um pronto-socorro com trauma de crânio causado por um acidente de carro. Os médicos logo se dão conta de que seu caso é irrecuperável. Mesmo assim, somente profissionais da neurologia podem protocolar esse tipo de óbito.

Quando entra na sala, o neurocirurgião começa a buscar algum reflexo cerebral. O primeiro exame consiste no velho teste da sensibilidade das pupilas, seguido de uma puxada suave do tubo de respiração do paciente. Em pessoas com o cérebro ativo, essa ação provoca tosse ou vômitos. Depois, o médico faz o teste dos "olhos de boneca", virando a cabeça para o lado para ver se os

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olhos acompanham o movimento ou ficam parados, como se fossem de brinquedo. Outro exame é ainda mais estranho: colocar soro gelado em um dos ouvidos do paciente. Se os olhos desviarem para o lado contrário da água, ainda existe algum sinal de vida cerebral. Se nenhuma das tentativas der resultado, passa-se ao teste de apnéia: o médico desconecta o ventilador que mantém a respiração para ver se há tentativa de buscar ar por conta própria. Se a taxa de oxigênio no sangue começa a baixar, os médicos rapidamente reconectam o aparelho. Mas certos de que o tronco encefálico, responsável pelo ato involuntário da respiração, não funciona mais.

Diversos estudos apontam os riscos da apnéia, que poderia provocar queda de pressão, reduzindo o fluxo sanguíneo no cérebro e, eventualmente, matando pacientes recuperáveis. anestesista britânico David Hill preferiria ver a apnéia substituída pela hipotermia, que resfria o corpo para 33 ºC por até 24 horas na tentativa de recuperar alguma atividade cerebral. Esse tratamento, porém, é considerado caro, pode deteriorar a qualidade do órgão que será doado.

Além da apnéia, há exames toxicológicos: é preciso ter certeza que o sistema nervoso não está em pane pela ingestão de álcool, barbitúricos ou analgésicos. Também é feita uma angiografia, a radiografia de 4 vasos cerebrais em busca de algum fluxo sanguíneo. Se as respostas são negativas, o trabalho do neurocirurgião está encerrado, mas não, ele ainda não pode assinar o óbito dizendo que o jovem do carro está morto. Pela lei, todo o procedimento tem de ser repetido pelo menos 6 horas depois.

Se os parentes concordarem, médicos voltam para a UTI, onde o corpo, legalmente morto há

algumas horas, respira por aparelhos, tem o coração batendo e órgãos vitais perfeitos. Aquela pessoa nunca mais vai sentir, ver ou ter algum traço de pensamento racional, mas, quando o bisturi penetrar na pele, é possível que ela dê um pulo. Parece filme de terror, não? Trata-se do "efeito lazaróide" (de Lázaro, aquele que Jesus ressuscitou). Não significa que a pessoa teve alguma dor: é apenas um reflexo da medula espinhal. Por isso, alguns médicos costumam aplicar anestesia geral antes da operação. Mas espera aí: se a pessoa já está morta, por que anestesiá-la?

Após a retirada dos órgãos, os aparelhos são finalmente desligados. O sangue começa a parar, o coração dá as últimas batidas, as células deixam de se reproduzir. Depois de 3 horas, ainda é possível fazer um braço se contrair com estímulos elétricos. Só então o corpo do jovem que se acidentou com um carro fica duro, pálido e frio, aquilo que as pessoas geralmente aceitam como morte.

Com ajuda de um respirador, o coração pode ser mantido batendo e o sangue circulando. E apesar de clinicamente morto, o paciente pode suar e reagir a cortes. Mas se os aparelhos forem retirados, coração e respiração param. O sangue pára de circular e as células deixam de se reproduzir. Com o fim da circulação, o sangue começa a coagular nos órgãos e tecidos, deixando-os inviáveis para transplantes. Algumas exceções: as córneas, que podem ser retiradas até 3 horas, e os ossos, que resistem até 6 horas após o fim da respiração.

Cerca de 3 horas após a parada cardíaca, o corpo toma o aspecto conhecido como morte. O fim da circulação deixa a pele pálida. O sangue estaciona, produzindo a rigidez cadavérica, que começa no pescoço e termina nos pés. O calor do corpo cai cerca de 1o C por hora, até ser regulado pela temperatura ambiente. O corpo começa a se comportar como um objeto físico. A membrana das células não funciona mais e o cadáver começa a perder água. Dezoito horas depois da parada cardíaca, as bactérias começam a decompor o cadáver e iniciam a putrefação. Depois de 8 semanas, resta apenas o esqueleto.

É correto deixar de socorrer um bebê que ainda respira? Devo ajudar a matar meu irmão que não quer ficar para sempre imóvel numa cama? A questão é especialmente difícil para os médicos. Ficamos entre duas opções: sermos assassinos ou torturadores", diz Almeida, da Unifesp. A lei no Brasil encara como homicídio a eutanásia, o ato deliberado de apressar o fim de quem está morrendo. A ortotanásia, a "morte no momento certo", é considerada omissão de socorro e tem

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pena de 1 a 6 meses de prisão. Apesar disso, a ortotanásia é freqüentemente praticada. O médico retira os aparelhos e deixa o doente seguir seu curso de morte. Outros médicos, diante de pacientes terminais que sofrem dores atrozes, aplicam sedativos acima do limiar tóxico, sabendo que isso resultará em morte".

O caso da americana Terri Schiavo (em Estado vegetativo há 15 anos, teve danificado o córtex, a "casca" do cérebro, região responsável pelo raciocínio, movimentos voluntários e sentidos, não senti, nem tem memória ou consciência de si, mas a atividade automática do corpo continua normal. Os olhos mantêm-se abertos, há respiração e até choro involuntário) é o melhor exemplo. Após os tribunais americanos decidirem pela retirada dos tubos de alimentação, Terri levou 13 dias para morrer de fome e de sede. "Seria bem mais ético aplicar uma injeção letal para reduzir não o sofrimento dela, que era incapaz de sentir, mas da família e dos médicos que a trataram por tanto tempo", afirma Almeida.

Uma lei sancionada pelo então governador Mário Covas em 1999 estabelece o direito de um doente recusar o prolongamento de sua agonia e optar pelo local da morte. O próprio Covas, que morreu de câncer, beneficiou-se dessa lei. O papa João Paulo 2º fez a mesma escolha. Silenciado pelo mal de Parkinson, morreu em seu apartamento no Palácio Apostólico.

Há outro texto, também, sobre a morte. Podemos comparar os dois, identificar semelhanças

e diferenças entre eles, um texto científico e outro, filosófico.

“Pensar a morte”. Luiz Carlos Susin (professor da PUCRS) Os antigos filósofos epicuristas, que davam receitas para viver com o máximo de prazer e

equilíbrio esta curta vida que nos cabe, queriam despreocupar seus ouvintes com a leviana fórmula: “quando você está, a morte não está; quando a morte está, você não está”. É claro que isso não resolve a morte de quem amamos e a dor que sofremos por uma perda irreparável.

Uma vaca é mortal, mas não sabe e, por isso, não se preocupa, não se angustia, é símbolo de tranqüilidade. Mas, nós sabemos que vamos morrer e, por isso, nos pré-ocupamos. Quase tudo ou talvez tudo o que fazemos tem sua razão última e secreta neste fato: somos mortais. Nossas lutas com a saúde e a medicina, nosso cuidado com vestir e morar, nossa profissão, economia, organizações, talvez toda a nossa cultura, provém dessa luta com a morte inevitável que procuramos adiar.

A morte revela nosso “fim”, ou seja, nossa limitação, finitude humana. Humilha, por isso, nossos pensamentos, sobretudo o pensamento de que somos seres livres, de que a liberdade é o valor mais alto de nossas vidas, que nos distingue como humanos e pela qual vale a pena lutar. Muitos até morreram pela liberdade. No entanto, a morte torna nosso pensamento sobrecarregado, pesado, “preso” e o pensamento se mistura com angústia e agonia. Um filósofo moderno, Martin Heidegger, ficou célebre por sua curta definição de ser humano: “ser-para-a-morte”. No entanto, segundo ele, a morte e a finitude que ela revela cruamente, nos permite antecipar uma decisão vital: ela mostra o “nada” sobre o qual dança a nossa liberdade finita, sem raízes. Podemos, assim, assumir esta vida limitada como única forma de ser autenticamente livres.

Desejo de imortalidade Os filósofos anteriores,porém,sobretudo o grande Platão, tomaram uma direção contrária: pela

alma nós somos imortais, embora pelo corpo sejamos mortais. É o “dualismo” de corpo/ alma, como forma de solução.a alma participaria da esfera divina e imortal por sua forma espiritual, incorpórea.Na verdade, isso é mais uma opinião, pois que de nós sabe o que é puramente espiritual, uma vez que tudo em nós, até os sentimentos mais espirituais têm uma base corporal? Nós não sabemos o que é ser fora do corpo, apesar de todos os esforços exotéricos. É duro ser autêntico e reconhecer, como fez Heidegger, de que não podemos saber se somos imortais nem

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pela alma e que o dualismo grego é antes furto de um desejo. Este desejo de imortalidade pode estar nas religiões, na filosofia, na ciência, na tecnologia, em tudo o que fazemos. Nós queremos ser felizes e para garantir a felicidade “para sempre”, desejamos a imortalidade. Se não é imortal, a felicidade não vale a pena,o balanço de custo-benefício faz o peso da balança afundar nos custos. Mas desejar ser imortal não é prova de que somos de fato imortais. E a morte dos que amamos revela o contrário, abre o abismo da morte em que mergulha o amor,um amor que quer ser “para sempre” e, por isso mesmo, é o que há de mais doloroso na catástrofe da morte.

Gabriel Garcia Marques, prêmio Nobel de Literatura, afirmou que há apenas dois assuntos pelos quais vale a pena a literatura: amor e morte. Tanto o amor como a morte se encontram como os maiores inimigos na grande trama e batalha que decide a vida no seu extremo. A ficarmos com os Cânticos dos cânticos, da Bíblia, o amor é o único capaz de enfrentar a morte de frente, porque “o amor é forte como a morte”. De certa forma, “amar é morrer”, por que o amor nos joga para fora de nós mesmos em direção a quem amamos. E exatamente por isso, quando a morte nos toca e nos aniquila, não nos encontra mais em nós mesmos, não porque já não somos, como pensavam os epicuristas, mas porque estamos na pessoa amada. A morte não consegue aniquilar o amor, nem sequer tocá-lo, pois é próprio do amor fazer morrer para si mesmo antes mesmo da morte, habitando e se abrigando em quem se ama...

Outras histórias sobre morte associadas aos povos e suas culturas:

* Há muito tempo, no Tibete, uma mulher viu seu filho, ainda bebê, adoecer e morrer em seus

braços, sem que ela nada pudesse fazer. Desesperada, saiu pelas ruas implorando que alguém a ajudasse a encontrar um remédio que pudesse curar a morte do filho. Como ninguém podia ajudá-la, a mulher procurou um mestre budista, colocou o corpo da criança a seus pés e falou sobre a profunda tristeza que a estava abatendo. O mestre, então, respondeu que havia, sim, uma solução para a sua dor. Ela deveria voltar à cidade e trazer para ele uma semente de mostarda nascida em uma casa onde nunca tivesse ocorrido uma perda. A mulher partiu, exultante, em busca da semente. Foi de casa em casa. Sempre ouvindo as mesmas respostas. "Muita gente já morreu nessa casa"; "Desculpe, já houve morte em nossa família"; "Aqui nós já perdemos um bebê também." Depois de vencer a cidade inteira sem conseguir a semente de mostarda pedida pelo mestre, a mulher compreendeu a lição. Voltou a ele e disse: "O sofrimento me cegou a ponto de eu imaginar que era a única pessoa que sofria nas mãos da morte".

* Em certas ordens religiosas católicas, os monges, ao se encontrarem nos corredores do mosteiro, costumam dizer uns aos outros: "Memento mori", uma expressão latina que significa "lembre-se de que vai morrer". A saudação – que é o contraponto de "Carpe diem" ("aproveite o dia") – funciona como um exercício espiritual de aceitação gradual e diária da morte, vendo-a como uma conseqüência da própria vida e também de preparação para o momento em que ela acontecer. O contrário disso é o culto ao ego, ao "pequeno eu" que há dentro de cada um de nós, manifestado na não-aceitação do curso natural dos acontecimentos, quando ele não ocorre como gostaríamos. E que está presente no indivíduo que tenta se colocar sempre acima do todo a que pertence. Ao não conseguir fazê-lo, esse "eu" sofre exagerada e desnecessariamente para aceitar a parte que lhe cabe.

* Uma história antiga ajuda a entender melhor esse processo de pequenas aprendizagens – e como muitos de nós o ignoram. Um dia, há muito tempo, um homem resolveu fazer um trato com a Morte. Prometeu a ela que não ofereceria resistência quando sua hora chegasse. Mas pediu, em troca, que fosse avisado com antecedência porque queria ter tempo suficiente para terminar todas as suas tarefas. O acordo foi feito. Tempos depois, houve um acidente grave na cidade e muitos amigos do homem morreram. Anos mais tarde, um vizinho próximo faleceu. Em seguida, foi a vez de um tio. Até que o homem ficou doente e, em alguns meses, encontrou-se com a Morte. Ela tinha

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vindo buscá-lo. Revoltado, reclamou: "Eu pedi que você me avisasse quando viria e não recebi um sinal!" Ao que a Morte respondeu: "A morte dos seus amigos, do seu vizinho, do seu tio não bastaram?"

Para quem busca na filosofia maneiras de lidar melhor com a morte, as reflexões finais do filósofo grego Sócrates – condenado a tomar cicuta, um veneno letal –, realizadas no século V a.C., representam um excelente exercício de aceitação. "Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas. Ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja. Ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para outro", afirmou Sócrates. Em outras palavras: para quem não acredita na continuação da vida, a morte é o nada, é a ausência completa de angústias e desesperos, é o fim das aflições. E para quem acredita na continuação da vida, a morte é a passagem desta existência para outra melhor. De qualquer modo, a dor estaria na vida e não na morte.

Quando chegou o momento de beber o veneno, Sócrates disse a seus discípulos, numa última lição: "Mas já é hora de irmos: eu para a morte e vocês para viverem. Mas quem vai para melhor sorte é segredo, exceto para Deus."

Mesmo no mundo ocidental, no entanto, sobrevivem tradições que, ao festejar a morte, celebram a vida. O "Dia dos Mortos", no México, é um exemplo disso. "Ainda existem aldeias que desenterram os mortos nesse dia. Trata-se de um costume indígena milenar. As refeições são feitas no cemitério e as crianças ganham doces e bombons em forma de caveiras", diz o historiador Leandro Karnal, professor de História da América na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "No interior do país, sobrevive a prática de conversar com os mortos para colocá-los a par do que aconteceu durante o ano." As famílias preparam altares para seus falecidos e neles colocam os objetos de predileção do parente morto: livros, cigarros, comidas, fotografias.

* atitude de festejar a morte também está presente na cultura japonesa. "Povoado do Moinho", o último episódio do filme Sonhos (1992), do diretor japonês Akira Kurosawa, exibe o confronto entre a antiga concepção de morte, expressa nos ritos funerários do vilarejo, e a nova, ocidentalizada, representada por um forasteiro que assiste à cerimônia. O cortejo segue, alegre, pelas ruas do povoado. Crianças, jovens e adultos cantam e dançam durante todo o trajeto do enterro. Eles celebram a morte de uma das mulheres mais velhas da aldeia. O clima de festa surpreende o forasteiro, acostumado – como nós – à atmosfera sombria de boa parte da liturgia funerária ocidental. Um velhinho centenário, então, explica ao rapaz que é uma honra encontrar a morte depois de uma existência tão plena como a daquela mulher.

* A morte já foi vista de modo mais familiar pelo Ocidente. E não faz tanto tempo assim. Até meados do século passado, era costume morrer em casa, cercado por parentes. "A família reunia-se em volta do leito para ouvir a última palavra daquele que estava morrendo", afirma o historiador Eduardo Basto de Albuquerque, da Universidade Estadual Paulista, em Rio Claro. "Era um momento de despedida." Não se ocultava das crianças a morte como se faz atualmente. O velório também era, na maioria das vezes, realizado em casa – tradição que ainda sobrevive em algumas cidades do interior do Brasil. "Existiam comidas típicas para a ocasião. Os parentes preparavam alguns pratos para receber os conhecidos que participavam do enterro”.

Aula 50-51: O Inferno de Dante. Quando se fala de bem e mal vem à mente a imagem do demônio, um anjo caído, que

rebelou-se contra Deus (porque a divindade dava mais atenção aos símios humanos do que aos anjos; aliás, por que lúcifer se uniria aos humanos contra Deus?, uma trégua com aqueles que ele rejeita?), o que sugere uma primeira questão: uma alma sem corpo? Além disso, há um inferno, um

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lugar físico? E a afirmação do falecido papa João Paulo II de que o inferno é um estado emocional que a própria pessoa se coloca? Após assistirmos ao documentário do Discovery Channel sobre a obra Inferno, do escritor renascentista Dante Alighieri, podemos reforças os assuntos apresentados com um jogo: alunos versus alunas para ver quem entendeu os assuntos tratados: os círculos do inferno, a diferença entre fraqueza e maldade, o inferno como um lugar frio, sem a luz divina, Dante, poeta e político exilado de sua cidade acabou escrevendo esta obra para refletir sobre sua própria experiência dolorosa, etc.

Há uma entrevista feita com um pesquisador norte-americano - Henry Kelly , da Universidade da Califórnia à revista Época – que escreveu um livro onde expõe a tese de que o demônio, antes de ser contrário a Deus, é um auxiliar Dele para nos testar. Além disso, se já não fosse suficiente, relembra que a tese do pecado original teve origem com Santo Agostinho, no século IV dC. Quando lemos a história de Jó e toda a sua resignação diante das desgraças que o afligiam, não percebemos que a tese daquele professor fazia sentido: no texto bíblico fala claramente que Deus permitiu que o demônio testasse Jô para provar que este era fiel ao criador.

Há, também, algumas religiões que negam o inferno como um lugar físico (A igreja Congregacionista, Presbiteriana), há os adventistas que negam ainda o purgatório e os Testemunhas de Jeová que atribuem o nome “lúcifer”, conforme leitura da Bíblia, ao rei da Babilônia, Nabucodonosor, que não podem deixar de serem citadas.

Ao fim do vídeo fizemos um jogo entre alunos e alunas para que competissem respondendo a questões sobre o que assistiram.

� Propomos que a turma se divida em dois grupos (pode ser masculino e feminino,

por exemplo) e cada um deles formule cerca de 10 questões sobre o filme. A cada resposta certa, o grupo receberá “x” pontos, a cada resposta errada, perderá “x” pontos ou não receberá nenhum.

Aula 52: violência. Há um texto da revista Superinteressante que trata das causas possíveis do

surgimento de psicopatas:

Mente que mata: Por que certas pessoas não consegue m conter o impulso violento que há em todos nós? O que leva alguns cri minosos a ser tão cruéis? Saiba o que diz a ciência . (extraído da revista Superinteressante/ abril de 2002)

Quem nunca teve vontade de esganar alguém? Por mais zen que possa parecer, ninguém está

livre do arrebatador impulso para a violência. "Assim como em outros animais, a violência faz parte do ser humano", diz Márcia Regina da Costa, professora de Antropologia da PUC de São Paulo. "Assim como ocorre com os nossos desejos sexuais, a vida em sociedade exige a repressão de alguns instintos", afirma o psicólogo paulista Antônio Carlos Amador Pereira, especialista em desenvolvimento psíquico de adolescentes e adultos. Ou seja: por mais vontade que tenha de agredir alguém, você tem que renunciar a esse desejo para viver em grupo. "Essa é a diferença entre a vida selvagem e a civilização".

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Mas como explicar os crimes perversos que foram planejados com a tranqüilidade de quem prepara uma refeição? O que se passa na mente de um seqüestrador que agiu teoricamente em busca de dinheiro mas que não se conteve e estuprou e queimou sua refém? Segundo a medicina, psicopatas são, na verdade, portadores do distúrbio de personalidade anti-social."A prevalência desse distúrbio na população é estimada em 2,5%".Segundo essa proporção, o Brasil teria nada menos que 4,5 milhões de pessoas nessa condição – o equivalente à soma das populações do Estado de Mato Grosso e de Sergipe. Muita gente, não? Ainda bem que nem todos os psicopatas são criminosos cruéis. "Sofrer desse distúrbio não significa necessariamente que a pessoa seja ou se torne um assassino". Na maioria dos portadores desse transtorno, o comportamento anti-social se manifesta por traços como egoísmo e falta de escrúpulos. É aquele colega de trabalho que atropela os outros para subir na vida ou o político que desvia dinheiro de um hospital para crianças órfãs com câncer para sua conta bancária. "Boa parte dessas pessoas também são psicopatas", diz Del Nero. "Mas menos de um 1% comete assassinatos cruéis."

O motoboy Francisco de Assis Pereira é um dos que estão nessa lista. Em 1998, ele confessou ter assassinado dez mulheres no Parque do Estado, em São Paulo. A técnica do "Maníaco do Parque", como ficou conhecido, era seduzir moças e depois estuprá-las e matá-las por estrangulamento. Ao confessar seus crimes, Pereira estava com o olhar sereno. Não demonstrou sinais de emoção ou de arrependimento e disse que, se retornasse às ruas, voltaria a matar. "Os psicopatas sabem que estão fazendo algo errado", afirma o psiquiatra americano Jonathan Pincus. "Eles simplesmente não sentem que estão fazendo algo errado."

Mas, afinal, qual a origem desse transtorno? O chamado psicopata nasce assim ou é fruto do ambiente em que vive? Até hoje, os pesquisadores se dividem. De um lado estão os que procuram encontrar no cérebro a origem da sociopatia. Uma pesquisa analisou imagens computadorizadas de cérebros de sociopatas e sugeriu que eles apresentam algumas alterações no córtex frontal, a parte do cérebro que fica logo abaixo da testa e que é considerada responsável por nossa capacidade de sentir emoções. Resta saber se essa alteração é genética ou fruto de algum distúrbio psicológico adquirido.

Do outro lado estão os que acreditam que a insensibilidade dos psicopatas é fruto de um trauma, como violência ou abuso sexual na infância. Enfim, um problema de software e não de hardware. Outro ponto polêmico que divide os especialistas é o papel da pobreza na formação de assassinos frios. "Em regiões pobres, há mais famílias desestruturadas, mais abuso e violência infantil e, conseqüentemente, mais assassinos frios." Para o psicólogo Antônio Carlos Amador Pereira, da PUC de São Paulo, esse elo é mais direto: "Viver numa sociedade que celebra o consumo e se sentir excluído dessa festa é claro que torna uma pessoa muito mais vulnerável ao ódio e à violência", diz. "Por que você acha que alguns seqüestradores vão direto a um shopping center depois que recebem o resgate?" Além do consumo, o psicólogo diz que a violência tem outro atrativo para jovens excluídos: a sensação de poder. "Com uma arma na mão, uma pessoa se sente uma espécie de Deus, com o poder sobre a vida e a morte de outro ser humano", diz o psicólogo. "É preciso que a violência deixe de ser encarada como a única forma, ainda que breve, de viver intensamente."

Quatro tipos de matadores:

TED KACZYNSKI (UNABOMBER) CRIME - Matou três pessoas e feriu 16 enviando bombas pelo correio a executivos de empresas de tecnologia. DIAGNÓSTICO - Esquizofrênico. Apesar de ser uma situação rara em alguns casos essa doença mental pode ser o

estopim para a violência. JEFFREY DAHMER CRIME - Matou 17 rapazes e comeu seus órgãos.

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DIAGNÓSTICO - Psicopata. Dahmer tem todos os traços do portador de distúrbio de personalidade anti-social (o chamado psicopata). Quando foi preso, em 1991, mostrou os corpos que mutilava e comia sem manifestar emoção.

CHARLES MANSON CRIME - Participou do assassinato e mutilação de mais de cinco pessoas – entre elas Sharon Tate, mulher do

cineasta Roman Polanski, que estava grávida de oito meses. DIAGNÓSTICO - Abuso na infância. Não conheceu o pai e a mãe ficou presa por roubo durante boa parte da

infância de Charles. MATEUS DA COSTA MEIRA CRIME - Em 1999, disparou uma submetralhadora contra a platéia de um cinema em São Paulo. Três pessoas

morreram e cinco ficaram feridas. DIAGNÓSTICO - Surto causado por drogas. Mateus tinha consciência do que fazia e não foi considerado psicopata.

Tinha problemas de personalidade e usava cocaína no momento do crime.

Por que as pessoas se drogam? O sentido de usar drogas varia de cultura para cultura e de momento para momento. Mas, por

trás de todas as nuanças, o interesse do usuário é sempre o mesmo e o mais óbvio possível: a busca do prazer. E droga dá prazer, não há como negar. Por que, então, algumas pessoas usam drogas e outras não? E por que algumas pessoas usam uma droga e viciam, e outras não?A droga dá prazer, mas não para qualquer um. Tem gente que não gosta da sensação de ficar com a consciência alterada. Essas pessoas não voltarão a usar, porque ninguém fica dependente de algo que cause desprazer. O que prova que não é o acesso à droga que gera o uso, diz o psiquiatra Dartiu Xavier.

O conhecimento humano ainda não permite saber, de antemão, quem vai virar dependente de uma substância. Mas as pistas indicam que os dependentes de droga têm dificuldades em sentir prazer e encontram nas drogas um alívio para o sofrimento que os atormenta emocionalmente.

O uso precoce é um dos fatores de risco mais importantes. Até os 16 ou 18 anos, a personalidade do jovem ainda não está desenvolvida, ele ainda está tentando encontrar sua forma de se relacionar com o mundo. Oferecer a ele uma fonte instantânea de prazer pode ofuscar sua visão para outros mecanismos saudáveis que, tanto quanto as drogas, têm o poder de alterar sua consciência e seus sentimentos, como os esportes, os estudos e as atividades artísticas.

Famílias pouco afetivas também povoam o histórico de muitos usuários regulares. É como se o sujeito possuísse um déficit afetivo, uma sede do prazer negado pela família. Essa lacuna ele vai ocupar de alguma maneira, muitas vezes com drogas.

Por fim, a prevalência de transtornos psíquicos entre usuários reforça a tese de que as drogas trazem alívio a quem as consome. Depressão, pânico, distúrbio de atenção e quadros de ansiedade são mais comuns entre usuários de droga. E, em geral, precedem o uso. Em São Paulo, uma pesquisa com 523 usuários de drogas identificou que 44% tinham doença depressiva. Desses, 77% já sofriam de depressão antes do contato com drogas. Ou seja: o uso de drogas é conseqüência e não causa desse desequilíbrio, desse desespero emocional.

A pressão social também favorece o uso de drogas. Mas não se trata, aqui, da influência de más companhias e, sim, de algumas das mensagens transmitidas à sociedade. Entre outros recados, ensina-se às crianças que a felicidade está ligada ao consumo e que a tristeza e a solidão devem ser eliminadas. Estamos dizendo que a felicidade pode ser comprada e que tristeza e solidão devem ser evitadas a qualquer preço. Se você parar para pensar, a relação doentia entre consumidores e produtos é igual à que existe entre os dependentes e as drogas, diz Dartiu Xavier.

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Para Richard Davenport-Hines, que estudou a relação entre os homens e as drogas ao longo da história, o ser humano consome drogas porque isso simplesmente faz parte da sua natureza. Seres humanos precisam ocasionalmente de momentos de fuga da sua existência costumeira. Alguns escalam montanhas, outros entram para monastérios, outros ficam completamente bêbados e alguns usam drogas. Não há nada natural em estar sóbrio.

Duelo de idéias: Por que usar drogas deve constituir um crime 1 Fazem mal à saúde Maconha provoca câncer, cocaína aumenta as chances de isquemia e ataque cardíaco. Além disso, o uso de drogas reduz a auto-estima e aumenta a chance de depressão 2 Causam dependência Cocaína, heroína e maconha causam vício com o uso freqüente. Estatísticas indicam que até 10% dos usuários de maconha ficam dependentes 3 Incitam a violência Na Holanda, 5 000 dos 25 000 dependentes de drogas são responsáveis por cerca de metade dos crimes leves. Na Inglaterra, eles respondem por 32% da atividade criminal 4 As mais leves levam às mais pesadas Quase todos os usuários de drogas pesadas já consumiram maconha. O governo americano diz que fumar maconha aumenta em 56% a chance de consumo de outra droga 5 Sem punição, o uso vai aumentar A Holanda liberou o uso de maconha e ele subiu 400%. Nos Estados Unidos, o uso de álcool caiu 50% com a Lei Seca (1920-33) e só voltou ao nível anterior em 1970 6 Causam prejuízo à sociedade Usuários de drogas consomem mais recursos do sistema público de saúde e têm produtividade menor 7 Pervertem quem as usa O uso da droga transforma pessoas produtivas em indolentes, responsáveis em inconseqüentes, cidadãos em párias

Por que as drogas devem ser descriminalizadas 1 A criminalização faz mal à saúde Tratar o uso como crime mantém os usuários longe do serviço de saúde. E o produto ilegal, vendido sem controle, é tão perigoso para a saúde quanto remédio sem bula 2 Repressão não cura dependência Criminalizar o uso afugenta os usuários ocasionais, mas não os viciados. E encarcerar dependentes não os livra da droga. Há tráfico nas cadeias 3 Criminalidade cairia A maior parte dos crimes relacionados a drogas decorre do comércio ilegal, não do uso ou do efeito psicoativo das substâncias. Além disso, o tráfico financia a compra de armas 4 As mais leves não levam às mais pesadas As pesquisas que fazem essa associação não são conclusivas. Como explicar, por exemplo, que a maioria das pessoas que usa maconha não migra para drogas mais pesadas? 5 Descriminalizar reduz os danos Descriminalizar não significa liberar, apenas parar de tratar o usuário como criminoso. A droga pode continuar proibida e o uso pode ser combatido com campanhas educativas 6 A sociedade nada ganha com a criminalização Hoje, quem lucra são os produtores, os traficantes, o mercado financeiro, a indústria de armas e as forças de repressão 7 Cada um faz o que quer consigo mesmo Ninguém tem o direito de dizer o que cada pessoa faz com o próprio corpo, desde que não cause prejuízo a ninguém

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Há algumas idéias que o professor pode mencionar para estimular um debate sobre as origens da violência: assim como a bondade, segundo Sócrates, isto é, não nasce conosco, nem é aprendida, a violência teria a mesma origem, seria aprendida a partir das nossas experiências? Um bebê nasce violento? Em que experiências somos violentos sem nos darmos conta? Há graus de violência? Alguns dados sobre as meninas-lobo:

Lembro de ter lido na internet que os ratos, camundongos e ratazanas quando em grande número (superpopulação) devoram seus filhos, matam-se uns aos outros, mutilam-se. Até que ponto podemos comparar a humanidade a estas superpopulações de animais ditos irracionais?

Vi certa vez meu gato de estimação sentindo dor (estava com obstrução urinária e, por isso, não conseguia urinar): sua expressão era a mesma que eu observei quando ele se preparava, anos antes, para brigar com outro gato. Pergunto: a raiva que sentimos por uma pessoa ou por um fato não é uma sensação de dor?

Um bom filme que mostra as causas da violência urbana e a reação violenta das forças do

Estado para conter a violência marginal (fora da lei) é “tropa de elite”. Na base desta guerra civil, de um lado está a população desempregada que vê nas drogas um meio de renda e, de outro, jovens e adultos de classe média e alta, consumidores de drogas.

Quando escrevíamos este texto, ocorreu um fato que entristeceu o país: uma jovem (chamada Eloá) ficou refém (foto agência Estado) de seu –ex-namorado mais sua amiga de escola (Nayara). Após quase cinco dias de negociação, ele atirou nas duas, sendo que Eloá não resistiu e morreu. Isto nos chocou tanto que resolvemos tratar deste fato em sala de aula, buscando junto com os alunos pelas causas: erro da polícia? o jovem já tinha problemas antes, desde criança?, e educação familiar, dos seus pais?, quando a primeira briga ocorreu entre os namorados, não deveriam ter registrado queixas na delegacia? Etc. Tivemos muito boa receptividade dos alunos e, creio que eles ampliaram os seus diferentes pontos-de-vista, indo além da tendência natural de dar uma primeira resposta.

E, finalmente, como agir frente à violência? ( )esconder-se ( ) armar-se e vingar-se quando

for oportuno ( ) mudar as leis ( ) suportar as dores ( ) não ostentar bens materiais Aliás, sobre as leis, podemos debater os principais crimes e suas penas. Por que cada um tem

uma pena diferente? Observemos os crimes relacionados à vida e ao patrimônio: que penas são

maiores? Outras questões podem ser formuladas: filosofar é questionar, fazer perguntas

difíceis de responder! Código civil (dia 1º de janeiro de 1942), Presidente Getúlio Vargas Relação de causalidade Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.

Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Aborto: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. Atentado violento ao pudor Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Calúnia (falso crime) Pena - detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Causar epidemia Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos. Cometer adultério Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses. Difamação (reputação) Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. Dano (Destruir, inutilizar coisa alheia) Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Estelionato (meio fraudulento) Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

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Estupro Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Expor ou abandonar recém-nascido Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Falsificação, adulteração de alimentos Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Furto (subtrair coisa alheia) Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Homicídio simples Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Homicídio qualificado Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Homicídio culposo Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Injúria (ofensa à dignidade) Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Lesão corporal Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Lesão corporal de natureza grave Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. Lesão corporal seguida de morte Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. Manter casa de prostituição Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Maus-tratos Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa. Moeda Falsa Pena - reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa. Omissão de socorro Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Porte ilegal de arma de fogo Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Receptação Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Roubo (grave ameaça a pessoa) Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. Sedução (mulher virgem, menor de 18) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. Seqüestrar (pedir vantagem ou resgate) Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. Pena - reclusão, de 12 (doze) a 20 (vinte) anos. (+ 24h, bando) Pena - reclusão, de 16 (dezesseis) a 24 anos. (lesão) Pena - reclusão, de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos. (morte)

Observação: Aristóteles define a lei como “a inteligência sem paixão”. O que você acha disto? A lei é 100% racional, sem envolver emoções? Para aquele filósofo há 2 tipos de leis: “os homens vivem sob leis escritas e outras eternas, como quando Sófocles contou a história de Antígona que, contra o rei Creonte, quis enterrar o irmão, acusado de trair a pátria, realizando uma lei natural, de prestar honras aos mortos da família”. Qual a sua opinião sobre isto?

Eis dois textos sobre a origem do Estado e dos três poderes: Para que serve o Estado? Texto Superinteressante (Anarquismo) No século 17, o Estado nasceu por duas concepções principais. A primeira foi a do inglês

Thomas Hobbes. Ele dizia que os homens viviam no chamado estado de natureza, em que os temores e as paixões provocavam uma luta de todos contra todos. Para se proteger, não haveria outra saída que se submeter a um governo com o monopólio da força, que Hobbes comparava com um monstro da Bíblia chamado Leviatã. É simples: as pessoas abrem mão de parte da liberdade em troca de proteção.

A segunda concepção vem da Paz de Westphalia, um tratado firmado em 1648 que fez do Estado a mais importante unidade política da Europa, acima da Igreja e dos indivíduos. "Ao contrário da barganha indivíduo-Estado pensada por Hobbes, esta era entre os países. Ou seja: eu reconheço que você existe e não interfiro dentro de suas fronteiras", diz o sociólogo Michael Stohl, da Universidade de Purdue, EUA. Em outras palavras, os Estados nacionais ganharam soberania.

Hoje, esses dois modelos vivem uma grande crise. O Estado não protege um cidadão contra o outro, como provam os ataques do PCC em São Paulo. Ao mesmo tempo, a soberania de muitos países não passa de ficção. Haiti, Somália, Congo e vários outros não conseguem exercer controle nem fornecer serviços em amplas partes de seu território. Nem os superestados, como os EUA e os países da União Européia, exercem o controle do passado. "No fim do século 19, a rainha da Inglaterra governava 20% do território e da população do planeta", diz o sociólogo Fareed Zacharia, editor da revista Foreign Affairs. Nessa época, a supremacia era feita na base de navios

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e telégrafos; hoje, com os aviões e a internet, os Estados já não cercam as pessoas como antes. "A tecnologia permite que os indivíduos driblem o controle do fluxo de produtos, dinheiro e informação", diz a cientista política americana Janice Thompson no livro Mercenaries, Pirates and Sovereigns ("Mercenários, Piratas e Soberanos", inédito no Brasil).

O Estado também não é um guardião de identidade nacional. A interação entre pessoas de diferentes países está levando à construção da chamada identidade cosmopolita. "Além de se considerar cidadãos de um país, muita gente se identifica com outros valores. A identidade nacional não desaparece, mas convive com uma nova, numa espécie de dupla nacionalidade", diz Kathryn Sikkink, da Universidade de Minnesota.

Essa crise já se reflete nos governos e nas pessoas. Na Suíça, a figura do vereador dá lugar à do conselheiro voluntário, mais envolvido com a comunidade. Outros exemplos mostram que as pessoas já não querem depender do governo para resolver problemas como luz, água, tipo de educação e segurança. Em setembro, 10 mil pessoas assistiram a um show de rap para festejar os 34 anos da favela Godói, em São Paulo. Não havia um só policial para tomar conta: os próprios moradores revistaram as pessoas na entrada. Duas semanas depois, 34 artistas transformaram uma biblioteca pública meio abandonada, a Adelpha Figueiredo, em uma belíssima galeria de arte, onde funciona o Projeto Pari. Detalhe: a exposição não tem curador.

Os três poderes . Escrito por Márcio Zoratto Gastaldo (revista Mundo Jovem) O que é poder? Inicialmente, devemos definir que o poder aqui tratado é o direito de

deliberar, agir e mandar. As palavras “autoridade”, “soberania”, “império”, “domínio” e “influência” são todas sinônimos desse conceito. A teoria da tripartição dos poderes surgiu de Aristóteles, na sua obra “Política”. No século XVII, John Locke reconheceu a importância das três funções distintas no poder estatal, no “Segundo tratado sobre o governo civil”.

Foi Charles de Secondat ou Barão de Montesquieu, no entanto, quem consagrou a teoria. Ele escreveu, em 1748, o livro “O espírito das Leis ” que, “segundo uma experiência eterna, todo homem tende a abusar do poder que lhe foi atribuído, só não o fazendo se encontrar limites à sua ação”. E, para que ninguém possa abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o poder limite o poder”. Esse sistema de controle entre um poder e outro também é conhecido como “sistema de freios e contrapesos”.

O artigo 2o de nossa Constituição determina que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,o Executivo e o Judiciário”. Mas, na prática, como isso funciona?

O poder Legislativo tem a função de elaborar as normas jurídicas ou as leis que regem o povo. Ele é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara de Deputados (representantes do povo, com mandato de quatro anos) e do Senado federal (representantes dos Estados e do Distrito Federal, com mandato de oito anos). Nos Estados e municípios, o poder Legislativo é exercido pela Assembléia Legislativa (deputados estaduais) e pela Câmarade Vereadores, respectivamente. O poder executivo administra o país de acordo com as leis, fazendo executa-las pelos diversos órgãos da administração e exigindo seu cumprimento por parte do povo. É exercido pelo presidente da república, auxiliado pelos ministros de Estado. Nos Estados e Municípios é exercido, respectivamente, pelo governador e pelo prefeito, ambos auxiliados por secretários.

O poder judiciário tem a função de julgar e decidir, de acordo com as leis, as questões ou dissídios entre os indivíduos ou entre indivíduos e as autoridades, fiscalizando a aplicação das leis. É exercido pelos seguintes órgãos: Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Juízes federais, Tribunais e juízes do trabalho, Tribunais e juízes eleitorais, Tribunais e juízes militares e Tribunais e juízes dos Estados e do Distrito Federal.

Para que possa haver harmonia cada poder exerce e sofre limitações. Na realidade, o que se tem percebido é uma interferência grande de um sobre o outro. Um exemplo disso é a grande

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quantidade de Medidas Provisórias, editadaspelo presidente e submetidas ao Congresso Nacional (em 17 anosdesta Constituição,são mais de 6300 medidas editadas e reeditadas). Em teoria o controle entre os poderes ocorre da seguinte forma:

* Poder Legislativo: controla o judiciário participando da escolha dosmembros dos tribunais superiores,julgando os ministros do STF nos crimes de responsabilidade e fiscalizando como é gerenciado o dinheiro pelo poder Judiciário; controla o Executivojulgando o presidente da república, o vice e os ministros de Estado,noscrimes de responsabilidade, apreciando as contas do presidente e dos demais órgãos da administração pública, podendo convocar ministros para prestar contas e criar comissões parlamentares de inquérito (CPIs) para apuração de fatosrelevantes.

* Poder Executivo: controla o Judiciário nomeando ministros do STF e dos demais tribunais superiores; controla o legislativo participandona elaboração dasleis, através da sanção (aprovação) ou o veto (rejeição) dos projetos aprovados pelo legislativo e participando da escolhados ministros do Tribunal de Contas da União.

* Poder Judiciário: controla o Legislativo conferindo a constitucionalidade das leis e atos administrativos, julgando os membros do congresso Nacional noscrimes comuns e os membros do Tribunal de Contas da União nos crimes comuns e de responsabilidade; controla o poder executivo cuidando da constitucionalidade das leis e atos administrativos, julgando o presidente, o vice e os ministros noscrimes comuns e julgando os ministros, também, noscrimesde responsabilidade, quando esses não forem conexos com crimes atribuídosao presidente ou ao vice.

É importante lembrar Em 1º de Dezembro de 1955, em Montgomery, no estado

americano do Alabama, Rosa Parks, de 42 anos recusou-se a ceder seu lugar a um homem. O homem que ela deixou em pé era branco. Rosa Parks foi presa por desobedecer às leis que estabeleciam a distinção racial, mas a repercussão do caso deu origem a um boicote aos ônibus coordenado pelo reverendo Martin Luther King. O protesto durou 381 dias e terminou com uma decisão histórica da Suprema Corte, declarando inconstitucionais todas as formas de segregação nos ônibus.

O detalhe é que naquele dia, voltando para casa depois de um dia inteiro de trabalho, Rosa se sentou na área do ônibus destinada aos negros. Mas uma lei local determinava que, se não houvesse assentos vagos entre os reservados aos brancos (na parte da frente do veículo), estes podiam ocupar o lugar de um negro. O movimento civil que Rosa Parks detonou foi um dos mais importantes da história da luta contra o racismo nos Estados Unidos.

As reivindicações eram relativamente modestas: eles queriam ser tratados com cortesia, sem a obrigação de ceder lugar aos brancos, e pediam a contratação de motoristas negro. As autoridades não os atenderam. A reação nada teve de pacífica. Houve

casos de constrangimento policial e bombas explodiram em casas de líderes negros. A batalha, no entanto, seria ganha e marcaria o nascimento de uma liderança negra fundamental.

Viu como um pequeno gesto pode mudar a História? (Fonte: luzdeluma.blogspot.com) ------------------------------------------ Nos anos 1960, jovens americanos queimavam as convocações para ir lutar no Vietnã,

explicando, em atos públicos, porque eram contrários a guerra dos Estados Unidos contra aquele país. podem-se citar (também) as diversas campanhas do líder indiano Mahatma Gandhi, na campanha pela independência de seu país. Gandhi incorporou à noção de desobediência civil o

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caráter de não-violência. A desobediência civil é feita de atos pacíficos e seus praticantes não reagem à repressão quando a ela são submetidos.

O argumento filosófico que fundamenta a desobediência civil é o seguinte: o cidadão só tem o dever moral de obedecer às leis, se os legisladores produzirem leis justas. Em 1849, Henry David Thoureau escreveu o ensaio sobre “Desobediência civil”, depois que se recusou a pagar impostos ao país, porque este gastava os recursos em uma guerra injusta contra o México. Assim, ele substituiu os discursos de protesto por uma ação visando dar exemplo aos outros cidadãos. (Fonte: blog.itarare.com.Br)

Como surgiram as sociedades? Para Aristóteles, a primeira (1a) forma de sociedade (doméstica) é aquela que se

estabelece entre um homem e uma mulher, que possuem uma casa e um boi. Quando há muitas famílias, dá-se o nome de (2a) “vila” ou “homogalates” (do mesmo leite), pois a vila é, em geral, composta de descendentes de uma família e, por isso, eram governadas por um rei, porque a família é governada pelo mais velho, assim como, o marido dá as regras a esposa e aos filhos. E quando há muitas “vilas” juntas surge a terceira (3a) forma de sociedade: a cidade (polis), que é o fim e a perfeição do governo. Sendo a cidade uma produção da natureza, o próprio homem é um animal “político”, isto é, é um ser destinado pela natureza a viver em sociedades.

E por quê? Bom, a natureza, diz ele, nada faz em vão (sem um sentido): somos capazes de falar, ao falar expressamos nossos sentimentos de prazer e dor, dizer o que é justo e o que é injusto, percebe o que é bom e o que é mau (diferente dos outros animais). É a participação nestes sentimentos comuns que faz com que desejemos viver em famílias e em cidades. Haveria outro motivo: a amizade, é ela que conduz os homens a viver em cidades, associações que visam a uma vida boa, feliz. Já um homem que não vive em sociedade ou é inferior ou é superior aos demais, ou é um animal selvagem, ou é um deus.

Aristóteles diz mais: a cidade é o todo e as famílias são suas partes, como a mão é parte do corpo, o todo é anterior que as suas partes e mais importante. E é na vida em uma cidade que se

estabelece o critério do que seja o certo. Tal teoria não difere muito da de Thomas Hobbes, embora um pensador tenha vivido no século IV aC e este último, no século XVI. Para Hobbes, é o governante que estabelece o que é o certo e o que é o errado,mas somente a partir da promulgação das leis!

Uma outra maneira de ver a origem de uma sociedade – a brasileira – é ler o livro “O povo brasileiro”, do pensador Darcy Ribeiro, em 1996. Eis alguns trechos:

A invasão do Brasil: A revolução mercantil em Portugal e Espanha estimularam à procura por

novas terras, onde extraíssem matéria-prima e riquezas. Tal expansão recebeu o apoio da Igreja Católica (1454), que via aí a oportunidade de expandir o catolicismo, tarefa que Deus teria dado ao homem branco. Portugal e Espanha “gastaram gente aos milhões”, “acabaram com florestas, desmontam morros a procura de minerais (estima-se que foram levados para Europa 3 milhões de quilates de diamantes e mil toneladas de ouro), “só a classe dirigente permanece a mesma, predisposta a manter o povo gemendo e produzindo ”, não o que os povos colonizados querem ou

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precisam, mas o que eles impõem à massa trabalhadora, que nem mesmo participa da prosperidade.

Para os índios aqueles homens brancos eram gente do Deus-Sol (o criador ou Maíra), mas esta visão se dissipa: “como o povo predileto sofre tantas privações?”, se referindo às doenças que os europeus lhe trouxeram –coqueluche, tuberculose e sarampo, para as quais não tinham anticorpos. Assim, muitos índios fogem para dentro da mata e outros passam a conviver com os seus novos senhores. Outros, deitavam em suas redes e se deixavam morrer ali. Aos olhos dos índios, por que aqueles oriundos do mar precisavam acumular todas as coisas? Temiam que as florestas fossem acabar? Em troca lhes davam machados, canivetes, espelhos, tesouras, etc. Se uma tribo tinha uma ferramenta, a tribo do lado fazia uma guerra pra tomá-la.

No ventre das mulheres indígenas começavam a surgir seres que não eram indígenas, meninas prenhadas pelos homens brancos – e meninos que sabiam que não eram índios... que não eram europeus. O europeu não aceitava como igual. O que eram? Brasilíndios, rejeitados pelo pai, europeu, filhos impuros desta terra, e pela mãe, índia. São também chamados de “mamelucos”, nome que os jesuítas deram aos árabes que tomavam crianças dos pais e as cuidavam em casa. Esses filhos das índias aprendem o nome das árvores, o nome dos bichos, dão nome a cada rio... Eles aprenderam, dominaram parcialmente uma sabedoria que os índios tinham composto em dez mil anos. Estes mamelucos eram caçadores de índios, para vender ou para serem seus escravos.

“A grande contribuição da cultura portuguesa aqui foi fazer o engenho de açúcar... movido por mão-de-obra escrava. Por isso, começaram a trazer milhões de escravos da África. Metade morria na travessia, na brutalidade da chegada, de tristeza, mas milhões deles incorporaram-se ao Brasil”. O custo do tráfico de escravos nos 300 anos de escravidão foi de 160 milhões de libras-ouro, cerca de 50% do lucro obtido com a venda do ouro e do açúcar . Os escravos negros vinham para o Brasil e eram dispersados por esta terra, evitando que um mesmo povo (ou etnia) permanecesse unido. Embora, iguais na cor, falavam línguas diferentes, o que os força a aprender o português, o idioma do seu capataz. Em geral, aos 15 anos eram aprisionados como escravos, trocados por tabaco, aguardente e bugigangas, trabalhavam por 7 a 10 anos seguidos e morriam de cansaço físico. Sofria vigilância constante e punição atroz. Havia um castigo pedagógico preventivo, mas também mutilação de dedos, queimaduras, dentes quebrados, 300 chicotadas para matar ou 50 por dia, para sobreviver. Se fugia, era marcado a ferro em brasa, cortado um tendão, tinha uma bola de ferro amarrada ao pé ou então, era queimado vivo. Eles fizeram este país, construíram ele inteiro e sempre foram tratados como se fossem o carvão que você joga na fornalha e quando você precisa mais compra outro”.

“Todos nós somos carne da carne daqueles pretos e índios (torturados) e a mão possessa que os supliciou”... “A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida/ sofrida ”... Estima-se que em 3 séculos, o Brasil importou entre 4 a 13 milhões de africanos. Um e cada quatro, eram mulheres – “eram o luxo que se davam os senhores e o capatazes, as mucamas, que até se incorporavam à família (ex : Chica da Silva), como ama de leite. Chegavam a provocar ciúme nas senhoras brancas, que mandavam arrancar seus dentes.

Em 1823, em uma revolta em Pernambuco, organizada por barbeiros, boticários, alfaiates, artesãos, ferradores, etc, armados de trabucos, uma “multidão de gente livre e pobre” cantava assim: “marinheiros (portugueses) e caiados (brancos). Todos devem se acabar, porque os pardos e o pretos, o país hão de habitar”.

As classes sociais no Brasil lembram um funil invertido e não uma pirâmide, como em outros países. O Patronato, o Patriciado e o Estamento gerencial são as classes dominantes. O Patronato, empresários que exploram economicamente empregados, O Patriciado, tem poder de mando devido a seu cargo, como generais, deputados, bispos, líderes sindicais, O Estamento gerencial de empresas estrangeiras, tecnocratas competentes que controlam a mídia, forma a opinião pública, elege políticos. Abaixo desta cúpula, estão as classes intermediárias ou os

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“setores mais dinâmicos”, são propensas a prestar homenagem às classes dominantes, mantém a ordem vigente e são constituídas de pequenos oficiais, profissionais liberais, policiais, professores, baixo-clero, etc. A seguir, vem as classes “subalternas” ou “núcleo mais combativo”, composta por operários de fábricas, trabalhadores especializados, assalariados rurais, pequenos proprietários, arrendatários, etc. Preocupam-se em proteger o que conquistaram. Depois, há uma grande massa de oprimidos, o “componente majoritário” (que predomina), enxadeiros, bóias-frias-, empregadas domésticas, serviços de limpeza, pequenas prostitutas, biscateiros, delinqüentes, mendigos, etc, em geral, analfabetos. Para Darcy Ribeiro, os escravos de hoje são essas pessoas “subassalariados”, que infundem, com sua presença, “pavor e pânico” pela ameaça de insurreição (revolução) social e só são capazes de “explosões” de revolta, mas, em geral, aceitam seu destino de miséria, pois são incapazes de se organizarem politicamente, como em sindicatos.

Houve um conflito entre os jesuítas e os mercadores que escravizavam os índios, como “gado humano”, quase um bicho: e da ameaça de extinção dos índios, jesuítas construíram missões onde poderiam ensinar o catolicismo. Para Darcy Ribeiro, as missões foram uma primeira experiência socialista.

Com o desemprego na Europa, no século 19, vêm para cá 7 milhões de pessoas. Quando da chegada de outros povos imigrantes como italianos, alemães, japoneses, etc, a população brasileira já era numericamente maciça (quatorze milhões de brasileiros) e definida etnicamente quando absorveu a cultura e a raça dos imigrantes, diferente dos europeus que foram para a Argentina caíram em cima do povo argentino, paraguaio e uruguaio que haviam feito seus países, que eram oitocentos mil, e disso saiu um povo europeizado.

Só não ocorreu secessão (fragmentação, independência dos estados) do Brasil, porque “em cada unidade regional, havia representações locais da mesma camada dirigente (classe social)”... “Tal é o Brasil de hoje, na etapa que atravessamos na luta pela existência. Já não há índios ameaçando seu destino. Também negros desafricanizados se integraram nela com um contingente diferenciado, mas que não aspira a nenhuma autonomia étnica. O próprio branco vai ficando cada vez mais moreno e até se orgulha disso”

Pergunta Darcy Ribeiro: “Por que alguns povos, mesmo pobres na etapa Colonial, progrediram aceleradamente, integrando-se à revolução industrial, enquanto outros se atrasam?”. Sua explicação: os povos transplantados, como os norte americanos que vieram da Inglaterra, já se encontram prontos, mas, os povos novos, que vão se construindo mais lentamente, como o Brasil, com a mistura de índios, negros e brancos. ... Um aglomerado de índios e africanos, reunidos contra a vontade e a administração local, sob controle dos neo-brasileiros, filhos de europeus e índias ou negras, dependentes da metrópole (Portugal). Os três séculos de economia agrária no Brasil “moeram e fundiram as matrizes indígena, negra e européia em uma nova etnia” (p.261). O povo brasileiro tem “erupções de criatividade”: no culto a Iemanjá, que se cultuava no dia 2 de fevereiro na Bahia e 8 de março em São Paulo, no RJ, foi alterado para 31/dezembro. Temos a primeira santa que tem relações sexuais. Isso é uma coisa fantástica! Um povo que é capaz de inventar uma coisa destas! Nunca houve depois da Grécia! À Iemanjá não se pede a cura da Aids, mas um amante carinhoso ou que o marido não bata tanto. O negro guardou sobretudo sua espiritualidade, sua religiosidade, seu sentido musical. (O brasileiro é) um povo singular, capaz de fazer coisas, por exemplo, a beleza do Carnaval carioca, que é uma criação negra, a maior festa da Terra!.

O antropólogo identificou nas regiões do Brasil 5 tipos de mestiços ainda existentes hoje: 1. O Brasil Crioulo : representado pelos negros e mulatos na região dos engenhos de açúcar

no nordeste brasileiro, nas terras de Massapé e no recôncavo baiano. Depois da abolição, o ex-escravo ganhava um pedaço de terra (fica como um agregado da fazenda, em terra dos outros) para produzir comida e comprar sal, panos e satisfazer necessidades mais elementares. No século

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19, a roda d´água e a tração animal são substituídas pela máquina a vapor e os senhores de engenho são substituídos por empresas bancárias. Em 1963, com a ditadura militar, houve o retorno ao antigo poder dos senhores das fazendas (patronato), que reagiram ao projeto de pagamento de salário mínimo, através da elevação do preço do açúcar.

2. O Brasil Caboclo : no século 19 e últimas décadas do séc. 20, foram para a Amazônia 500

mil nordestinos (fugindo da seca) para trabalhar com extração de látex (borracha) das seringueiras e, por isso, mais da metade dos caboclos que já viviam deste trabalho, foram desalojados para as cidades de Belém e Manaus, perdendo-se a sabedoria milenar de viver nas florestas que eles herdaram dos índios. Em cada seringal, os mestres ensinam a sangrar a árvore sem matá-la, colher o látex e depois defumá-lo em bolas de borracha. Em cada 10-15 km raramente se encontra 200 seringueiras. Percorre-se, ainda hoje, duas vezes por dia uma mesma estrada: de madrugada para sangrar as árvores e ajustar as tigelas ao tronco e na segunda vez, para vertê-las num galão que levará para o rancho. Depois, trabalha na tarefa de coagulação do látex. Além de coletor, dedicava-se à caça e à pesca e protegia-se das flechas dos índios.

Nos primeiros anos da presença dos portugueses na Amazônia, índios são escravizados para buscarem na mata as “drogas da mata”, as especiarias, os produtos que a floresta oferece, como cacau, cravo, canela, urucu, baunilha, açafrão, salsa parrilha, sementes, casacas, tubérculos, óleos e resinas - eles “foram o saber, o nervo e o músculo dessa sociedade parasitária”. E isto porque nenhum colonizador sobreviveria na mata sem esses índios que eram “seus olhos, mãos e pés”.

Há também a extração de minérios como manganês, no Amapá, e Cassiterita, em Rondônia e na Amazônia, exploradas por uma multinacional americana – a Bethlehem Steel, cujo custo pago por ela é apenas aquele que ela gasta para extrair e transportar o minério. Militares alemães sugeriram a Hitler que a conquistasse, como importante ponto para a expansão germânica. Os Estados Unidos propuseram à ditadura militar brasileira o uso da Amazônia por 99 anos para estudos.

3. O Brasil Sertanejo : No sertão encontra-se uma vegetação rara confinada de um lado pela

floresta da costa do atlântico, pela Amazônia e ao sul pela zona da mata. Nas faixas de florestas, há palmeiras de buriti, carnaúba, babaçu, pastos raros e arbustos com troncos tortuosos devido a irregularidade das chuvas. A criação de gado nesta região fornece carne, couro e bois para serviço e transporte, animais trazidos de Cabo Verde, pelos portugueses, pertencendo inicialmente aos engenhos e depois a criadores especializados. Os vaqueiros naquela época davam conta do rebanho e como pagamento separavam 1 cabeça de gado para ele e três para o dono.

O trabalho de pastoreio moldou o homem e o gado da região: ambos diminuíram de tamanho, tornando-se ossudos e secos de carne. Hoje, enquanto o gado cresce, alcançando ossatura mais ampla e recebe tratamento, o vaqueiro e sua família, não. Apesar das enormes somas de dinheiro que vem do governo federal, para ajudar os flagelados pela seca, são os “coronéis” (fazendeiros que monopolizam a terra) que se apropriam dos recursos, “mais comovido pela perda dos eu gado... do que pelo trabalhador sertanejo”. Estas somas de dinheiro vão para a construção de estradas e para açudes para o gado passar e beber água. Os sertanejos permanecem itinerantes, pois vivendo por dez anos em uma propriedade, eles teriam direito a ela, mas dependeriam de um registro no cartório, que fica distante e caro. Em contraste, políticos estaduais concedem facilmente milhões de terras a donos que nunca as viram e que um dia desalojam sertanejos que viviam nelas (isto chama-se “grilhagem”).

Diante de tanta miséria, o sertanejo que vive isolado no interior (diferente do que vive no litoral), tem uma visão fatalista e conservadora sobre sua vidaPeriodicamente, anunciavam a vinda do messias –diziam “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”. Um dos acontecimentos mais trágicos ocorreu em Canudos, sob a liderança de Antônio Conselheiro, um profeta e reformador

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social, era visto pelos fazendeiros como subversivo, que poderia estimular a mão-de-obra a abandonar as fazendas e reivindicar a divisão das terras. Lá chegaram a 1000 casas. Outro fenômeno que surge no sertão é o cangaço: uma forma de banditismo, formado por jagunços, que surgiu nas fazendas.

4. O Brasil Caipira : São os homens que dirigiam as bandeiras (exploração que adentrava ao

interior do Brasil), e a população paulista (mamelucos). Cada um deles possuía uma indiada cativa para o cultivo da mandioca, feijão, milho, abóbora, tubérculos, tabaco, urucu, pimenta, caçadas e pesca. Lá só se falava a língua tupi. Dormiam em redes, usavam gamelas, porongos, peneiras como as que os índios usavam, além de armas, candeias de óleo. Consumiam rapadura e pinga. Cada família fiava e tecia algodão para as roupas de uso diário e para os camisolões e ceroulas, para os homens e blusas largas e saias compridas, para as mulheres. Andavam descalços, de chinelas ou de alpargatas. Não queriam apenas existir, como os índios, mas estabelecer vínculos mercantis externos e aspirar a se tornar uma camada dominante, adquirindo artigos de luxo e poder de influência e mando. Por um século e meio venderam mais de 300 mil índios para os engenhos de açúcar.

As bandeiras serviam, também, mas para explorar ouro e diamantes. O padre Calógeras avalia que 1400 toneladas de ouro e 3 milhões de quilates de diamantes foram levados do Brasil-Colônia. Do ouro extraído por Portugal quase todo foi para a Inglaterra, para pagar as suas importações, ouro que financiou a indústria inglesa. Um novo tipo social surgia: o garimpeiro, que explorava clandestinamente o diamante, monopólio de Portugal.

Quando Monteiro Lobato (além do sítio do pica-pau amarelo) criou o personagem Jeca Tatu , o fez como um “piolho da terra”, uma praga incendiária que atiçava fogo à mata, destruindo as riquezas florestais para plantar roçados, uma caricatura do caipira, destacando a preguiça, a verminose e o desalento que o faz responder sempre: “não paga a pena” a qualquer proposta de trabalho que lhe faziam (ou entregava 50% da produção ao patrão ou trabalhava por conta própria, pagando pelo uso da terra, com 1/3 da colheita. Outra saída: ir para as cidades, marginalizando-se lá). O que Lobato fez foi descrever o caipira sob o ponto de vista de um intelectual e fazendeiro, diante da experiência amarga de encaixar os caipiras no seu “sistema”. O que Monteiro Lobato não viu foi o traumatismo cultural, o caipira marginalizado pelo despojo de suas terras, como um produto residual natural do latifúndio agro-exportador. Somente mais tarde é que o escritor compreendeu e defendeu a reforma agrária.

Outro tipo humano surgido foi o dos bóias-frias que vivem em condições piores do que as que vivem os caipiras, cerca de 5 milhões de pessoas à espera da posse de terras em que possam trabalhar. Eles estão presentes mais nos canaviais do que nas fazendas de café, isto porque os cafezais precisam de muita gente apenas na derrubada da mata e nos 4 primeiros anos. Depois, só nas colheitas.

5. O Brasil Sulino : Foi a expansão dos paulistas ocupando a região sul do Brasil, antes

dominada pelos espanhóis, a causa que anexou esta região ao Brasil. No começo do século 18, paulistas e curitibanos vêm para cá, instalarem-se como criadores de cavalos e muares e recrutam os gaúchos para o trato do gado. Sobre os gaúchos (população de mestiços), estes surgem, segundo Darcy Ribeiro, dos filhos e filhas entre espanhóis e portugueses com as índias guaranis. Havia um dito popular: “esta indiada é toda gaúcha”. Dedicavam-se ao gado que se multiplicava naturalmente nas duas margens do rio da prata e que foram trazidos pelos jesuítas. Com o esgotamento das minas de ouro e diamante e a pouca procura por gado do Sul, foi introduzida aqui a técnica do charque, trazida pelos cearenses. Já a imagem do gaúcho montado em cavalo brioso, com bombacha, botas, sombreiro, pala vistosa, revolver, adaga, dinheiro na guaiaca, boleadeiras, lenço no pescoço, faixa na cintura e esporas chilenas, diz Darcy Ribeiro, ou é a imagem do patrão,

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fantasiado de homem do campo, ou é de alguém que integra algum clube urbano (centro nativista) e não passa de folclore. Já o “gaúcho novo”, será o peão empregado que cuida do gado, agora, mal pago, come menos e vive maltrapilho. Apesar disso, o peão de estância é um privilegiado em comparação com os biscateiros, os que vivem em terrenos baldios, os subocupados, que arranjam trabalhos esporadicamente, em tosquias ou esticar os arames, todos eles chamados de “gaúchos-a-pé”. Já os que vivem como autônomos rurais, lavram o terreno dos outros, pelo regime de “parceria”.

Mas, não se pode dizer que o povo do Sul tivesse origem apenas paulista. Havia, também lavradores vindos das ilhas dos Açores em Portugal, que ocuparam a região litorânea, com lavoura: milho, mandioca, feijões, abóboras, etc, enquanto outros fugiram desta “caipirização” cultivando trigo, os gaúchos, nos campos da fronteira, com o pastoreio e os gringos, descendentes dos imigrantes europeus, viviam isolados do resto da sociedade, o que fez com que o governo brasileiro exigisse o ensino do idioma e os recrutasse os gringos para o exército. Com a distribuição legal de terras (sesmarias), em Rio grande, Pelotas, Viamão e missões, as invernadas se tornam estâncias e o estancieiro se faz “caudilho”, contra ataque dos castelhanos, acrescentando gado de outras bandas. Mais tarde, o estancieiro se tornará patrão, dono de matadouros e frigoríficos. Os imensos campos livres do passado, agora, são retângulos, todos com donos. Entre as instâncias há imensos corredores de aramados divisórios.

As dores do parto: Nosso destino é nos unificarmos com todos os latino-americanos por nossa oposição comum ao

mesmo antagonista, a América anglo-saxônica, para fundarmos, tal como ocorre na comunidade européia, a nação latino-americana sonhada por Bolívar. Hoje somos quinhentos milhões, amanhã seremos um bilhão, contingente suficiente para encarar a latinidade em face dos blocos chineses, eslavos, árabes e neobritânicos.

Somos povos novos ainda na luta para fazermos a nós mesmos como um gênero humano novo que nunca existiu antes. O Brasil é já a maior das nações neolatinas, com magnitude populacional e começa a sê-lo também por sua criatividade artística e cultural. Precisa agora sê-lo no domínio da tecnologia da futura civilização, para se fazer potência econômica, de progresso auto-sustentado. Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma, mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidade, mais generosa, porque aberta à convivência com todas as nações e todas as culturas e porque está assentada na mais bela e luminosa província da terra.

Tabelas extraídas da obra “O povo brasileiro”, escrita por Darcy Ribeiro (1996)

Tabela 1 1500 1600 1700 1800

Brancos, neo-brasileiros ou pardos

-

50 mil

150 mil

2 milhões

escravos - 30 mil 150 mil 1,5 milhões Índios integrados - 120 mil 200 mil 500 mil Índios isolados 5 milhões 4 milhões 2 milhões 1 milhão totais 5 milhões 4,2 milhões 2,5 milhões 5 milhões

Tabela 4 (crescimento população segundo a cor) 1872 % 1890 % 1940 % 1950 % 1990 % Branco 3.854 38 6.302 44 26.206 63 32.027 62 81.407 55 Preto 1.976 20 2.098 15 6.644 15 5.692 11 7.264 5 Pardos 4.262 42 5.934 41 8.760 21 13.786 26 57.822 39

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Totais 9.930 100 14.333 100 41.236 100 51.922 100 147.306 100

Ano População Urbana População Rural 1940 12,8 milhões 28,3 milhões 1980 80,5 milhões 38,6 milhões 1995 110,9 milhões 35,8 milhões

Tabela 5 (imigrantes europeus) :

Períodos portugueses italianos espanhóis Japoneses Alemães Total 1851-1885 237 128 17 - 59 441 1886-1900 278 911 187 - 23 1.398 1901-1915 462 323 258 14 39 1.096 1916-1930 365 128 118 85 81 777 1931-1945 105 19 10 88 25 247 1946-1990 285 110 104 42 23 564 1.732 1.619 694 229 250 4.523

1a Tarefa � a partir da leitura dos trechos da obra de Darcy Ribeiro: (1)

enumerar os povos que contribuíram para o surgimento do povo brasileiro, suas condições originais e atuais; (2) identificar os tipos regionais existentes ainda hoje e suas principais características.

2a Tarefa � a partir da leitura dos trechos da obra de Darcy Ribeiro: (1)

enumerar os povos que contribuíram para o surgimento do povo brasileiro, suas condições originais e atuais; (2) identificar os tipos regionais existentes ainda hoje e suas principais características.

�: a partir de programas governamentais, que instituíram assistência financeira a família

de baixa renda (1 em cada 4 famílias no Brasil), bem como, o aumento dos salários e do crédito bancário, observou-se uma mudança na divisão social:

Classes Ano 2002 Ano 2008 A/B 13% 15,5% (renda maior que

R$4.591) C 44% 52% (de R$1.065 a 4.591) D 12,5% 14% (R$768 – 1.064) E 30,5% 18,5% (menos que R$ 768)

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�Uma alternativa é assistir a vídeos no youtube sobre O Povo Brasileiro , a partir da

obra de Darcy Ribeiro, onde se destacam as três etnias que formaram o Brasil: a tupi, a Lusa e a africana e os povos formados delas: os crioulos, os sertanejos, os caboclos, os caipiras e os sulinos.

Aula 53: elaboração de um jornal sobre o

tema da violência. � Um recurso pedagógico muito apreciado pelos alunos reside na elaboração de um jornal, a

partir das opiniões construídas pelos alunos. Eles valorizam muito ter seus nomes e idéias publicadas e distribuídas aos demais colegas de outras turmas.

� Tarefa para a próxima aula: pedir aos alunos que tragam relógios

antigos ou atuais para uma exposição na aula

Aula 54: julgamento: têm os animais

direito à vida? Há argumentos a favor e contra tirar a vida dos animais: as leis tendem a protege-los (como

a declaração dos direitos dos animais da Unesco, órgão da ONU, organização das nações unidas), mas não são estendidas a sacrifícios em rituais religiosos,por exemplo, ou no consumo exagerado, como em churrascos, onde se come mais do que se precisa.Entre os filósofos,São Tomás de Aquino e René Descartes, observa-se, respectivamente,as teses de que Deus fez os animais para os seres humanos e que os animais não têm alma,são como máquinas.

Declaração Universal dos Direitos dos Animais - UNESCO Artigo 1º Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência. Artigo 2º 1.Todo o animal tem o direito a ser respeitado. 2.O homem, como espécie animal, não pode exterminar

os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais 3.Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.

Artigo 3º 1.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2.Se for necessário matar um

animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia. Artigo 4º 1.Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente

natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir. 2.toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito.

Page 116: Filosofia Para Adolescentes

Artigo 5º 1.Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o

direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie. 2.Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito.

Artigo 6º 1.Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida

conforme a sua longevidade natural. 2.O abandono de um animal é um ato cruel e degradante. Artigo 7º Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, a

uma alimentação reparadora e ao repouso. Artigo 8º 1.A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do

animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação.

2.As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas. Artigo 9º Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto

sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor. Artigo 10º 1.Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem. 2.As exibições de animais e os

espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal. Artigo 11º Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um crime contra a

vida. Artigo 12º 1.Todo o ato que implique a morte de grande um número de animais selvagens é um genocídio, isto é, um

crime contra a espécie. 2.A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio. Artigo 13º 1.O animal morto deve de ser tratado com respeito. 2.As cenas de violência de que os animais são vítimas

devem de ser interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal.

Artigo 14º 1.Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a nível

governamental. 2.Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.

� Tarefa : a turma se organizará em grupos a favor e contra o direito dos animais

à vida, decidirá quem serão o juiz, as testemunhas e o banco de jurados. Além disso, os advogados listarão argumentos a serem utilizados por eles e procurarão antecipar as tese dos advogados contrários.

Aula 55: introdução ao assunto “tempo” e

“eternidade”. Podemos propor uma exposição de relógios e mencionar curiosidades sobre o tempo, como

o padrão internacional de um dia com 24 horas versus outro padrão (abandonado) de 20horas, tempo como imagem móvel da eternidade, as teorias de Platão a Stephen Hawking que defendem

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que o universo se parasse de se expandir começaria a retrair e o tempo retroceder, as teorias de que só o presente existe, de que o universo pode ser cíclico (e, por isso, ele se repetiria), a crença de que a eternidade é sempre presente, uma duração infinita, imutável, e por último, mas não menos importante, os paradoxos de Zenão , do tempo e do espaço (Mas, se o tempo é feito de partes, horas, dias, minutos, segundos, décadas, como erroneamente fomos ensinados a acreditar, então Zenão estará certo e as coisas estão paradas no tempo, pois não podemos nos movimentar, porque precisaremos passar por cada uma das infinitas partes em que o tempo está dividido).

Zenão : uma flecha arremessada na direção e sentido de um alvo não está em movimento,

pois em cada instante ela está parada e o movimento total não pode ser a soma de vários instantes parados.

As teorias de Aristóteles e Santo agostinho devem ser citadas: se o passado já passou,

então não existe mais e se o futuro é o que virá, então, ainda não é, não existe. Logo, só o presente existe. O passado, portanto, só existe na memória e o futuro em nossas expectativas . A alma (ou a mente) distende-se, move-se entre suas lembranças e seus sonhos. Mas, e a eternidade não é um eterno presente? Dirão que na eternidade tudo é imutável. É oportuno lembrar Platão: ao criticar Parmênides que pensava que o uno era imutável, não percebeu os pensamentos são coisas que se movem e, por isso, nem tudo é imutável, a menos que se creia que uma divindade não pense, até porque pensamos porque temos dúvidas!

Santo Agostinho : é célebre a resposta que dá sobre o que é o tempo: “Se ninguém me perguntar, eu sei. Mas, se me perguntarem, eu já não sei”. Então, lembra de uma anedota comum à sua época, para os que perguntavam o que Deus fazia antes de criar o universo e o tempo: Ele preparava o inferno para quem faz este tipo de pergunta. Falando sério, para ele, o tempo não está no movimento dos astros, pois se os astros parassem, mas a roda do oleiro continuasse a rodar, ainda teríamos como medir o tempo das voltas da roda, para saber se ocorrem em intervalos iguais ou não. Defende Agostinho que o tempo só passou a existir após a criação do universo. Na eternidade de Deus, “nada se mede pelo tempo”, tudo é simultâneo e nada é sucessivo (obra: Confissões: livro XI, cap.11). Está claro, para ele, que nem o passado e nem o futuro existem. Seria mais apropriado dizer que existem três tempos: o “presente do passado” (a memória), o “presente do presente” (nossa visão) e o “presente do futuro” (esperança). Há, também, disse Agostinho, três tempos, o presente, o passado e o futuro, como as pessoas “ordinariamente e abusivamente usam”. Ele não se opõe, nem se importa e nem critica que utilizemos estes termos, desde que “não julguemos” que o futuro já exista ou que o passado ainda exista.

Pode-se citar, também, e até propor uma exibição de filmes como o Dejà vú que fala de uma máquina do tempo que dobra o espaço (vazio?) em torno do planeta e aproxima no presente o que aconteceu seis dias antes e os paradoxos de se construir uma máquina que voltasse no passado e se matarmos a nós mesmos, mais jovem, como teríamos construído a tal máquina (o paradoxo dos gêmeos de Einstein)? Dobrar o espaço significa algo parecido como pôr uma bola de boliche sobre uma cama: o lençol e o colchão são deformados, não por causa do peso da bola, mas de sua massa; a gravidade, assim, não é, pela teoria de Einstein (diferente das teorias da gravidade de Aristóteles – o que é feito de terra move-se para baixo e o que é feito de fogo e ar move-se para cima, um movimento natural em cada objeto, atuando de dentro para fora e Newton – corpos se atraem uns aos outros mesmo separados), uma força que puxa os objetos para baixo, mas um espaço deformado que faz com que a lua, por exemplo, percorra o caminho ao redor da Terra. Há, também a teoria de que os corpos trocam partículas entre si, grávitons; é isso que

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chamaríamos. Há, também, os filmes “De volta para o futuro” ou “Em algum lugar do passado”, em que o protagonista apenas com o pensamento viaja no tempo.

Um texto sobre o tempo, extraído de um programa de televisão (Fantástico – rede Globo), do dia 1o de janeiro de 2006:

Tempo, uma invenção do homem. (Programa do Fantástico/Rede Globo, do dia 01/01/2006) Será que o tempo funciona da mesma maneira para todo mundo? Será que tempo é apenas

uma ilusão? O tempo é um mistério. E um assunto para a filósofa Viviane Mosé. Maria tem apenas dez anos, mas o seu dia-a-dia é bastante acelerado. Ela tem aulas de

piano, pilates, violino, alemão e inglês. “Sem a minha rotina, ia ficar meio angustiada, ia ser meio chato ficar à toa, sabe?”, comenta a menina.

Maria convive de uma forma aparentemente tranqüila com o excesso de compromissos e responsabilidades. Para ela, é natural fazer várias coisas ao mesmo tempo:

“Não me vejo sem esses compromissos, não me vejo sem a minha rotina. É bom ter o tempo ocupado, ter coisa para fazer, bastante coisa. Eu gosto”.

Ela faz parte de uma geração que vive uma outra experiência de tempo. Um tempo que parece correr cada vez mais depressa.

“Acho que o dia com 24 horas é muito pouco, devia ter mais horas, para eu me ocupar mais, fazer mais coisas”, diz.

Você viu no último domingo que o tempo do relógio é uma invenção do homem para organizar a vida em sociedade. A divisão entre horas, minutos e segundos, passado, presente e futuro não existe na natureza.

“O relógio no Ocidente se disseminou, se distribuiu e passou a organizar o tempo do trabalho, passou a organizar as atividades humanas”, afirma o físico Luiz Alberto de Oliveira, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. E nós passamos a achar que o tempo do relógio é o próprio tempo do mundo, das coisas, quando não é. Mas se não está no relógio, onde está o tempo?

“Existem dias que você fala assim: ‘Poxa, o tempo passou rápido’. Tem outros dias que você fala assim: ‘Poxa, o tempo não quer passar’”, diz a dona-de-casa Vera Lúcia Rosa.

Você já reparou que o tempo dos velhos não é o mesmo dos jovens? O tempo das grandes cidades não é o mesmo das cidades do interior?

“É como se a nossa vida fosse cada vez mais cheia, mais densa, mais condensada de atividades, de acontecimentos”, comenta Luiz Alberto de Oliveira.

Crianças e jovens da era digital, dos clipes, games e computadores têm uma experiência de tempo muito mais acelerada do que seus pais tiveram no passado.

Hoje, a nossa experiência de tempo está profundamente marcada pela tecnologia, pela internet, pelo mundo virtual. Conectados em uma grande rede, podemos estar em vários lugares ao mesmo tempo. Isso faz nascer um novo tipo de presente - um agora planetário. Em toda parte e em todo lugar é sempre "agora".

“O que acontece no Japão, nós testemunhamos praticamente sem retardo. Temos cada vez mais mundo nos acessando. Cada vez mais mundo acessível a nós”, diz o físico.

A cada dia, mais acontecimentos cabem dentro de um mesmo tempo. É o que vive Maria, com suas diversas atividades. Isso é responsável pela aceleração extraordinária que nós experimentamos.

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A física hoje considera que não existe apenas o tempo convencional, do relógio, e sim vários tempos. A internet permite um deles, mas existem outros.

Você viu domingo passado que o filósofo Santo Agostinho dizia que o tempo foge, escapa de nós. Mas para o filósofo francês Henri Bergson, ao contrário, o tempo pode ser alargado, estendido. Pode ser vivido como duração.

Para ele, não conseguimos nos relacionar diretamente com o tempo porque usamos a inteligência, e não a intuição. A nossa inteligência divide o tempo em partes iguais e fixas - horas, minutos e segundos do relógio. Mas com isso deixamos de vivenciar a passagem de um momento para outro, a duração do instante.

Para facilitar nossa compreensão, vamos pensar em um rio. Ele muda o tempo inteiro, mas ainda assim podemos perceber a sua continuidade, sua duração. Mas se dividirmos o rio em várias partes, ele vai deixar de ser um rio. Da mesma forma, o tempo. Quando dividimos o tempo em hora, minuto, segundo, perdemos o fluxo, a continuidade, a totalidade do tempo. Perdemos a duração do instante, do presente. Dessa forma, deixamos de viver o mais íntimo e essencial do mundo.

O relojoeiro Jan Josef Drabeck aprendeu desde cedo a importância de cada segundo. Ele literalmente vive do tempo. “Desde pequeno com esse som de tique-taque, relógios de pulso, de parede”.

O ofício é tradição de família: seu avô já trabalhava com relógios na Europa. Mais de 40 anos de atividade deram a Jan outra visão sobre o tempo. Para ele, a ansiedade nos rouba o instante.

“Todas as pessoas hoje não conseguem mais se situar em cada momento que elas estão. Elas não estão ali. O tempo foge”, opina o relojoeiro.

A arte, para Bergson, permite uma outra experiência do tempo. “O ator, no processo de criação, é Deus. Ele tem o poder de lidar com o tempo. O ator é um

duplo. É quase como o jogo do ventríloquo, ou da marionete. Quer dizer, o ator está sempre manipulando o tempo, ele está conduzindo o espectador”, teoriza o ator Luís Mello.

Na arte, os ponteiros do relógio podem correr para trás. As leis do tempo, como conhecemos, deixam de valer. O instante poético rompe com o instante do nosso cotidiano. Era o que pensava o filósofo francês Gaston Bachelard.

“O poeta vive outro tempo quando está fazendo poesia. É um tempo desconstruído, um tempo que não tem sujeito, verbo e predicado; início, meio e fim”, diz o poeta Chacal. “O barato e a onda é o tempo em suspensão. É muito bom exercitar isso, para você não achar que o tempo é essa coisa que nos escraviza, que nos martiriza”.

“Se você conseguir, pelo menos aos poucos, ter consciência desse tempo e tentar, como na arte, ali no momento, criar esse tempo para você como pessoa, pessoa comum, que vai à farmácia, que vai ao supermercado... Você consegue um tempo de andar pelas ruas, tempo de olhar. Observar as coisas”, opina Luís Mello.

“O tempo do embrião talvez não seja o mesmo tempo do ancião. Talvez o tempo da ira e da alegria não sejam rigorosamente os mesmos. Talvez haja uma revolução para se fazer na experiência do tempo. Talvez seja necessário fazer uma reengenharia do tempo”, diz o físico.

Extraído do livro: Os mitos do tempo, do ego e das leis, escrito pelo professor Antonio

Jaques de Matos §7. A origem da duração na memória. Como já dissemos antes, pareceu-nos difícil crer que “tempo” rápido ou lento ou “duração”

rápida ou lenta, fosse tão somente uma ilusão ou um produto de nossa subjetividade. Nossa

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primeira busca consistiu em reconstituir o que ocorre em cada uma destas duas percepções “anormais” do tempo ou duração.

Rememorando nossas próprias experiências, relembramos que, quando a duração parece rápida – ou curta, como diria Aristóteles -, geralmente, estamos vivendo alguma experiência em que não percebemos o que está ou estava diante de nós; por outro lado, quando percebemos que a duração se arrasta, é longa, em geral, ela parece ocorrer quando o objeto – ou uma experiência completa - que afeta nossa percepção, nos aparece como uma série de sensações repetidas. Uma vez alcançado estas observações, nossa investigação estancou ali mesmo. Lembramos, então, que René Descartes, na obra “As paixões da alma”, escrevera que o processo de rememorar uma experiência passada, requer a passagem pela memória dos “espíritos animais” – o que equivale, hoje, aos impulsos elétricos – para que, então, nossas lembranças fossem trazidas à nossa consciência. Embora a explicação deixe a desejar - mais parece um mito antigo -, ainda assim, serviu para nos mostrar que a memória poderia ser algo orgânico e, se o fosse, então seu funcionamento poderia ser comparado a o de outros órgãos do corpo. Convém pararmos um pouco esta investigação, para explicar ao leitor por que cremos que é na memória que surge o que chamamos de duração. Há uma justificativa teórica e outra prática. Já falamos, antes, sobre a tese de Locke, que acreditava que a duração surgisse na sucessão de nossas idéias e, não havendo, para ele, nada dentro de nossa mente exceto a memória, era lá que surgiria a duração. No século XIX, Franz Brentano, desenvolveria a tese da “associação imaginária”, não muito diferente do que Leibniz, séculos antes, já havia especulado: a de que a duração surge a partir de uma primeira sensação, sendo que a sua percepção é instantânea e, só posteriormente, a partir das sensações seguintes, surgirá em nós a percepção de duração. É claro que nestes dois últimos pensadores não há qualquer referência à memória. Por isso, uma experiência prática foi decisiva: nossa curiosidade foi despertada quando víamos pela segunda vez um mesmo filme e percebemos que na vez seguinte o filme parecia ter passado mais rápido do que na primeira vez. Ora, estava claro que a memória estava envolvida no surgimento da duração! Rejeitamos de imediato, por ser tão pouco crível, teses como a de Platão, de que relembramos as experiências vividas antes da alma vir para o corpo, no mundo divino ou, ainda, a de Santo Agostinho, de que a memória é uma das faculdades da alma, mesmo porque há dificuldade de conciliar duas naturezas, uma supostamente divina e a outra humana. O que as ligaria, se são como água e óleo, imiscíveis? Então, para nossa surpresa, recomeçamos a investigação sobre o que é a duração. Para isso, comparamos a memória com um órgão do corpo, como o estômago. O que acontece em seu funcionamento? Quando temos fome, podemos nos alimentar menos, igual ou além do que o volume do estômago permite. É claro que podemos aumentar a sua capacidade, em função de sua elasticidade, mas isto não se faz de modo tão imediato.

O que nos interessa no momento é saber se a comparação com a memória poderia nos ser útil. Tendo a memória, também, uma capacidade – do contrário, teríamos que supô-la infinita, tese que a nossa vida diária refutaria como absurda, diante de tantos problemas mnemônicos que temos -, precisaríamos saber o que ocorre e porque ocorre dentro dela isto que chamamos de duração. Se no estômago há as três situações descritas antes, também, no órgão – físico - responsável pela memória deveria haver semelhantes situações: dependendo da quantidade de alimentos – menor, igual ou maior que a capacidade do estômago – continuaríamos ou não a sentir fome. Já na memória, o alimento é substituído por sensações. E, na relação, entre a retenção destas sensações e a capacidade da memória de retê-las é que – especulamos - surgiria o fenômeno da “duração”. Assim, nos aproximamos passo a passo da seguinte resposta: se a quantidade ou qualidade das sensações fosse insuficiente para reconhecermos o objeto que afeta nossa percepção, uma dor na memória persistiria (não no cérebro, pois ele nada sente); se a quantidade ou qualidade fosse idêntica, a dor cessaria e um prazer – como acontece com o

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estômago – surgiria; ou, finalmente, se a quantidade ou qualidade fosse superior à capacidade, outra dor surgirá – como, também, ocorre no estômago, quando o sentimos “pesado”, após consumirmos muita quantidade de alimentos.

Outro exemplo que mostra que a duração se forma dentro de nossa mente: como sabemos que teremos tempo (duração) suficiente quando vamos atravessar a rua e evitar ser atropelado por um carro que venha em nossa direção? Não é porque saibamos a duração final do movimento do carro, mas porque dadas as séries de imagens do veículo, surge em nós a duração do movimento do carro e, então, comparamos com a duração de nosso movimento que, se menor, decidiremos atravessar a rua. §8. A definição de duração. Mas se o cérebro não s ente dor...

De um modo simples, duração consistiria em dois tipos de dor localizada na memória no processo de retenção das sensações. Uma dor por insuficiência e outra por excesso de sensações.

Aula 56-60: como será o futuro? Comidas,

saúde, transporte e governo. Um outro exercício especialmente para pensar o futuro é pedir que os alunos imaginem

como vão ser os objetos no futuro: telefones, carros, alimentos ou, melhor, que objetos existirão para satisfazer nossas necessidades de locomoção, comunicação, fome e sede, etc. Este exercício serve para estimular a capacidade crítica, fazendo-os pensar além do seu cotidiano e levá-los a darem-se conta de que eles são agentes da construção do futuro . As aulas, penso eu, se desenvolverão melhor se dividirmos cada momento para cada necessidade. Por exemplo:

Aula 1 – bebidas, refrigerantes, bebidas alcoólicas, isotônicos Aula 2 – meios de comunicação – desde celulares, outdoors interativos, televisão, internet.

Existirão daqui a 100 anos? Aula 3 – saúde, corpo, doenças, tratamentos (já há vasos sanitários que analisam urina),

engenharia genética (que bicho você gostaria ou quer ser?). pode-se aqui imaginar que uma infusão de genes possa mudar nossa aparência: o que gostaríamos de ser? Ter o mesmo corpo, de outra cor ou transparente para ver a saúde interna?, ter mais braços, asas ou nadadeiras e guelras? E o amor? As pessoas casarão? Serão monogâmicas? Um banco de dados escolherá o par ideal? Etc.

Aula 4 – meios de locomoção carros ou veículos para uma pessoa vestir? Pode-se pedir que desenhem e depois exponham no quadro. Muitos alunos gostam de desenhar e não há quem não aprecie ver desenhos.

Aula 5- sociedade ideal – política: haverá democracia?, as pessoas votarão sem sair de casa, haverá três poderes, as pessoas usarão dinheiro? Haverá cadeias?, Haverá empregos? O ideal é deixar que eles tragam suas idéias, ao professor cabendo apenas apresentar-lhes uma folha em branco. Depois, sim, o professor pode trazer suas idéias ou melhor pode junto com eles mostrar-lhes que também tem idéias sobre o futuro.

Uma estagiária, em 2008, apresentou uma aula muito interessante: coincidindo com eleições , ela formou partidos políticos e pediu que cada um esboçasse um plano de governo !

O importante é que, ao fim do exercício, perguntemos: quais são as evidências de que no futuro as coisas serão realmente assim? Qual é o método (o caminho) que cada aluno utilizou para chegar a cada uma das suas conclusões, quais a s causas que o levarão a identificar futuros efeitos?

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Aula 61: as empresas têm filosofia?

Por acaso, estávamos em uma lanchonete fast-food e na toalha estava impressa a filosofia da empresa. Ora, esta é uma forma de aproximar o estudante da filosofia, mostrando-lhe o quanto ela é prática e faz parte de nossas vidas, ainda que não nos demos conta disso, tão facilmente. Podemos perguntar a eles: o que é a filosofia de empresas? Conjunto de regras, valores de conduta, objetivos que pretendem alcançar respeitando clientes, funcionários e acionistas, exposição de metas, etc.

Vejamos exemplos de filosofias de empresas:

Habibs Quando a rede Habib’s inaugurou em 1988 sua primeira loja na Rua Cerro Corá em São Paulo, certamente o mercado de alimentação não imaginaria o crescimento vertiginoso por qual o Habib’s iria trilhar nas últimas duas décadas, alcançando a marca atual de 305 endereços distribuídos pelo Brasil e 150 milhões de consumidores, o que colocou o Habib´s como a maior rede de fast food genuinamente nacional. Essa posição, resultado do nível de profissionalização que o Habib’s instituiu em seu segmento e das constantes e necessárias inovações para atender plenamente o cliente, esteve sempre aliada ao trinômio de preços baixos, variedade e alta performance em qualidade, características que ilustram perfeitamente a filosofia da empresa, duas vezes premiada como: Melhor franquia pela ABF (Associação Brasileira de Franquia), cinco prêmios “Consumidor Moderno de excelência em serviços ao cliente” e três vezes eleita melhor fast food com o “Prêmio Alshop Visa”, conhecido como o Oscar do Varejo no segmento fast food.

Gradiente Nossa essência é a fonte de inspiração para os nossos negócios e diz muito sobre quem somos. Visão É o nosso objetivo, o que nos motiva a desenvolver as melhores soluções para o entretenimento de nossos consumidores. "Onde houver olhos querendo ver o novo, onde houver ouvidos querendo ouvir o

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melhor, onde houver corações e mentes buscando interação e emoção: esse é o lugar da Gradiente." Missão É o modo como encaramos o desafio de encantar nossos consumidores com nossos produtos e serviços. "Em um mundo onde a velocidade das mudanças é cada vez maior, expandiremos a força e o valor da Gradiente, sendo os mais rápidos, os mais atentos, aqueles que sempre sabem captar e se antecipar às necessidades e desejos das pessoas. Faremos isso utilizando o melhor da tecnologia e das parcerias, desenvolvendo talentos, produzindo encantamento, trazendo inovação e tornando a vida das pessoas melhor a cada produto e serviço Gradiente." Valores São os fundamentos éticos da nossa empresa; refletem a nossa cultura, aquilo que somos e no que acreditamos. "Somos uma empresa comprometida com o encantamento dos nossos consumidores . Pautamos nossas relações pela ética porque acreditamos e respeitamos as pessoas . A integridade é o nosso padrão de conduta. Somos empreendedores, inovadores e temos a excelência como meta. Tudo isso fundamenta nossa solidez , credibilidade e nossa crença no Brasil ."

Texaco Visão A essência da Filosofia da Chevron é a nossa visão: ser a empresa global de energia mais admirada graças à sua gente, às suas parcerias e ao seu desempenho. Nossa visão consiste em: • Fornecermos produtos do setor de energia vitais para o progresso econômico sustentável e para o desenvolvimento humano em todo o mundo; • Sermos pessoas e uma organização com um nível superior de competência e comprometimento; • Sermos a parceria preferida; • Apresentarmos um desempenho de categoria internacional; Sermos admirados por todas as pessoas que têm interesse na empresa - investidores, clientes, governos dos países nos quais atuamos, comunidades locais e nossos funcionários - não apenas em relação aos objetivos que atingimos, mas também em como os realizamos. Valores

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Integridade Somos honestos com os outros e com nós mesmos. Observamos os mais altos padrões éticos em todas as nossas transações comerciais. Cumprimos o que prometemos. Aceitamos as responsabilidades e nos responsabilizamos por nosso trabalho e nossas ações. Confiança Confiamos, respeitamos e apoiamo-nos mutuamente, esforçando-nos para merecer a confiança de nossos colegas e parceiros. Diversidade Respeitamos e aprendemos com as culturas dos países em que atuamos. Valorizamos e respeitamos a individualidade e a variedade de perspectivas e talentos que nos proporcionam. Nosso ambiente de trabalho é agregador e receptivo a diversidade de indivíduos, idéias, aptidões e experiências. Criatividade Buscamos novas oportunidades e soluções fora do comum. Usamos nossa criatividade para encontrarmos soluções práticas e inovadoras para solucionar os problemas. Nossa experiência, tecnologia e perseverança nos permitem superar desafios e agregar valor ao negócio. Parceria Assumimos um compromisso absoluto no sentido de sermos bons parceiros, concentrando-nos no estabelecimento de relações produtivas, colaborativas, mutuamente vantajosas, baseadas na confiança e na cooperação, com governos, outras empresas, nossos clientes, nossas comunidades e entre nós. Proteção às pessoas e ao meio ambiente Priorizamos a saúde e segurança de nossa mão-de-obra, a proteção de nossos ativos e do meio ambiente. Almejamos ser uma empresa admirada por seu nível de desempenho de categoria internacional através da aplicação disciplinada de nosso Sistema de Gestão da Excelência Operacional. Alto nível de desempenho Assumimos o compromisso de excelência em tudo o que fazemos, e empenhamo-nos em melhorar constantemente. Dedicamo-nos com entusiasmo a obter resultados que superem as expectativas - as nossas e as de terceiros. Buscamos nossos resultados com energia e senso de urgência.

Faber Castell Filosofia O respeito ao individuo e ao meio ambiente estão presentes na Faber-Castell desde sua fundação

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Desde sua fundação a Faber-Castell tem pautado suas ações por um grande respeito ao ser humano e ao meio ambiente e sabe o quanto essa postura é importante para garantir um futuro saudável para as próximas gerações. As iniciativas da Faber-Castell hoje, no Brasil e no mundo, são reflexos da vocação histórica da empresa de atuar com total responsabilidade social. Uma filosofia que está explícita em seus valores, incorporada na cultura de seus colaboradores e que, assim, deverá se perpetuar por centenas de anos mais. Para esta empresa a responsabilidade socioambiental não se resume a uma iniciativa isolada ou sazonal, mas em um processo contínuo que nasceu há mais de 240 anos. A qualidade superior sempre fez parte da história da Faber-Castell nos produtos, nos cuidados com o meio ambiente, na postura ética e socialmente responsável. Por isso, a Faber-Castell é a companhia para você escrever a sua história.

Wal Mart O Wal-Mart é mais do que apenas o maior varejista do mundo. É uma força econômica, um fenômeno cultural e o alvo de muitas controvérsias. Tudo começou com uma simples filosofia do fundador Sam Walton: oferecer aos compradores preços mais baixos do que eles pudessem encontrar em qualquer outro lugar. Ele exigia que seus funcionários também mantivessem as despesas o mais baixo possível.

Outra possibilidade é falar sobre as empresas que fazem parte de campanhas como as

relacionadas ao movimento vegetariano, com cuidado para não convencê-los, mesmo porque uma mudança de dieta deve ser acompanhada por um médico. Há uma religião, Adventista, que possui

fábricas de comida vegetariana, cuja marca é SUPERBOM. Poder-se-ia apresentar aos alunos para eles provarem estes alimentos: conhecemos e consumimos um bife feito de soja e,

também, uma maionese sem ovos, tudo para promover a conscientização (de religiosos, mas, também, de ateus) para disseminar o respeito aos animais, criaturas divinas, para uns, ou, seres que devemos respeitar e cuja vida é um direito inviolável, para outros. Acredito que muita da importância que se atribui à escola é levar aos alunos novos pontos de vista que eles não conheceriam normalmente, especialmente porque eles não têm curiosidade suficiente para acessar um canal de tv sobre Ciências, por exemplo.

Realizamos uma “prova” do bife vegetal entre alunos de ensino religioso da turma 223 em 2008: todos mostraram interesse, mas na hora da degustação a maioria fez cara de nojo (muitos disseram que parecia comida de gato!) e poucos realmente ingeriram o alimento. Depois disso, evitamos repetir a experiência em outra turma – além do produto ser caro, não vale a pena oferecê-lo se os alunos provavelmente o colocarão no lixo. Sugiro, então, que se use a cozinha da escola para preparar algum alimento com “proteína de soja” in natura, grossa ou miúda e fazer com eles ajudem no preparo.

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Aula 62: cooperativismo. A teoria de Karl Marx está por trás da revolução socialista e comunista e, também, nas

idéias do cooperativismo. Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848, por Karl Marx e Friedrich Engels :

“Por burguesia compreende-se a classe dos capitalistas, proprietários dos meios de produção que empregam trabalho assalariado. Por proletariado compreende-se a classe de trabalhadores assalariados que, privados de meios de produção próprios, se vêem obrigados a vender a sua força de trabalho para poder existir”.

INTRODUÇÃO: Um fantasma ronda a Europa - o fantasma do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e a czar, Metternich e Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha... O comunismo já é reconhecido como força por todas as potências da Europa. É tempo de os comunistas exporem, à face do mundo inteiro, seu modo de ver, seus fins e suas tendências, opondo um manifesto do próprio partido à lenda do espectro do comunismo.

PARTE 1 - BURGUESES E PROLETÁRIOS: A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas da classes... Nas primeiras épocas verificamos quase por toda parte, uma completa divisão da sociedade em classes distintas, uma escala graduada de condições sociais. Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres, oficiais e servos, e, em cada uma destas classes, gradações especiais. A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. A sociedade divide-se ... em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado... (E) O governo do estado moderno não é se não um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.

A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então reputadas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fez seus servidores assalariados.

A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais... Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte.

Devido ao rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e ao constante progresso dos meios de comunicação, a burguesia arrasta para a torrente de civilização mesmo as nações mais bárbaras.

Os baixos preços de seus produtos são a artilharia pesada que destrói todas as muralhas da China e obriga a capitularem os bárbaros mais tenazmente hostis aos estrangeiros. Sob pena de morte, ela obriga todas as nações a adotarem o modo burguês de produção, constrange-as a abraçar o que ela chama civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Em uma palavra, cria um mundo à sua imagem e semelhança.

A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da vida rural.

Com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários modernos, que só podem viver se encontrarem trabalho e que só o encontram na medida em que este aumenta o capital. Esses operários, constrangidos a vender-se diariamente, são mercadoria, artigo de comércio como qualquer outro; em conseqüência, estão sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado.

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O crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho, despojando o trabalho do operário de seu caráter autônomo, tiraram-lhe todo atrativo. O produtor passa a um simples apêndice da máquina e só se requer dele a operação mais simples, mais monótona; mais fácil de apreender. Desse modo, o custo do operário se reduz, quase exclusivamente, aos meios de manutenção que lhe são necessários para viver e procriar.

... Além disso... frações inteiras da classe dominante, em conseqüência do desenvolvimento da indústria são precipitadas no proletariado, ou ameaçadas, pelo menos, em suas condições de existência. Também elas trazem ao proletariado numerosos elementos de educação.

PARTE 2 - PROLETÁRIOS E COMUNISTAS: ... A Revolução Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal em proveito da propriedade burguesa. O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade geral, mas a abolição da propriedade burguesa. Censuram-nos, a nós comunistas, o querer abolir a propriedade pessoalmente adquirida, fruto do trabalho do indivíduo, propriedade que se declara ser base de toda liberdade, de toda atividade, de toda independência individual. Pretende-se falar da propriedade do pequeno burguês, do pequeno camponês, forma de propriedade anterior à propriedade burguesa? Não precisamos aboli-la, porque o progresso da indústria já a aboliu e continua a aboli-la diariamente. Ou por ventura pretende-se falar da propriedade privada atual, da propriedade burguesa? ... O capital é um produto coletivo: só pode ser posto em movimento pelos esforços combinados de muitos membros da sociedade, e mesmo, em última instância, pelos esforços combinados de todos os membros da sociedade. O capital não é, pois, uma força pessoal; é uma força social.

Horrorizai-vos porque queremos abolir a propriedade privada. Mas em vossa sociedade a propriedade privada está abolida para nove décimos de seus membros. E é precisamente porque não existe para estes nove décimos que ela existe para vós.

... Nos países mais adiantados, as seguintes medidas poderão geralmente ser postas: 1. Expropriação da propriedade latifundiária e emprego da renda da terra em proveito do

Estado; 2. Imposto fortemente progressivo; 3. Abolição do direito de herança; 4. Confiscação da propriedade de todos os emigrados e sediciosos; 5. Centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital

do Estado e com o monopólio exclusivo; 6. Centralizarão, nas mãos do Estado, de todos os meios de transporte; 7. Multiplicação das fábricas e dos instrumentos de produção pertencentes ao Estado,

arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas, segundo um plano geral; 8. Trabalho obrigatório para todos, organização de exércitos industriais, particularmente para

a agricultura; 9. Combinação do trabalho agrícola e industrial, medidas tendentes a fazer desaparecer

gradualmente a distinção entre a cidade e o campo; l0. Educação pública e gratuita de todas as crianças, abolição do trabalho das crianças nas

fábricas, tal como é praticado hoje. Combinação da educação com a produção material etc. Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classes,

surge uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos.

PARTE 4 - POSIÇÃO DOS COMUNISTAS DIANTE DOS DIVERSOS PARTIDOS DE OPOSIÇÃO

... Os comunistas não se rebaixam a dissimular suas opiniões e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam à idéia de uma revolução comunista! Os

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proletários nada têm a perder a não ser suas algemas. Têm um mundo a ganhar. PROLETÁRIOS DE TODO O MUNDO, UNI-VOS!

� Friedrich Engels lembra a influência de Charles Darwin sobre Karl Marx e que,

este último, disse que tinha feito no campo da economia a descoberta que Darwin tinha feito

no campo da biologia. Aula 63: o sentido da visão. No filme “Ensaio sobre a cegueira” pessoas de uma sociedade inteira, que antes viam

normalmente, perdem a visão. Passam a viver com limitações até então impensáveis. Baseada no livro de José Saramago, segundo ele mesmo, trata-se da cegueira da razão humana, o medo que temos de refletir sobre o que está errado e está bem na nossa frente! Curioso que uma organização de cegos norte-americana boicotou o lançamento do filme, o que, para nós, prova a decadência da inteligência daquele povo, causada pela falência da educação.

Eis alguns trechos do livro de José Saramago:

- "Quando o médico e o velho da venda preta entraram na camarata com a comida, não viram, não podiam ver, sete mulheres nuas, a cega das insônias estendida na cama, limpa como nunca estivera em toda a sua vida, enquanto outra mulher lavava, uma por uma, as suas companheiras, e depois a si própria."

• "Não lhe parece que deveríamos comunicar ao ministério o que se está a passar, Por enquanto acho prematuro, pense no alarme público que iria causar uma notícia destas, com mil diabos, a cegueira não se pega, A morte também não se pega, e apesar disso todos morremos."

• "Quando o director veio ao telefone, Então, que se passa, o médico perguntou-lhe se estava só, se não havia gente por perto que pudesse ouvir, da telefonista não havia que recear, tinha mas que fazer que escutar conversas sobre oftalmopatias, a ela apenas a ginecologia lhe interessava."

• "O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui. Então perguntou o velho da venda preta, Quantos cegos serão precisos para fazer uma cegueira. Ninguém lhe soube responder."

• "Lutar foi sempre, mais ou menos, uma forma de cegueira, Isto é diferente, Farás o que melhor te parecer, mas não te esqueças daquilo que nós somos aqui, cegos, simplesmente cegos, cegos sem retóricas nem comiserações, o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos, Se tu pudesses ver o que eu sou obrigada a ver, quererias estar cego, Acredito, mas não preciso, cego já estou, Perdoa-me, meu querido, se tu soubesses, Sei, sei, levei a minha vida a olhar para dentro dos olhos das pessoas, é o único lugar do corpo onde talvez ainda exista uma alma, e se eles se perderam"

"Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem" Ensaio sobre a cegueira (José Saramago).

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Bem, propomos que os alunos em duplas realizem a tarefa alternadamente de serem os cegos e os guias e que andem pelo colégio, mesmo por caminhos mais difíceis e depois relatem o que sentiram. Dirão que a visão é importante, lhe darão mais valor e respeitarão os que não a têm.

Sobre as cores: o preto é ou não a soma de todas as cores? Ou é o branco, como pensava Issac Newton? Talvez ambos: o preto, pela sobreposição das cores e o branco, pela sucessão delas? Basta você pegar tinta e misturá-las: dá preto, não branco. A luz pode ser decomposta em todas as cores, mas ela não é branca, parece-me transparente! Alunos disseram que ponto uma cor ao lado da outra em um circulo e girando este círculo veremos a cor branca, mas isso é uma sucessão de cores, onde perdemos o foco em cada uma, como se a mente não podendo percebe-las individualmente, percebe uma coisa só, como se estivesse fora de foco!

Aliás, não será que as próprias cores sejam idealizações das mentes humanas? Talvez não

exista preto ou branco; o universo mais escuro pode conter alguma radiação que nossos olhos e nossos instrumentos ainda não percebem! Outra questão que levantei em aula: a soma dos alunos da turma 217 pode ser: (a) a quantidade total de alunos, por exemplo, 25, ou, ainda, (b) a quantidade total de corpos misturados uns sobre os outros (tétrico, eu sei!). Uma soma conserva os elementos, a outra, os destrói, portanto, não são somas idênticas!

Há uma propaganda (incentivando a doação de córneas) na televisão que mostrava pessoas em momentos felizes, abraçando alguém, comemorando uma vitória, etc, e que dizia mais ou menos assim: que nos melhores momentos da vida fechamos os nossos olhos e, assim, não precisamos deles para as emoções que só o coração sente. Há sempre algo de verdadeiro em tudo o que as pessoas dizem e, em certo sentido, fechamos os olhos, mas, talvez, não porque, assim, possamos sentir melhor o que está acontecendo, mas simplesmente porque qualquer objeto que se aproxime de nosso rosto provocará uma reação automática de fechamento das pestanas. Porém, pode-se supor, ainda, que sem enxergar damos mais atenção a quem, por exemplo, estamos abraçando.

Podemos fazer um caminho oposto ao que inicialmente propusemos: em vez de tentarmos experimentar a ausência da visão, podemos desenvolvê-la, estimular os alunos a perceber tons de

cores que nunca tinham percebido. Na Wikipédia encontramos a “psicologia das cores”, assunto que podemos trabalhar em aula: podemos pedir que eles encontrem no pátio objetos com cores incomuns ou um máximo de variedades de cores. Depois, com auxílio da Wikipédia podemos analisar se cada cor tem uma personalidade. Diz o texto: “Na cultura ocidental, as cores podem ter alguns significados, alguns estudiosos afirmam que podem provocar lembranças e sensações às pessoas”. Podemos perguntar: é só na cultura ocidental? E na oriental? Lá, por exemplo, o luto é representado pela cor branca. Dizem que as cores verde, lilás e vermelha despertam a fome? O Mcdonalds usa as cores amarela e vermelha em seus restaurantes em todo o mundo.

• Cinza : elegância, humildade, respeito, reverência, sutileza; • Vermelho : paixão, força, energia, amor, liderança, masculinidade, alegria (China), perigo,

fogo, raiva, revolução, "pare"; • Azul : harmonia, confidência, conservadorismo, austeridade, monotonia, dependência,

tecnologia, liberdade; • Ciano : tranqüilidade, paz, sossego, limpeza, frescura; • Verde : natureza, primavera, fertilidade, juventude, desenvolvimento, riqueza, dinheiro

(Estados Unidos), boa sorte, ciúmes, ganância, esperança;

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• Amarelo :velocidade, concentração, optimismo, alegria, felicidade, idealismo, riqueza (ouro), fraqueza, dinheiro;

• Magenta : luxúria, sofisticação, sensualidade, feminilidade, desejo; • Violeta : espiritualidade, criatividade, realeza, sabedoria, resplandecência, dor; • Alaranjado : energia, criatividade, equilíbrio, entusiasmo, ludismo; • Branco : pureza, inocência, reverência, paz, simplicidade, esterilidade, rendição; • Preto : poder, modernidade, sofisticação, formalidade, morte, medo, anonimato, raiva,

mistério, azar; • Castanho : sólido, seguro, calmo, natureza, rústico, estabilidade, estagnação, peso,

aspereza. Encontrei duas experiências interessantes em um site (www.colegiosaofrancisco.com.br)

além de uma experiência pessoal que podemos chamar de “enigmas” e deixar que eles descubram as explicações:

1a) com o uso de uma lanterna sobre a parte externa da pálpebra direita é possível ao olho (ou ao cérebro) ver os vasos sanguíneos e isto só não é possível com freqüência pois (a explicação dos cientistas) o cérebro só percebe coisas em movimento e os vasos encontram-se parados.

2a) construa um canudo de 15cm com uma folha de papel e olho com um olho aberto um objeto qualquer, mantendo o outro olho fechado. Depois, coloque sua mão no canudo perto do seu rosto e abra os dois olhos: verá a imagem completa do objeto, pois o cérebro fundiu as imagens do olho esquerdo e do direito.

Uma terceira experiência – vivida por mim é, pelo menos, curiosa: certo dia, quando acordei, desci as escadas e me deparei com um objeto que eu não consegui identificar, pois estava ainda sonolento: à primeira vista pareceu um vômito (algo comum quando se tem dois cães em casa), mas segundos ou uma fração de segundo, percebi que se tratava de um osso que um dos cães havia em um canto da casa. Um evento banal, dirão. Mas, para um filósofo de verdade, a vida é um acontecimento tão extraordinário que nada pode ser banal! Aquela frase de Aristófanes – “nada é estranho ao sábio” deveria ser alterada para “nada é banal ao sábio”, pois há coisas que são estranhas, sim, incompreensíveis, embora, em geral, o que é difícil para a maioria das pessoas é fácil para os filósofos, pelo menos quando eles formulam suas hipóteses, o que não significa que encontraram as respostas. E o oposto, também, é correto: o que é fácil para a maioria, é difícil para o sábio. Bem, como podemos solucionar este problema? Pensamos, primeiramente, que tínhamos descoberto uma prova de que é a mente que projeta imagens dos objetos que, ilusoriamente, estariam lá fora, no suposto mundo real. Apareceu-nos que foi a nossa mente que escolheu “projetar ” a imagem de um osso em vez da imagem de um vômito. Depois, surgiu-nos uma segunda hipótese (aliás, é curioso: surge-nos, projeta-nos diante de nós): é que não sabendo que objeto era e não estando com os sentidos e a percepção alertas, aquela imagem de vômito veio da memória, como uma alternativa para solucionar nossa dúvida (“que objeto era aquele?”) e, somente a seguir, é que percebemos a imagem do objeto real, um osso. Houve, de fato, uma projeção, sim, de uma imagem da memória que dominou nossa atenção, imagem que reproduzia até as cores e texturas do chão e das paredes e que, depois, foi substituída pela imagem real. Esta é a hipótese na qual preferimos acreditar.

3o) há um pequeno arbusto chamado cientificamente de “Brunfelsia pauciflora” (chamadas em língua inglesa de de “yesterday-today-and-tomorrow”, ontem, hoje e amanhã), cujas flores abrem na cor lilás, tornam-se lavandas e finalmente brancas. Uma pergunta que se pode fazer aos alunos é: “se ela produz um único tipo de flor como há flores de três cores?”.

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Aula 64: o sentido do olfato. Um outro filme tão interessante quanto o anterior é “Perfume”, onde um rapaz desde o

seu nascimento é submetido a diversos cheiros, o que o faz bastante sensível a aromas e excelente perfumista. Só que, em vez de extrair perfumes de plantas, ele se torna obcecado pelo cheiro da pele de belas mulheres. À procura do perfume perfeito, ele as mata.

Este exercício procura despertar a sensibilidade para o olfato. Propomos que os alunos tragam perfumes de casa para compartilhar cheiros com os seus colegas. Identificarão se os perfumes contêm elementos em sua composição, compartilharão experiências e opiniões. Ao professor caberá ofertar pedaços de papéis pequenos sobre os quais serão dispersos os perfumes para que os demais alunos possam cheirá-los também.

Caso eles esqueçam de trazer os perfumes (sinal de desmotivação com a aula), basta o professor deixá-los livres em toda a área do colégio para que descubram cheiros belos ou desagradáveis. Nestas duas últimas aulas, já se adquirirá experiência razoável para debater sobre o tema da beleza, mas podemos prosseguir com os outros sentidos: tato, gosto e audição. Procuramos incentivá-los a cheirar os objetos mais estranhos, até um pássaro morto, mas eles se mostraram reticentes. Além disso, a área da escola não permitiu encontrar objetos interessantes e os alunos restringiram sua pesquisa a duas árvores. Antes que eles as destruam totalmente é preferível que o professor traga de casa cheiros para serem identificados – há lojas que vendem aromatizadores de ambiente, por exemplo.

É interessante o professor folhear jornais e revistas para levar aos alunos notícias sobre

descobertas científicas: pesquisadores da universidade de Mannheim (Alemanha) testaram borrifar cheiros agradáveis ou não nos travesseiros com os quais as pessoas dormiam. Muitas delas tiveram sonhos agradáveis (quando o cheiro era de flores) e outras, desagradáveis (quando o cheiro era, também, desagradável).

E os cães: por que eles lambem a perna da gente (ou objetos quaisquer) antes de cheirá-la ? Faça um suspense e se eles não oferecerem hipóteses (escreva alternativas (a), (b), (c), (d) no quadro), responda: é para que aquela substância que interessou o cão pela primeira vez seja dissolvida na água (saliva), liberando, assim, uma maior quantidade da mesma substância! Falando em cão ou cães: mais de um deles, pertencentes à minha família, tinham o hábito de esfregar o rosto em carniças de animais. O cheiro lhes parecia agradável, mesmo que para nós pareça horrível? Como é possível? Tendo eles faro mais apurado, imagino que eles possam identificar elementos naquele cheiro e lhes pareça harmonioso, mas não para nós, um mau cheiro indistinto. Será por que remete-nos à lembrança de doenças, assim, como não cheiramos fezes, nem urina?

Revista Superinteressante (Janeiro de 1998)

Os primeiros seres, que viviam nas profundezas dos oceanos, certamente só possuíam esse sentido (OLFATO), com o qual localizavam a comida, descobriam os parentes e evitavam os inimigos. O cérebro tinha apenas centros olfativos, que interpretavam os odores, e centros motores, que controlavam os movimentos. Quanto mais as espécies foram evoluindo, diminuía o tamanho da área cerebral especializada no olfato, chamada rinencéfalo, que cedeu espaço para outras estruturas especializadas. No homem, por exemplo, uma área do rinencéfalo foi ocupada pelo uncus, a parte do cérebro que controla as reações motoras do organismo diante das emoções, como tremer de medo.

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No final das contas, o nariz do homem acabou perdendo para qualquer focinho de animal. No ser humano, as células olfativas cobrem uma área de 10 centímetros quadrados do nariz; já no cachorro, essas células ocupam 25 centímetros quadrados; e no tubarão, 60. Enquanto o homem, para perceber o cheiro do ácido acético presente no vinagre precisa de 500 milhões de moléculas dessa substância por metro cúbico de ar, o cão pode sentir o mesmo cheiro com apenas 200 mil moléculas.

Aula 65: o sentido do tato. Até aqui, tínhamos apresentado exercícios sobre a visão e o olfato. Mas, tínhamos dúvidas

sobre como apresentar os demais sentidos. Por isso, é útil perguntar aos alunos, pedir-lhes sugestões.

Lembramos que um exercício de dinâmica de grupo realizado na faculdade e que pode ser relacionado ao sentido do tato foi o seguinte: pessoas fazem exercícios com o objetivo de estabelecerem laços de afeto: desde abraços até carregar um membro do grupo ou segurá-lo enquanto ele cai para trás. Lembrar que nas cidades grandes as pessoas são geralmente frias em relação às outras. No filme Crash, fala-se que as pessoas não se tocam mais, só quando sofrem acidentes.

Uma outra idéia que tivemos: levar para a sala de aula cinco (5) sacos plásticos escuros com objetos dentro desde fiação elétrica ou cabo de computador, vela, suporte para papel higiênico, colher de plástico, etc. estes exercícios se propõem a despertar a sensibilidade dos alunos, desenvolver a concentração, reconhecer a importância de cada sentido e suas limitações e debater sobre a inter-relação dos sentidos na compreensão do mundo.

Foi uma boa aula, que pena que a maioria não é assim: os alunos se interessaram em descobrir o que havia dentro dos sacos plásticos (quatro no total, suficiente para preencher o tempo de 50 minutos), não houve conversa em um nível que prejudicasse a fala do professor. Foi muito interessante esta experiência: creio que fizemos juntos algumas descobertas: é mais fácil identificar um objeto usando as duas mãos que uma apenas. Por quê, perguntamos a eles? Duas mãos informam melhor o tamanho do objeto. Mas, por quê? (indo mais longe na questão). Eu tive que sugerir uma tese (não sei se a neurologia tem teoria semelhante!): é que para lembrar de um objeto precisamos das suas três dimensões . Eles já haviam dado outra pista: de que, com duas mãos, perceberíamos mais rapidamente, o objeto e sua forma. Assim, não só precisamos das três dimensões, mas que elas sejam percebidas quase simultaneamente.

Não foram raro os casos de alunos que confundiram um objeto com outro: um cabo elétrico de computador com um cabo de televisão ou uma caneta com o suporte para papel higiênico. É uma pena que eles tenham perdido (por culpa da escola ) a curiosidade natural de buscar o por quê das coisas (e, também, a excessiva conversa!). Quando pedi que filosofassem sobre a experiência eles apenas listaram os objetos que tinham reconhecido.

Uma alternativa é pedir que, em vez de darem o nome do objeto, eles o desenhem, o que exige mais exatidão do que o uso das palavras (dizer que é uma peneira é menos preciso que dizer o tamanho dos furos, apenas com o dedo !).

De longe, o maior conhecimento que adquirimos foi o de tocarmos nas mãos uns dos outros; a escola não precisa ser fria como as relações sociais são, em que as pessoas mal encostam umas nas outras. Lembro de uma falha minha: não apertar mão no início do ano dos alunos, pois eu dizia a eles que não sabia se eles tinham lavado as mãos, especialmente os alunos e, além disso, eu não queria demonstrar muita intimidade, pois poderia perder o controle e a disciplina condições para poder dar uma mínima aula.

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Um aluno relacionou a experiência do tato à da cegueira, imaginando como seria difícil ser cego , outra aluna, observou o quanto a imaginação nos pega sustos, pois ela estava com medo de enfiar a mão dentro do saco, pois poderia haver lá dentro algum bicho. Por quê? Temos um medo natural ou desconfiança em relação ao professor? Ou a imaginação nos oferece respostas diante do aparente vazio ou ausência de um objeto?

Além disso tudo, falamos, ainda, da história da jovem Helen Keller (27 de junho de 1880 – 1

de junho de 1968), exemplo de superação que merece ser citado: ela ficou cega aos dois anos de idade e, pouco depois, surda.

Nem por isso deixou de estudar e chegou a se formar em Filosofia. Aprendeu as letras

quando alguém as escrevia na palma de sua mão e, depois, relacionava as palavras tocando nos objetos. Se a lição envolvia aprender o que é água, ficava assim: primeiro, alguém com os dedos escrevia na palma da mão dela, letra por letra: á+g+u+a (ou w+a+t+e+r, Helen ela norte-americana) e, depois, molhava a sua mão com água e, por aí em diante, para cada objeto.

Outra questão que despertará debate diz respeito à sinestesia . Em um blog (http://www.sinestesia.co.uk), encontramos Patrícia Müller que relata sua condição: “Eu sou sinesteta de várias modalidades, mas predominantemente das modalidades 1) léxica>gustatória e 2) léxica>olfativa, formas menos comuns de sinestesia. Ela acrescenta que a sinestesia não se trata de uma doença, apenas um processo que ocorre nos neurônios, que causa a mistura de sensações diferentes – “Alguns sinestetas “vêem” sons, outros sentem o sabor de palavras ou formas, o cheiro dos objetos que tocam, enxergam imagens ao ingerir certos alimentos, e outras misturas de sensações”.

Por fim, é útil citar as qualidades primárias (a forma, a quantidade ou o número das coisas)

e secundárias (as sensações que existem em nossa mente, como a dor, as cores, o quente e o frio) de John Locke. Especificamente sobre a forma, o que ela é? Existe separada da matéria, como pensava Platão e mesmo São Tomás de Aquino na Idade Média, a ponto de dizer que os anjos só têm forma e não matéria? Um chafariz tem uma forma real ou ela surge na nossa mente a partir da imagem das gotas d’água, sendo a água uma substância material como outras? E a forma humana? Saímos de uma mesma fôrma?

Ponto de vista semelhante é o de Nietzsche: para el e, a forma foi “inventada por nós”. Ele defende (frag. 9(144)) que somos nós que criamos as noções de “coisa”, “sujeito”, “predicado”, “substância”, “forma”, “finalidade”, embora estas noções não existam realmente, pois sempre surge “algo novo”, que tão somente tem uma aparência semelhante com as coisas que o antecederam, uma vã tentativa de “fixarmos o mundo” como algo verdadeiro, idêntico (Fragmentos finais: Unb, p.73).

Pensamos em falar aqui da espécie humana ou da forma humana? A forma está no ser

humano, em cada um de nós? Saímos de uma mesma forma? Aliás, há uma espécie? Nosso DNA é a causa da espécie? Temos 46 pares? (aliás, há três seres vivos que têm o mesmo número de DNA e não são da mesma espécie: o rato branco, o macaco rhesus e a planta aveia!). Um aluno defendeu, brilhantemente, que o nosso DNA tem uma combinação específica que nos faz humanos (dizem que ele é 95% parecido com o dos chimpanzés, exceto por 5%). Mas, mesmo assim, o DNA dos “humanos” não é igual, há diferenças e se houver uma única basta para dizer que somos parecidos, mas distintos uns dos outros. Na minha modesta opinião, só gêmeos poderiam fazer parte de uma espécie, pois têm, segundo a ciência, o mesmo DNA. Há um argumento que uso em aulas, mas que é mal compreendido: é que quando os alunos dizem que ser humano é ter 23 pares de cromossomos nos núcleos das células, eu pergunto: e as pessoas portadoras da

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síndrome de Down? Elas têm um cromossomo a mais no 23o par. Estão, por isso, fora da dita “espécie humana”?

Mas, se você respondeu sim a uma ou mais das perguntas anteriores, responda-me por que, então, as crianças-lobo (na foto uma delas, Amala, resgatada de uma alcatéia em outubro de 1921, na Índia, com sua irmã, Kamala) parecem se comportar como lobos e não como humanos?

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Amala e Kamala , também conhecidas como as meninas lobo , foram duas crianças

selvagens encontradas na Índia no ano de 1920. A primeira delas tinha um ano e meio e faleceu um ano mais tarde. Kamala, no entanto, já tinha oito anos de idade, e viveu até 1929.

Em 1920, o reverendo Singh encontrou, em uma caverna, duas crianças que viviam entre lobos. Suas idades presumíveis eram de 2 e 8 anos. Deram-lhes os nomes de Amala e Kamala, respectivamente. Após encontrá-las, o rev. Singh levou-as para o orfanato que mantinha na cidade de Midnapore. Foi lá que ele iniciou o penoso processo de socialização das duas meninas-lobo. Elas não falavam, não sorriam, andavam de quatro, uivavam para a lua e sua visão era melhor à noite do que de dia. Amala, a mais jovem, morreu um ano após ser encontrada. Kamala viveu por mais oito anos sem, contudo, aprender a falar, ler, usar o banheiro ou a ter qualquer comportamento que pudesse ser considerado próprio de seres humanos. A única emoção que demonstrou em todos esses anos foi algumas lágrimas que caíram de seus olhos, no dia em que Amala morreu.

Aula 66: o sentido do paladar. Meus alunos me corrigiram: não é o sentido do gosto, mas, sim, do paladar. E

eles sabiam mais do que eu quais papilas gustativas reconhecem o amargo e a doçura das coisas.

Pode-se refazer um teste antigo: esconder os rótulos de dois refrigerantes e testar se os alunos são capazes de identificar as marcas. De um modo divertido, pode-se aprender se o sentido do gosto é igual em todos e se não, por que não é? Como desenvolvê-lo? Outra possibilidade: apresentar chocolates ao leite e amargo e perguntar sobre as diferenças observadas, sem recorrer a rótulos ou embalagens. Esta última experiência não saiu tão boa quanto eu imaginava: eu não estabeleci critérios, eu não defini quantas linhas o trabalho deveria conter e o resultado foi péssimo: alunos escreveram que um chocolate era mais claro e o outro, mais escuro; erraram quilômetros da proposta original, pois eles escreveram sobre a aparência (visual) e não gustativa da experiência vivida. Depôs, quando devolvi os trabalhos corrigidos e dei zero para quase todos, percebi que eu também merecia zero.

Na aula seguinte, tentei mostra a eles que deveriam fazer silêncio (algo raro na idade deles) para se ter mais chance de perceber gostos que não percebemos facilmente. Fiz o exercício sozinho, disse que o chocolate sólido dificulta sentir gosto (paladar), é preciso quebrá-lo, derretê-lo na boca (sempre levam para o lado sexual, temo que boa parte deles permaneça indisciplinado por toda a vida, caóticos e que repitam o que seus pais fizeram: construir famílias desestruturadas com filhos, como

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eles, indisciplinados que, por sua vez, repitam os seus pais,...). o que mais dizer do chocolate? Lembrei de outros gostos: canela, baunilha. Nem tudo é derrota: houve alunos que lembraram de sensações que eu não lembrei: o gosto do leite ou, ainda, sentiram um gosto de queimado no chocolate amargo.

Na parte detrás da língua reconhece o gosto amargo Nas partes laterais, os gostos ácidos Na ponta o doce e um pouco atrás da ponta, o salgado

Ocorreu um fato desagradável no final desta aula, mas que nos ensinou muito:

depois que mostramos aos alunos como queríamos o exercício, um ou dois alunos abriram nossa pasta e roubaram um pedaço grande do chocolate que havíamos trazido (lembre o leitor que na aula anterior os alunos puderam degustar dois tipos de chocolate e nesta aula, o professor). Isto nos mostrou o quanto de imaturidade há em alguns alunos, uma limitada capacidade de perceber além dos seus desejos e uma ilimitada falta de consideração com o professor. Resultado: fiz uma queixa à direção e eles foram ameaçados de prisão (dois deles eram maiores de idade); havia, ainda, um terceiro que levou a culpa pelos dois primeiros. Que tipo de vida familiar eles têm que os leva a fazer coisas deste tipo sem levar em conta o esforço do professor para apresentar uma aula mais atraente?

Uma pequena correção para as futuras aulas sobre o estudo das sensações: talvez seja a de propor que cada um experimente diversos gostos: a acidez do limão, o doce do mel, a acidez, o amargo do chocolate e o salgado do sal. Pode parecer estranho, mas e provar água? Podemos provar diversas águas minerais, as adocicadas e a água da torneira: são todas insípidas? Certa vez ouvi um químico dizendo que isto não é correto: não há como tirar todo o gosto, o cheiro e a cor. Nós, filósofos, podemos perguntar: por que só há quatro gostos?

Outras idéias de exercícios de paladar: (a) apresentar aos alunos em dois recipientes uma colher de café de açúcar

branco e outra de açúcar dietético (com uma quantidade de aspartame) e pedir que identifiquem se as duas substâncias são a mesma ou se há diferenças e se houver, em que difeririam. Apenas no final da experiência o professor dirá do que se tratam as substâncias ou, então, pode pedir na metade do teste que digam qual é açúcar e qual é adoçante artificial . É preciso que o profesor planeje a quantidade certa para que nenhum aluno fique sem experimentar: se temos 500gr de açúcar com aspartame, devemos dividi-lo por 40 alunos ou seja, 12 gramas e meia por aluno, o que dá um a porção pequena, mas suficiente para que ele sinta o gosto. Esta experiências são importantes por diversas razões: ensinar aos alunos a degustar pequenas quantidades, descobrindo que não é o excesso de consumo que nos dará todo o conhecimento sobre as coisas, mas a atenção aos detalhes .

Quando fizemos este exercício em algumas turmas em 2008, surgiu uma opinião interessante: eles disseram (filosofaram) que havia dois tipos de granulações de açúcar distintas, um era maior e outro menor, mas, alertei-os de que isto era uma

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sensação referente ao tato, da língua, mas não era uma sensação vinda do paladar, este mede se algo é pouco ou muito doce, por exemplo, mas não o tamanho daquilo que é doce!

(b) na década de 80 do século passado, os refrigerantes a empresa Pepsi resolveu realizar um teste em que oferecia provas de Coca-cola e da Pepsi, sem mostrar o rótulo e pedia que os consumidores identificassem qual copo continha Coca-cola e qual, Pepsi e o mais surpreendente foi que as pessoas não distinguiam uma da outra! Em geral, a Coca é mais amarga que a Pepsi, o que é estranho, pois se sabe que em cada 300ml de Coca-cola há cerca de seis colheres de sopa de açúcar branco, substância inútil que rouba nutrientes do corpo quando é metabolizada em nosso organismo. Aqui, também, é preciso calcular a quantidade correta: se são 40 alunos por turma, então, devemos dar uma prova de uns 50 ml, quantidade mínima, mas suficiente (mesmo porque o professor não tem muito dinheiro para pagar refrigerantes para, por exemplo, 9 turmas; o ideal é que estes exercícios sejam feitos ao longo do ano e não em uma mesma época!). Assim, se cada aluno receber 100ml de refrigerante multiplicado pelos 40 alunos dá 4 litros ou 2l de Coca-cola e 2 de Pepsi. Podemos brincar com eles e, em algumas turmas, oferecer apenas Coca-cola ou apenas Pepsi, para ver como reagem à experiência e se saem bem ou não.

(c) identificar os sabores em balas: há algumas que têm cores variados e gostos de frutas, o que cria um ambiente de voltar a ser criança: aquela curiosidade natural acompanhada de sorrisos e olhos brilhando! Contudo, podemos substituir as substâncias artificiais testadas por sucos naturais e frutas. Estaremos ensinando os alunos, duplamente!

Há, aquela mesma aluna que visitou o museu de ciências da PUC e que a citamos antes, encontrou um outro experimento interessante: lá, eles pediam que os visitantes relacionassem os nomes de substâncias a seus gostos, como identificar “canela” a sua respectiva substância.

Podemos ainda, mostrar aos alunos através da imagem de diversas variações do refrigerante Coca-cola que são produzidos no mundo: com limão, sem cafeína, com adição de vitaminas B, com gosto de café, cereja, etc, para que eles reflitam porque há sabores diferentes em diferentes partes do mundo, por que não chegaram

ainda aqui, em nosso país, Brasil, e pensar, também, que outros sabores ainda não desenvolvidos poderiam ser desenvolvidos?

Coca-cola sem cafeína Coca-cola light sem cafeína Coca cereja Coca cereja preta e baunilha Efervescente com essência de café Diet com Splenda Cocadiet com vitamina B3,B6, B12, zinco e magnésio.

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É muito oportuno lembrar experiências pessoais: quantos de nós se maravilha em provar um refrigerante novo ou comer pizza, mas após muitas experiências

semelhantes sentimo-nos enjoados e entediados. Por que isto acontece? O que experiências repetidas provocam em nossos cérebros? Tenho uma teoria que defende que a duração das coisas é uma dor que surge na memória a partir de experiências repetidas: as sensações vão sendo guardadas na memória até que aquele lugar fique cheio das mesmas sensações, o que provocaria uma dor por excesso de sensações na memória. Como é apenas uma teoria, não quero importuná-los sobre isto, mas, ainda assim, podemos como um dançarino que gira em volta da sua parceira, procurar observar o ponto de vista dos estudantes para saber se esta teoria está em conformidade com as sensações entediantes que eles relatarão.

Para finalizar, da Wikipédia extraímos algumas curiosidades: O sabor não tem só que ver só com o gosto, mas também com o aroma do que se tem na boca. É por isso que, quando estamos resfriados , a comida nos parece sem sabor, embora o seu paladar continue presente. Algumas teorias consideram um quinto gosto primário: o umami. Umami é uma palavra japonesa que significa «com um bom gosto de carne» e se aplica à detecção de glutamatos. Quem me dera poder viver em uma época onde em vez do quadro o professor disponha de uma tela ligada a internet!

Aula 67: o sentido da audição. Podemos dar atenção especial àqueles sons que não prestamos atenção

normalmente: uma gota d’água, um inseto, a redução da conversa para ouvir o silêncio. Destacar o fato de que os aparelhos de som que usamos contribuem para isolar-nos dos outros e prejudicar nossa audição.

Ou podemos experimentar tapar os ouvidos, experimentando como seria se fôssemos surdos, mas fizemos isto e o algodão não foi suficiente. Quando perguntamos aos alunos como poderíamos desenvolver o sentido da audição, eles preferiram escutar músicas preferidas e identificar nelas os diferentes instrumentos musicais utilizados. É útil levar imagens deles para que a identificação seja facilitada. A primeira aula em que realizamos este projeto foi um fracasso.

Há alguns motivos: a falta de habilitação do professor em instrumentos musicais o que pensamos seria complementada pela experiência dos alunos, o que foi feito, mas sem grande entusiasmo, especialmente quando ouviram estilos de música diferentes do seus gostos; necessidade de ver os músicos tocando os instrumentos para facilitar o reconhecimento, embora o professor tivesse levado fotografias ampliadas dos instrumentos. De qualquer modo, houve a possibilidade de insistir na defesa da tolerância, isto é, de ouvir os estilos mesmo que não gostemos deles, por respeito a quem gosta, foi possível distinguir, por exemplo, que a chamada música popular brasileira usa menos instrumentos ou, pelo menos, assim nos pareceu, que o pagode que, aliás, não deixa de ser, também, uma música popular, embora não seja clássica, há muito prestigiada, pelo menos, pelos principais meios de

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comunicação (poderão dizer, a música da burguesia, mas sabemos que há muitos de esquerda que as apreciavam e apreciam, inclusive os músicos são de esquerda). O professor acrescentou, ainda, que embora os alunos tenham aversão por estilos diferentes dos deles, há uma origem comum por trás dos dois estilos: o pagode vem do samba e este vem da música africana e a música popular brasileira (MPB) tem entre seus intérpretes cantores que vem da Bahia e a música baiana foi fortemente influenciada, também, pela africana através dos escravos levados para lá.

Em uma próxima vez, provavelmente faremos: (1) um exercício em que o aluno saia para o pátio e procure sons curiosos e até construir instrumentos com materiais que encontre a sua volta ou, então, em vez de ouvir músicas, se assista um show gravado em DVD, pois a imagem facilita mais a identificação dos instrumentos ou, ainda, o mais improvável, (2) que o professor se instrua em um curso de música, pois, neste caso, ao professor só restará dar uma aula – monótona sobre teoria da música, o que não estimulará os alunos a pensarem por si mesmos. Mas viver é aprender e não tomamos como derrota definitiva esta aula mal sucedida.

Outra forma é a da rádio-novela, em que pessoas dentro de um estúdio, compõem uma história e utilizam objetos para imitar sons, como lâminas de metal para o som de relâmpagos, cascas de frutas secas para cascos de cavalos, etc.

Últimas questões sobre os sentidos: qual o grau de importância de cada um deles, qual é o mais importante?;

qual deles surgiu primeiro, tomando a teoria da evolução de Darwin como correta? Sobre esta pergunta, não encontramos uma resposta científica, apenas lemos algo sobre seres ou células primitivas ciliadas, uma forma de tato, e o aparecimento de estruturas fotossensíveis em organismos muito antigos. Mas, de qualquer modo, a ciência também especula e podemos fazê-lo também na filosofia, até porque a primeira etapa do método científico (formular hipóteses) corresponde à atividade que o filósofo desempenha (especular, formular respostas para nossas mais difíceis questões).

� Se cada um deles tem deficiência, como as superamos e obtemos um conhecimento perfeito sobre as coisas? Um sentido ajuda o outro em suas fraquezas, se completando um ao outro? Dei um exemplo de duas pessoas deficientes apoiando-se: isto as faria superar a deficiência? Deixariam de ser deficientes?

Quando começamos estas experiências com os sentidos, não sabíamos onde iríamos chegar, mas me dou conta, hoje, que fiz eu mesmo descobertas: ou a razão é algo distinto e diferente dos sentidos ou ela mesma é um sentido, porém interno, mas, então, terá que ser um sentido que percebe os cinco sentidos ou, ainda, que todos os sentidos são formas de tato e a razão é uma forma de tato, interno. Ou quando sentimos, por exemplo, um gosto, não é a língua que o sente, mas a razão e é ela que é capaz ou incapaz de perceber o gosto de remédio do aspartame, por

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exemplo. E tal dedução se deveu ao fato de que havia duas maneiras de provar o açúcar: com o dedo, pondo-o na ponta da língua (área que reconhece... açúcares) ou, então, com o dedo, mas espalhando sobre toda a língua (ou virando o copo plástico para dentro da boca, espalhando sobre a língua) e, neste caso, se descobriria o gosto amargo do adoçante artificial.

Para Santo Agostinho “no interior do homem mora a verdade” e René Descartes, Deus garante que o que vemos com clareza seja verdadeiro.

� perguntar aos alunos como conhecemos um objeto ou um ser vivo? Pedindo-lhes que descrevam uma cena qualquer, por exemplo: vejo uma planta, vejo sua cor, sinto a textura da folha, depois cheiro a flor. Observa-se aqui que há uma série de percepções que nos fornecem sensações distintas que percorrem caminhos distintos e vão se unir dentro da mente. Mas, lá dentro, estarão mesmo unidas? O que “cola” tais sensações ou elas se mantêm próximas, mas ainda assim, separadas, surgindo diante de nós a idéia de um ser (pergunta feita no século XVII por David Hume ), uma unidade, no exemplo, uma planta? Peguemos a idéia de cavalo alado: temos a imagem de asas unida a de cavalo, mas ninguém nunca viu tal criatura? É a imaginação que une e recorta certas imagens? E a nossa própria imagem, não seria uma colagem da imaginação? Sei que debater isto é algo complexo demais, mas podemos voltar à questão das primeiras aulas: o que é o todo, a soma das partes? Mas, e as partes, não são sensações na nossa mente? E o que são as sensações: um dado real externo? São as cores independentes de nossos cérebros? É a forma, também, algo real?

Aula 68: os limites da razão. Um texto interessante é o que trata da razão: o que é ela? Tema indispensável após o

estudo dos sentidos. LIMITE DA RAZÃO Viviane Mosé (Programa do Fantás tico de 18/09/2005) Uma pergunta: o homem pode saber tudo? Até onde o pensamento é capaz de nos levar?

Prepare-se para uma viagem rumo aos limites da razão! Quem vai nos guiar nesta aventura é a filósofa Viviane Mosé.

Você já tentou pensar sobre o infinito? Será que é possível conhecer tudo? O infinito cabe num enquadramento? O filósofo alemão Kant, que viveu no século 18, tentou encontrar resposta para essas perguntas, saber qual o limite da razão. Para Kant, o conhecimento nasce da experiência que temos do mundo. Mas essa experiência, antes de chegar a nós, passa primeiro por um filtro. Pense numa máquina fotográfica. Há mais de 30 anos, o fotógrafo de jornal Custódio Coimbra sai todos os dias em busca de um retrato do Rio. As lentes de sua máquina tentam delimitar o melhor enquadramento, capaz de traduzir a cidade para milhares de leitores em todo o Brasil. “Eu sou meio que um captador de emoções”, diz Custódio. “Num dia estou numa chacina. No outro dia, estou no Maracanã. Escuto

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um grito de dor, escuto um grito de alegria”. A nossa percepção também é uma lente que enquadra e delimita a realidade, como a máquina do fotógrafo. As fotos que Custódio tira primeiro se imprimem na lente de seus olhos. “Eu fotografo primeiro sem a máquina. Depois eu uso o equipamento como instrumento pra chegar no produto final”, explica o fotógrafo.

Todas as sensações que experimentamos e os pensamentos que temos, segundo Kant, passam pelo filtro do nosso corpo - os cinco sentidos e o sistema nervoso central. Somos um aparelho de percepções. Esse aparelho determina a forma como percebemos a realidade. Agora, pense nas lentes de um supermicroscópio. Elas nos levam a um mundo invisível a olho nu. “A gente trabalha para observar detalhes da estrutura atômica dos materiais”, afirma Daniel Ugarte, professor da Unicamp. O microscópio eletrônico é capaz de ampliar a imagem de um átomo até dez milhões de vezes! “Se pensarmos numa formiga, pequenininha, de cozinha, tem um milímetro. Se aumentarmos ela dez milhões de vezes, essa formiga passaria a ser um monstro de dez quilômetros de comprimento”. As lentes também são capazes de guiar nossa visão até galáxias muito distantes. O telescópio de um observatório em Minas Gerais funciona como um superolho humano, capaz de focalizar estrelas e planetas a milhões de anos-luz. “Eu, particularmente, estudo estrelas que são jovens, mas que estão aqui na vizinhança solar, estrelas recém-formadas. Formaram-se há uns dez milhões de anos, mas é muito pouco tempo na escala astronômica”, diz o astrônomo do Laboratório Nacional de Astrofísica Carlos Alberto Torres. Cada lente, seja a do microscópio, do telescópio, ou a do nosso olho, impõe uma perspectiva, uma visão de mundo diferente. Se tivéssemos um olho de telescópio, veríamos o céu, mas não veríamos as coisas que estão aqui perto. Se tivéssemos um olho de microscópio, veríamos as micropartículas e não veríamos as outras coisas. Nosso olho, então, fica no meio disso. Da mesma maneira, Kant acreditava que nossa razão também tem uma espécie de lente, de filtro, que dá sentido ao que percebemos. Essa lente é a noção de tempo e espaço. Ao contrário do que a gente pensa, o tempo e o espaço não existem fora de nós. Eles estão na nossa consciência. O mundo não tem ordem. A ordem que a gente percebe é produto da razão.

Nossa razão produz recortes da realidade, assim como uma câmera fotográfica. Uma foto mostra um recorte da realidade. Infinitas coisas estão acontecendo ao redor da foto. Ela recorta, enquadra, fixa e, de uma certa forma, emoldura uma realidade. Nossa capacidade de perceber é sempre limitada. Kant acreditava que não podemos conhecer tudo, apenas o que é possível de ser captado por nosso aparelho de perceber, de ver, ouvir, sentir. A alma é mortal ou imortal? Deus existe? O universo é finito ou infinito? Se a razão é um recorte, um enquadramento, como conhecer Deus, o ilimitado, o infinito?

Kant dizia que o homem jamais seria capaz de chegar a um conhecimento seguro sobre essas perguntas. Isso não quer dizer que estas perguntas não possam ser feitas. Se fosse assim, não existiria ciência ou filosofia. Mas as respostas estão além do que a razão pode conceber. Nunca seremos capazes de saber como as coisas são na realidade. Só podemos saber como elas se mostram a nós. Como o Rio de Janeiro que a gente vê pela lente de Custódio Coimbra. “É uma cidade que eu amo, um povo que eu adoro, então eu saio em busca dessa atmosfera”, diz o fotógrafo.

Aula 69: o pensamento tem ordem? Incorremos em um erro gigantesco: pedimos que os alunos classificassem

certos fatos em método dedutivo, indutivo ou analogia, mas, sabemos, que isto entrou por um ouvido e saiu pelo outro e se perguntássemos de novo, não

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lembrariam! Longe da obrigação de seguir o professor orientador de nosso trabalho final (de estágio em uma escola) no curso de licenciatura em Filosofia, sentimo-nos confortáveis em abandonar a lógica para adolescentes, mesmo porque – como disse John Locke – já trazemos a lógica dentro de nós e isto pode ser facilmente comprovado nos nossos alunos; o que falta é uma certa calma para não se apressarem em suas conclusões; mas, ela já está lá, dentro de suas cabeças!

Um fato muito interessante foi uma conversa entre um lógico e uma criança: interessado em fazê-la descobrir os estudos da lógica, ela foi quem lhe deu uma aula ao dizer que não sabe o que ela vai pensar, exceto no momento em que ela pensa e não, antes. Para nós fica claríssimo que não somos uma coisa – ou uma alma - que pensa. As descobertas de Freud sobre o caráter involuntário – inconsciente - do pensamento, prova a mesma coisa: boa parte dos pensamentos são realizados escondidos dentro de nosso cérebro e só os conhecemos quando se mostram prontos diante de nós. Um exemplo disso: podemos comparar uma câmera com o nosso cérebro e observar que nós, também, focamos imagens próximas e desfocamos aquelas mais distantes e vice-versa; esta questão é importante para reconhecer que a forma dos objetos surge quando perdemos o foco nos seus detalhes!

Semelhanças entre o ser humano e um computador

X

CORPO CÉREBRO

Uma proposta de atividade prática é pedir que os alunos comparem o cérebro

a um computador : o que há de comum? E o que há de diferente? Neste exercício podemos aprender muito não examinando diretamente nossa mente, mas seus efeitos, a capacidade inventiva humana (o que lembra a tese de São Tomás de Aquino: não conhecemos a essência de Deus diretamente, mas apenas por meio de seus efeitos, a criação do mundo) . Além de informativo, será, certamente, divertido: a que órgão do corpo humano se comparará a cada peça do computador? Neste mesmo exercício aproveitaremos para tratar da questão da inteligência: o que ela é? Onde reside? E o célebre jogo de xadrez entre o computador e um homem? Isto põe

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em xeque o monopólio da inteligência ao homem? Haverá um dia em que computadores serão tão inteligentes quanto nós? E os animais, têm, também, inteligência? O que é preciso para ter uma inteligência? Pensar, memorizar, sentir, falar, expressar pensamentos?

Um texto introdutório ao estudo da lógica é o seguinte:

O pai da Lógica (programa do fantástico – rede globo) 21.08.2005

Conheça as idéias do filósofo grego Aristóteles, que estudou os conceitos de lógica e raciocínio.

Uma família de Natal inventou uma língua maluca para se comunicar, um dialeto que não se parece com nada do que você já ouviu antes. Será que isso tem lógica? E o que esse idioma inventado tem a ver com a Filosofia? Tudo!

“Sete gombe pra maezta.” Russo? “Kudermente tombe kundermebre!” Japonês? “Ebnaskdedkkenjej fuki six! Canjães! Canjães!” Está de trás para frente? Você consegue decifrar o que são essas frases?

Conheça Cloe, Rosemeire, Beethoven, Célia, Daniela e Christian. Ou melhor: Klomberenteranchente, Kombezente, Bentertombe, Cetekitaens, Dasnisix e Christikisixzaens. É a família Padilha e seu estranho código secreto!

O código é uma brincadeira que Célia Padilha e as duas irmãs aprenderam na adolescência. “Eu pratico desde os meus 12 anos. Muitas pessoas perguntavam se era alemão. E a gente não ligava, continuava no código, dando show mesmo”, conta Célia. “Tem gente que pergunta se nós estamos falando mal de alguém”, conta Cloe Padilha, filha de Célia.

Esse código faz sentido? Para eles, sim. E você sabe por que a família Padilha se entende, mesmo nessa língua tão estranha? Porque a conversa deles segue as regras da lógica.

A palavra "lógica" é muito comum no nosso dia-a-dia. Todo mundo diz "é lógico!" quando não tem dúvida sobre alguma coisa. Ou seja, quando o que é dito faz sentido. Pensar logicamente é uma coisa que está incutida em todas as pessoas, na feira, na sua cabeça, na sua casa.

Essa é uma tradição de pensamento que teve origem na Grécia Antiga. O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) é considerado o “Pai da lógica”.

No último episódio, mostramos que o filósofo Platão dividiu o mundo em dois. O primeiro é o nosso, onde tudo é ilusão. O segundo é o das idéias, o mundo do pensamento e da verdade.

Aristóteles era discípulo de Platão, mas não pensava como seu mestre: não existe separação. Verdade e aparência estão aqui, ao nosso redor. Mas como diferenciar uma da outra? Na filosofia de Aristóteles, um dos caminhos para a verdade é a linguagem, desde que obedeça as leis da lógica.

“A lógica está na lei, a lógica também está na boa argumentação. A boa argumentação é fundamental para a gente chegar no justo. Mas não a argumentação só da oratória e do discurso vazio. A argumentação fundamentada na prova do processo”, afirma a juíza Andréa Pachá.

Sempre que conversamos com alguém, usamos argumentos para expor e defender nossos pontos de vista. E o que é um argumento? Nada mais do que um discurso em que encadeamos afirmações, como os elos de uma corrente, de maneira a chegar a uma conclusão.

A base de todo discurso lógico é um raciocínio muito simples: Todo homem é mortal. Flávio é um homem. Então, Flávio é mortal. A gente nem se dá conta, mas usa essa forma de raciocinar toda hora. Sempre obedecemos a algumas regras. Uma das mais importantes é a "não-contradição".

Não se pode dizer que uma coisa é uma coisa e ao mesmo tempo não é. Isso é chamado de princípio de contradição, ou de "não-contradição". Nós só podemos, logicamente, afirmar uma

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coisa, e não o seu oposto. Afirmar uma coisa e o seu oposto quebra completamente o raciocínio, o princípio lógico trazido por Aristóteles.

Para a lógica, não importa o que está sendo dito, mas como. Ela é a forma da linguagem, não o conteúdo. Para o filósofo alemão Nietzsche, a lógica é a escravidão da linguagem, porque ela pré-determina os caminhos por onde a linguagem pode passar. Mais ou menos como trilhos de bonde.

Podemos pensar o bonde como nosso raciocínio e a lógica como os trilhos, que tem a função de nos levar a uma determinada estação. Essa estação é a verdade. Mas será que tudo só pode ser pensado por meio de argumentos lógicos?

Pode-se dizer que alguém está e não está em um lugar ao mesmo tempo? Teoricamente, não. Mas sim, podemos dizer isso. Porque se pode estar fisicamente em algum lugar, mas com a cabeça longe dali. Ou seja, ficar sem lógica não é tão absurdo assim.

Você já imaginou lógica em uma relação de casal? O que agora é amor, daqui a um segundo pode se transformar em ódio. E mesmo odiando, você não deixa de amar. Será que em uma discussão você não pode ter e não ter razão ao mesmo tempo? Como manter um discurso lógico diante dos afetos, que são quase sempre contraditórios?

Sem a lógica, a linguagem seria como o código da família Padilha para todos nós: incompreensível. Por outro lado, quando a gente se prende a regras muito rígidas, corre o risco de bloquear o pensamento. Pensar é mais do que seguir o correto. Pensar é criar.

Aula 70: dois testes de inteligência. Propomos um jogo desafiante: dividiremos a turma em dois grupos, um dos

fumantes ou que pararam há pouco e outro grupo, dos não-fumantes. Submeteremos ambos os grupos a testes de qi (lógica) e buscaremos saber qual grupo se sairá melhor e saberemos de antemão qual foi a causa do sucesso de um grupo e o fracasso de outro: o cigarro!

CONSUMIDORES DE CIGARRO Este exercício abordará questões como inteligência, mas, ainda, método

científico (quando se procura uma variável a ser testada, mantendo as demais idênticas ou semelhantes em ambos os grupos testados), mostraremos aos estudantes como se testa uma hipótese (se o cigarro afeta a capacidade de pensar). Evidente que poderão perguntar (e isso será ótimo) se não há outras variáveis a serem avaliadas, como se as pessoas fumantes são fumantes, porque são rebeldes e se forem rebeldes, não gostam de estudar e, isto, seria uma causa para uma menor nota nos testes e não o hábito de fumar!

�Outra questão é sobre o consumo de bebidas alcoólicas: lembro que eu parei de

beber cerveja e vinho, ainda que eu fizesse socialmente, após um debate no Rio Grande do Sul sobre uma lei que reduzia o imposto sobre vinho, bebida produzida aqui. Ocorre que o Conselho regional de Medicina se opôs à lei, pois, disseram eles, mesmo contra alguns médicos que indicam o consumo moderado de vinho, que bebidas alcoólicas são drogas e não alimentos, como queriam

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os defensores da lei. Assim, foi preciso que eu ouvisse a opinião de médicos para chegar à conclusão de que as bebidas nos fazem mal. Não percebia isto quando a consumia. Se observarmos bem, o que é uma bebida alcoólica? É uma mistura de álcool (que usamos para limpar vidros, matar bactérias e mover automóveis) acrescida de água e algum suco natural (uva ou grão de cevada). Por que as pessoas submetem seus corpos a tamanha tortura? Isto me lembra Demócrito que disse que se o corpo pudesse levar a alma a um tribunal o faria devido a falta de cuidados da alma com o corpo! Em geral, as pessoas menosprezam o corpo, provavelmente porque não sabem como cuida-lo ou têm preguiça de fazê-lo.

Outro teste: comparar INTELIGÊNCIAS DOS HOMENS COM A DAS MULHERES. Em geral, os homens se saem melhor em testes de lógica (e se candidatam a curso de engenharia e física), que revela um tipo de inteligência, a abstrata. Pode-se aproveitar a oportunidade e brincar (e aprender e adquirir tolerância às diferenças): os homens em geral são mais lentos na tomada de decisão, já as mulheres são mais hábeis na comunicação interpessoal.

(teste 1): Continue a seqüência: 1) 1322543210, 1344543210, 1366543210, ... = 1388543210 2) 1234678125, 1236784125, 1237846125, ...= 1238467125 () 3) 2938204185, 3938204184, 4938204183,... = 5938204182 (o 1o par de

números é acrescido de 10 unidades e do último par é subtraída 1 unidade) 4) 4356787874, 4361787879, 4366787884, ... = 4371787889 (o 2o e o último

par de números são acrescidos de cinco unidades) 5) 4564310041, 4575533341, 4586756641, ... = 4597979941 (os pares das

extremidades não mudam, os números do interior alteram-se assim: aos dois primeiros é acrescido 1 unidade, aos 1 números seguintes são uma seqüência de números ímpares e os dois últimos ou penúltimos, se quiser, são acrescidas 3 unidades)

(teste 2): Continue a seqüência: (1) Um avião com 100 pessoas a bordo caiu junto à fronteira de Espanha. A

cabina da Primeira Classe caiu em Espanha, a cabina principal caiu no lado português. Qual país têm a obrigação de enterrar os 18 sobreviventes portugueses que viajavam em Primeira Classe?

( ) Portugal ( ) Espanha ( ) Nenhum ( ) O país onde está registrado o avião (2) qual figura de qual letra preenche o quadrado vazio?

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(3) Qual figura de qual letra completa o espaço onde está o ponto de interrogação?

(4) o número de quadrinhos claros na figura que ocupa a 10a posição é:

(5) Que palavra não pertence ao grupo? ( ) prata ( ) platina ( ) ouro ( ) marfim (6) Qual figura não pertence ao grupo?

Podemos, também, reunir todas as reflexões e chegar a uma definição do que é inteligência . Pode-se falar, também, das diferentes (múltiplas) inteligências (teoria de Howard Gardner ), e da diferença entre razão e irracionalidade (Há uma matéria de um jornal sobre a crise financeira norte-americana, cujo título é “momento é de irracionalidade”).

� É comum em nossas universidades o estudo de uma lógica que eu chamo

de lógica robótica , pois esta é sua principal aplicação. Podem dizer que aprender lógica, suas operações de dedução melhoram a capacidade de pensar. Tenho

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dúvidas, porque sempre fui um aluno abaixo da média em lógica e mesmo assim desenvolvi teorias filosóficas inéditas (para quem quiser, tenho um livro no Google books). Onde está o prazer em exercícios que tentam aumentar a capacidade e velocidade do pensamento com rotinas que lembram programas de computador? Um exemplo: “Você está em frente a 2 portas. Uma, conduz a um tesouro, outra, a uma sala vazia. Cosme e Damião as guradam. Ambos podem dizer “verdadeiro”, sempre mentir ou um diz a verdade e o outro mente. Não sabemos. Podemos fazer 3 perguntas:

P1: o outro guarda é da mesma natureza que você? P2: você é o guarda da porta que leva ao tesouro? P3: o outro guarda é o mentiroso? P4: você fala a verdade? A seqüência de perguntas que nos levarão à porta certa é: (a) P2 a Cosme, p2 a Damião e p3 a Damião; (b) P3 a Damião, P2 a Cosme e P3 a Cosme; (c) P3 a Cosme, P2 a Damião, P4 a Cosme; (d) P1 a Cosme, P1 a Damião, P2 a Cosme; (e) P4 a Cosme, P1 a Cosme, P2 a Damião. A propósito, dizem que a resposta certa é a letra (D). Outro teste, menos “neurótico” ou obsessivo é o seguinte: A sentença seguinte é “v” . A sentença anterior é falsa. E a resposta é que “não

há solução”. Por que fazer isto com as pessoas? Pode-se afirmar que são as pessoas que criam estes desafios, que trazemos dentro de nós monstros e sábios ou monstros sábios como a Esfinge que interpelou Édipo, rei de Tebas. Pode ser, mas por que não oferecer ajuda?

Do que dissemos antes, não significa que não tenhamos tentado ensinar a lógica formal (robótica). Exceção ao ensino da tabela de verdade, que seria impossível ensinar a alunos que mal sabem escrever. Além disso, tais tabelas têm uma concepção que vou chamar de antinatural : quando diz que mesmo se o antecedente de uma sentença for falso, a sentença será verdadeira se o seu conseqüente for verdadeiro. Por exemplo: Se chove, então o chão está molhado. Dizem os lógicos que “Se A, então B ”. Ou, ainda que A seja falso, desde que B seja verdadeiro, a sentença será verdadeira. Mas, não há sentença alguma ou nexo causal. Há, na verdade, apenas uma sentença, que se refere a algo real, ocorrido, o resto ou, precisamente, o que veio antes, a falsidade é fruto da imaginação. Não há coisas falsas existentes! Quanto ao aspecto de que essas mesmas tabelas trazem em si a crença nas relações de causa e efeito, de tal tese, não discordamos.

Queremos apresentar em detalhe uma tentativa que realizamos para aproximar os alunos das tabelas de verdade: selecionamos um exercício que constou com parte de uma prova nacional de matemática. Dizia assim: “se a temperatura está

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abaixo de 5o C, há nevoeiro. Se há nevoeiro, os aviões não decolam. Assim, também é verdade a sentença...”

(a) se não há nevoeiro, os aviões decolam. (b) se não há nevoeiro, a temperatura está igual ou acima de 5o C. (c) se os aviões não decolam, então há nevoeiro. (d) se há nevoeiro, então a temperatura está abaixo de 5o C. (e) se a temperatura está igual ou abaixo de 5o C, os aviões decolam. Eu, como meus alunos, tendemos a achar que todas as alternativas estão

certas. Por quê? Por que é estupidez dizer a um ser humano que o pensamento tem uma ordem! Então, para concordar com as tabelas de verdade, o que eu fiz? Criei uma regra, a partir da observação da ordem dos acontecimentos da sentença que está no enunciado e, depois, da negação daqueles mesmos acontecimentos:

Temperatura 5o C � Há nevoeiro � aviões não voam Temperatura diferente de 5o C Sem nevoeiro aviões decolam

Com base neste quadro, submetemos cada alternativa a regra (do quadro

anterior) para ver se elas estão ou não em conformidade: (a) a ordem certa seria: os aviões decolam se não há nevoeiro (ver sentido da

flecha “”) (b) esta é a certa: sem nevoeiro a temperatura é diferente de 5o C. (c) o certo seria dizer “se há nevoeiro, eles não voam”, pois os aviões podem

não decolar por outros motivos. (d) é o contrário: primeiro a temperatura deve estar abaixo de 5oC, depois

surge o nevoeiro. (e) é errada, pois a temperatura afeta primeiro o nevoeiro e não a decolagem

dos aviões. Mostrei, também, para eles outros exemplos mais fáceis: (1) “Se depois do avô vem o pai e depois dele o filho, então”: ( A ) se na há o avô, não há o filho? ( B ) se não veio o filho é porque não veio o avô? ( C ) se não veio o filho é porque não veio o pai? Com o sistema de flechas, fica assim: Avô � pai � filho Sem avô sem pai sem filho (2) Depois do 1, vem o 2, depois do 2 vem o 3, assim: ( A ) Se não veio o 1 é porque não veio o 3? ( B ) se não veio o 3 é porque não veio o 1? ( C ) se não veio o 3 é porque não veio o 2?

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Com o sistema de flechas, fica assim: 1 � 2 � 3 Sem 1 sem 2 sem 3 (3) Se corremos, ficamos saudáveis. Se ficamos saudáveis, não vamos para o

hospital. Assim, ( A ) se não corremos, não ficamos saudáveis. ( B ) se não corremos, vamos ao hospital. ( C ) Vamos ao hospital, se não estamos saudáveis Com o sistema de flechas, fica assim: Correr � ficar saudável � não hospital Não Correr não saudável ir ao hospital Para todas as questões (1), (2) e (3), a resposta é “C”. Deixo este exercício neste livro, pois já caiu um semelhante em uma prova de

concurso público, uma boa oportunidade de emprego para os nossos alunos. Há uma série de pequenos exercícios que realizamos dois anos seguidos e

são interessantes para fazer os alunos refletirem demoradamente sobre relações: há quatro crianças para as quais devemos relacionar quatro diferentes animais de estimação e nos são dadas pistas: o animal de Bobi não pode voar, o animal de Cal tem pêlos e o de Debi, também e o animal de Debi não late. Assim, vai-se completando um quadro como o seguinte: Pássaro Gato Cachorro Peixe Amy Bobi Cal Debi

Há outros: quatro crianças nasceram em diferentes países. Encontre quem

nasceu em qual país, segundo as seguintes pistas: Ana nasceu na Europa, a língua de Debi não é o inglês, Ben não é das Américas e Cal não é do hemisfério norte (é interessante lembrar os alunos que o hemisfério citado é o que está ao norte do Equador!).

França Reino Unido EUA Argentina Ana Ben Cal Debi

Por fim, há um teste bem mais difícil, atribuído a Einstein, encontrado em toda

a internet, difícil porque não há pistas suficientes e, a certa altura, é preciso

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improvisar, isto é, arriscar pôr informações em um lugar e ver se não surge alguma inconsistência com a planilha como um todo. De qualquer modo a acresceremos a seguir:

1. Há 5 casas de diferentes cores; 2. Em cada casa mora uma pessoa de uma diferente nacionalidade; 3. Esses 5 proprietários bebem diferentes bebidas, fumam diferentes tipos de

cigarros e têm um certo animal de estimação; 4. Nenhum deles têm o mesmo animal, fumam o mesmo cigarro ou bebem a

mesma bebida.

A Questão é a seguinte: Quem tem um peixe como animal de estimação? 1ª Casa 2ª Casa 3ª Casa 4ª Casa 5ª Casa Cor Nacionalidade Bebida Cigarro Animal Dicas O Inglês vive na casa Vermelha. O Sueco tem Cachorros como animais de estimação. O Dinamarquês bebe Chá. A casa Verde fica do lado esquerdo da casa Branca. O homem que vive na casa Verde bebe Café. O homem que fuma Pall Mall cria Pássaros. O homem que vive na casa Amarela fuma Dunhill. O homem que vive na casa do meio bebe Leite. O Norueguês vive na primeira casa. O homem que fuma Blends vive ao lado do que tem Gatos. O homem que cria Cavalos vive ao lado do que fuma Dunhill. O homem que fuma BlueMaster bebe Cerveja. O Alemão fuma Prince. O Norueguês vive ao lado da casa Azul. O homem que fuma Blends é vizinho do que bebe Água. As respostas que eu encontrei foram as seguintes:

1ª Casa 2ª Casa 3ª Casa 4ª Casa 5ª Casa amarela azul vermelha verde branca Norueguês Dinamarquês Inglês Sueco Alemão Água Chá Leite Café Cerveja Dunhill Blend Pall Mall Prince Blue

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Master Gato Cavalo Pássaro Cão Peixe

No exercício anterior reforçamos nossa linha de argumentação: há no mundo pessoas

assim, onde cada indivíduo consome itens diferentes dos outros, tem casa de cores distintas, hábitos diferentes e animais, também, diferentes?

Há um outro tipo de exercícios que envolvem falácias, porém, de um modo engraçado: (A) Deus ajuda quem cedo madruga

Quem cedo madruga, dorme à tarde

Quem dorme à tarde, não dorme à noite

Quem não dorme ànoite, sainabalada

Conclusão: deus ajuda quem sainabalada (B) Deus é amor

o amor é cego Steve wonder é cego Logo, Steve wonder é Deus

(C) Hoje em dia os trabalhadores não

têm tempo para nada Já os vagabundos... têm todo o

tempo do mundo Tempo é dinheiro Logo, os vagabundos têm mais

dinheiro do que os trabalhadores (D) Imagine um pedaço de queijo

suíço, daqueles bem cheios de buracos Quanto mais queijo, mais buracos Cada buraco ocupa o lugar onde haveria queijo Assim, quanto mais buracos, menos queijo Quanto mais queijos, mais buracos e quanto mais buracos, menos queijo

Logo, quanto mais queijo, menos queijo

(E) Disseram-me que eu sou ninguém Ninguém é perfeito Logo, eu sou perfeito Mas, só Deus é perfeito Portanto se Steve Wonder é Deus, eu sou Steve Wonder Meu Deus, eu estou cego!

(F) quando bebemos ficamos bêbados

quando estamos bêbados, dormimos quando dormimos, não cometemos pecados quando não cometemos pecados, vamos para o céu então, vamos beber para ir para o céu!

(G) Existem biscoitos feitos de água e

sal. O mar é feito de água e sal Logo, o mar é um biscoitão (G) Toda regra tem exceção

Isto é uma regra Logo, deveria ter exceção Portanto, nem toda regra tem exceção

(H) todos os cães são mamíferos,

todos os gatos são mamíferos, portanto, todos os gatos são cães

Aula 71: Exercícios de “lógica humana”. Então, como ficamos? Sugiro testes de lógica diferentes ...que vamos chamar

de “lógica humana ”, isto é, feita para humanos resolverem, fundada em problemas que humanos se depararão em suas vidas diárias:

Page 151: Filosofia Para Adolescentes

Teste Alfa: um dia o cão de minha família defecou fezes muito duras, que

pareciam pedras. O que aconteceu com ele? Podemos dar pistas aos alunos e esperar por suas perguntas:

- Ele vai só passear na rua? não, alguém o acompanha e ninguém o viu comendo areia;

- A comida dele é seca? Não e ele ao mastigar produz saliva que umidifica o alimento.

- Há em casa areia nos fundos? Não, era apartamento. - Há vasos de plantas? Não, apenas nas janelas onde ele não alcança. - Ninguém deixou cair nada no chão, com argila, terra, farinha de trigo, cacos de

vidro, etc? Não. - Há outros bichos morando na mesma casa? Sim, há um gato. Aqui está a

solução que espero eles cheguem sozinhos: o gato tem uma caixa de areia (grãos de argila) , nela ele defeca e o cão teve acesso a esta caixa e resolveu comer alguns grãos.

Aliás, se o leitor permite que eu faça uma interrupção aqui para lembrar por que não damos tanta importância ao estudo dos métodos dedutivo e indutivo: nesta história das fezes do cão, onde estão os métodos lógicos? Partimos de alguma lei? Todos os seres comem? Ok, mas ela é importante para resolver o dilema? Parece-nos que não. Tomamos diversos casos particulares de cães e examinamos suas fezes? Também não. Primeiro de tudo: partimos de um efeito e buscamos uma causa, algo totalmente diferente de uma dedução e indução que partem da identificação de causas até efeitos e, além disso, apenas no que diz respeito à areia, isto pode ser chamado de analogia, pois as fezes pareciam ser compostas de areia e em casa só havia areia na caixa do gato. Não sei se os próprios filósofos e lógicos sabem como realmente pensamos ou apenas querem apresentar um pensamento ideal! Teste beta: outra experiência curiosa e, até agora insolúvel: quando nos mudamos para uma nova casa, a vizinha do lado reclamou de um cheiro de gás no seu banheiro. Eis algumas pistas: - em ambas as casas (construídas com tijolos porosos) os banheiros não têm janelas e os cheiros e vapores do banho saem por uma ventilação comum que sobe até o telhado, tão comum que podemos ouvir os vizinhos tomarem banho através daquela comunicação de saída de ar, mas entrada de sons. Mas, segundo a planta das casas deve haver (não sabemos) um exaustor eólico no telhado para ambas as casas que deveria remover o mal cheiro;

- Os banheiros ficam no segundo andar; - No térreo ou primeiro andar, fica o aparelho que aquece a água que vai de

cano antigo até o banheiro; - O aparelho funciona assim: um botijão de gás (que fica no pátio, fora da casa)

libera o gás que dentro do aparelho (que também está fora da casa, nos fundos) é

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queimado e aquece a tubulação de água; somente a água quente sobe até o segundo andar;

- Um segundo botijão, que, também está do lado de fora da casa leva através de um encanamento gás até a cozinha que fica ao lado do pátio. No fogão, o gás é queimado e as panelas com alimentos são aquecidas.

Onde está a solução ? Não sabemos. Uma explicação: (a) o cano que levam o gás do pátio até o fogão pode ter sido mal instalado e, por isso, terem se rompido em alguma parte, o que faria com que o gás infiltra-se pelos tijolos porosos até o banheiro, no segundo andar; contudo, na época em que escrevíamos este texto, chamamos um técnico em aquecedores e perguntamos se ele já tinha visto algo assim ocorrer e sua resposta, foi que se isto ocorresse, o gás seria constantemente sentido, uma vez que ele estaria ininterruptamente se infiltrando nos tijolos. Outra explicação (b) é que os gases (produzidos por humanos) do banheiro não estejam saindo pelo duto até o telhado, pois ou não temos um exaustor eólico, ou ele não está funcionando e, assim, os gases vão parar no banheiro da vizinha, daí a reclamação. Aquele mesmo técnico tinha outra hipótese (c): de que o cheiro de cloro a uma temperatura alta da água produziria o cheiro do gás sentido pelos vizinhos e, algumas vezes, por nós mesmos. Aceitamos qualquer das duas soluções.

Pensamos, como solução se o cheiro continuasse a ser sentido pela vizinha, em ligar o botijão de gás direto ao fogão, para saber se não havia infiltração pelas paredes e pôr um outro botijão ligado ao aquecedor, no pátio. Mais recentemente, porém, a vizinha trocou uma válvula do seu próprio aquecedor – parecia que a fonte do gás estava em sua própria casa ou teria sido apenas mais um capítulo desta novela? Semanas depois, após tomar banho, senti um cheiro de gás e segui-o com o nariz até... o ralo do chuveiro. Era forte e vinha dali. Como o encanamento vai para a rua, pode ser o cheiro do esgoto ou de algo em decomposição?

Teste gama: Foi publicado na revista Época (7 de julho de 2008): “Numa cidade americana, 18

adolescentes ficaram grávidas. Pacto? Omissão dos adultos?”. Tal fato lembra o filme “Juno”, uma adolescente que aos 16 anos engravida na

primeira transa. Quando a barriga e os enjôos aparecem ela dá a notícia aos pais e rapidamente fala que encontrou um casal perfeito para a adoção do seu filho, sem se dar conta dos momentos angustiantes que ela viverá.

Na cidade de Gloucester (EUA), 18 adolescentes de uma escola pública engravidaram quase ao mesmo tempo, todas abaixo de 16 anos,

( ) Seria o efeito Juno, como definiu a imprensa? ( ) teria sido um pacto para engravidar, como sugeriu o diretor da escola, pois

todas elas eram amigas e ficaram felizes com a gravidez e, por isso, não adiantaria fornecer aos jovens anticoncepcionais e camisinhas?

Resposta (possível, não definitiva): “investigações mostraram que o pacto não existiu”. Por trás da epidemia de bebês está a glamorização da gravidez provocada

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em parte pelo filme JUNO, mas, principalmente, a falta de atenção dos pais e educadores: em março o médico da escola sugeriu a distribuição de pílulas anticoncepcionais e camisinhas - até aquele momento eram 10 grávidas. Diante da recusa mais a eliminação de parte das aulas de educação sexual, resultaria em um problema sério: logo, eram 15 grávidas e depois 18. Quanto ao pacto, houve, sim, dizem, mas posterior a gravidez: um pacto de apoiarem-se para criarem juntas os filhos. Uma creche foi aberta na escola e um comitê organizado para debater medidas para controle da natalidade – “precisamos nos precaver para que isto não aconteça de novo”, disse a prefeita da cidade.

Teste delta: Como conciliar dormir no verão com temperatura agradável sem suar

e sem ser atacado por mosquitos? Como os itens abaixo podem ser combinados da forma mais econômica para

resolver o problema? ( ) instalar uma tela na janela ( ) comprar um aparelho elétrico com veneno para mosquitos ( ) comprar um ar-condicionado ( ) passar repelente na pele ( ) deixar porta do quarto aberta ( ) deixar porta do quarto fechada

Aula 72: quadrado lógico

Há um tipo de exercício que não gostaríamos de abrir mão: o quadrado mágico . Contudo, os estudantes se sentiram perdidos quando trabalharam com ele. O quadrado mágico tem origem na Idade Média, pelos lógicos daquela época. É, na verdade, um recurso mnemônico muito útil para sabermos quando contradizemos alguém ou apenas dizemos algo contrário ao que a outra pessoa disse anteriormente. O problema é que, para adolescentes, contradição e contrário não são tão importantes.

Universais positivas (U+)

contrárias �

Universais negativas (U-)

s

ubal

tern

as

� � Se você ligar as setas em diagonal, encontrará frases contraditórias � �

sub

alte

rnas

Existenciais positivas (E+)

contrárias �

Existenciais positivas (E-)

Page 154: Filosofia Para Adolescentes

Houve algo positivo quando fizemos este exercício: quando dissemos que a frase “todos os homens são mortais” é contradita pela “Jesus não é mortal”, alunos questionaram se Jesus era mesmo imortal, pois seu corpo, também, morreu. Mas tais questões podem, também, serem debatidas no capítulo sobre Deus, alma, etc.

Podemos citar Aristóteles: como acontecem os atos morais, perguntou ele? Em nossa mente, realizamos um silogismo, uma dedução, ou ainda, uma série de passos que se iniciam por uma primeira premissa, válida universalmente, uma segunda premissa que se refere a fatos particulares e que, juntas, nos conduzem a uma conclusão. Na última etapa, a nossa alma deve afirmar o que foi concluído - ou negar - e, então agir.

Dá, então, o seguinte exemplo: dadas as premissas:

- “tudo o que é doce deve ser provado” e “aquilo é doce”, segue-se a conclusão de que a

- “pessoa que não é impedida de comer doce, deve provar aquilo que é doce”.

Se a premissa (universal), que está em nossa mente, nos recomenda não provar o doce, mas, ao lado dela, há outra premissa (também universal) dizendo que devemos provar o doce, pode ocorrer que sejamos levados a escolher a segunda alternativa. Isto é comum em pessoas ditas “incontinentes” - que se deixam levar pela parte irracional de suas almas - e isto ocorre que as suas conclusões não são propriamente conhecimentos - e nem mesmo a primeira premissa é universal -, mas, simples opiniões.

Aula 73: Explicação do 3o trabalho “faça

algo para mudar o mundo”. Organize uma campanha em grupo de três alunos visando convencer outras

pessoas a participarem. Pode ser uma campanha inédita ou a participação em uma Organização Não Governamental. Pode confeccionar uma camiseta, faixas, panfletos ou, então, mandar a mensagem por e-mail. Deixei livre, apenas dei exemplos bizarros (como: abasteça um carro e vá até Washington protestar contra George Bush, aliás, prova viva de que o homem descende dos primatas! Ou, então, proteste contra os casacos de pele ficando nu, coisa que sei que eles não fariam) para que eles tivessem idéias originais. Prazo: um mês.

Antes de tudo o professor deve dar o exemplo: em 2008, colocamos uma bandeira de um partido político na bicicleta, apesar de oposições que apareceram entre colegas de trabalho e ameaças de que eu poderia ser demitido (como ensinar os alunos a se expressarem livremente!, até porque o estatuto dos funcionários, artigo 178, proíbe atividades político-partidárias no local e horário de trabalho e das 7h30 ao meio-dia eu estava dando aula!), comprei um microfone portátil para dar melhor as aulas e diminuir a conversa epidêmica em todo o colégio e sugeri a compra de microfones portáteis à descrente e incompetente direção da escola, além

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de outros projetos, como levar os alunos a museus e cinemas. E, também, ir de bicicleta para o colégio, evitando tomar ônibus e contribuindo para reduzir a emissão de gases na atmosfera e tentando convencer os outros a fazer isto também, embora não explicitamente, pela timidez, mas, sim, pelo exemplo.

Útil contar a história do beija-flor que queria apagar o incêndio na floresta,

enquanto os outros animais zombavam dele. Sua resposta? Estou fazendo a minha parte!

� Devemos, contudo cuidar para que os alunos não inventem histórias.

Pedi-lhes que apenas fotografasse os alunos do grupo incentivando pessoas a se integrar à campanha e muitos nada fizeram senão eles mesmos trazendo roupas de casa ou pagando um pastel para um sem-teto.

Aula 74-75: vídeo “V de vingança”, política,

tirania, anarquismo, cidadania. "Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos." Nietzsche Vi alguns alunos chorando ao final deste filme. Ele trata de diversas questões importantes:

aceitação da diferença, o papel dos indivíduos nas transformações sociais, o determinismo e a liberdade, governos que tomam decisões em nome do povo, mas sem a participação do povo, o risco de se definir democracia como governo da maioria oprimindo a minoria, a existência de um governo que manipula a informação e faz o que quer sem prestar contas (tirania), etc. Podemos propor o seguinte debate: até onde pode ir um governo? Deve governar sozinho? O povo deve participar apenas na eleição? Há outras formas de participação? A lei tem limites ou decide sobre toda a nossa vida? Podemos citar frases, como a de Nietzsche: “Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos".

Houve uma tirania real, o nazismo: ... A propaganda nazi colocava os soldados alemães na posição desse super-homem e,

segundo Peter Scholl-Latour, o livro "Assim Falou Zaratustra" era dado a ler aos soldados na frente de batalha, para motivar o exército. Isto também já acontecera na Primeira Guerra Mundial. Como dizia Heidegger, ele próprio nietzscheano e nazista, “na Alemanha se era contra ou a favor de Nietzsche”.Todavia, Nietzsche era explicitamente contra o movimento anti-semita, posteriormente promovido por Adolf Hitler e seus partidários.

...A este respeito pode-se ler a posição do filósofo: “Antes direi no ouvido dos psicólogos, supondo que desejem algum dia estudar de perto o ressentimento: hoje esta planta floresce do

modo mais esplêndido entre os anarquistas e anti-semitas (anti-judeus): aliás onde sempre floresceu, na sombra, como a violeta, embora com outro cheiro.”... “tampouco me agradam esses novos especuladores em idealismo, os anti-semitas, que hoje reviram os olhos de modo cristão-ariano-homem-de-bem, e, através do abuso exasperante do mais barato meio de agitação,

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a afetação moral, buscam incitar o gado de chifres que há no povo...” (in Genealogia da Moral) (Nietzsche - Wikipédia).

Um livro muito educativo é o de ficção cientifica: “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley, ambientado em uma sociedade do futuro onde as pessoas nascem em laboratórios (não mais em úteros) e há três classes de pessoas de acordo com a quantidade de oxigênio que se dá aos fetos, umas mais desenvolvidas que terão cargos de administração e outras, que terão os trabalhos manuais mais simples e de menor remuneração. Além disso, os prazeres foram proibidos, em benefício do progresso. O que eles, alunos, pensam disto? Será este o nosso futuro? Ou já é o nosso presente?

Há dois temas que podem ser abordados como alternativas ou complementos ao estudo sobre

política: (a) positivismo: escola filosófica que acredita que a humanidade alcançou um estágio que

ultrapassa a infância (teológica) e a adolescência (metafísica) e visa ao domínio da razão como critério para a tomada de decisões, embora seu pensador principal, Augusto Comte tenha transformado a doutrina em religião da humanidade, humanidade endeusada em uma figura feminina. Situada em um momento histórico em que era preciso afirmar o método científico como critério de busca de verdades em oposição à solução medieval escolástica, que misturava fé com razão, tinha por lema “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”, cujas duas últimas sentenças estão na bandeira do Brasil e lema da pátria.

Da wikipédia extraímos as testes gerais do positivismo: O Positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como

desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica. A humanidade passou por três estágios evolutivos: (1o) teológico: busca explicações em um ser sobrenatural (Deus); (2o) Metafísico: explicações racionais sem apelo a um Deus, mas a conceitos abstratos, inalcançáveis; (3o) positivo: conhecimento parte de observações, experiência e matemática, na procura pelas leis da natureza.

O positivismo influenciou a proclamação da república (e a queda da Monarquia) no Brasil, destacando-se Benjamim Constant (militar), Euclides da Cunha (escritor), Cândido Rondon (expandiu o território brasileiro), Lindolfo Collor (leis trabalhistas), Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros e Getúlio Vargas.

Depois do golpe que tirou Deodoro da Fonseca do poder (1o presidente do Brasil), no Rio grande do sul, o governo de Júlio de Castilhos (que redigiu sozinho a Constituição estadual e disputou eleições sem concorrentes) sofreu resistência por parte dos federalistas (partido de Gaspar Martins, seus seguidores eram os maragatos), o que produziu uma guerra civil (1893-1895) , vencida pelos pica-paus ou chimangos (seguidores de Castilhos). A paz foi assinada na cidade de Pedras Altas, no dia 23 de agosto de 1895.

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Durante a guerra civil gaúcha, ocorreram 10.000 mortes e a prática da degola de prisioneiros (a vítima tinha os pés e as mãos amarrados, a cabeça para trás e a faca era passada de orelha a orelha, como se faz com ovelhas). Em novembro de 1893, o maragato Adão Latorre mandou degolar 300 pica-paus, contidos em um cercado de gado, conhecido depois por “o potreiro das almas”, perto de Bagé, hoje Hulha Negra. Em 5 de abril, no Combate do Boi Preto há a degola de 250 maragatos em represália. Algumas vezes, a degola era antecedida por castração. Dentre as explicações estão: o ressentimento de ambos os lados, desavenças pessoais e o caráter rude do homem da campanha acostumado a sacrificar o gado, além da incapacidade militar e logística de manter prisioneiros encarcerados, alimentados e poupar munição.

A bandeira do Brasil se seguisse o lema completo do positivismo teria como lema:

AMOR POR BASE, ORDEM POR MEIO E PROGRESSO POR FIM. (b) o anarquismo.

Anarquia - Aqui e agora? Revista Superinteressante (Eduardo Szklarz) Que tal viver em um mundo sem hierarquia e sem leis, sem governos nem papas? No século

19, os anarquistas imaginaram uma sociedade assim. Os indivíduos se encontrariam acima dos Estados, criando e dividindo produtos entre si. Salvo algumas experiências efêmeras, o anarquismo nunca virou realidade. Será? Hoje, a Wikipedia é a maior enciclopédia do mundo graças ao esforço coletivo dos internautas. Como prega o anarquismo, ela foi formada pelos próprios leitores, que escreveram e editaram verbetes. No ano passado, os brasileiros dividiram entre si mais de 1 bilhão de arquivos de música e levaram milhões de vídeos a sites de conteúdo coletivo como o YouTube (que reúne 100 milhões de vídeos grátis – 65 mil vídeos novos por dia. A gravadora Warner se associou ao YouTube para distribuir discos; as TVs CBS e NBS também fizeram acordos para difundir seus seriados). Artistas e bandas famosas ... declararam suas músicas de uso público, como fariam os anarquistas. Já se fala em “copyleft” (deixar copiar) em vez do “copyright” (direito de propriedade). O Linux, um sistema aberto alternativo ao monopólio do Windows que inaugurou a onda dos produtos feitos por voluntários e distribuídos de graça. Era o início do chamado movimento software livre. Para o cientista de computação Jaron Lanier, que popularizou o termo "realidade virtual", a colaboração planetária acaba com a criatividade individual para formar uma massa sem rosto, que ele chama de "maoismo digital" (em alusão ao regime do ditador chinês Mao Tsé-tung). Para ele, esse esforço coletivo acaba reproduzindo a vida rotineira de uma colméia e nivelando por baixo o produto final. Fora da realidade virtual, está na moda proteger os animais e deixar de comer carne – bandeiras lançadas pelos pensadores libertários do século 19. Estamos vivendo em um mundo anarquista?

A princípio, não. "O poder do Estado pode estar menor, mas não foi substituído pelo poder popular", diz o historiador britânico Michael Eaude. Além disso, o espírito comunitário e os movimentos baseados no esforço coletivo sempre existiram. A coisa só mudou no século 18,

quando a diferença entre sociedade civil e Estado ficou clara. Foi quando a Revolução Francesa desbancou o rei, guilhotinou os nobres e ceifou o poder da Igreja. A partir de então, conceitos esquecidos, como democracia, igualdade e liberdade, ganharam força. As pessoas se deram conta de que Estado é uma coisa, sociedade é outra. E se a sociedade se

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apoderasse do governo? E se pudesse viver sem ele? Com essas idéias na cabeça, o povo saiu às ruas de toda a Europa do século 19, se organizando em torno de duas ideologias principais: Uma era a do alemão Karl Marx, que via na luta de classes a raiz de problemas como pobreza e violência. Para Marx, a dominação de classes desapareceria só depois que os revolucionários tomassem o poder e transferissem a propriedade para a esfera coletiva. Algo como confiscar todos os bens e dividi-los entre todos. Já o francês Joseph Proudhon pensava diferente. No livro O Que É a Propriedade?, ele afirmou que "a propriedade é um roubo" e "os governos são a maldição de Deus". Ou seja: Proudhon condenava a propriedade privada do mesmo jeito que Marx, mas rejeitava qualquer forma de Estado, mesmo com os trabalhadores no comando. "Como buscam o poder, todos os partidos são variantes do absolutismo", dizia. Em 1872, seus seguidores romperam com os marxistas durante o Congresso de Saint-Imier, na Suíça. "Eles deixaram claro que a destruição de qualquer poder político era o primeiro dever do proletariado", diz o escritor argentino Eduardo Colombo no livro La Voluntad del Pueblo ("A Vontade do Povo", inédito no Brasil). O segundo passo seria a associação dos indivíduos por meio de cooperativas operárias, que em conjunto formariam uma federação. Várias federações conduziriam à sonhada sociedade libertária, livre de opressão. Para as cooperativas saírem do papel, Proudhon apostava num tal Banco do Povo, que emprestaria com juro mínimo para que o pessoal levasse adiante seu negócio sem depender de patrão. Na linguagem anarquista, essa prática é chamada de mutualismo. O Banco do Povo até chegou a ser criado, mas nunca funcionou direito por causa da língua solta de seu fundador. Proudhon vivia criticando o governo de Napoleão 3º em artigos de jornais. Acabou preso.

Mas o caminho já estava aberto para outros libertários. Um deles foi o russo Mikhail Bakunin, que adicionou pimenta revolucionária na receita anarquista. "Destruir para criar!", bradava o grandalhão enquanto fugia das tropas do czar Alexandre 2º. No manuscrito Deus e o Estado, Bakunin denunciava os absurdos cometidos em nome do criador: "Se Deus existe, então o homem é escravo. Mas o homem pode e deve ser livre; portanto, Deus não existe". Bakunin concordava com Marx sobre a idéia de dividir fábricas, empresas e fazendas entre todos. Mas dizia que ela não deveria ser feita por uma autoridade, e sim por uma decisão do povo, de baixo para cima.

Com ou sem diferenças, os anarquistas trataram de colocar suas idéias em prática. Alguns foram para o movimento operário, influenciando os trabalhadores e todo o pensamento de esquerda que segue até hoje. Outros decidiram também criar sociedades perfeitas a partir do zero em lugares distantes como o Brasil. "A anarquia não começaria numa data marcada, mas como um processo contínuo à medida que o homem evoluísse e deixasse o mundo animal". Essa é a lógica anarquista: se a sociedade é um produto natural, então o homem não precisa de nenhum fator externo para viver em harmonia. Portanto, todos aqueles que tentam impor leis e governos são inimigos. Mas será que funciona? "Seus seguidores podiam estar de acordo com seus objetivos básicos, mas tinham profundas divergências quanto às táticas para atingi-los", afirma o escritor canadense George Woodcock, autor do livro Anarquistas. Nada mais natural: uma ideologia que é contra o poder não podia mesmo ter uma liderança ou um ideário unificado.

O escritor russo Leon Tolstoi pregava a resistência não violenta contra o Estado, enquanto o italiano Errico Malatesta defendia a greve geral e a expropriação de terras. Já o anarquista russo Sergei Nietchaiev não queria saber de papo: o negócio era partir pro ataque. Em seu Catecismo Revolucionário, ele conclamava seu séqüito a cometer todos os assassinatos necessários e a roubar para financiar as operações supostamente libertárias. Foi quando começaram a pipocar bombas contra nobres, políticos e delegados na Europa. Uma figurinha temida da época foi o francês Jean Ravachol, que detonava dinamite nas casas dos juízes. Ravachol acabou na guilhotina, mas seus simpatizantes mataram vários líderes. A partir de 1894, em menos de 20 anos, anarquistas mataram dois primeiros-ministros espanhóis, o rei Humberto da Itália, a imperatriz Elizabeth da Áustria, o presidente francês Sadi Carnot e, em 1901, até mesmo o presidente dos EUA, William McKinley. Os parlamentos responderam com leis antianarquistas, e a

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polícia os tratou como bandidos comuns – cristalizando a noção de que anarquismo é sinônimo de caos. Muitos acabaram acusados injustamente. "Podemos rastreá-los hoje em grupos individualistas e anticlericais, estéticas de vanguarda, direitos humanos, no pacifismo, no movimento pelo uso prazeroso do corpo e nos protetores dos animais" ... "A idéia dos contratos entre pessoas é linda, mas ingênua. Sempre vai ter quem se aproveita dos contratos dos mais fracos", diz Antonio Martino, professor de ciência da legislação da Universidade de Pisa. "Para resolução pacífica de conflitos, nada melhor que regulamentar. E o ideal é ter sanções." Mesmo assim, as idéias libertárias influenciaram o mundo. Talvez você não perceba, mas várias práticas do seu dia-a-dia também derivam dessa fonte. Você estudou em salas mistas, com meninos e meninas? Pois turmas assim eram comuns nas escolas anarquistas do fim do século 19. Por acaso está pensando em juntar com o namorado? Saiba que o amor livre (a livre união entre as pessoas sem casamento ou contrato) era um dos refrões libertários mais de 100 anos atrás. A internet também alenta o traço anarquista de terror. É certo que anarquistas e jihadistas têm metas opostas: uns querem abolir o Estado, outros buscam implantar um Estado ainda mais autoritário, a teocracia. Mas os métodos coincidem. "Para jihadistas, leia-se anarquistas", estampou uma reportagem especial da revista inglesa The Economist no ano passado. Os dois grupos usam a "propaganda pela ação". Kropotkyn dizia que um ato vale mais que 1000 panfletos. Bin Laden não tem dúvida disso: atos como os dele surgiram na história moderna com os revolucionários de esquerda. Para o bem ou para o mal, os dias de hoje herdaram vários traços do anarquismo. Mas isso não significa que estamos caminhando para uma sociedade sem chefes ou governo. "Boa parte do poder do Estado tem sido ocupado pelas multinacionais. E ninguém imagina que um dia viveremos sem comércio ou dinheiro. A sociedade precisa de certa ordem para evitar a barbárie, e o autogoverno é o caminho mais rápido para a barbárie", diz o cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). O problema é que, na história, o Estado já resultou em barbáries maiores que as que a anarquia poderia tornar possível. O cientista político Rudolph Rummel, da Universidade do Havaí, coletou o número de assassinatos que os Estados cometeram no século 20. Na ponta do lápis: 170 milhões. Os mais mortíferos foram URSS (62 milhões), China (35 milhões) e Alemanha nazista (21 milhões).

Aula 76-77: Apresentações do 3o trabalho “faça algo para mudar o mundo”.

Em geral, eles não gostam de apresentar , mas, uma vez que fizemos poucos

trabalhos onde eles precisavam falar em público e como falar em público é útil para a vida futura, vale a pena insistir neste tipo de apresentação.

Há um outro motivo: fazer com que a filosofia deixe de teorizar sobre o mundo

e ajude a transformar o mundo, conselho do filósofo Karl Marx, Outro Karl, só que Popper, destacou a contribuição de Marx: mostrar que a pobreza não é uma dádiva de Deus ou parte da ordem e perfeição do mundo (apesar de muitos acreditarem que a natureza supria continuamente os ricos de mão-de-obra oriunda das classes pobres).

Para evitar dúvidas é aconselhável pedir: ( ) trabalho escrito com a proposta da campanha,

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( ) quais alunos participaram, ( ) qual foi o período da campanha, ( ) provas (com fotografias ou abaixo-assinados) das pessoas que

participaram, que não deve incluir os próprios alunos.

Aula 78: Documentário: O segredo. A apresentação deste documentário será útil para o exercício seguinte quando

pediremos aos alunos que listem objetivos que pretendem realizar ao longo de toda a sua vida. Há boas contribuições neste filme: (1) a tese de que o universo é algo consciente (à semelhança da tese dos estóicos de que o cosmos é um animal racional) e que ele responde aos nossos desejos, desde que os visualizemos (embora para os estóicos nós seríamos tão somente atores desempenhando um roteiro prévio, não decidido por nenhum de nós) e (2) de que devemos fixar metas para as nossas vidas, ir atrás delas e, para isso, podemos “reprogramar” o cérebro (e suas ligações neurológicas) com sugestões positivas e não negativas.

Aula 79: 4o trabalho: fixe objetivos para

toda a vida. Nesta aula, proporemos que os alunos listem 10 objetivos para a vida,

individualmente. Depois, que todos comentem, sem citar nomes, trocando as listas uns com os outros, os principais objetivos fixados. Surpreenderemo-nos, certamente, com os mais variados objetivos que aparecerão, alguns mais viáveis do que outros, mas esta será uma oportunidade de reafirmar a disposição individual para fazer algo importante na nossa vida e na dos outros.

Uma alternativa à tarefa anterior, que reconhecemos um pouco mórbida para

adolescentes e mesmo para adultos, é pedir que escrevam seu próprio obituário, a partir de exemplos reais tirados de jornais. A experiência é chocante, sabemos, mas serve para endurecer o espírito, amadurecê-lo e, para isso, uma experiência emocionalmente intensa e triste é oportuna, ainda que dirigida a adolescentes.

Ocorre que na turma em que realizamos esta tarefa (turma 223/ 2008) três a quatro alunos acompanhados de seus familiares foram se queixar da tarefa e, por isso, evitaremos repeti-la em aula, o que não nos impedirá de falar sobre ela para que os alunos: (1) reduzam o medo da morte e preparem-se para ela vivendo a vida intensamente, especialmente em qualidade e não tanto em quantidade – como disse Sêneca: na está em nosso controle quanto viveremos mas quão bem viveremos. (2) façam planos para toda a vida, compreendendo a sua finitude, mas procurando realizar-se (como indivíduo e, também, cidadão) o mais plenamente possível durante este período.

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Antonio Jaques de Matos

Morreu no dia 17 de setembro de 2173, com duzentos anos, o detentor do recorde mundial de longevidade, o professor e filósofo Antonio Jaques de Matos, atropelado quando ia para o trabalho em sua bicicleta movida a energia solar. Dizia que queria morrer no dia em que nasceu, embora isto não fosse possível, pois a Terra nunca voltaria àquele ponto de partida, mas porque isto simbolizava parte da sua doutrina, de que o universo é predominantemente cíclico. Foi Prêmio Nobel de Física por ter descoberto que o tempo não é real e a duração das coisas é uma dor sutil produzida na memória a partir da percepção de repetidas sensações. Abriu uma escola de filosofia, mas continuava lecionando na escola pública onde começou a trabalhar. Disse que queria aperfeiçoar o ensino para os adolescentes. Há sempre uma possibilidade de dar uma aula melhor que a anterior. Presidente do Brasil em um único mandato, liderou a resistência e a vitória das nações livres contra a ditadura dos Estados Cristãos da América, estatizou a extração de madeira, apoiou as pesquisas para a obtenção de alimento direto do CO2 da atmosfera, reintegrou à vida social um grupo de ambientalistas que por alteração genética haviam fundido seu “dna” ao de árvores, pássaros e tigres e ajudou na construção da primeira máquina antigravidade, o que lhe deu o seu segundo prêmio Nobel de Física e ao fim de sua gestão, a Lua e o planeta Marte já estavam colonizados. Em seu governo aprovou a lei que exige teste psicotécnico para quem quer ser pai e casar. Sua tese de que somos Deus e não precisamos rezar para nós mesmos causou-lhe o rompimento com a Igreja Muçulmana de Roma. Monogâmico convicto, deixa uma viúva, seu tipo ideal, como enfatizava, dois filhos, dezenas de árvores e livros on-line gratuitos, porque nenhuma editora o aceitou em vida: “Curso de Filosofia temática”, “Os Mitos dos tempo, do ego e das leis”, “Filosofia para adolescentes” e “Arte filosófica”. Dizia que, diante de uma doença grave, a morte era uma amiga. Seu corpo foi cremado ontem e

espalhado sobre a galáxia onde nasceu.

Aula 80: fechamento do ano e notas.

Esperamos que este tenha sido um bom ano, do qual nos lembremos com saudades. Espero, também, que os alunos não esqueçam da filosofia: a atividade de se fazer por quês, os mais distantes possíveis!

Conclusão Nossa presente proposta não é um trabalho acabado, antes um esboço de

planos de aulas, um guia para quem quer percorrer o caminho que leva a Filosofia até os adolescentes. Antes de tudo, o professor precisará se interessar por todos os assuntos que a filosofia abordou nos últimos séculos e continuará abordando, não, apenas, memorizando-os, mas construindo opiniões fundamentadas sobre eles, especialmente a partir da relação que se possa fazer entre as teorias e as

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experiências que vivemos em nossas vidas, o que contribuirá para o desenvolvimento de suas próprias teses, quando as já existentes se mostrarem insuficientes.

O professor precisará, também, estar aberto a mudanças. Para isso, sugerimos que ele aceite e estimule a vinda de estagiários (de filosofia ou outras áreas, como a pedagogia), para que fique mais fácil oxigenar sua mente e propor novas metodologias mais próximas dos adolescentes e, ouça as sugestões dos alunos, que, em geral, desejariam aulas que se aproximassem de suas vidas e de seus gostos. Aliás, é muito comum que uma aula seja bem recebida por uma turma, mas não por outra, isto é, seja um sucesso na turma 213 e um grande fracasso na 214. Poderia pensar que cada turma tem uma personalidade, uma consciência coletiva (como certa vez especulou Freud ou como Jung acreditava), mas o que ocorre é que há lideranças que dão o tom, ou seja, definem o comportamento da turma, o restante dos alunos os seguem. As más lideranças (bagunceiras, imaturas), estas, deveriam ficar na biblioteca, mas isto depende o quanto a direção da escola se sensibiliza em ajudar os professores, coisa rara!

Não há nada de errado em reconhecer suas limitações em sua didática, pois há uma natural distância entre a filosofia que aprendemos nas Universidades e os interesses juvenis, fato que nos estimulou a escrever este livro e que deve preocupar quem ensina filosofia, não importando que idade tem aquele que a estuda – se é criança, jovem ou ancião: é preciso, como escreveu Kant, descermos das altas torres do que o próprio pensamento abstrato constrói, ainda que a vida seja, tal como pensava Platão, um retorno à caverna para esclarecer aqueles que não vêem a essência das coisas, com todos os riscos inerentes a esta árdua tarefa, o que não significa a posse da verdade suprema, mas a posse de um número maior de perspectivas, que possam nos mostrar que há perguntas mais difíceis e respostas mais completas que nem pensávamos que existissem! [fim]


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